RESUMO: Os contínuos processos de industrialização e urbanização somados ao consumo desenfreado têm originado diversos danos à sociedade contemporânea. Dentre eles, destacam-se os danos ambientais decorrentes de resíduos sólidos pós-consumo, que podem ser caracterizados como um novo dano da pós-modernidade. Nesse contexto, pretende-se analisar, a partir do ordenamento jurídico brasileiro, a tutela jurídica dos resíduos sólidos e, consequentemente, dos danos ambientais pós-consumo, com fundamento na Lei 12.305/2010, também conhecida como Política Nacional de Resíduos Sólidos. A metodologia utilizada na presente pesquisa foi a bibliográfica, com método indutivo e qualitativo, com o auxílio da doutrina, legislação e jurisprudência. Inferiu-se que a referida Política introduziu ao ordenamento importantes responsabilidades preventivas aos atores participantes na cadeia de produção e consumo, como por exemplo, a obrigação de implementar o sistema de logística reversa.
Palavras-chave: Política Nacional de Resíduos Sólidos. Responsabilidade pós-consumo. Dano da pós-modernidade. Logística reversa. Princípio da responsabilidade compartilhada.
INTRODUÇÃO
Alguns séculos após a Revolução Industrial, a sociedade contemporânea passa a enfrentar e discutir os danos ocasionados pela intensa atividade industrial e a produção em massa de bens de consumo.
O consumo é um fenômeno social, não envolve apenas a satisfação das nossas necessidades. Isso porque as nossas opções de consumo envolvem um contexto de inserção na vida em sociedade, levando em consideração fatores econômicas, sociais e culturais. Assim, podemos afirmar que na contemporaneidade, vivemos a chamada cultura do consumo.
O aumento, acúmulo e a destinação final dos resíduos pós-consumo tem sido um problema de implicações potencialmente lesivas ao meio ambiente e, por consequência, para a saúde e a própria vida humana.
A problemática sobre geração e manejo de resíduos sólidos tem ganhado visibilidade no mundo contemporâneo, em especial, a partir do momento em que se reconhece a gravidade e a extensão dos danos que a disposição final inadequada dos resíduos pode gerar à saúde humana e ao meio ambiente.
O consumo em massa característico da pós-modernidade implica em reflexões acerca de como proceder frente aos desafios instaurados diante de diversos danos ambientais provocadas por resíduos sólidos. Diante disso, tornou-se evidente que um dos grandes desafios da sociedade pós-moderna é o gerenciamento dos resíduos sólidos pós-consumo.
Nesse contexto, pretende-se analisar a responsabilidade civil por danos gerados por resíduos sólidos após o consumo com base na Lei 12.305/2010, também conhecida como Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), e demais legislações ambientais.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos aborda um dos maiores desafios, em termos ambientais, das políticas públicas voltadas à diminuição dos índices de poluição e degradação do meio ambiente gerados por resíduos sólidos.
Isto porque a referida lei trouxe uma série de inovações em suas metas, princípios e instrumentos com o objetivo de enfrentar os principais problemas ambientais, sociais e econômicos decorrentes do manejo e disposição inadequada desses resíduos.
O fundamento da Lei 12.305/2010 está intimamente ligado ao princípio da solidariedade e do desenvolvimento sustentável dispostos no 225 da Constituição Federal de 1988, o qual afirma “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
O referido dispositivo constitucional estabelece que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito de toda a coletividade, portanto, de natureza jurídica nitidamente difusa, privada de um portador específico, pertencente a todos e não a ente estatal ou ao cidadão.
Nesse ínterim, importante que se faça o questionamento sobre as políticas públicas e medidas aplicáveis aos resíduos não aproveitáveis, gerados após o consumo. Assim, é de inegável importância o estudo da tutela dos danos ao meio ambiente natural gerados por resíduos sólidos pós-consumo, diante dos possíveis desastres ambientais causados, dentre outros fatores, pela produção em larga escala e o consumo desenfreado.
A própria Constituição define os legitimados passivos pelos danos causados ao meio ambiente: o Poder Público e a coletividade. Nesse sentido, Lei 12.305/2010 e demais instrumentos legislativos definem as responsabilidades específicas de cada participante na cadeia geradora de resíduos sólidos.
Destarte, o presente artigo tem como finalidade analisar as obrigações de cada sujeito produtor de resíduos sólidos pós-consumo, enfatizando a importância da participação destes para alcançar o propósito da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).
A problemática central deste artigo versa, sobretudo, quanto à tutela jurídica dos fenômenos sociais e ambientais vivenciados na sociedade pós-moderna. Assim, a metodologia utilizada para direcionar a pesquisa foi a bibliográfica, com método indutivo e qualitativo, com o auxílio da doutrina, legislação e jurisprudência, visto que possibilitam a reflexão e a compreensão dos problemas e das contradições que envolvem o tema.
1.O TRATAMENTO JURÍDICO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS PÓS-CONSUMO.
Nos primórdios ordenamentos jurídicos, os resíduos sólidos tinham natureza de bem móvel, assim, a disposição dos resíduos pós-consumo tinha natureza jurídica de res derelictae, ou seja, abandono da coisa móvel. Nesse sentido, o gerador do resíduo seria o detentor, e após o seu descarte ocorreria o abandono, o que não geraria qualquer responsabilidade a este detentor.
Ocorre que o regime jurídico dos direitos reais aos resíduos pós-consumo tornou-se insuficiente e inadequado para a atual concepção dos resíduos, posto que aquele previa o abandono como forma de extinção do direito de propriedade. A conjectura jurídica contemporânea, especialmente após o advento da Constituição Federal, não tolerava mais a irresponsabilidade pelos prováveis e nefastos danos causados por resíduos sólidos.
A relevância jurídica dos resíduos passa a existir a partir do momento em que se percebe seu potencial lesivo ao meio ambiente e à qualidade de vida, potencial agravado pelo volume de resíduos produzido, diretamente proporcional à ampliação do consumo de massa.
A irresponsabilidade daí decorrente ia em sentido contrário à intenção do constituinte brasileiro, visto que a Constituição Federal garante a responsabilidade civil, administrativa e penal pelos condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, nos termos do § 3º do art. 225, in verbis:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
[...]
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Dessa forma, as teorias acerca da natureza jurídica dos resíduos sólidos precisavam evoluir. Assim, pensando no avanço da tutela do meio ambiente, Patrícia Lemos (2014, p. 87) entende que a atual concepção do meio ambiente como direito fundamental de terceira geração impõe uma nova interpretação do direito de propriedade e, nesse sentido, defende a natureza jurídica dos resíduos pós-consumo como um bem socioambiental:
“A proteção que se pretende ao meio ambiente não se exaure na tutela de bens singulares componentes do meio ambiente unitariamente considerado. Assim, temos que selecionar os chamados bens ambientais, essenciais à manutenção da vida das espécies, sendo irrelevante tratar-se de bens de titularidade privada ou pública. Cuida-se da dupla titularidade dos bens socioambientais. Por isso, classificamos os resíduos como bens socioambientais que, por sua importância para as presentes e futuras gerações, acabam por gerar responsabilidade do proprietário ou do possuidor”.
Inclusive, a autora propôs e obteve aprovação do Enunciado 565 na IV Jornada de Direito Civil, organizada pelo Conselho Federal de Justiça, a respeito da interpretação do art. 1.275, III, do CC/2002, com a seguinte redação: “não ocorre a perda da propriedade por abandono de resíduos sólidos, que são considerados bens socioambientais, nos termos da Lei 12/305/2012”.
Destarte, a partir do momento em que os resíduos sólidos não são mais considerados coisa de ninguém, surge a responsabilidade sobre os seus geradores. Nessa perspectiva, o regime jurídico não tutela mais apenas três fases do ciclo econômico do resíduo, quais sejam, a produção, a distribuição e o consumo dos produtos, mas também tutela a disposição final ambientalmente adequada dos resíduos pós-consumo.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos considera como geradores de resíduos sólidos as “pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, que geram resíduos sólidos por meio de suas atividades, nelas incluído o consumo”, disposto no inciso IX do art. 3º da referida legislação.
Percebe-se, portanto, que o atual ordenamento jurídico brasileiro tutela a responsabilidade pelos resíduos sólidos pós-consumo, quem quer que sejam seus geradores. Assim, são responsáveis, nos termos da lei, os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes e os consumidores, ou seja, toda a cadeia produtiva dos resíduos pós-consumo.
2.ANÁLISE DA RESPONSABILIDADE PREVENTIVA INSTITUÍDA NA POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS.
O ordenamento brasileiro, considerando a importância do meio ambiente como bem jurídico, adota a responsabilidade civil objetiva pelos danos ao meio ambiente. A tutela foi consagrada na Política Nacional de Resíduos Sólidos (lei 6.938/81), cuja recepção pela Constituição Federal de 1988 se deu com fundamento no § 3º do art. 225, in verbis:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
[...]
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
O autor Cesar Antonio Pacheco Fiorillo (2014) entende que “A adoção pela Constituição Federal do regime da responsabilidade objetiva implica a impossibilidade de alteração desse regime jurídico da responsabilidade civil, em matéria ambiental, por qualquer lei infraconstitucional”.
Nesse sentido, a PNRS deve seguir o regime jurídico firmado na Carta Marga, de forma que os produtores de resíduos sólidos são responsáveis, objetivamente, independentemente de culpa ou dolo, pelos danos causados ao meio ambiente.
Além das responsabilidades pós dano, a proteção do meio ambiente, tanto na PNRS como nas diversas legislações ambientais, envolve medidas diretamente preventivas como educação, investigação, estudos de impacto ambiental, licenciamento, entre outros, quanto medidas de desestímulo às práticas degradadoras decorrentes das responsabilidades civil, penal de administrativa.
Ocorre que, entendimento tradicional da doutrina e da jurisprudência é de que o regime da responsabilidade civil objetiva é acionado após a ocorrência do dano, com a finalidade de que as indenizações financiem a recuperação do meio ambiente. Nessa seara, a Política Nacional de Resíduos Sólidos trouxe inovações ao sistema da responsabilidade civil ambiental, isto porque a novel legislação determina diversas obrigações aos possíveis gerados de resíduos pós-consumo de forma preventiva ao dano.
A criação de responsabilidade a fim de tutelar a prevenção do dano instrumentaliza diversos princípios do direito ambiental e da Política Nacional de Resíduos Sólidos, como o princípio da prevenção, um dos princípios basilares do Direito Ambiental, que, basicamente, significa que “em caso de risco de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não deve servir de pretexto para procrastinar a adoção de medidas efetivas visando a prevenir a degradação do meio ambiente” (Fiorillo, 2014).
Outrossim, no que tange à responsabilidade por resíduos sólidos, o princípio da prevenção opera como um dever de cuidado, de utilização dos bens ambientais com razoabilidade.
O art. 225 da Constituição Federal prevê implicitamente o princípio ao mencionar o dever de preservação do meio ambiente que se impõe à coletividade e ao Poder Público. Além disso, trata de diversos mecanismos preventivos do dano, como a exigência de estudo prévio de impacto ambiental nos casos de atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental.
Da mesma forma, as responsabilidades preventivas relacionam-se diretamente com o princípio do desenvolvimento sustentável, haja vista que permite uma maior abrangência das potencialidades, sendo desnecessária a concretização do prejuízo para colocar seu mecanismo em execução. Alcança-se um equilíbrio, muito embora frágil, entre as atividades do homem, sob as vistas de uma ampla responsabilidade civil preventiva, e a preservação da natureza.
No contexto da Política Nacional de Resíduos Sólidos, o princípio também deve ser entendido como um ideal que importe a diminuição do consumo, promoção de investimentos e ampliação da informação, concretizada por meio de planos e estratégias, ou seja, um guia para a elaboração de políticas públicas.
Ainda no que se refere aos fundamentos principiológicos das obrigações preventivas, importante asseverar quanto ao direito da sociedade à informação e ao controle social. Somente com a devida informação é possível viabilizar a participação, ou seja, a atuação da sociedade civil nos termos previstos pelo legislador. No que se refere à responsabilidade pós-consumo, o possuidor do resíduo deve ser informado a respeito das formas e locais de disposição correta dos resíduos, bem como sua devolução no caso dos produtos sujeitos à sistemática da logística reversa. Todos os elos da cadeia da responsabilidade compartilhada ficam obrigados. Entretanto, para que o sistema funcione, é imprescindível a correta informação como forma de viabilizar a participação da sociedade.
O princípio do poluidor-pagador também é um dos princípios norteadores da PNRS e pode ser relacionado com a responsabilidade preventiva. Podemos afirmar que o princípio do poluidor-pagador determina a incidência e aplicação de alguns aspectos do regime jurídico da responsabilidade civil aos danos ambientais, quais sejam, a responsabilidade civil objetiva, a prioridade de reparação específica do dano ambiental e a solidariedade para suportar os danos causados ao meio ambiente.
Assim, o objetivo do referido princípio é impedir a socialização do prejuízo ambiental, significa dizer que, considerando a função do bem socioambiental, a sociedade não pode ser penalizada.
Por fim, mas não menos importante, a Política Nacional de Resíduos Sólidos introduz ao ordenamento jurídico um novo princípio chamado princípio da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos.
Insere-se a responsabilidade compartilhada pelos resíduos sólidos, um sistema diferenciado que adota o conceito de atribuições individualizadas e encadeadas entre os gestores do risco: fabricantes e importadores, distribuidores e comerciantes, titulares de serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos e o próprio consumidor, que tem papel fundamental para o sucesso da gestão de resíduos no Brasil. A sua implementação, que envolve a logística reversa de produtos elencados na referida lei, apresenta dificuldades técnicas e econômicas, que tem demandado uma série de discussões, abarcando os setores envolvidos, o Poder Público e os órgãos ambientais.
Assim, cada um dos participantes da cadeia de consumo tem o seu papel. Por exemplo, a redução de resíduos está muito mais relacionada ao próprio processo produtivo e ao emprego de novas tecnologias. Assim, qualquer responsabilidade nesse sentido fica adstrita ao próprio fabricante e não pode ser transferida aos demais participantes. Por outro lado, a participação do comércio, por sua proximidade com o consumidor, é extremamente relevante no que se refere à informação e à conscientização.
Nesse sentido, as disposições legais a respeito da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) permitem um controle inverso: a responsabilidade pós-consumo influencia até mesmo na escolha das embalagens e nas informações relativas ao ciclo de vida completo do produto, buscado redução, reaproveitamento e reciclagem de resíduos.
Desta forma, muito embora estas obrigações legais não se encaixam perfeitamente nos termos tradicionais de responsabilidade civil, defendemos que a Política Nacional de Resíduos Sólidos introduziu uma espécie de responsabilidade civil ambiental preventiva, visto que a responsabilização civil possibilita uma limitação patrimonial. No caso em análise, a limitação patrimonial se dá desde logo, com a obrigação de implementar as regras legais.
Outrossim, o produtor de resíduo sólido, especialmente no que tange aos personagens envolvidos no sistema de logística reversa, pode ser demandado de forma judicial quando caracterizada sua conduta comissiva ou omissiva, ainda que não haja um dano. Isto porque, como já defendido, a obrigação de implementar as obrigações por resíduos sólidos pós-consumo, a fim de evitar a geração do dano, desencadeia-se de forma preventiva.
2.1 Logística reversa: princípio da responsabilidade compartilhada e responsabilidade preventiva e resíduos pós-consumo.
A industrialização causa impacto direto no meio ambiente por meio dos mecanismos de produção. Indiretamente o consumo de determinados produtos causa indesejável impacto ambiental consistente no lixo urbano, ou seja, dos produtos que não tem mais utilidade e quando, descartados de forma incorreta, podem causar danos irreversíveis ao meio ambiente.
Em razão disso, a Lei 12.305/2010 determinou que os produtores, fabricantes, importadores e comerciantes de determinados produtos passem a ser responsáveis não apenas pela diminuição do impacto ambiental em seu ciclo de produção, mas também após a utilização do produto pelo destinatário final.
Com base nisso, são obrigados a estruturar e implementar sistemas de logística reversa, que consiste no retorno dos produtos após o uso pelos consumidores, os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciante de pilhas e baterias, pneus, óleos lubrificantes, seus resíduos e embalagens, lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista e produtos eletroeletrônicos e seus componentes.
O art. 33 da PNRS dispõe que:
Art. 33. São obrigados a estruturar e implementar sistemas de logística reversa, mediante retorno dos produtos após o uso pelo consumidor, de forma independente do serviço público de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de:
I - agrotóxicos, seus resíduos e embalagens, assim como outros produtos cuja embalagem, após o uso, constitua resíduo perigoso, observadas as regras de gerenciamento de resíduos perigosos previstas em lei ou regulamento, em normas estabelecidas pelos órgãos do Sisnama, do SNVS e do Suasa, ou em normas técnicas;
II - pilhas e baterias;
III - pneus;
IV - óleos lubrificantes, seus resíduos e embalagens;
V - lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista;
VI - produtos eletroeletrônicos e seus componentes.
No caso dos resíduos sujeitos à logística reversa no âmbito da legislação brasileira, há diversas obrigações para a cadeia produtiva (fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes) como divulgação de informações relativas a como evitar, reciclar e eliminar resíduos associados aos seus produtos, bem como o recolhimento dos produtos e dos resíduos remanescentes após o uso e, ainda, a obrigação de dar destinação final ambientalmente adequada. Nesse caso, a cadeia produtiva apontada fica obrigada a estruturar e implementar sistemas de logística reversa, de forma que o retorno dos produtos pós-consumo se dê de forma independentemente do serviço público de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos.
Assim, a partir da PNRS, o sistema de logística reversa se tornou obrigatório para as cadeias de produtos acima mencionados. O sistema de logística reversa engloba diferentes atores sociais na responsabilização da destinação ambientalmente adequada dos resíduos sólidos. Gera obrigações, especialmente do setor empresarial, de realizar o recolhimento de produtos e embalagens pós-consumo, assim como reassegurar seu reaproveitamento no mesmo ciclo produtivo ou garantir sua inserção em outros ciclos produtivos.
A legislação institui, desde já, determinadas obrigações, no entanto, não exclui a possibilidade de criação de novas encargos por meio de normas infralegais, acordos setoriais ou termos de compromisso, conforme a redação legislativa:
Art. 33 [...]
§ 3o Sem prejuízo de exigências específicas fixadas em lei ou regulamento, em normas estabelecidas pelos órgãos do Sisnama e do SNVS, ou em acordos setoriais e termos de compromisso firmados entre o poder público e o setor empresarial, cabe aos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes dos produtos a que se referem os incisos II, III, V e VI ou dos produtos e embalagens a que se referem os incisos I e IV do caput e o § 1otomar todas as medidas necessárias para assegurar a implementação e operacionalização do sistema de logística reversa sob seu encargo, consoante o estabelecido neste artigo, podendo, entre outras medidas:
I - implantar procedimentos de compra de produtos ou embalagens usados;
II - disponibilizar postos de entrega de resíduos reutilizáveis e recicláveis;
III - atuar em parceria com cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis, nos casos de que trata o § 1o.
§ 4o Os consumidores deverão efetuar a devolução após o uso, aos comerciantes ou distribuidores, dos produtos e das embalagens a que se referem os incisos I a VI do caput, e de outros produtos ou embalagens objeto de logística reversa, na forma do § 1o.
§ 5o Os comerciantes e distribuidores deverão efetuar a devolução aos fabricantes ou aos importadores dos produtos e embalagens reunidos ou devolvidos na forma dos §§ 3o e 4o.
§ 6o Os fabricantes e os importadores darão destinação ambientalmente adequada aos produtos e às embalagens reunidos ou devolvidos, sendo o rejeito encaminhado para a disposição final ambientalmente adequada, na forma estabelecida pelo órgão competente do Sisnama e, se houver, pelo plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos.
§ 7o Se o titular do serviço público de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, por acordo setorial ou termo de compromisso firmado com o setor empresarial, encarregar-se de atividades de responsabilidade dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes nos sistemas de logística reversa dos produtos e embalagens a que se refere este artigo, as ações do poder público serão devidamente remuneradas, na forma previamente acordada entre as partes.
§ 8o Com exceção dos consumidores, todos os participantes dos sistemas de logística reversa manterão atualizadas e disponíveis ao órgão municipal competente e a outras autoridades informações completas sobre a realização das ações sob sua responsabilidade.
O Decreto 7.404/2010, que regulamenta a Lei no 12.305/2010 e institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, cria o Comitê Interministerial da Política Nacional de Resíduos Sólidos e o Comitê Orientador para a Implantação dos Sistemas de Logística Reversa, define a responsabilidade dos consumidores na logística reversa:
Art. 6º. Os consumidores são obrigados, sempre que estabelecido sistema de coleta seletiva pelo plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos ou quando instituídos sistemas de logística reversa na forma do art. 15, a acondicionar adequadamente e de forma diferenciada os resíduos sólidos gerados e a disponibilizar adequadamente os resíduos sólidos reutilizáveis e recicláveis para coleta ou devolução.
Parágrafo único. A obrigação referida no caput não isenta os consumidores de observar as regras de acondicionamento, segregação e destinação final dos resíduos previstas na legislação do titular do serviço público de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos.
Nos termos do supracitado decretado, na implementação e operacionalização do sistema de logística reversa poderão ser adotados procedimentos de compra de produtos ou embalagens usadas e instituídos postos de entrega de resíduos reutilizáveis e recicláveis, devendo ser priorizada, especialmente no caso de embalagens pós-consumo, a participação de cooperativas ou outras formas de associações de catadores de materiais recicláveis ou reutilizáveis.
Portanto, quando concretizado o sistema de logística reversa na localidade, os fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes e consumidores tem sua responsabilidade definida de forma preventiva, a fim de evitar a ocorrência de danos ao meio ambiente.
Importante destacar que a escolha de determinados produtos e materiais pelo legislador não se deu de forma aleatória. Há uma prioridade, de acordo com o grau e a extensão do impacto à saúde pública e ao meio ambiente, entre os resíduos sólidos pós-consumo. Pensando nisso, previu-se a extensão da logística reversa para produtos comercializados em embalagens plásticas, metálicas ou de vidro, e outros produtos e embalagens no decreto executor da PNRS, como previsto nos §§ 1º e 2º, a seguir:
Art. 33 [...]
§ 1o Na forma do disposto em regulamento ou em acordos setoriais e termos de compromisso firmados entre o poder público e o setor empresarial, os sistemas previstos no caput serão estendidos a produtos comercializados em embalagens plásticas, metálicas ou de vidro, e aos demais produtos e embalagens, considerando, prioritariamente, o grau e a extensão do impacto à saúde pública e ao meio ambiente dos resíduos gerados.
§ 2o A definição dos produtos e embalagens a que se refere o § 1o considerará a viabilidade técnica e econômica da logística reversa, bem como o grau e a extensão do impacto à saúde pública e ao meio ambiente dos resíduos gerados.
Percebe-se que a cadeia produtiva deve responder pelo produto após o seu consumo, oferecendo ao consumidor meios para a entrega consciente do bem inutilizável e poluidor.
Percebe-se que a Política Nacional de Resíduos Sólidos e o seu Decreto regulamentador (Decreto 7.404/2010) delinearam as obrigações sobre toda a cadeia de produtores para a categoria de resíduos sólidos pós-consumo destacada.
Diante do exposto, podemos concluir que a obrigação de implementar o sistema de logística reversa é um dos maiores exemplos de responsabilidade civil instituída de forma preventiva, isto porque o responsável pode ser demandando por seu eventual descumprimento ou inobservância da legislação, ainda que não haja qualquer dano.
3.A TUTELA JURÍDICA PELOS DANOS GERADOS POR RESÍDUOS SÓLIDOS PÓS-CONSUMO.
Tradicionalmente, os danos ao meio ambiente são concebidos, pela doutrina e pela jurisprudência, como uma lesão a um interesse difuso, que significa dizer que o prejuízo atinge interesses transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.[1]
A problemática dos resíduos sólidos pós-consumo, em razão de envolver bens jurídicos como o direito à saúde, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, e à própria dignidade humana, claramente tem natureza difusa.
Além da responsabilização por dano ambiental de forma patrimonial, a concepção do dano ambiental como difuso permite o reconhecimento do dano ambiental extrapatrimonial, que “diz respeito a perda de qualidade de vida, ou seja, aspectos ligados à saúde humana, ao sossego, ao direito a determinada situação ecológica” (Patrícia Lemos, 2014, p. 103-105 e 123).
Os danos ambientais decorrentes de resíduos sólidos podem ser considerados, ainda, como uma forma de poluição ao meio ambiente natural. Nos moldes do art. 3º, III, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), o lixo urbano, ou seja, o resíduo pós-consumo possui a natureza jurídica de poluente. O aludido dispositivo determina que que a poluição existe quando há
Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
[...]
II – poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante das atividades que direta ou indiretamente:
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c) afetem desfavoravelmente a biota;
d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos”.
Assim, o resíduo sólido pós-consumo, desde o momento em que é produzido, possui a natureza jurídica de poluente, porque, assumindo o papel de resíduo urbano, deverá ser submetido a um processo de tratamento que, por si só, constitui, mediata ou imediatamente, forma de degradação ambiental.
Importante destacar que os danos ambientais podem decorrer de diversas origens por atuação concorrente de inúmeros sujeitos, e, em vários casos, como nos danos por resíduos sólidos pós consumo, manifestam-se somente depois do transcurso de um longo período de tempo.
Somando-se esses fatores à progressiva geração de resíduos com alta potencialidade de risco ao meio ambiente, em decorrência do acentuado processo de urbanização, os danos ambientais decorrentes de resíduos pós-consumo devem ser considerados como um dos novos danos oriundos do fenômeno da pós-modernidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A apropriada tutela jurídica dos resíduos sólidos pós-consumo, não só no Brasil, mas em todo mundo, é temática imprescindível e urgente, diante dos prováveis e futuros desastres ambientais.
A função preventiva assume importância crucial quando se tem em consideração aquelas situações em que é totalmente impossível a reparação integral do dano, como, muitas vezes, são os casos de danos ambientais.
Assim, devemos valorizar medidas preventivas de forma a evitar a ocorrência do dano, como meio de buscar uma efetiva política ambiental, ao invés de ajuizar demandas com exorbitantes valores indenizatórios.
Conforme demostrado na presente pesquisa, o sistema de logística reversa foi um dos principais instrumentos preventivos trazidos pela Política Nacional de Resíduos Sólidos. Isto porque a legislação prevê a responsabilização da cadeia envolvida na fabricação, importação, distribuição, comercialização e consumo de determinadas espécies de produtos ainda que não haja qualquer dano em seu aspecto naturalístico. Assim, a PNRS, antevendo um dano, impôs obrigações de fazer e não fazer à toda cadeia produtiva e pós-consumo.
A responsabilidade pelos danos causados descarte inadequado de resíduos sólidos pós-consumo não se restringe ao usuário final, estendendo-se a todas aqueles que concorreram, direta ou indiretamente, para o resultado, na medida em que o dano ambiental pode ter diferentes causas ou fontes, simultâneas ou sucessivas, sendo bastante difícil sua determinação.
No entanto, importante asseverar que, a discussão jurídica acerca da responsabilidade pós-consumo não exclui a necessária e constante reflexão quanto ao consumo em massa da sociedade urbano industrial, com a consequente alteração dos atuais padrões insustentáveis.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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FIGLIUOLO, Barbara Cordeiro; MARQUES, José Roque Nunes. A RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA NO ÂMBITO DA POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS (LEI 12.305/2010) E SUA APLICABILIDADE PRÁTICA EM MANAUS... In: Anais do SICASA e ANPPAS Amazônia. Anais... Manaus(AM) UFAM/ANPPAS, 2016. Disponível em: <https//www.even3.com.br/anais/IVSICASA/33024-A-RESPONSABILIDADE-COMPARTILHADA-NO-AMBITO-DA-POLITICA-NACIONAL-DE-RESIDUOS-SOLIDOS-(LEI-123052010)-E-SUA-APLICA>. Acesso em: 27 de outubro de 2022.
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GUERRA, Sidney. Resíduos Sólidos: Comentários à Lei 12.305/2012. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2010.
LEMOS, Patrícia Fala Iglecias. Resíduos sólidos e responsabilidade civil pós-consumo. 3ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.
LEUZINGER, Márcia Dieguez. A Responsabilidade Ambiental Pós-consumo e o Princípio da Participação na Novel PNRS: Contornos Necessários. Aspectos Relevantes da Política Nacional de Resíduos Sólidos. São Paulo, Editora Atlas, 2013.
SILVA, Bruno Campos. A Responsabilidade Ambiental Pós-consumo e o Princípio da Participação na Novel PNRS: Contornos Necessários. Aspectos Relevantes da Política Nacional de Resíduos Sólidos. São Paulo, Editora Atlas, 2013.
[1] Código de Defesa do Consumidor: Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
Advogada. OAB/AM 12.658. Especialista em direito público pela Universidade Estadual do Amazonas. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Amazonas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FIGLIUOLO, Bárbara Cordeiro. O princípio da responsabilidade compartilhada e responsabilidade civil causados por resíduos sólidos pós-consumo com base na Política Nacional de Resíduos Sólidos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 nov 2022, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/59907/o-princpio-da-responsabilidade-compartilhada-e-responsabilidade-civil-causados-por-resduos-slidos-ps-consumo-com-base-na-poltica-nacional-de-resduos-slidos. Acesso em: 04 dez 2024.
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