GUILHERME FERNANDES BEZERRA [1]
(coautor)
MARCUS VINICIUS DO NASCIMENTO LIMA [2]
(orientador)
RESUMO: O objetivo deste trabalho foi analisar os impactos negativos da pandemia da Covid-19 acerca do princípio do acesso à justiça no Brasil. Para melhor compreensão, com ênfase para o princípio do acesso à Justiça (inciso XXX do art. 5º da CF/1988) e seus efeitos aos jurisdicionados, verificando os impactos da pandemia da Covid-19 sobre a atuação jurisdicional e quais os grupos sociais e juridicamente considerados vulneráveis e o acesso ao Judiciário em tempos de pandemia da Covid-19. Buscou-se, nesta pesquisa, responder ao seguinte questionamento: Quais os impactos negativos em relação ao princípio do acesso à justiça durante a pandemia Covid-19 no Brasil? Levando em consideração que no período da pandemia da Covid-19, constatou-se dificuldades ao acesso à justiça em razão das restrições impostas para conter o Covid-19, dentre eles, a suspensão dos prazos processuais, atendimento presencial limitado e exceções de direitos. E análise das alternativas criadas para aumentar o acesso à justiça, levando em consideração a conjunta conscientização de toda a população acerca destes métodos para o acesso à via judicial. Para tanto, este trabalho foi desenvolvido por meio de uma pesquisa bibliográfica, com base no método de abordagem dedutiva, a partir disso, chegar a uma conclusão sobre o tema em destaque.
Palavras-chave: Acesso à Justiça, Impacto, Pandemia.
1 INTRODUÇÃO
Apresenta-se como objeto de estudo deste artigo os aspectos negativos causados pela Pandemia da Covid-19 sobre o Princípio do Acesso à Justiça no Brasil. Fato que impactou a vida da sociedade em todas as áreas, exigindo mudanças de posturas e de rotinas, não ficando de fora, logicamente, os processos que correm no âmbito da Justiça Brasileira.
Destarte, no começo de 2020, mais precisamente no fim de fevereiro, o Brasil foi surpreendido com a chegada da Covid-19, se espalhando com rapidez. Em razão de afetar vários continentes foi declarada a pandemia. Em face dessas circunstancias foram adotadas medidas restritivas para tentar minimizar a disseminação da doença, gerando impactos significativos no setor judiciário.
No entanto, diante desse contexto, a pandemia causou dificuldades no acesso à justiça para a população, e o trabalho remoto gerou descontentamento também aos advogados, pois muitos alegam transtornos, como a falta de comunicação no balcão virtual do Judiciário e a lentidão no julgamento de processos. Demonstrando que o setor judiciário não possui atualmente capacidade de assegurar níveis normais de acesso à justiça em virtude das limitações impostas pela pandemia.
Ademais, a tribulação causada pela pandemia provoca o aumento das demandas colocadas em juízo, por conta dos conflitos advindos da fragilização de muitas relações jurídicas. Tendo em vista que a sociedade acabou sofrendo uma notável diminuição de sua capacidade econômica, gerando aumento de desemprego, a redução da renda familiar, o inadimplemento de contratos, atraso no pagamento de pensões, endividamento, falência de pequenos negócios, etc. Neste contexto, este trabalho busca responder ao seguinte questionamento: Quais os impactos negativos que o princípio do acesso à justiça teve durante a pandemia Covid-19 no Brasil?
Este trabalho foi desenvolvido por meio do método de abordagem dedutiva e com base em pesquisa bibliográfica, a partir de um material já elaborado, sendo fonte de pesquisas os principais livros, artigos científicos, legislação, doutrinadores e jurisprudência sobre à matéria.
Para tanto, identificar os impactos negativos causados no princípio do acesso à justiça oriundos da pandemia da Covid-19 no Brasil é bastante relevante e importante, pois a Pandemia da Covid-19 é um tema atual e pertinente, que gera muitas implicações e impactos que desafiam o Direito, que levou a sociedade buscar as melhores soluções para os conflitos decorrentes da fragilização de muitas relações jurídicas por conta desse cenário. Dessa forma, nesse panorama gerou-se mais litigiosidade, consequentemente mais demandas ao setor judiciário.
Para melhor compreensão, este trabalho está divido em quatro seções teóricas. A primeira seção trata do princípio do acesso à justiça (inciso XXX do art. 5º da CF/1988) e seus efeitos aos jurisdicionados. A segunda faz reflexões e verifica os impactos da pandemia da Covid-19 sobre a atuação jurisdicional. A terceira seção discorre acerca dos grupos sociais e juridicamente considerados vulneráveis, identificando-os e destacando as suas necessidades de priorização no atendimento. A quarta e última seção fala do acesso propriamente dito ao Judiciário em tempos de pandemia da Covid-19, destacando as principais dificuldades neste novo cenário social.
Neste sentido, temos as suspensões de prazos processuais de modo que torna mais moroso ainda a tramitação dos processos, resultado disso é a diminuição drástica da produtividade de sentenças entre os anos de 2019 e 2020 no Brasil. Sendo assim, é imprescindível a análise desses impactos negativos causados no princípio do acesso à justiça oriundos da pandemia da Covid-19 dentro no país, para resolver problemas da sociedade e fornecer insumos para estudos acadêmicos.
Por tanto, além de contribuir para identificação de futuras melhorias, para tornar mais efetivo as novas formas alternativas disponibilizadas para oferecer serviços diante da necessidade de isolamento social e do trabalho remoto, mantendo a qualidade e o exercício do acesso à justiça.
2 O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA (INCISO XXX DO ART. 5º DA CF/1988) E SEUS EFEITOS AOS JURISDICIONADOS
José Eduardo Faria (2002) destaca que em 1978 foi iniciado o processo de redemocratização da República do Brasil, por meio da revogação dos Atos Institucionais e Complementares. Verifica-se que o Regime Militar, aos poucos, dá início a uma gradual abertura, entre 1978 e 1985 com o retorno do multipartidarismo e as eleições diretas para governadores. Assim, no ano de 1984 surge o movimento pelas “Diretas Já”, com defesa pela aprovação no Congresso Nacional da Emenda Constitucional definindo as eleições diretas para Presidente da República. Surge como uma tentativa de assegurar e constitucionalizar os direitos fundamentais do homem, com o objetivo de protegê-los dos arbítrios que aconteceram no decorrer do Regime Militar.
Dessa forma, fica evidente na Constituição a sua legitimidade democrática, expressando que foi elaborada e promulgada por representantes de vários segmentos do povo, bem como ressalta a positivação do Estado democrático de direito, colocando no seu centro os direitos fundamentais.
Na visão de Ingo Sarlet (2006), a expansão da possibilidade do acesso à Justiça pode ser observado em vários artigos da Nova Constituição (BRASIL, CF, 1988), como o princípio da igualdade material (art. 3º) e a abertura do conceito de assistência judiciária gratuita (art. 5º, LXXIV), compreendendo também o direito à informação, consultas, assistência judicial e extrajudicial; previsão de criação dos juizados especiais para julgamento e execução de causas cíveis de menor complexidade e penais de menor potencial ofensivo (art. 98, I); previsão de uma justiça de paz (art. 98, II); tratamento constitucional da ação civil pública para defesa dos direitos difusos e coletivos (art. 129, III); novos instrumentos destinados à defesa coletiva de direitos (arts. 5º, LXX, LXXI) e legitimidade aos sindicatos (art. 8º, III) e sociedades associativas (art. 5ª, XXI) defenderem direitos coletivos e individuais; reestruturação e fortalecimento do Ministério Público (arts. 127 e 129); e elevação da Defensoria Pública como instituição fundamental à função jurisdicional (art. 134) (BRASIL, 1998).
Ressalta-se, ainda, que o acesso à Justiça consta da Declaração Universal dos Direitos Humanos, com aprovação da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), no ano de 1948, preconizando no seu artigo 10:
Toda pessoa tem direito em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal, que contra ela seja deduzida.
Ainda sobre a Constituição Brasileira, outro ponto fundamental sobre o acesso à Justiça está no Artigo 5º, inciso XXXV, o qual traz a seguinte afirmação: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Também se verifica neste artigo, inciso LXXIV, a previsão da gratuidade judicial para todos, sem levar em conta questões de condições sociais, declarando o seguinte: “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.” (BRASIL, 1998).
Para Horácio Rodrigues (1994), é necessário que se destaque, defronte à morosidade do termo acesso à Justiça, que é fornecido pelas doutrinas significados distintos, sendo eles essencialmente resumidos a dois: o primeiro, atribuindo ao significante justiça sentido e conteúdo iguais aos pertencentes ao Poder Judiciário, fazendo que sejam sinônimos os termos acesso à Justiça e acesso ao Poder Judiciário; já o segundo, partiria de uma ideia axiológica quanto à expressão justiça, discernindo o acesso a ela como se fosse o acesso a uma certa ordem de valores e direitos essenciais para os sere|s humanos. O autor conclui que esse último, por sua maior amplitude, junta no seu sentido o primeiro.
Comportando-se o Estado principalmente como um instrumento de bem-estar social, converte-se o direito de “acesso à Justiça” como um importante requisito assegurador e efetivo dos demais direitos voltados para a cidadania, tendo em vista que sem a busca por meio da reivindicação dos direitos dos cidadãos ao Estado, certamente a garantia legal/formal tornar-se-á ineficaz.
Na concepção defendida por Ricardo Lobo Torres (2005), o princípio do acesso à justiça não tem a representação somente de admitir que o processo aconteça e que se tenha a possibilidade de se propor demandas judiciais. Na verdade, o princípio tem materialidade na medida em que surge visando a garantia para todos da observância das regras relacionadas ao devido processo legal e a possibilidade de se atuar no trabalho de formação do convencimento do juiz, objetivando adquirir uma tutela jurisdicional do Estado, sendo esta justa e coerente.
3 VERIFICANDO OS IMPACTOS DA PANDEMIA DA COVID-19 SOBRE A ATUAÇÃO JURISDICIONAL
Com o agravamento da pandemia da Covid-19, no mês de março de 2020, o judiciário teve que se reinventar. Tornou-se clara e inegável, a necessidade das transformações nas relações entre as pessoas ou mesmo que essas passassem por adaptações. À medida que aumentava o agravamento da crise e sua imprevisibilidade de término, também a atuação jurisdicional teve de buscar formas de efetivar-se com ênfase, sobretudo, nos meios digitais.
Dessa forma, as audiências, que por um determinado período estavam em suspensão, voltaram a se dá por intermédio de videoconferências (RESOLUÇÃO CNJ n°. 372/2021); os servidores passaram a trabalhar de forma remota, sendo que, entre outras medidas adotadas, o atendimento destinado às partes bem aos advogados viabilizou-se por meio de ambientes virtuais.
Todavia, observa-se que as transformações, ocorridas de modo repentino, mesmo diante das intenções discutidas no âmbito dos Tribunais há algum tempo, criaram vários impactos, em se tratando, principalmente, na atuação dos advogados, os quais têm pontos de vistas divergentes acerca deste assunto, tendo em vista que nem tudo que é novo é considerado como algo benéfico.
Na opinião de alguns, a exemplo da Juíza de Direito atuante na 7ª Vara da Fazenda Pública de Brasília, a magistrada Acácia Regina Soares de Sá (2021), “as restrições e mudanças no cotidiano trazidas pela pandemia de Covid-19 não paralisaram o Poder Judiciário, pelo contrário, acelerou processos de mudanças, já em curso, que contribuíram para uma prestação jurisdicional ainda mais célere”.
Em contrapartida, há aqueles que veem bastante impacto de cunho negativo a ser enfrentado neste contexto pandêmico, sobre os advogados, os quais não dependem somente de um trabalho eletrônico, e agora, de certa maneira, verifica-se que o Judiciário se transformou quase em algo impalpável, inacessível e inalcançável. No ponto de vista de Marco Aurélio Peixoto e Rodrigo Becker (2020), não está em conformidade ter a ideia de que os advogados precisam trabalhar de forma eletrônica em autos que possuem tramitação fisica, de forma que atividade remota receba interpretação como sendo um regular expediente forense.
Ainda na visão destes autores, existem despachos pessoais que precisam acontecer com assessores, desembargadores e juízes. Contexto em que se pergunta: teria o advogado terá a privação disso ou está em conformidade que isso aconteça por e-mail? Vale lembrar que muitos dos tribunais não estão estruturados para os despachos por meio de videoconferência. Alguns fatores dos preparos recursais, mesmo estabelecidos em autos eletrônicos, apenas têm concretização de forma física.
Ademais, a falta de suspensão de prazos força praticamente as equipes a estarem de forma mais permanente em suas procuradorias ou escritórios, em função dos documentos ou sistemas que são necessários para a efetivação das consultas. Não são, pois, impactos simples de suportar. Os processos terão tramitação com maior lentidão, sendo que os prazos também serão perdidos. Um grande número de advogados perderá a condição de arcar quanto às estruturas, bem como com as suas próprias subsistências.
Não se pode negar que, frente a uma das maiores crises sociais, econômica e sanitária já vivenciada nos últimos tempos, os impactos, logicamente, não surgiriam apenas beneficamente, sobretudo levando em consideração a rápida necessidade de adaptações. Nessa linha de pensamento, enfatiza-se que, enquanto o Poder Judiciário na sua integralidade, detém um aparato e um suporte pessoal e técnico, diversos escritórios de advocacia autônoma têm de seguir sem receberem muitas orientações e, também, sem sequer saber executar um contato de forma direta e efetiva. Todavia, existe a necessidade de uma postura envolta de compreensão quanto a este momento atípico, sem ignorar as medidas que deverão ser adotadas daqui em diante.
4 OS GRUPOS SOCIAIS E JURIDICAMENTE CONSIDERADOS VULNERÁVEIS
Observa-se que no Brasil há muito tempo se discute sobre a desigualdade, mas fazer a enumeração da vulnerabilidade, bem como buscar fazer isto no âmbito da Justiça é ilusório. Nessa perspectiva, em termos educativos, como exemplo de concepção sobre Justiça sendo algo que transita, porém não se esgota, divide-se em seis cenários: “1 - A cada qual a mesma coisa; 2 - A cada qual segundo seus méritos; 3 - A cada qual segundo suas obras; 4 - A cada qual segundo suas necessidades; 5 - A cada qual segundo sua posição; 6 - A cada qual segundo o que a lei lhe atribui” (PERELMAN, 2005, p.91).
Dentro dessa realidade, é preciso observar as especificidades, bem como as distinções existentes envolvendo os significados e concepções de Justiça, mas também deve-se verificar a diferença conceitual que existe nos próprios grupos compreendidos pelos vulneráveis, tentando fazer uma diferenciação e identificação dos fatos que os tornam pertencentes a esta categoria.
Ressalta-se que, em um mundo globalizado e em uma sociedade pluralista, com várias diferenças culturais, seja de sabedoria, de hereditariedade, de costumes ou de origem, há a coexistência de pessoas que compartilham entre elas componentes de identidades culturais que os distinguem dos grupos que fazem a dominância do corpo social.
Nessa linha de pensamento, enfatiza-se que não se pode deixar de se considerar os conceitos sociais que definem esta miscelânea e, para isso, existe a possibilidade de se recorrer ao filósofo e teórico político Rousseau, buscando explicações acerca do que é e como acontece o fenômeno sóciopolítico denominado de Estado. Rosseau, mais precisamente na sua obra o Contrato Social, quando é apresentado o conceito de pacto social, ressaltando que a criação do Estado tem o objetivo que visa manter a segurança, chamada de liberdade civil: “o homem perde a sua liberdade natural em benefício do social.” E seguiu fazendo a descrição do contrato social: “O que o homem perde pelo contrato social é sua liberdade natural e um direito ilimitado a tudo que o tenta e que pode alcançar. O que ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo aquilo que possui.” Destaca-se que a busca por Justiça dentro da compreensão e do embate conceitual de Rousseau do pacto social é extensa e perene, porém, estando dentro deste substrato social pergunta-se qual a real necessidade e os motivos de se distinguir as minorias de grupos de vulneráveis. (ROUSSEAU, 2008, p. 32-37)
Elida Séguin (2002), na concepção jurídica, lista essas minorias e os grupos considerados vulneráveis, destacando estes últimos como sendo aqueles discriminados e vítimas de intolerância, deixando claros os elementos comuns envolvendo os grupos minoritários. Ainda para Elida Séguin, as minorias “seriam caracterizadas por ocupar uma posição de não dominância no país onde vivem” enquanto os grupos vulneráveis se “constituem num grande contingente numericamente falando [...]” (2002, p. 89) e, como estes grupos são discriminados e vítimas da intolerância, não aborda as duas categorias de maneira muito diferente.
Neste contexto, faz-se necessário deixar claro que a vulnerabilidade jurídica no Brasil começou no processo destacado de alguns princípios modernos, sendo proeminentes, entre estes, os preceitos da igualdade e da dignidade humana, ao se constituir o direito positivado e do Poder Judiciário, destaque este formado por atuação de ideologias a exemplo da combinação paradoxal envolvendo o centralismo e a ausência estatal, bem como pela atuação de grupos conservadores e de oligarquia, constantes donos da autoridade (ALBERNAZ, 2012).
De acordo com o autor supracitado, esta realidade em se tratando de interesses sociais garantidos ou não pelas leis e pelo trabalho do Judiciário, criou um fracionamento envolvendo as elites dominantes e a grande massa da população, sobre os grupos de minorias, a citar os indígenas, os afrodescendentes, proletários e os que não possuem terras ou formas de produzir, dessa forma surgem os marginalizados da inclusão da constituição do Direito e do ordenamento jurídico pátrio. Isso resulta não somente na falta de direitos para atender aos anseios dos grupos formados pela minoria, mas também preencher as necessidades na inserção deste à Justiça, especificidades apresentadas pela vulnerabilidade jurídica.
Neste contexto da discussão acerca dos vulneráveis, é importante ressaltar que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso prorrogou até 31 de outubro de 2022 a suspensão de despejos e desocupações, em razão da pandemia de covid-19, em conformidade com os critérios previstos na Lei 14.216/2021. O referido Ministro indicou que a crise sanitária ainda não acabou e as populações vulneráveis continuam em situação de risco particular. Fazendo o seguinte registro: "A pandemia tem agravado significativamente a pobreza no país, que retornou para o mapa da fome. O aumento da inflação atinge de maneira mais acentuada as camadas mais pobres e existe fundada preocupação com o aumento do flagelo social".
5 O ACESSO AO JUDICIÁRIO EM TEMPOS DE PANDEMIA DA COVID-19
A Constituição Federal do Brasil de 1988, no seu artigo 5°, parágrafo 1°, deixa claro o longo conjunto de direitos de eficácia imediata, conferidos com a intenção de criar a igualdade, a solidariedade e o bem-estar social e, em função disso, é dever do Estado oportunizar e oferecer, por intermédio da realização de políticas públicas e do completo zelo pelo princípio da continuidade relacionada aos serviços públicos. Assim, não é função do poder público hierarquizar os referidos direitos, tendo em vista que é o exercício de todos eles, de forma conjunta, que faz surgir o bem-estar social. A relação de forma harmoniosa de várias políticas públicas torna-se fundamental, sendo que estas precisam ter como objetivo proteger os direitos sociais de modo pleno aos cidadãos (GALINDO, 2019).
Todavia, é relevante lembrar o distanciamento envolvendo o direito que de forma oficial e também estatuído, que vigora formalmente com a normatividade oriunda dos vínculos sociais, pela qual para determinados comportamentos, se tem a prevenção e resolução de grande parte dos conflitos. Exemplificando isto, tem-se a legislação que garante o direito a moradia para toda a população do Brasil em contrapondo do gigantesco número de pessoas que não possuem um lar, ou, a partir dessa realidade, o desenvolvimento de pesquisas com a intenção de justificar, partindo deste ato legal garantidor, o aparecimento de coletivos/movimentos de indivíduos sem-terra e/ou teto (CARNIO; GONZAGA, 2011).
Neste ponto é importante a apresentação de dados acerca da distribuição dos magistrados no Brasil, em conformidade com o relatório do CNJ intitulado “Justiça em Números”. Diz respeito a um diagnóstico que acontece por ano divulgado no site do Conselho Nacional de Justiça, que aborda dados diversos da Justiça no Brasil.
De acordo com o último relatório publicado no ano de 2019 (ano-base de 2018), a divisão de juízes no Brasil por 100 mil habitantes foram as seguintes: média de 0,86 magistrados na Justiça Federal e 5,63 magistrados na Justiça Estadual. Em média, a cada grupo de 100.000 habitantes, 11.796 ingressaram com uma ação judicial no ano de 2018. Neste quesito, são somados apenas os processos de ciência e de execução de títulos considerados extrajudiciais, excluindo, dessa forma, da base de cálculo as execuções judiciais iniciadas. Ainda em concordância com os dados e as informações fornecidas à ONU, existe a necessidade de sete magistrados por 100 mil habitantes, indicando a necessidade de revisão do efetivo dos magistrados no Brasil, afinal o país tem apenas 6,49 (BRASIL,2019)
Uma questão delicada a ser observada no último relatório “Justiça em Números” é que este não apresentou, como acontecia em anos anteriores, a divisão dos magistrados por estados do Brasil, o que esconde a compreensão da narrativa de distribuição dos juízes no Brasil. Outras informações relevantes são que a Justiça Estadual possui 22,2% de cargos vagos de magistrados, ao passo que Justiça Federal possui 23,7%, a do Trabalho contém 8,4% e Militar Estadual 22,6%. Do total de servidores efetivos, existem 40.984 cargos criados por lei e ainda não providos, que representam 14,8% dos cargos efetivos existentes (BRASIL,2019)
Considerando-se, por fim, o total de todos os dias de afastamento exercidos pelos magistrados do Brasil no exercício de 2018, chega-se a uma média de 6,4% de magistrados que permaneceram afastados da jurisdição. Esses afastamentos podem ter acontecido em função de licenças, convocações para instância superior, entre outros motivos e para realizar esse cálculo não se levaram em consideração os períodos de recessos, nem os de férias. Um dos maiores problemas que se nota para se concretizar amplamente o acesso à Justiça é os custos financeiros que precisam ser dispensados, principalmente por causa do Brasil ser castigado com um dos maiores índices de desigualdade econômica social, o que traz dificuldade para que as pessoas possam exercer a cidadania, resultando na limitação de alcance à Justiça (GALINDO, 2019).
Quanto às desigualdades no Brasil, Dantas (2020, p. 209) ressalta:
Assim, a América Latina e, especificamente, o Brasil convivem com efeitos que derivam da vulnerabilidade e da dominação suportada pela multidão invisível e sem voz composta pelas várias minorias que integram a estratificação da injustiça e da desigualdade social, muitas delas, inclusive, sofrendo-a em caráter sobreposto, num agravamento agudo da vulnerabilidade e do alijamento político. Daí que em momentos de crise seja imperativo recobrar a necessidade de resguardo da efetividade das normas constitucionais relativas ao que se pode considerar como sistema constitucional de proteção das minorias [...]
A determinação de medidas de postura voltadas para a contenção e o isolamento no âmbito social em razão causa da pandemia de Covid-19 que afeta o Brasil desde o começo do ano de 2020, tem causado um impacto gigantesco na forma que o sistema de Justiça nacional atua, tanto nos tribunais, em suas salas de audiência ou prédios, ou, ainda, na organização dos escritórios que trabalham com advocacia (FRANCA FILHO, 2020). O rápido crescimento do coronavírus no Brasil exige que o poder Legislativo, Executivo e Judiciário sejam combates quanto à pandemia, sem negligenciar a efetivação dos direitos essenciais de todas as pessoas.
Assim, torna-se relevante a preservação da salvaguarda do acesso à Justiça, com foco para as pessoas ou de grupos em condição de vulnerabilidade, citando-se a população localizada em periferias, os trabalhadores que atuam no campo, os que estão em estado de cárcere e moradores de rua.
6 CONCLUSÃO
Este trabalho mostrou que o acesso à justiça é assegurado na Constituição Federal como componente da dimensão processual, porém, visando concretizá-la de maneira justa e efetiva, em sua dimensão maior, é preciso observar a prestação de uma tutela jurisdicional que se apresente como justa, efetiva, tempestiva e, sobretudo, que possa ter a participação de modo efetivo das partes.
Verificou-se que a questão do acesso à justiça durante a pandemia da Covid-19 foi algo muito complexo, tendo em vista que o cenário do Poder Judiciário teve de ser mudado de forma brusca em vários aspectos, observando-se que as alternativas oriundas do distanciamento social aconteceram sem maiores precauções, algo que gerou, de fato, inseguranças para as partes.
Essa insegurança aconteceu porque boa parte da população apresenta-se desamparada quanto ao acesso a certas plataformas de comunicação virtual, sendo um exemplo disso a realização de audiências telepresenciais, as quais não deviam ser vistas como a solução geral para o problema do distanciamento social e a impossibilidade de realização de audiências presenciais, mas, sim, como um meio de auxílio das demandas paralisadas.
Observou-se nesta fase de pandemia a importância da realização da triagem adequadamente dos processos, dado que as demandas devem ser analisadas de forma minuciosa para se verificar quais podem ser enquadradas no formato virtual. A possibilidade deve ser analisada de forma prévia e obrigatória, como exemplo, qual a amplitude da prova oral que se produzirá, se existe a possibilidade de realizar a prova emprestada e por fim, analisar a existência de potencial para se estabelecer o negócio processual no tocante à matéria probatória.
Viu-se que essas alternativas para solucionar conflitos têm o sentido, em parte, de aumentar o acesso à justiça, levando em consideração a conjunta conscientização de toda a população acerca destes métodos alternativos para acesso à via judicial. Todavia, estes métodos não têm êxitos garantidos, sendo que muitas partes aceitam, por exemplo, a celebração de uma autocomposição, que vem da necessidade de celeridade do processo.
Concluiu-se que esse período de pandemia exigiu que o Poder Judiciário tivesse que se reinventar frente as dificuldades enfrentadas, criando possibilidades de melhorias que devem ser feitas visando o aprimoramento do trabalho judicial. Neste contexto, é relevante realizar a uniformização dos sistemas entre os tribunais, bem como a adoção de cursos com intento de aperfeiçoamento da utilização dos sistemas. Ademais, é importante também, os investimentos em novos meios digitais, sendo que tudo isso permitirá que a qualidade do trabalho oferecido seja sempre alcançada.
REFERÊNCIAS
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[1]Acadêmico do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA. m
[2]Professor do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA, Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, Doutorando em Ciências Criminais pela Pontifica Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS
Bacharelando em Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, OSMAN GOMES DA. Pandemia da covid-19 e seu impacto negativo no princípio do acesso à justiça no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 nov 2022, 04:05. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/60331/pandemia-da-covid-19-e-seu-impacto-negativo-no-princpio-do-acesso-justia-no-brasil. Acesso em: 02 dez 2024.
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