VERÔNICA SILVA DO PRADO DISCONZI [1]
(orientadora)
Resumo: O presente estudo tem por escopo analisar a convivência paterno filial à luz da legislação brasileira. Procura-se entender de que maneira a temática é observada pelo legislador, como Direito ou Dever. Para tanto, é feita uma análise histórica sobre as Constituições brasileiras e a evolução de sua preocupação com a proteção ao menor e a garantia de seus direitos. São levantados os mecanismos legislativos criados, buscando viabilizar a proteção da criança e do adolescente para a manutenção das relações familiares e também os reflexos do descumprimento das visitas, principal meio de garantia para persistência do convívio. São analisadas suas implicações, meios de resolução das demandas decorrentes e também o posicionamento do judiciário frente às causas familiares com o estímulo dos meios alternativos de resolução de litígios.
Palavras-chave: Direito. Convivência familiar. Guarda e Visitas. Criança e Adolescentes. Descumprimento.
Abstract: The purpose of this study is to analyze paternal filial cohabitation in the light of Brazilian legislation. It seeks to understand how the theme is observed by the legislature, as a Right or Duty. For this, a historical analysis is made of the Brazilian Constitutions and the evolution of their concern with the protection of minors and the guarantee of their rights. The legislative mechanisms created are surveyed, seeking to enable the protection of the child and the adolescent for the maintenance of Family relationships and also the consequences of the non-compliance with the visits, the main means of guarantee for the persistence of the cohabitation. The implications of this situation are analyzed, as well as the means of resolving the resulting claims and also the position of the judiciary in relation to family causes, with the encouragement of alternative means of resolving disputes.
Keywords: Law. Family Coexistence. Guardianship and Visitation. Children and Adolescents. Non-compliance.
Sumário: 1. Introdução. 2. Evolução Histórica da Convivência à luz da Carta Magna da República Federativa do Brasil. 3. Da Legislação Específica. 4. Posições Doutrinárias. 5. Considerações Finais. Referências.
1. Introdução
O presente projeto de pesquisa tem como proposta fazer uma análise sobre a regulamentação do direito de convivência do menor com os pais, quando não residem sob o mesmo domicílio, e como tal temática deve ser observada à luz da esfera jurídica brasileira, como dever ou direito.
Buscar-se-á compreender quais os reflexos e implicâncias do descumprimento do direito à convivência familiar, observados perante uma ótica doutrinária jurídica, legislativa e jurisprudencial.
A convivência familiar é direito da criança e do adolescente e está prevista na Constituição da República Federal do Brasil de 1988, no Código Civil Brasileiro, bem como no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Geralmente regulamentada em juízo com a dissolução de um núcleo familiar, seja ele por meio de divórcio ou dissolução de união estável, o direito às visitas é fundamental, tendo como suporte princípios jurídicos de extrema relevância: o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente e o princípio da afinidade.
Dessa maneira, é essencial se observar a importância da proteção ao direito de convivência para a manutenção dos vínculos paterno afetivos após a dissolução de um núcleo familiar. Ter contato com ambos os genitores, bem como com parentes maternos e paternos, exerce um papel de suma importância para a formação da pessoa, de sua personalidade e de sua integração familiar.
O método de investigação a ser utilizado é o qualitativo, através de pesquisa bibliográfica, a qual servirá para nortear o presente artigo.
Será feito um estudo visando apresentar uma contextualização histórica, para entender a importância do Direito à convivência familiar, suas implicações, os reflexos de seu descumprimento, o que pensam os principais doutrinadores de direito de família, a legislação específica e posição jurisprudencial.
Partindo do pressuposto que Dever é a obrigação imposta pela lei, cujo cumprimento garante e assegura, sob pena de sanção e que o Direito é a faculdade legal de praticar ou não um determinado ato, se busca chegar a uma conclusão. O direito à convivência familiar é um Direito ou um Dever? Como a lei firma seu posicionamento? São aplicadas sanções quando descumpridos acordos de visitas? O que é demonstrado na prática pela jurisprudência?
2. Evolução Histórica da Convivência à luz da Carta Magna da República Federativa do Brasil
“Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.” artigo segundo da Lei Federal 8068/90.
Vasta é a matéria legislativa e os estudos que buscam zelar e proteger a figura da Criança e do Adolescente, mas nem sempre estas foram consideradas cidadãs e pessoas dotadas de garantias.
A primeira constituição brasileira foi outorgada em março de 1824. Marcada pelo quarto poder, ou poder Moderador, este exercido pelo monarca. A época de sua vigência nem todas as pessoas eram consideradas cidadãs, o regime era escravocrata, e a figura do cidadão era somente aquela que poderia exercer o voto, ou seja, os alfabetizados, e estes correspondiam a aproximadamente 1% da população brasileira. Não trouxe qualquer referência a direitos de crianças e adolescentes.
Com a queda do Império, a Constituição de 1891, à luz da constituição norte-americana, trouxe ideários que vieram a fortalecer não só o Republicanismo, mas também a proteção dos Direitos Individuais. Estendendo o alcance de proteção de direitos e garantias individuais, a CF/1891 alcançou a tutela do Estado a observância dos estrangeiros que aqui residiam, não mais só aos brasileiros. Apesar de tal evolução, referida carta magna não trouxe ainda qualquer referência à proteção da criança ou do adolescente.
Em que pese as duas Constituições anteriores serem marcadas pelo Liberalismo, não trouxeram qualquer referência a figura da criança ou do adolescente como titular de direitos. Apenas na terceira Constituição brasileira (1934) que, ao adotar ideais de uma democracia social, nota-se pela primeira vez a presença de um título dedicado à ordem da família. Também foram incluídas referências que conferiam a abertura brasileira a necessidade de normas de amparo à criança.
A Carta Magna de 1937 trouxe a ideia de um Estado intervencionista, onde os interesses da sociedade eram entendidos como mais importantes que o indivíduo. Marcada por ideais fascistas, tornou competência privativa da União a possibilidade de ditar normas pautadas na defesa e proteção da saúde, tendo como principal figura a criança.
Conferido pelo característico protecionismo, o Estado colocou a infância e juventude sob sua direta proteção, visando assegurar condições físicas e morais, de modo a proporcionar um desenvolvimento pleno à população. Surge ainda, durante sua vigência, o Departamento Nacional da Criança, órgão de coordenação de todas as atividades nacionais relativas à proteção à maternidade, à infância e à adolescência.
Com a Constituição de 1946, retornam os ideários de evolução democrática interrompidos pela CF/34. Aparecem pela primeira vez bases junto às diretrizes que visavam difundir a educação pública em todos os seus graus.
Dentre as normas que visavam amparar a ordem e proteção social, surgiram as normas de proteção ao trabalho, outro marco importante foi o que conferiu proibição ao trabalho exercido por menores de quatorze anos e proibição do trabalho exercido por menores de dezoito anos, em condições insalubres ou em turno noturno.
Destaca-se naquele momento a preocupação do constituinte, que determina ser obrigatória a assistência a infantes e adolescentes nascidos em famílias numerosas.
A Constituição de 1969 ficou marcada como a mais autoritária. Trouxe previsão para vários direitos individuais, mas também previu a detenção e supressão desses mesmos direitos. Reduziu a idade mínima de aptidão para o trabalho de quatorze para doze anos, trazendo indubitável regresso. Porém, preserva lei especial para assistência a maternidade, a infância e a adolescência, medidas previstas em cartas anteriores.
Já a atual magna-carta, outorgada em 1988, trouxe a previsão mais abrangente acerca dos Direitos da criança, do adolescente e do jovem. Previsto pelo artigo 227, seguinte é a redação:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Partindo do Direito à Convivência Familiar, assegurado pela Magna-carta, inicia-se o estudo apresentado no presente projeto.
3. Da Legislação Específica
A partir da Constituição que ficou conhecida como a “Cidadã”, e a necessidade de acolher os direitos sociais por ela defendidos, surge a necessidade de formar de um sistema de garantias que pudessem afirmar os direitos nela previstos.
Com sua promulgação, crianças e adolescentes passam a ser observados sob a ótica do Direito brasileiro como sujeitos de direitos, que necessitam de protecionismo para garantir seu pleno desenvolvimento.
Para tanto, visando sanar a demanda legislativa, em concordância com a Convenção Internacional dos Direitos da Criança ratificada pelo Brasil, em 24 de setembro de 1990, após aprovação pela Assembleia Geral da ONU, em 1990 é regulamentada a Lei Federal nº 8069, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Representando o principal marco legal e regulamentário dos direitos das crianças e adolescentes do Brasil, o ECA, apresenta inovadora observância legislativa ao garantir a proteção integral dos infantes brasileiros. Até então, a única legislação específica que se tinha era o Código de Menores (Lei 6667/79), mas nela não havia preocupação em proteger e atender o menor, mas “tirar de circulação” aquele que atrapalhava a ordem social, tratando assim, apenas de menores em situação irregular.
Com o Estatuto da Criança e do Adolescente, já em seu artigo 4º, são elencados os direitos assegurados às crianças e adolescentes:
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Sendo objeto de estudo do presente artigo, observa-se o que diz referida legislação sobre Direito à convivência familiar e comunitária: Segundo o art. 19, da Lei 8069/90:
“...é direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral.”
O Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002), após tratar sobre a dissolução de núcleos familiares pela separação judicial, debruça todo um capítulo à Proteção da Pessoa dos Filhos, em seus artigos 1583 a 1590.
Inicialmente, busca-se regulamentar o instituto da Guarda.
A guarda é um dever de assistência educacional, material e moral (ECA, art. 33), a ser cumprido no interesse e em proveito do filho menor, garantindo-lhe a sobrevivência física e o pleno desenvolvimento psíquico.
Inicialmente, visando solucionar lides onde o casal parental não entrava em consenso sobre a guarda dos filhos, aplicava-se o disposto na redação original do artigo 1584 do Código Civil: “Decretada a separação judicial ou o divórcio sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la”.
Tal previsão legal afastou a regra trazida até então pelo art. 10 da Lei do Divórcio, cuja redação explicitava que os filhos menores ficariam com o cônjuge que não houvesse dado causa à separação.
Assim, passou-se a desconsiderar o fator daquele que concorreu com o término do matrimônio, para considerar qual dos genitores revela possuir melhores condições de exercer a guarda dos filhos, pensando na proteção destes, e os colocando em primeiro plano.
A nova regra sustentada pelos legisladores, tida como direito fundamental, pelo artigo 5º da Constituição Federal, vem com o objetivo de ratificar a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (ONU/89), Caio Mário da Silva Pereira, Instituições, cit., v. 5, p. 297.
Apesar da existência de vários modelos de exercício do instituto da guarda, aquele jurisprudencialmente incentivado pelas Varas de Família é o da Guarda Compartilhada. É o exercício conjunto do poder familiar por pais que não vivem sob o mesmo teto. Ambos os genitores terão responsabilidade conjunta e o exercício dual de direitos e deveres alusivos ao poder familiar relativamente aos filhos comuns, sendo que o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, considerando-se sempre as condições fáticas e os interesses da prole (CC, art. 1.853, § 2.º), para que não haja “quebra” da convivência familiar.
Neste molde, os filhos terão como residência principal a de um dos genitores, mas deverá haver equilíbrio no período de convivência, para que os filhos se relacionem com ambos. Cabendo ao pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação. (Código Civil Brasileiro, art. nº 1.589)
Ao se observar a matéria legislativa específica vigente no país, resta explícita a necessidade de tornar prático valor axiológico trazido à luz pela CRFB/88.
A finalidade do Direito de visita é evitar a ruptura dos laços de afetividade paterno filiais existentes no seio familiar, e garantir à criança seu pleno desenvolvimento físico e psíquico, sendo esta uma obrigação dos genitores. Reforçando assim, a proteção do bem estar dos infantes, que pelo texto constitucional é dever moral da sociedade, do Estado e da família.
4. Posições Doutrinárias
Para GONÇALVES, Carlos Roberto (2012), a Lei n. 11.112, de 13 de maio de 2005, cuja redação no inciso II, do art. 1.121, do Código de Processo Civil, afirma que na ação de separação, já deveria conter, por mútuo consentimento, obrigatoriamente o texto quanto “o acordo relativo à guarda dos filhos menores e ao regime de visitas”.
Referida lei introduziu ainda em seu § 2º, que revela o seguinte:
Entende-se por regime de visitas a forma pela qual os cônjuges ajustarão a permanência dos filhos em companhia daquele que não ficar com sua guarda, compreendendo encontros periódicos regularmente estabelecidos, repartição das férias escolares e dias festivos.
Gonçalves, aludindo Fábio de Mattia (v. 77, p. 431), entende também que ao direito de visita, se invoca a sua natureza puramente afetiva, conforme transcrito:
... não tem caráter definitivo, devendo ser modificado sempre que as circunstâncias o aconselharem; e também não é absoluto, pois, por humana que se apresente a solução de nunca privar o pai ou a mãe do direito de ver seus filhos, situações se podem configurar em que o exercício do direito de visita venha a ser fonte de prejuízos — principalmente no aspecto moral —, sendo certo que todos os problemas devem ser solucionados à luz do princípio de que é o interesse dos menores o que deve prevalecer.
Neste ínterim, em matéria de visita, o interesse do menor é tido por Eduardo de Oliveira Leite, em sua doutrina, p. 91; como de ordem pública, devendo ser pelo juiz levando-se em consideração três ordens de fatores: primeiramente o interesse da criança; as condições efetivas dos pais; e, finalmente, o ambiente no qual se encontra inserida a criança.
Observando-se primordialmente o interesse maior do filho, o que justifica toda e qualquer modificação ou supressão do direito sempre que as circunstâncias o exigirem.
Assim, inegável é o papel do Sistema Judiciário na proteção integral do menor. O ECA atribui à Justiça da Infância e da Juventude o poder de intervenção junto à família e a criança, em casos de descumprimento do poder familiar.
Cabe ao juiz resguardar os filhos menores de todo abuso que possa ser praticado contra eles por seus pais, verificada a hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum.
Assim em tela expõe-se jurisprudência atual correlacionada a ideia apresentada:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. PRETENSÃO DO PAI EM CONVIVER COM A FILHA. GENITOR COM COMPORTAMENTO AGRESSIVO. SUSPENSÃO DO DIREITO DE VISITAS. 1. A convivência entre o infante e seus pais, ou com outros parentes com os quais guarde alguma relação afetiva, deve ser apreciada em sintonia com o princípio da proteção integral. 2. A suspensão do direito de visitas do pai ao filho é medida excepcional, justificada por circunstâncias relevantes que recomendem o afastamento do genitor em nome do princípio da preservação do melhor interesse da criança, que compreende a tutela da sua integridade física e psíquica. 3. Dessa forma, não é recomendável, no momento, o estabelecimento de visitas supervisionadas em razão do comportamento demonstrado pelo genitor. No entanto, é da própria essência da matéria ora em análise a reversibilidade da medida, razão pela qual, diante da alteração da situação fática, pode ser reavaliado o pedido de visitas ao filho formulado pelo genitor, devendo sempre ser considerado o melhor interesse da criança. 4. Recurso desprovido.
(TJ-DF XXXXX - Segredo de Justiça XXXXX-67.2016.8.07.0002, Relator: ALVARO CIARLINI, Data de Julgamento: 10/05/2018, 3ª TURMA CÍVEL, Data de Publicação: Publicado no DJE: 16/05/2018. Pág.: 285/290)
Diante do exposto até o momento, tornou-se inegável perceber a importância do convívio familiar em relações paterno filiais e como tal matéria é abrangida com especial protecionismo pela legislação brasileira. Com isso, há que se observar também a matéria sob a ótica de seu descumprimento.
5. Do Descumprimento
Conforme aduz a Constituição Federal, a criança é figura de prioridade absoluta na relação com seus pais, assim, deve ser garantido seu direito a convivência familiar, em respeito e amparado pelo Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, e fundamentado na construção de sua personalidade como cidadão.
Para tanto, a garantia do direito de visitação, quando se tratar de guarda compartilhada, deve ser vista como uma obrigação dos genitores, mas quando se tratar de guarda unilateral, o dever em relação ao menor passa a ser apenas do genitor guardião. Este deve facilitar, assegurar e não criar óbices à convivência do filho com o ex-cônjuge/companheiro.
Conforme os ditames de Rodrigo Fernandes Pereira, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM):
Com supedâneo na legislação e no apoio da doutrina, inclusive de expoentes do nosso IBDFAM, como Rolf Madaleno e Maria Berenice Dias, é admitida a fixação de multa ao pai [ou à mãe] resistente à convivência do filho, preservando a dignidade e integridade deles.
O descumprimento injustificado do convívio familiar com o genitor, que possui o direito a visitas, autoriza a aplicação de medidas coercitivas a fim de que possa e deva ser exercido. Porém, ainda não há meio jurídico que possa obrigar o pai ou a mãe que não resida com os filhos, de visitá-lo e a conviver com eles.
Em consonância com tal ideia, Rolf Madaleno (2007) defende a tese de uma paternidade alimentar, na qual, por exemplo, o pai biológico não estaria necessariamente obrigado ao exercício pleno da parentalidade, mas de uma paternidade mitigada, reduzida apenas ao amparo financeiro e econômico.
Esse pensamento pode vir de encontro com recentes entendimentos jurisprudenciais brasileiros no que diz respeito ao “Abandono Afetivo”. Como afirmado pela ministra Nancy Adrigh, em sede do Recurso especial nº 1159242/SP, o pai ou a mãe não estão obrigados a “amar” o filho, mas eles possuem a responsabilidade de orientar, de amparar, não só por intermédio do pagamento de alimentos, mas por um suporte educacional e psicossocial, com o pleno reconhecimento da existência da filiação.
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desíniências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido.
Existe, porém, um meio de coerção para a genitora que reside com o menor e busca impedir o direito à convivência do pai visitante ao filho, a aplicação de multa denominada astreinte. Tal medida coercitiva é utilizada para pressionar o réu a cumprir ordem judicial oferecendo ameaça a seu patrimônio através da aplicação de prestação pecuniária frente ao descumprimento da obrigação. Tal aplicação, porém, é fruto de entendimento recente e ainda passível de pacificação sobre sua aplicabilidade.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE MODIFICAÇÃO DE GUARDA E REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS C/C REVISIONAL DE ALIMENTOS. COMINAÇÃO DE MULTA. DESCUMPRIMENTO DE ACORDO DE REGIME DE CONVIVÊNCIA. VIABILIDADE. PRESERVAÇÃO DO MELHOR INTERESSE DA MENOR. GARANTIA. CONVÍVIO PATERNO-FILIAL. REDUÇÃO. VALOR. DESARRAZOABILIDADE. DECISÃO MANTIDA. 1. É cabível a fixação de multa por descumprimento de decisão judicial que estabelece regime de convivência quando demonstrada a inobservância ao direito de visitas paterno, em prejuízo aos interesses da menor. A aplicação dessa multa periódica tem por único objetivo pressionar o cumprimento de uma obrigação. 2. A existência de uma situação de alta beligerância entre os litigantes, diante da conturbada relação entre os pais da menor, com troca de acusações graves por parte de ambos, recomenda a manutenção da multa como forma de garantir que não exista nenhuma flexibilização no que foi estabelecido e que não vem sendo cumprido. 3. As astreintes impostas às partes, consistentes no pagamento de multa pela genitora e na perda de dias de visitas pelo genitor, não acarreta desequilíbrio, mas preserva o melhor interesse da menor, mormente quando demonstrado que estabelecidas em incidente proposto pelo próprio pai, com o objetivo de garantir o convívio dele com a filha. 4. A redução do valor da multa imposta, no montante de R$ 500,00 (quinhentos reais) por descumprimento, não se mostra razoável, na medida em que ela é fixada em valor que seja capaz de afetar a vontade daquele que deve cumprir a obrigação. 5. Agravo de Instrumento conhecido e não provido.
(TJ-DFT- Segredo de Justiça 0709775-94.2021.8.07.0000, Relator: ROBSON TEIXEIRA DE FREITAS, Data de Julgamento: 29/07/2021, 8ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 10/08/2021. Pág.: Sem Página Cadastrada)
Da mesma maneira, em sede de cumprimento de sentença de ação que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, utilizar-se da Busca e Apreensão e Remoção de Pessoas como alternativa coercitiva visando efetivar a tutela. O art. 536 do CPC, em seu parágrafo primeiro prevê, além disso, a possibilidade da requisição do auxílio de força policial para que o exequente obtenha satisfação.
Entretanto, incontroversos são os reflexos de uma busca e apreensão em uma criança. O episódio traumático é capaz de gerar distorções psicológicas exponenciais ao infante, que é retirado à força da convivência de um de seus pais. Determinada medida coercitiva impacta diretamente relações familiares já fragilizadas pelo contexto do litígio, este, por possuir caráter contundente é muitas vezes acompanhado de raiva, rancor e não raros episódios de violência sob o qual o infante acaba por ser exposto.
Neste ínterim, leciona Maria Berenice Dias:
O adimplemento coacto da medida sempre é um episódio traumático, com a necessidade da intervenção de força policial. Em face das nefastas consequências que podem advir à criança, subtraída a fórceps por ordem judicial do convívio afetivo do genitor não guardião, em vez de expedição de mandado de busca e apreensão, recomendável que seja aplicada multa por cada dia em que não ocorrer a entrega do filho. Afinal, trata se de descumprimento de obrigação de fazer (CPC 814).
Porém, a aplicação de medidas coercitivas que incorrem na obrigação do genitor à convivência com o menor, não resolvem seu problema em totalidade. Uma vez que a convivência imposta pode ser mais danosa a criança que a ausência dos genitores. Haja vista que, nas palavras da ministra Nancy Andrighi, “Amar é faculdade, cuidar é dever”.
Em consonância com tal entendimento, se faz relevante a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul na ação cível 700551620565/2012, que se decidiu por não aplicar multa a pai que se recusava ao exercício do direito de visitas. Os desembargadores tomaram tal decisão, diante dos prejuízos que a convivência forçada poderia acarretar a criança, aplicando, nesse sentido, o princípio do melhor interesse do menor.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. VISITAS. ACORDO HOMOLOGADO. DESCUMPRIMENTO PELO PAI VISITANTE, QUE NÃO BUSCA QUALQUER CONTATO COM OS FILHOS. FIXAÇÃO DE MULTA. DESCABIMENTO. É de pensar qual o ânimo de um pai que vai buscar contato com seus filhos premido exclusivamente pela ameaça de uma multa? Deixará ele perceber a tão desejada afetividade que idealmente deve permear a relação entre pais e filhos? Ou, ao contrário, constrangido pela situação que lhe é imposta, exporá as crianças a situações de risco emocional, ou até físico, como forma de provocar na parte adversa o desejo de vê-lo longe da prole, que é aquilo que, afinal, ele pretende... O resultado: um verdadeiro “tiro pela culatra”, cujas vítimas serão as crianças, pois amor não se compra, nem se impõe... NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME.”
6. Considerações Finais
Diante da breve análise neste artigo apresentado, conclui-se que a convivência entre a criança e ambos os seus genitores é um Direito. De tal maneira, protegido por uma série de mecanismos legais, é Direito também o convívio da criança com sua família extensa de ambos os lados.
A construção do psíquico do infante é diretamente impactado com a ausência de um dos pais. Silva (2005) aponta a importância de manter os vínculos positivos dos filhos com ambos os pais, nem sempre sendo necessário confiar a apenas um dos dois a continuidade da tarefa de cuidá-los.
A necessidade do convívio paterno filial é demonstrada para que a criança construa uma relação e forme por si mesma uma imagem de cada um de seus genitores. Quando não assídua, normalmente a imagem do progenitor que não detém a guarda é formada com a interferência daquele que a detém, influenciada muitas vezes por sentimentos de rancor e desavenças conjugais pré-existentes.
Nesse sentido, a facilitação ao acesso à justiça gerou a sociedade o falso entendimento de que cabe ao Poder Judiciário a resolução de todos os litígios humanos. Divergindo de tal premissa, o legislador destaca a obrigatoriedade da audiência de conciliação, nas composições de caráter familiar, prevista pelo art. 695 do Código de Processo Civil/15.
O papel dos magistrados, ainda mais em se falando de causas familiares, é de orientador na busca por formas alternativas de composição de conflitos. A mediação, revela-se como prática eficiente, diminuindo o desgaste e o enfraquecimento das relações familiares em virtude de litígios.
Outro mecanismo de grande impacto utilizado é a realização de oficinas de Parentalidade. Para o Juiz Nelson Coelho, à época, coordenador do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) de Palmas:
“O auxílio é muito grande, com o tempo o cônjuge que passou pela ruptura sente dificuldades nas relações familiares; com a oficina de Parentalidade é possível orientar os filhos e os genitores que estão passando pelo conflito e com o tratamento diferenciado que eles recebem aqui, as demandas são solucionadas com mais celeridade e de forma mais pacífica”, disse.
Referências
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BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição Federal. [S. l.: s. n.], 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 12 jun. 2022.
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[1] Mestre em Gestão de Políticas Públicas. Professora na Universidade Estadual do Tocantins- UNITINS.
Graduanda Bacharela em Direito pela Universidade Estadual do Tocantins- UNITINS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUSA, Luise Ferreira. Convivência: direito ou dever? Uma análise histórica, legislativa, doutrinária e jurisprudencial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 dez 2022, 04:11. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/60689/convivncia-direito-ou-dever-uma-anlise-histrica-legislativa-doutrinria-e-jurisprudencial. Acesso em: 21 nov 2024.
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