BERTO IGOR CABALLERO CUELLAR
(orientador)
RESUMO: Tema um tanto polêmico no contexto jurídico atual, o exame da Ordem tem sido alvo de muitas críticas, relacionadas tanto à forma como a prova é elaborada, quanto o difícil acesso pelo bacharel, tornando-se um empecilho para o livre exercício da profissão, e também à sua constitucionalidade, que será o último objeto que iremos abordar, deixando bem claro que o objetivo deste trabalho não é questionar a constitucionalidade do exame, mas apenas abordar os efeitos deste na vida dos bacharéis. Versaremos, ainda, expondo os óbices derivados da exigência de aprovação no Exame de Ordem, bem como discutir brevemente a supremacia das normas constitucionais e também o regime de leis que decorre da Constituição ao qual, necessariamente, todos outros padrões devem ser compatíveis. Por fim, trataremos dos Projetos de Lei que tramitam no Congresso Nacional, com a finalidade de abolir a obrigatoriedade da aprovação do Exame de Ordem para o exercício da Advocacia pelo bacharel em direito, o que expressa diretamente o descontentamento da sociedade com a prova.
Palavras chaves: Exame da Ordem, OAB, Direitos Fundamentais, Livre Exercício da Profissão.
ABSTRACT: A somewhat controversial subject in the current legal context, the Bar exam has been the target of much criticism, related both to the way the test is prepared, and the difficult access by the bachelor, becoming an obstacle to the free exercise of the profession, and also to its constitutionality, which will be the last object we will address, making it clear that the objective of this work is not to question the constitutionality of the exam, but only to address its effects on the life of graduates. We will also deal with exposing the obstacles derived from the requirement to pass the Bar Examination, as well as briefly discuss the supremacy of constitutional norms and also the regime of laws that stems from the Constitution to which, necessarily, all other standards must be compatible. Finally, we will deal with the Law Projects that are being processed in the National Congress, with the purpose of abolishing the mandatory approval of the Bar Exam for the practice of Law by the Bachelor of Law, which directly expresses the dissatisfaction of society with the test.
Keywords: Bar exam, OAB, Fundamental Rights, Free Exercise of Profession.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2.A HISTÓRIA DA ORDEM DOS ADVOGADOS NO BRASIL ATÉ A ATUALIDADE. 3. OS DANOS CAUSADOS PELO EXAME DE ORDEM. 4. O ÓBICE DO EXAME DE ORDEM. 5. CONCLUSÃO. 6. REFERÊNCIAS.
1.INTRODUÇÃO
O presente trabalho tratará da exigência do exame de Ordem do Advogado como requisito para o exercício da advocacia. Tema um tanto polêmico no contexto jurídico atual, o exame da Ordem tem sido alvo de muitas críticas, relacionadas tanto à forma como a prova é elaborada, quanto o difícil acesso pelo bacharel, tornando-se um empecilho para o livre exercício da profissão, e também à sua constitucionalidade, que será o último objeto que iremos abordar, deixando bem claro que o objetivo deste trabalho não é questionar a constitucionalidade do exame, mas apenas abordar os efeitos deste na vida dos bacharéis.
Neste primeiro capítulo iremos buscar tratar da história da Ordem dos Advogados do Brasil, logo no seu surgimento até a atualidade, englobando ainda a implantação do Exame e obrigatoriedade no Brasil.
Logo após, abordaremos os problemas ocasionados pela necessidade e obrigação da aprovação no Exame da Ordem para que o bacharel exerça a sua profissão. A dificuldade de exercício a atividade profissional, o aumento da limitação no acesso à justiça pela população, causando encarecimento dos serviços do advogado, a restrição de direitos do livre exercício da profissão, e o próprio direcionamento da formação dos estudantes à mera aprovação numa prova, são apenas alguns dos empecilhos para o livre exercício da advocacia.
Versaremos, ainda, expondo os óbices derivados da exigência de aprovação no Exame de Ordem, bem como discutir brevemente a supremacia das normas constitucionais e também o regime de leis que decorre da Constituição ao qual, necessariamente, todos outros padrões devem ser compatíveis.
Por fim, trataremos dos Projetos de Lei que tramitam no Congresso Nacional, com a finalidade de abolir a obrigatoriedade da aprovação do Exame de Ordem para o exercício da Advocacia pelo bacharel em direito, o que expressa diretamente o descontentamento da sociedade com a prova.
É fato que uma atenção especial deve ser dada a este debate, pois trata da dignidade humana e da igualdade, e dos profissionais que protegem os direitos e garantias de cada cidadão. Como mencionado acima, encontramos razões na própria Constituição, que é a lei máxima do ordenamento jurídico, acima de todos os outros critérios.
2.A HISTÓRIA DA ORDEM DOS ADVOGADOS NO BRASIL ATÉ A ATUALIDADE
A história da Ordem dos Advogados do Brasil começou com a disseminação da cultura jurídica no Brasil, que se deu pelo desenvolvimento do ordenamento jurídico instituído pela primeira Constituição brasileira outorgada em 1824, o primeiro curso de Direito criado em 1827 e a e a fundação do Instituto dos Advogados Brasileiros em 1843, instituição fundada no início do Império Brasileiro. No entanto, sua criação formal, por decreto, levou quase um século. Após os primeiros anos da fundação da República do Brasil, novas tentativas foram feitas para a criação da Ordem dos Advogados do Brasil em 1904, 1911 e 1915, mas sem sucesso. André de Faria Pereira, então membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e membro da Procuradoria Geral do Distrito Federal, explicou a Osvaldo Aranha, Ministro da Justiça, "a necessidade de modificar a organização da Corte de Apelação, visando à normalização dos seus serviços e ao aumento da produtividade de seus julgamentos”. Como vimos, a Ordem dos Advogados do Brasil teve um papel muito importante na construção de uma forma republicana de governo, da democracia e dos interesses dos mais pobres.
A denominação “ORDEM” é, segundo a enciclopédia eletrônica Wikipédia, corolário do dogma francês,
(...) vinculada à tradição da Idade Média, podendo ser entendida como um conjunto estatutário que determina um modo de vida reconhecido pela religião católica, tal como à Ordo Clericorum ou às ordens de cavalaria. O advogado era então uma espécie de cavaleiro das leis. Apesar de a Revolução Francesa ter extinto todas as corporações profissionais, a tradição manteve-se quanto à denominação da palavra Ordem, inspirando o nome de várias entidades corporativas relativas aos advogados em diversos países, inclusive em Portugal e no Brasil. (Wikipédia, 2022)
Conclui-se que o ponto de partida dos conselhos profissionais partiu da instituição da Ordem dos Advogados do Brasil. Os conselhos de profissões regulamentadas são órgãos autônomos instituídos pelo Estado para regular e organizar as atividades profissionais, que se distinguem das organizações que, segundo a secção, se manifestam como congregações com vários objetivos não econômicos. Artigo 53.º do Código Civil Segundo o site do Ministério do Trabalho e Emprego, existem 63 tipos diferentes de profissões regulamentadas. A OAB é composta por um Conselho Federal que consolida as decisões em todo o país. Há Seções da ordem nos estados e no distrito federal, que por sua vez são compostos por várias Subseções que unem vários municípios.
Conforme o Primeiro Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei nº 4.215/63) estabelecia que comprovasse a aprovação do treinamento prático como requisito de habilidade técnica tanto para brasileiros quanto para estrangeiros, segundo o qual apenas aqueles que obtivesse um desempenho insatisfatório o dentro do curso teriam que passar na prova. Então vamos ver:
Art. 48. Para inscrição no quadro dos advogados é necessário: I - capacidade civil; II - diploma de bacharel ou doutor em Direito, formalizado de acordo com a lei (art, 57); III - certificado de comprovação do exercício e resultado do estágio, ou de habilitação no Exame de Ordem (arts. 18, inciso VIII, letras "a" e "'b" e 53)8 ; IV - título de eleitor e quitação do serviço militar, se for brasileiro: V - não exercer cargo função ou atividades incompatíveis com a advocacia, (arts. 82 a 86) ; VI - não ter sido condenado por sentença transitada em julgado em processo criminal, salvo por crime que não importe em incapacidade moral; VII - não ter conduta, incompatível com o exercício da profissão (art. 110, parágrafo único); Parágrafo único. Satisfazendo os requisitos deste artigo, o estrangeiro será admitido à inscrição nas mesmas condições estabelecidas para os brasileiros no seu país de origem, devendo exibir diploma reavaliado, quando não formado no Brasil.
Art. 53. É obrigatório o Exame de Ordem para admissão no quadro de advogados, aos candidatos que não tenham feito o estágio profissional ou não tenham comprovada satisfatoriamente o seu exercício e resultado (arts. 18, inciso VIII, letras "a" e "b"; 48, inciso III, e 50). § 1º O Exame de Ordem consistirá, em provas de habilitação profissional, feitas perante comissão composta, de três advogados inscritos há, mais de cinco anos, nomeados pelo Presidente da Seção na, forma e mediante programa regulado era provimento especial do Conselho Federal (art. 18. inciso VIII, letra b. § 2º Serão dispensados do Exame de Ordem os membros da Magistratura e do Ministério Público que tenham exercido as respectivas funções por mais de dois anos, bem como, nas mesmas condições, os professores de Faculdade de Direito oficialmente reconhecidas. (Grifou-se).
A Lei nº 5.842/72, juntamente com a Resolução nº 15/73-CFE, regulamentou o Estágio de Prática Forense e Organização Judiciária, que era de natureza totalmente voluntária, após a conclusão do qual o aluno tinha o direito de se matricular na OAB.
Simon Schwartzan continua o discurso citado e descreve gradualmente em poucas palavras a expansão do ensino superior como força motriz do progresso dos países, incluindo o Brasil. Vejamos:
Isto não significa, naturalmente que o ensino superior no Brasil não tenha problemas, dramatizados pela explosão de matrículas entre 1965 e 1980 – de 150 mil a um milhão e meio de estudantes em quinze anos. Esta expansão acompanhou uma tendência internacional de ampliação progressiva do acesso ao ensino superior, e coincidiu, no Brasil, com um regime militar que sempre desconfiou e muitas vezes agiu contra estudantes, professores e cientistas. Reformular o ensino superior foi um dos compromissos inscritos no discurso inaugural da Presidência da Nova República que Tancredo Neves nunca chegou a ler, mas que foi lido e assumido por seu sucessor, José Sarney. Para este fim o governo instalou, com toda solenidade, uma Comissão Nacional que deveria apontar os caminhos do futuro ( SCHWARTZAN,1998).
Nessa fase, o ensino superior foi expandido indiscriminadamente porque o objetivo era desviar o descontentamento político da classe média urbana e conquistar seu apoio ao projeto de governo. Assim, a expansão do ensino superior é descomedida, as instituições privadas de ensino se multiplicam sem o devido controle de qualidade, principalmente nos cursos de ciências sociais devido à baixa necessidade de investimentos.
Essa situação mostrou que o ensino superior ainda está em crise, principalmente porque as matérias geralmente não são padronizadas, permitindo que cada faculdade lecione um curso de ensino superior de acordo com sua vontade, enfatizando que basta cumprir o requisito mínimo estabelecido pelo Ministério da Educação - MEC.
Diante de tal cenário de crescimento educacional, o Conselho Federal da OAB, talvez temendo que a reputação do ensino jurídico se tornasse desonroso, decidiu atualizar suas regras, conforme estipulado na nova Constituição (1988), e exigiu que todos se submetessem à um exame de qualificação. O legislador dispôs na Lei nº 8.906/94, art. 8º, inciso VI, a obrigatoriedade do acadêmico participar de exame para avaliação de seus conhecimentos, por responsabilidade da OAB.
Outrora, a Resolução nº 02/1994, da Diretoria do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, instituiu uma exceção à regra:
Art. 7º Estão dispensados do Exame de Ordem: I - os bacharéis em direito que realizaram o estágio profissional de advocacia (Lei nº 4.215/63) ou o estágio de prática forense e organização judiciária (Lei nº 5.842/72), no prazo de dois anos, com aprovação nos exames finais perante banca examinadora integrada por representante da OAB, até 04 de julho de 1994; II - os inscritos no quadro de estagiários da OAB, até 04 de julho de 1994, desde que realizem o estágio em dois anos de atividades e o concluam, com aprovação final, até 04 de julho de 1996; III - os matriculados, comprovadamente, nos cursos de estágio referidos no inciso I, antes de 05 de julho de 1994, desde que requeiram inscrições no Quadro de Estagiários da OAB, e o concluam com aprovação final, juntamente com o curso, até 04 de julho de 1996; IV - os que preencheram os requisitos do art. 53, § 2º, da Lei nº 4.215/63, e requereram suas inscrições até 04 de julho de 1994; e V - os que, tendo suas inscrições anteriores canceladas em virtude do exercício, em caráter definitivo, de cargos ou funções incompatíveis com advocacia, requererem novas inscrições, após a desincompatibilização. Parágrafo único. Os bacharéis em direito que exerceram cargos ou funções incompatíveis com a advocacia, inclusive em carreira jurídica, sem nunca terem obtido inscrição na OAB, se a requererem, serão obrigados a prestar Exame de Ordem.
De acordo com o referido artigo, os estudantes de Direito que comprovadamente se matricularam em cursos de estágio de prática forense e organização judiciária antes de 5 de julho de 1994, desde que tenham solicitado e concluído a inscrição no Quadro de Estagiários da OAB com aprovação final em conjunto com o curso e antes de 4 de julho de 1996, foram dispensados do exame. Ressalte-se que a jurisprudência tem confirmado o entendimento de que a exigência do exame da ordem é válida após a entrada da Lei nº 8.906/94 porque na antiga legislação o bacharel em direito era permitido fazê-lo, mesmo que não solicitasse o registro.
Assim, bacharéis que tenham completado dois anos, ou seja. quatro semestres de prática, poderia solicitar registro no Conselho Federal para exercer livremente a sua formação. A exceção também se aplicava aos estagiários já inscritos no quadro de pessoal competente e que estivessem dispensados do Exame de Ordem conforme consta no Estatuto, art. 84, desde que demonstre a conclusão bem-sucedida do estágio de Prática Forense e Organização Judiciária, que tenha sido concluída na instituição competente, no prazo de dois anos a contar da entrada em vigor da lei.
Até hoje, a OAB tem desempenhado um papel importante na proteção da democracia em nosso país e na luta para reduzir as injustiças. Isso pode ser visto em vários episódios da história de nossa nação onde esta entidade não silenciou os disparates de governos autoritários ou mesmo os abusos de nossos governantes. Durante o regime militar, a OAB foi a principal figura na proteção dos direitos humanos e lutou contra sua sistemática violação sob o pretexto de garantir a ordem e a segurança nacional. A OAB também é um órgão importante na luta pela qualidade do ensino jurídico ministrado no Brasil, pois possui comissões que controlam a abertura de novos cursos jurídicos à prática jurídica e regulam as práticas do sistema interno e aderem ao profissionalismo. a ética estabelecida em suas normas.
Além disso, ainda sobre os Conselhos Profissionais, eram chamadas de autarquias para-administrativas, corporações autárquicas, corporações profissionais, instituições corporativas, mas foi na Lei 9.649, de 27 de maio de 1998, em que tais conselhos passaram a ter personalidade jurídica privada e foi vedada qualquer relação funcional ou hierárquica com a administração pública. Tal estado de direito é fundamentalmente incompatível com a Constituição. No artigo 58 da referida norma legal e também em seus incisos, para os conselhos, com exceção dos conselhos da OAB, foram estabelecidos os seguintes modelos: o serviço de fiscalização das profissões regulamentadas é realizado de forma privada, por meio de transferência de poder público, autoridade legislativa; a organização, estrutura e atividade dos conselhos deve ser regulada mediante decisão do plenário do conselho federal da respectiva profissão, assegurando-se a representação de todos os conselhos regionais na sua composição; Os conselhos podem determinar, cobrar e aplicar pagamentos anuais de pessoas físicas ou jurídicas, bem como taxas de serviço e multas, que constituem renda própria e que constituem prova juridicamente vinculante da certidão de crédito obtida.
No entanto, há casos em que esses órgãos ultrapassam seus poderes, levando à discórdia e à injustiça, enquanto esses órgãos são criados para disciplinar e controlar o exercício da profissão e garantir o exercício da profissão e a ética. Portanto não pode impedir alguém de exercer uma profissão para a qual está habilitado, tal prática é proibida pela Constituição Federal e as leis que a regem não a qualificam para tal competência, como afirma Locke, "o fim do Direito não é abolir nem restringir, mas preservar e ampliar a liberdade” (John Locke).
De acordo com o Regulamento nº 109, de 05.12.2005, consta que o atual Exame de Ordem tem como objetivo selecionar profissionais habilitados no exercício da advocacia em benefício da comunidade e é uma exigência da Lei do Estudante para a inscrição dos advogados na OAB.
São esses alunos, depois de fazer cursos de direito e passar no renomado exame da Ordem dos Advogados, que as pessoas procurarão para proteger e cumprir os direitos que reivindicam, tendo em mente a tese de valores fundamentais de advogados. Quanto a sua relevância social, não há o que discutir, mas o motivo pelo qual somente depois de passar no Exame, são reconhecidos como de fato, advogados, acaba por gerar uma enorme divergência. A questão é esta: Qual a razão da discriminação e da elevação da lei a este patamar, e, curiosamente, que só esta profissão entra no exame da “seleção qualificada”?
Um médico cuja missão é monitorar e supervisionar interesses legítimos e mais importantes qual seja a vida, antes de exercer sua profissão, não necessita ser selecionado de nenhuma forma, muito pelo contrário, sabemos que o Conselho Federal de Medicina – CFM, serve de antemão para ajudar no ingresso à profissão dos médicos. Na verdade, a única função dos órgãos relacionados a cada profissão é fiscalizar os profissionais, não selecioná-los.
O exame da Ordem está sendo empregue atualmente como uma reserva de mercado, e fonte de arrecadação para a “indústria” de cursinhos preparatórios que execra os bolsos dos seus bacharéis e acadêmicos e traz diversos danos mentais e pecuniários devido aos altos valores cobrados na inscrição para a prova, além disso, em parte gerando altos índices de desaprovação em massa.
No artigo “Exame de Ordem: para quê e para quem?”, publicado no jornal O Liberal. Dr. Fernando Facury Scaff fez duas perguntas:: “1) Será que o Exame de Ordem realmente mede a qualidade do ensino jurídico no País? e 2) Será que o Exame de Ordem mede a qualidade dos profissionais da advocacia em nosso País?” (SCAFF, 2006). Negativamente o ilustre advogado respondeu as duas perguntas, justificando que, não é porque um estudante é aprovado ou deixa de ser no Exame que a instituição em que ele se formou não é boa o suficiente para capacitá-lo, e que mesmo que fosse a existência desse Exame não seria suficiente para diminuir ou afastar os maus advogados da classe de trabalhadores. Fica claro que o exame é ineficaz nesse aspecto, trazendo prejuízos àqueles que não conseguem aprovação.
3.OS DANOS CAUSADOS PELO EXAME DE ORDEM
Os entraves à prática jurídica decorrentes do Exame de Ordem refletem diretamente as dificuldades de obtenção de proteção jurídica no Brasil. O direito de agir é um direito garantido aos nossos cidadãos pela Constituição, como podemos ver analisando o inciso XIII, do artigo 5° da Constituição Federal.
Dessa forma, o exame da OAB é um infortúnio para a maioria da população na resolução de suas reivindicações e litígios, considerando a enorme disparidade entre profissionais capacitados (bacharéis em direito que passaram no exame) e os que desejam para trabalhar, mas como ainda não passaram nesse teste, sua garantia constitucional de livre exercício foi violada e, portanto, impedidos de exercerem a advocacia. Conforme afirma Bandeira de Mello:
Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.(Bandeira de Mello – Jurista Brasileiro)
Existe ainda, em meio a esses fatores, a dura jornada do bacharel e recém-formado adentrar num mercado saturado e concorrer diretamente com advogados que já possuem uma vasta experiência na área, uma vez que a Ordem não busca meios de incluir o bacharel nesse meio, nem atesta a qualidade dos seus advogados, o que deveria ser, sem sobra de dúvidas, sua maior finalidade.
Há também uma indústria em crescimento focada na preparação para o Exame de Ordem. Portanto, não é incomum que as próprias instituições de ensino voltem as suas ordens educacionais de seus alunos apenas para aprovação no exame, não para construir um profissional do direito de excelência. Ademais, isso causa uma segregação direta, por apartar aqueles que possuem condições para pagar um bom preparatório e matérias de qualidade, daqueles que não possuem, e fatalmente encontram-se condenados à reprovação. Afinal, a alta taxa de aprovação do Exame pode levar a população a acreditar que o conteúdo ministrado nos cursos é de alta qualidade.
Nossa república se baseia, entre outras coisas, nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, bem como no Art. 5, inc. XIII de nossa Constituição, que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. No entanto, esses direitos têm sido sistematicamente prejudicados pelo registro regular dos profissionais da Ordem dos Advogados do Brasil por meio da organização de exames de ordem.
O artigo 205 da nossa Constituição afirma:
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Sendo isso também fundamentado na Lei de Diretrizes e Fundamentos Nacionais da Educação, onde se constata que uma das atribuições do grau universitário, como já enfatizado, é a formação de graduados com domínio das competências e sua inserção no mercado de trabalho. É controverso que a Ordem dos Advogados do Brasil imponha como requisito para a inscrição em seus quadros a aprovação no Exame de Ordem, o que é, deve-se enfatizar, uma exigência que acaba por gerar desigualdade e injustiça tanto para os graduados que não podem atuar no seu labor e para a sociedade refém do alto custo dos serviços jurídicos, que limitam a proteção jurídica dos cidadãos e põem em risco a resolução de litígios judiciais com recurso aos tribunais, bem como a prestação de aconselhamento jurídico e orientação que é atividade privada de um advogado, pois nossa Constituição considera o advogado essencial para a administração da justiça (Brasil, 1988)
A Ordem dos Advogados do Brasil afirma que o Exame de Ordem é uma importante ferramenta para medir o nível da educação jurídica em nosso país e também protege a sociedade contra a má qualidade dos serviços jurídicos prestados à nossa população, como mostra a exposição feita pelo ex-presidente do Conselho Federal da OAB, Roberto BUSATO, em artigo divulgado na revista desse órgão:
Há quem suponha que o Exame de Ordem seja um excesso, que tiraniza os bacharéis em Direito, subjugando-os a um capricho corporativista desnecessário. Mas não é nada disso – e, como espero demonstrar, é algo bem diferente. O Exame de Ordem, antes de mais nada, resguarda a sociedade da má qualidade dos serviços jurídicos. Sendo o advogado um defensor do cidadão, o mínimo que dele se exige é que conheça bem os instrumentos com que exercerá essa defesa. O Exame de Ordem é uma aferição elementar desse conhecimento básico dos rudimentos da profissão e da legislação, uma espécie de ISO 9000 dos formandos, um selo de qualidade, mais que nunca indispensável, diante de um cenário educacional precário, como o brasileiro (BUSATO,2006)
No entanto, há várias contradições no discurso do famoso ex-presidente da OAB. Ou seja, o exame da OAB em nada se assemelha à norma ISO 9000, pois quem não possui o registro na Ordem dos Advogados (que carece de aprovação pela Ordem dos Advogados) está impedido de praticar, o que mostra de imediato que o exame da Ordem em nada semelhante ao padrão ISO 9000. A aprovação no exame não é como um selo de qualidade, pois a atuação do bacharelado exige sua aprovação prévia.
A instrução acadêmica, que já foi a marca de um excelente profissional, virou uma característica essencial de quem quer se destacar na sociedade moderna. Mas, além da qualificação, os bons profissionais devem possuir preceitos e propriedades que se pautam pela ética, moralidade, dinamismo, retórica, comunicação e muitos outros pré-requisitos para seja qual for o profissional de qualquer área ou classe trabalhadora.
Rubem Almeida Mariano, teólogo, filósofo e doutor pela Umesp, em seu artigo sobre a Formação Acadêmico-profissional diz que:
A formação acadêmico-profissional não se dá apenas nos campos do saber teórico, da prática, da técnica, como se o ser humano fosse um computador programado para processar dados e realizar fielmente tarefas. O ser humano é vida / morte, amor / ódio, espiritualidade / materialidade, criatividade / reprodução. Ele é esse misto de complexidades e isso aponta para outros campos da existência humana. Dentre esses campos encontramos o agir moral e ético (Mariano, 2007).
Nesse contexto, o famoso exame da Ordem exige que os candidatos façam apenas pensamento abstrato e científico, e até selecionam excelentes “juristas”, mas não há garantia de que esses candidatos se tornarão excelentes profissionais uma vez aprovados, pois nada se sabe sobre a prática da Ética, moral, criatividade e aplicabilidade desses conceitos em sua atuação profissional.
Portanto, de acordo com o texto da Constituição, o objetivo da educação é, entre outras coisas, habilitar-se para um trabalho que não exija comprovação de qualificação, e o referido exame não se torna necessário ao bacharel em direito.
Aprofundando o assunto, a Lei de Diretrizes de Base da Educação, no art.43º II dispõe que:
Art.43º. A educação superior tem por finalidade: II – Formar diplomados nas diferentes áreas do conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua
O que mostra a possibilidade imediata de um graduado universitário ser direcionado para o mercado de trabalho, pois de acordo com a lei ele deve estar apto a exercer sua profissão sem a realização de exame para esta avaliação.
Por outro lado, a mera aceitação e posterior registro como advogado não garante a qualidade do serviço prestado, pois, como já ressaltado, há casos de advogados que carecem de ética no exercício de sua profissão, e também advogados comprometidos em vários escândalos de corrupção.
Assim, fica claro que a Ordem dos Advogados do Brasil tem utilizado o Exame também para outros fins que não o que se propõe, quais seriam para avaliar o nível e a qualidade de um candidato que ingressa no cargo de advogado e das formações jurídicas ministradas em nosso país.
O Exame da Ordem tornou-se uma ferramenta da Ordem dos Advogados do Brasil que causou uma enorme reserva de mercado, pois regulamenta os preços dos serviços prestados pelos advogados em nosso país, e impede que profissionais habilitados pratiquem a advocacia após a obtenção do diploma universitário. Ressalte-se que a OAB, à imagem das antigas corporações de ofício que, como relembrado por LEILA CUÉLLAR:
Atentavam contra a liberdade econômica e impediam o desenvolvimento das atividades profissionais, em decorrência de uma regulação excessiva e porque desrespeitavam as liberdades individuais (CUÉLLAR,2006).
Usa um Exame para impedir que muitos bacharéis em direito exerçam sua profissão após a conclusão do curso.
De acordo com o ensino de VITAL MOREIRA:
Em geral esta regulação das profissões é justificada em nome do interesse público e da ética da profissão. Mas existem dados e pesquisas que demonstram que ela funciona essencialmente em benefício dos profissionais, reduzindo a oferta, mantendo artificialmente preços altos e protegendo a profissão contra os clientes e contra o interesse público. Isso é tanto mais assim quanto mais forte for o poder das profissões, quanto mais débil for o controlo público sobre elas. É o que sucede em Portugal, onde as corporações profissionais não cessam de proliferar, onde elas funcionam como poderosos grupos de interesses oficiais, onde o Estado abdicou de todo o controlo sobre elas, deixando-as em roda livre, e onde várias delas levaram ao extremo a sua função de cartel profissional (Moreira,1997).
Assim, o exame da OAB tornou-se uma limitação ao exercício profissional de um grande número de bacharéis que são reprovados no exame. Em última análise, isso aumenta o custo dos serviços jurídicos e torna mais difícil para as pessoas irem aos tribunais. Por isso, como também destaca VITAL MOREIRA, se é preciso passar por um exame para trabalhar, isso constitui um malthusianismo profissional.
A criação de reserva de mercado pela Ordem dos Advogados do Brasil viola claramente a liberdade de exercício profissional consagrada na Constituição, que só pode ser limitada por certas condições de qualificação que podem ser determinadas arbitrariamente por lei. Vale lembrar que na disciplina de Direito essa habilitação está limitada à aprovação no curso superior, qual seja ele o curso de Direito. Não obstante, a OAB realiza periodicamente Exames de Ordem para ingresso dos bacharéis, o que limita o acesso de alguns cidadãos à profissão. E, como falado por VITAL MOREIRA, isto demonstra que:
Uma nova estratégia na restrição da entrada na profissão. É evidente que por detrás desta inédita atitude está uma implícita contingentação do acesso à advocacia (MOREIRA,2006)
Conforme declarado pelo deputado Max Rosenmann em suas razões para a introdução do Projeto de Lei 5.801/05:
Sendo a qualificação profissional cabedal de conhecimentos ou atributos que habilitam alguém ao desempenho de uma função, é notório que tais conhecimentos são hauridos única e exclusivamente através da formação acadêmica. Somente a universidade é detentora exclusiva de tal função, cabendo-lhes a função de qualificar seu corpo discente. Caso a Ordem dos Advogados do Brasil reconhecida fosse como escola de nível superior, certamente gozaria da prerrogativa de qualificar ou não seu alunato para o exercício da profissão
Para tanto, é necessário analisar o inciso IV do artigo 8º da Lei 8.906/9 (Estatuto dos Advogados e Ordem dos Advogados do Brasil), afinal, como mencionado acima, o Exame da Ordem gera muitas desigualdades. Dessa forma, propostas legislativas para abolir a obrigatoriedade do exame da Ordem são comuns, e servem para que os bacharéis em Direito tenham garantias constitucionais de seguir carreiras para as quais estão habilitados.
Diante das diversas assimetrias que esse exame acaba por gerar, é imprescindível analisar seus requisitos e tomar como referência a Constituição Federal, pois como aponta Regina Maria Macedo Neri Ferrarii,
Uma norma para ser válida é preciso que busque seu fundamento de validade em norma superior, e assim por diante, de tal forma que todas as normas cuja validade pode ser reconduzida a uma mesma norma fundamental formam um sistema de normas, uma ordem normativa”. O regime previsto na Constituição é punível com nulidade.
Conforme J. J. GOMES CANOTILHO:
A constituição confere à ordem estadual e aos actos dos poderes públicos medida e forma. Precisamente por isso, a lei constitucional não é apenas – como sugeria a teoria tradicional do estado de direito – uma simples lei incluída no sistema ou no complexo normativo-estadual. Trata-se de uma verdadeira ordenação normativa fundamental dotada de supremacia – supremacia da constituição – e é nesta supremacia normativa da lei constitucional que o ‘primado do direito’ do estado de direito encontra uma primeira e decisiva expressão (CANOTILHO, 2002).
Portanto, para que a regra funcione, ela deve estar de acordo com a letra da Constituição, afinal a Constituição “é a mais eficaz garantia de liberdade e da dignidade do indivíduo, já que obriga a enquadrar todos os atos normativos às regras previstas na Constituição”. Dessa maneira, faz-se necessário focarmos no que explana CLÈMERSON MERLIN CLÈVE:
As Constituições, agora, são documentos normativos do Estado e da sociedade. A Constituição representa um momento de redefinição das relações políticas e sociais desenvolvidas no seio de determinada formação social. Ela não apenas regula o exercício do poder, transformando a potestas em auctoritas, mas também impõe diretrizes específicas para o Estado, apontando o vetor (sentido) de sua ação, bem como de sua interação com a sociedade. A Constituição opera força normativa, vinculando, sempre, positiva ou negativamente, os Poderes Públicos. Os cidadãos têm, hoje, acesso direto à normativa constitucional, inclusive para buscar proteção contra o arbítrio ou a omissão do Legislador (CLÈVER,2000).
Logo, é sabido que a Constituição “é uma ordem fundamental, material e aberta de uma comunidade’. É ordem fundamental, eis que reside em posição de supremacia. É, ademais, ordem material porque, além de normas, contém uma ordem de valores: o conteúdo do direito, que não pode ser desatendido pela regulação infraconstitucional”.
No entanto, este não é o caso quando se trata da exigência de passar no Exame da Ordem para se registrar como advogado. Porque o artigo 205 da Constituição diz o seguinte:
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL,1998).
Da mesma forma, o disposto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que estabelecem que os objetivos do ensino superior são: “formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação continuada”. Ressalte-se que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional está em consonância com o texto constitucional. Trata-se de uma contravenção às disposições do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, que determinam que candidatos de qualquer área do conhecimento podem exercer a profissão.
A exigência de aprovação no Exame de Ordem para acesso ao quadro da OAB não se conforma ao texto da Constituição, que é norma constitucional e não pode estabelecer nenhuma exigência que não esteja relacionada às qualificações profissionais que constituem os requisitos profissionais. Nesse sentido, nossos tribunais também entendem:
A Constituição assegura a todos o livre exercício profissional, que somente sofre as limitações previstas em lei relativas à qualificação (CF, art. 5°, inc. XIII)
A CF, em seu art. 5°, XIII, assegura o livre exercício de qualquer trabalho ou profissão, atendidas as qualificações que a lei vier a estabelecer. Trata-se de norma de eficácia contida ou mitigada. A norma infraconstitucional, porém, não poderá estabelecer condição desvinculada da qualificação profissional, mormente condição que inviabilize o trabalho
Pode-se concluir, que, qualquer profissão, ofício ou trabalho pode ser exercido, posto que é assegurado o direito de liberdade, se atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Por óbvio, no caso em tela, seria a qualificação profissional estabelecida em lei à Faculdade de Direito, ao curso de graduação na área jurídica, que prepara o indivíduo de maneira a deixá-lo apto para os conflitos jurídicos/sociais, para a aplicação do direito no caso concreto.
A Constituição Federal no art.1º, II, III, IV estabelece “a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho” A questão é: onde está o princípio da ordem nesses três princípios básicos do texto constitucional? Se a cidadania contém direitos e obrigações de todos os indivíduos perante a sociedade, onde está o direito humano à dignidade e o valor social do trabalho? O Exame da Ordem bota em questionamento esse texto constitucional e deixa de exercer os valores da lei. Mesmo após se formar, tendo se preparado longos anos para exercer o ofício como advogado, torna-o indigno da função e de ajudar a sociedade exercendo sua profissão, por não ter sido aprovado num exame incoerente.
Além disso no Art. 3º da CF/88 afirma que:
Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação
Como pode haver uma sociedade livre, justa e unida se esses graduados não são livres para exercer suas profissões, mesmo que sejam qualificados. Somente com o desenvolvimento de todas as classes trabalhadoras, ocasionará o desenvolvimento do país, reduzirá o desemprego e o endividamento, reduzirá a desigualdade social e promoverá o bem-estar de todos. O contrário do que acaba fazendo: segregar os "qualificados" e os "desqualificados" impedindo de os bacharéis em direito laborar com dignidade.
Verificamos que não há revisão constitucional nos artigos art.5º, II e XIII, que dispõem que “II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, XIII - “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”, que deve advir do poder Legislativo e não do Conselho Federal da OAB que viola gratuitamente o livre exercício da profissão. Da mesma forma, os artigos 170º e 193º da CF/88 operam com base no sistema socioeconômico, enquanto o exame com base no Provimento nº109, de 05.12.2005 aborda no sentido oposto.
A graduação de ensino e a moralidade e ética de uma pessoa, que não se dá por meio do Exame de Ordem, são requisitos adicionais essenciais para que todos possam trabalhar com dignidade na profissão que escolheram, exercer livremente sua profissão.
Da necessidade do exame da Ordem dos Advogados do Brasil, tomando por base preceitos legais, podemos dizer que há legalidade na atual conjuntura, muito embora para alguns, haja ilegalidade, tachando até mesmo como inconstitucional, como preceitua o Professor de Direito Constitucional da UNAMA (Universidade do Amazonas), Dr. Fernando Lima:
A Lei nº 8.906 (ESTATUTO DA ORDEM), impõe, como requisito para a inscrição como advogado, A APROVAÇÃO EM EXAME DE ORDEM (art. 8º, IV). Nada mais. Diz, apenas, que O EXAME DE ORDEM SERÁ REGULAMENTADO EM PROVIMENTO DO CONSELHO FEDERAL DA OAB (art. 8º, §1º). Portanto, o Exame de Ordem NÃO FOI CRIADO POR LEI do Congresso, porque o Estatuto da OAB nada disse a seu respeito, nem foi REGULAMENTADO PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA, como deveria ter sido (Constituição Federal, art. 84, IV, in fine). A norma é inconstitucional, porque a competência de REGULAMENTAR AS LEIS É PRIVATIVA do Presidente da República. Verifica-se, desse modo, que o Exame de Ordem é, também, FORMALMENTE INCONSTITUCIONAL, porque foi criado por um órgão que não tinha a necessária competência para tanto. SOMENTE A LEI DO CONGRESSO, REGULAMENTADA PELO PRESIDENTE, poderia restringir o DIREITO FUNDAMENTAL AO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO (CF, art. 5º, XIII).
E conclui:
“PORTANTO, o EXAME DE ORDEM é DUPLAMENTE INCONSTITUCIONAL: MATERIALMENTE, porque atenta contra diversos dispositivos constitucionais, que atribuem competência às Universidades e ao poder público, em relação à qualidade do trabalho e à avaliação da qualidade do ensino; e FORMALMENTE, porque não foi criado por lei e regulamentado pelo Presidente da República, mas sim pelo Conselho Federal da OAB, através do Provimento nº 81.
No entanto, conforme Recurso Extraordinário (RE) 603583 do Supremo Tribunal Federal – STF decidiu que é constitucional a exigência do exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), previsto na Lei 8.906/94, o chamado Estatuto da Advocacia. Nesse caso, não discutimos a constitucionalidade do Exame, mas apenas como, de fato, tem barrado tantas pessoas de exercerem sua profissão.
Em julho de 2021, tivemos alguns dados interessantes sobre a prova da OAB. Naquele momento, mais de 200 mil candidatos fizeram o 32º Exame da OAB em todo o país. Desse total, 46.524 alunos foram reprovados, o equivalente a 23,27% dos estudantes.
Desde 2010, o Exame da OAB é organizado e aplicado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Até a 28ª edição, foram cerca de 3,55 milhões de inscrições, sendo 1,07 milhão de participantes únicos. Ou seja, somente ⅓ realizou o exame pela primeira vez. Em outra interpretação, cada candidato realiza o exame três vezes em média.
Dados da FGV apontam que a taxa de aprovação total é de 61,26% e ainda o percentual de aprovação cai na medida em que as tentativas de provas aumentam.
O sistema jurídico é extremamente importante em todas as sociedades do mundo, desde as sociedades mais miseráveis até as grandes potências, pois defende a liberdade e os direitos dos cidadãos, que são a base do “Estado Democrático de Direito”. Portanto, é impossível subestimar a importância dos advogados na vida das pessoas, pois eles são parte essencial da estrutura da justiça sem a qual não podemos sobreviver.
O Supremo Tribunal Federal, decidiu, por unanimidade, que a questão da obrigatoriedade do Exame de Ordem teve repercussão pública durante a análise preliminar do Recurso Extraordinário 603.583.
Por isso, o ministro Marco Aurélio anunciou que os acadêmicos em direito “insurgem-se nos diversos órgãos do Judiciário contra o denominado Exame de Ordem, que, segundo argumentam, obstaculiza de forma setorizada, exclusivamente quanto a eles, o exercício profissional. O Supremo há de pacificar a matéria, pouco importando em que sentido o faça.”
Diante de todo o exposto, é importante observar que, adiante de todos os disparates que advêm da exigência de passar no Exame de Ordem para se registrar como advogado, o conclui que a exigência em si não contribui com o desenvolvimento desses bacharéis. Afinal, tem causado inúmeras desvantagens para a coletividade, como o aumento do judiciário, a criação de uma reserva no mercado de advogados, o aumento da dificuldade de acesso aos tribunais e a gestão da formação dos alunos com direcionamento à aprovação no Exame de Ordem, quando ignorando uma necessidade de formação mais humana, que se aplica a qualquer estudante de formação do ensino superior.
O certificado de conclusão é válido nacionalmente após o reconhecimento do curso pelo Ministério da Educação. Desta forma, os cidadãos com diploma de uma instituição credenciada podem exercer uma profissão em todo o país. Portanto, o conhecimento do bacharel não deveria ser avaliado pela Ordem dos Advogados do Brasil, pois se uma pessoa obteve este grau, é claro que ele está qualificado para exercer atividade como Advogado.
Hoje, nos deparamos com uma situação difícil de reverter, pois a OAB utiliza uma alta taxa de erro em sua prova para justificar sua necessidade. O exame da OAB foi criado sob a lógica de que serviria para melhorar a qualidade dos serviços jurídicos prestados no nosso território, mas deixa muito a desejar nesse quesito e agora é plenamente respaldado (e os mesmos dirigentes da OAB recorrem a esse argumento) apenas em seu alto nível de taxa de reprovação. Ressalta-se que o método utilizado no exame não é o mais desejável, pois trata-se de questões ao Bacharelado apenas com modificações nos termos de alguns textos legais para verificar se o candidato conhece do texto da lei, invertido para confundir o bacharel.
O exame da Ordem acaba por atacar direito líquido e certo de exercício de profissão dos já habilitados para a prática. Porque de acordo com a nossa Constituição, é função da educação de preparar o cidadão para o mercado de trabalho. Deveria também ser o caso dos cidadãos que fizeram cursos de direito, pois são reconhecidamente habilitados para o exercício da advocacia, devendo o papel da Ordem dos Advogados do Brasil, neste caso, limitar-se a examinar os profissionais em exercício, além de representar seus membros e exercer os poderes disciplinares nos termos da lei. Ressalte-se ainda que o exame da Ordem é regulamentado por outra autoridade que não o Presidente da República - e é regulamentado pelo regulamento do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Mas, como vimos, a capacidade de estabelecer regulamentos para fazer cumprir adequadamente a lei é exclusiva do primeiro. Além disso, cabe exclusivamente à União impor condições e legislar sobre o trabalho profissional.
As universidades são responsáveis por preparar e qualificar os alunos para enfrentar os desafios do mercado de trabalho, cabendo ao Estado a fiscalização dessas instituições. Essa verificação não é diretamente responsabilidade da OAB. A inserção desses egressos ajuda a aumentar a produtividade e a renda, conquistar sua independência econômica, sua dignidade como seres humanos e integrar-se à sociedade. E passar no exame não facilita em nada essa inserção, muito pelo contrário, acaba por dificultar.
Portanto, o Exame da OAB fere as garantias fundamentais da CF/88 e não atinge o seu objetivo original, uma vez que muitos profissionais que estão aptos a exercer à profissão, tornam-se impedidos e acabam por desistir da área pelo Exame ser um "ponto de pressão" para os alunos.
Onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação de poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para dignidade humana e a pessoa não passará de mero objeto de arbítrio e injustiças. (Ingo Sarlet – Juiz e Jurista brasileiro)
O Exame da OAB viola os princípios e garantias básicos estabelecidos na constituição, por isso foi mal aplicado a estudantes que, tendo entrado na universidade, almejam um excelente desempenho profissional após a decepção do exame.
Também é prejudicial ao desenvolvimento da sociedade, causando stress aos alunos e ocasionando o desemprego devido ao tratamento desigual aos estudantes de direito. Ineficiente porque não são avaliadas as reais qualificações de bons especialistas, que veem o seu exercício limitado por instituições cujo objetivo não deveria ser escolher os seus especialistas, mas apenas controlá-los.
Logo, o Exame realizado pela Ordem dos Advogados do Brasil que cerceia da pessoa com formação acadêmica o livre exercício da profissão, tornou-se ineficaz.
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bacharelanda em Direito pelo Instituto de Ensino Superior - ICEV
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Glenda Gabrielle Lopes. O difícil ingresso a OAB pelo bacharel em direito sob a ótica do direito constitucional brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jan 2023, 04:06. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/60737/o-difcil-ingresso-a-oab-pelo-bacharel-em-direito-sob-a-tica-do-direito-constitucional-brasileiro. Acesso em: 21 nov 2024.
Por: Gudson Barbalho do Nascimento Leão
Por: Maria Vitória de Resende Ladeia
Por: Diogo Esteves Pereira
Por: STEBBIN ATHAIDES ROBERTO DA SILVA
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