Prof(a).(Esp.) ALEXANDRE YURI KIATAQUI
(orientador)
RESUMO: O presente trabalho pretende relatar sobre algumas aproximações visualizadas entre a Bíblia Sagrada, representando o religioso, com o Direito, caracterizado como a Lei dos Homens. Questionaremos sobre a importância que aquela teve sobre esta. A pesquisa relatará algumas passagens da Bíblia que se refere sobre as regras “leis”, impostas aos homens por Deus, em comparação com as leis atuais presentes no ordenamento jurídico brasileiro. Neste sentido, a religião é a organização mais ancestral e sistemática da dimensão utópica inerente ao ser humano que aposta que o mundo não está definitivamente perdido. Vê-se, portanto, que não podemos questionar a importância que a religião, teve/têm sobre a vida do homem. Todos os valores, comportamentos, sentimentos, e inclusive normas, advém do pensamento e regras religiosas, apesar de muitos negarem isto. Já é sabido por todos que a cada dado momento da história o homem modifica seu comportamento e forma de pensar, daí, persegue com estes elementos tantos outros. Atualmente, se tratando do campo do Direito, é inviável que este retorne aquela aplicação visualizada no Direito Antigo, que se constituía e justificava sua existência “em face da predominante influência da religiosidade sobre a estrutura e conteúdo pelo apego ao sagrado como dimensão legitimadora de sua aplicação à ordem social”. Mas, de fato, não podemos negar que é possível visualizar nas normas jurídicas atualmente, regras que possuem os mesmos objetos já tratados em “Leis” Sagradas. De antemão, importante lembrar que a religião em questão é denominada pelo cristianismo, e as leis são retiradas da Sagrada Escritura, que é um conjunto de vários livros escritos através de uma inspiração divina.
Palavras-chave: Bíblia Sagrada. Deus. Homem. Direito.
ABSTRACT: The present work intends to report on some approaches visualized between the Holy Bible, representing the religious with the Law, characterized as the Law of Men. We shall question about the importance of that. The research will report some passages from the Bible that refer to the rules "laws" imposed on men by God, in comparison with the current laws present in the Brazilian legal system. In this sense, religion is the most ancestral and systematic organization of the utopian dimension inherent in human beings who bet that the world is not definitively lost. It's seen, therefore, we cannot question the importance that religion had/has on man's life. All values, behaviors, feelings and even norms come from thought and religious rules, although many deny this. Currently, when dealing with the field of Law, it's unfeasible for it to return to that application visualized in Ancient Law, which constituted and justified its existence “in the face of the predominant influence of religiosity on the structure and content by the attachment to the sacred as a legitimizing dimension of its application to the social order”. But in fact, we cannot deny that it's possible to visualize in the legal norms currently, rules that have the same objects already treated in Sacred “Laws”. Beforehand, it's important to remember that the religion in question is called Christianity and the laws are taken from Holy Scripture, which is a set of several books written through divine inspiration.
Keywords: Holy Bible. God. Man. Law.
Já diziam nossos precursores que “fé e ciência não se misturam” e, também, que “religião não se discute”. Verdade é que esses conceitos revelam uma sociedade pautada pela praticidade que dispensa análises mais profundas e dogmas estruturantes que segregam os elementos físicos e abstratos da formação cultural, humana e de consciência moral, social, ético e de fé.
A Bíblia Sagrada Cristã, utilizada por diversas vertentes do Cristianismo dentre os mais destacados a linha católica e protestante, é um conjunto de livros que dentre a sua miscelânea de disciplinas e doutrinas contêm muitas normas de índole ética, social, moral, saúde pública, espiritual e também do Direito.
A despeito de que gera discussão até hoje quanto a laicidade do Estado em relação à igreja no ordenamento jurídico brasileiro, sendo sua maior expressão de divergência o texto do preâmbulo da Constituição Federal, que menciona que os trabalhos da Constituinte foram feitos: “debaixo da proteção de Deus”, foi necessário que o Supremo Tribunal se manifestasse no sentido que o preâmbulo não é norma cogente e sobre um prisma mais stricto sensu nem mesmo norma é, portanto, não tem relação direta nem indireta com o texto da Carta Magna.
Além da parte prática positivada a Bíblia tem um pano de fundo relevante na formação da conduta social e consciência individual, além de comportamento coletivo. Isso porque como texto e norma de religião, que é a ação de religar o homem a Deus, também trazem princípios morais e éticos, que permeiam nossa sociedade atual. Como escreveu Jean Jacques Rousseau, em seu livro Contrato Social, que: “a religião, ou os aspectos religiosos, somente são favoráveis quanto à aplicação da ética e da moral”.
No que se refere à abordagem, a pesquisa pode ser dita qualitativa porque pretende apreender as percepções, ou seja, das representações e subjetividades jurídico-sociais dos operadores (sujeito objeto), concernentes ao tema proposto, identificando os aspectos comuns e incomuns de tais representações.
Em outros termos ressalta-se que:
[...] a investigação qualitativa deseja valorizar as matrizes epistemológicas, dos modos de ver a realidade: a fenomenologia e a semiótica [...] Quando se faz um estudo com base na fenomenologia não se deve menosprezar a importância das condições materiais da existência. A realidade é muito mais complexa que o discurso que se faz sobre ela. Então, para compreendê-la é necessário que se conheça os sinais e signos locais expressos nos conteúdos das declarações de seus agentes. (MARQUES, 2007, p.13)
Este trabalho tem como prisma compreender a essência da relação entre os princípios regidos pela Escritura Sagrada e as normativas incorporadas pelo ordenamento jurídico pátrio, desvendando que o Estado não é totalmente laico na essência de ser, tendo como fundamento as normas vigentes e a doutrina. A hermenêutica ocorrerá mediante a comparação dos dados obtidos nos livros, decisões, doutrinas e jurisprudências.
1. DIREITO PÓS MODERNO E OS PRINCIPÍOS DA ESCRITURA SAGRADA
Sabe-se que com o advento do antropocentrismo, mais especificamente no século XIX, com o Iluminismo, as regras criadas por Deus, ou qualquer preceito fundado na religiosidade, foi perdendo espaço por inúmeras normas criadas pelo próprio homem, devido à valorização do mesmo e de seu poder de raciocínio.
Atualmente, há dois campos, duas realidades, uma representada pela religião, outra, pela Ciência (que se divide em vários ramos). Veremos oportunamente que o Direito pertence ao campo desta, mas que há muito habitava naquela, fundada em preceitos religiosos. Porém, o que torna oportuno a este momento é afirmar que ambas as realidades, ou seja, a “religião e ciência não se identificam, salvaguardam sua autonomia (…) O reconhecimento das fronteiras e os distanciamentos práticos e metodológicos não só é importante mais necessário, devido à complexidade das sociedades.
A Bíblia não fala diretamente em “direitos humanos”, e sim em “direito divino”. Pelo “direito divino” todos os homens foram criados à imagem e semelhança de Deus. Esta igualdade dos homens, com base no “direito divino”, confere ao homem o direito de viver sua dignidade originária independentemente da raça, país, status social, etc. Na comunidade política essa dignidade deve ser garantida pela lei.
Os desprotegidos da lei, segundo a Bíblia, são assumidos diretamente pela proteção divina. A fundamentação teológica dos direitos humanos provém do fato de eles expressarem o que Deus exige do homem e para o homem. O “direito divino” se concretiza numa vida ética. Por isto, pode-se falar numa “espiritualidade dos direitos humanos”, em que se busca a dignificação da vida do homem todo, e de todos os homens.
A nossa Constituição, por um lado, estabelece o estado laico; por outro, traz em seu preâmbulo a promulgação do texto constitucional sob a proteção de Deus.
O Estado brasileiro é laico, consoante dispõe o art. 19, I, da Constituição Federal, de modo que não há preferência por determinada religião e deve ser mantida a separação entre o Estado e a Igreja. Atento a esse comando constitucional, o presente artigo não objetiva misturar instituições distintas, mas revelar a justiça por meio de interpretações inclusivas, independentemente da gênese, sendo que a interpretação da Bíblia e das leis nos dá exemplos concretos e históricos de tais interpretações. A nossa Constituição, traz em seu preâmbulo a promulgação do texto constitucional sob a proteção de Deus, questão essa já enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal – STF no julgamento da ADI n. 2076-5/AC, podendo-se extrair o entendimento de que a “Constituição é de todos, não distinguindo entre deístas, agnósticos ou ateístas”
Como ensina Nalini (2015, págs. 131-132) a chamada civilização ocidental ainda é conhecida como civilização cristã. Os valores sobre os quais ela se erigiu são aqueles fornecidos pelo Cristianismo, nutrido em sólida tradição judaica. Concorde-se ou não com o acerto, a civilização de que o Brasil se abebera é de inspiração nitidamente cristã.
Segundo Nalini, autores cristãos, em todos os tempos produziram consistente material no pensamento filosófico. Eles formularam uma verdadeira filosofia cristã, da qual se extrai a moral cristã, na concepção de que a moral é parte integrante da filosofia. A ética Cristã influenciou e ainda influencia, de forma marcante, o direito e a hermenêutica jurídica no Brasil. O brasileiro é um povo muito religioso e, mesmo que não tenha incorporado todos os valores e princípios Cristãos, incorporou muito a tradição e a liturgia Cristãs.
Na concepção do Barão de Montesquieu em “O Espírito geral” ou “espírito das leis”: aparece principalmente no Livro XIX a interrelação entre os fatores determinantes de uma nação, como o clima, tradições, costumes, demografia, recursos naturais, comércio e mesmo a religião — tratada como um fator igual dentre outros. Idealmente, o legislador deveria corrigir os fatores do clima e território. De certa forma, antecede o conceito atual de cultura. Dedica o resto dos livros XX ao XXI para examinar as origens e as transformações das leis em relação a esses fatores. Defende a liberdade de comércio, examina o desdobramento da lei civil entre os franceses, o processo legiferante e a transição do feudalismo à monarquia entre os francos.
Em que pese essas declarações e teses, vemos que o texto original da Constituição Federal tem em seu bojo muita ligação com a moral e ética bíblica. Não podemos esquecer que sendo dividida em dois grandes tomos (divisão editorial de uma obra), isso é, volumes que fazem parte de uma obra impressa ou manuscrita, as quais sejam: velho testamento e novo testamento, as escrituras bíblicas não são somente expressão de regra, fé e prática dos cristãos, mas também dos Judeus ortodoxos que seguem ainda com pequenas ressalvas os textos constantes do velho testamento.
Há quem pense que a Bíblia Sagrada é somente uma forma de dominação do homem para com o homem, a chamada autofagia que está em voga nas discussões da cúpula do Judiciário brasileiro. Mas a verdade é que o texto da Bíblia Sagrada em suas diversas opiniões a eleva a categoria de coletânea formadora de conceitos muito apreciados por toda sociedade, seja ela Cristã ou não-Cristã, Judaica ou Ortodoxa.
Isso faz com que uma Lei escrita há pelo menos 4.000 anos atrás, ainda influencie em nossa sociedade, que se diz tão “transformadora” e muitas vezes erroneamente se utilizam deste termo para definir sua intolerância e até mesmo descaso com os princípios morais dos povos antepassados tornando-os, em sua opinião, démodé. Mas basta analisarmos um pouco para vermos tamanho reflexo que nossa sociedade atual absorve em relação aos conceitos descobertos e utilizados pelos povos do passado que são eficazes até hoje.
Portanto, é possível compreender que as normas explícitas ou implícitas nas escrituras sagradas, influenciam o direito no sentido de manter a ordem e paz social, legitimando questões principiológicas, que regem todo ordenamento jurídico no sentido de fundamentar as bases da boa-fé e da melhor conduta. Destarte, o direito tem como prisma uma visão mais punitiva ou sancionatória, enquanto as normas da escritura sagrada têm em sua axiologia princípios manifestados através da Moralidade, eticidade e principalmente da caridade e da solidariedade.
Necessário é analisar de forma profunda as questões hermenêuticas envolvendo relações jurídicas, cientificas e metafísicas, no sentido de compreender a origem das relações demarcadas pelo liame da Escritura Sagrada e do Direito, em uma concepção multidisciplinar, envolvendo um olhar crítico sobre a ciência do direito, principalmente por se tratar de ações coercitivas e punitivas e não pacificadoras. Deve ser entendida em um olhar da psicologia forense e da criminologia juntamente com as Escrituras Sagradas com a devida finalidade de compreender a “alma humana”, ou seja, não analisando de forma isolada as condutas desviantes, pelo contrário, buscando compreender os motivos e as causas que levaram as práticas de determinadas condutas.
Antes de visualizarmos as regras encontradas na Bíblia Sagrada e fazermos uma análise crítica comparando e buscando convergências com o ordenamento jurídico brasileiro, devemos observar que em todos os aspectos, inclusive ramos do conhecimento a religião ao longo da história da Humanidade, tem sido a grande companheira da humanidade tirando-a de sua solidão o universo, oferecendo uma orientação global, dando sentido às coisas, criando valores e normas, gerando solidariedade, construindo a realidade a fundo, a partir de um sentido ultimo e definitivo.
2.O DIREITO DE PROPRIEDADE E O CUMPRIMENTO DE SUA FUNÇÃO SOCIAL
O direito de propriedade é um direito real, relativo, sendo a função social seu limitador constitucional. A percepção atual da propriedade, é dela ser uma relação entre pessoas, e não mais uma relação “pessoa e objeto”, já que, há algum tempo, ela era vista como um poder absoluto de uma pessoa sobre uma coisa. Mediante o desenvolvimento da sociedade, atualmente a propriedade é vista de acordo com o interesse coletivo, ressaltando o seu papel social.
A Constituição Federal de 1988 aborda o direito de propriedade como um direito individual, bem como um princípio da ordem econômica. Assim, a propriedade exerce essencial atribuição na sociedade tida como capitalista, de forma que acumula riquezas, contribui com o trabalho e com a partilha de bens e serviços.
Além disso, com o objetivo de que a propriedade exerça sua função social, a Constituição Federal abordou mecanismos a fim de limitar o direito de propriedade, ou para punir o proprietário que exerceu seu direito sem a inobservância das regras garantidoras da função social.
3. A AXIOLOGIA DO DIREITO E DA ESCRITURA SAGRADA NAS RELAÇÕES DE PODER.
A história do povo bíblico praticamente se confunde com a luta pela conquista da terra. A posse da terra é regida por princípios que asseguram o seu bom uso, bem como a relação harmoniosa entre o ser humano e a natureza, a fim de garantir o bem-estar das pessoas, e a convivência justa em sociedade.
Regidas por uma mística diferenciada, algumas leis acentuam o direito à terra como direito fundamental ao sustento e à vida. Entre a realidade do antigo Israel e a do Brasil atual, há semelhanças e diferenças. A luta pela terra, entretanto, é um paradigma constante. Significa que serve como exemplo, modelo ou protótipo.
Nesse sentido, pode iluminar a realidade atual, como inspirou a situação histórica de muitos povos e culturas.
Considere-se que a Bíblia é sagrada, canônica, normativa, é palavra de Deus para o seu povo.
A luta pela conquista e pela posse da terra parte de princípios diferentes, seja na Bíblia, ou na realidade do mundo atual. Enquanto lá a mentalidade é religiosa com olhar de fé (teocêntrica), se visa o bem-estar comunitário e a integração dos pobres (comunitária), a preservação da natureza é prioritária (ecológica). Aqui ela é materialista, se concentra no ser humano (antropocêntrica), o olhar está centrado no lucro a qualquer custo (capitalista e egocêntrica) e a exploração desrespeita o meio ambiente (predatória).
Em vista destas diferenças de ótica, a Bíblia serve como inspiração constante para a realidade hodierna.
Já os filósofos gregos pré-socráticos consideram os quatro elementos da natureza, terra, água, ar e fogo, como fundamentais para a sobrevivência humana.
A terra é elemento essencial para a vida do ser humano.
Falar de terra é diferente de discutir sobre bens de consumo. A humanidade vive sem geladeira, televisão, automóvel, mas não vive sem a terra. Já os filósofos gregos pré-socráticos consideram os quatro elementos da natureza, terra, água, ar e fogo, como fundamentais para a sobrevivência humana.
Diante de uma temática tão fundamental e tão extensa, cabe, certamente, um recorte mais específico, que possa caber dentro de um artigo. Por isso, a opção se concentra sobre Levíticos 25, um texto que concentra vários aspectos e possibilita dialogar com outros textos bíblicos.
A proposta deste estudo, entretanto, é de fazer uma leitura sincrônica, isto é, tomando o texto em sua redação final, como hoje se apresenta à nossa leitura.
Outros estudos específicos analisam as diversas camadas literárias, a formação dos textos e os momentos de sua aplicação. Nossa análise é temática e aproxima textos de diversas proveniências, gêneros e matizes, em vista de uma visão conjunta e abrangente.
Essas leis visam uma sociedade igualitária e livre de opressão. Na base da proposta de Levíticos 25, está a motivação de uma ecologia total, que considere a vida das pessoas, com seu direito básico à terra e em harmonia com a sociedade e com a natureza.
O ideal de uma ecologia abrangente se baseia no direito à posse da terra e no respeito a toda a natureza, mas visa, no seu objetivo final, o bem-estar das pessoas, numa convivência livre, com base no direito e na justiça. “Levíticos 25 dá a grande proclamação de liberdade”. “Liberdade significa que ninguém pode ser permanentemente escravizado, que as dívidas devem ser canceladas e que a terra deve retornar para seus donos originais no ano do jubileu”. Por isso, Levítico insiste sempre na experiência do êxodo, que marca a ação original de Deus em favor da libertação do seu povo.
Em conformidade com a legislação do jubileu, propõe o retorno da terra aos proprietários originais, conforme a distribuição tribal nas origens de Israel. Trata-se de uma reforma agrária radical, a cada cinquenta anos, em vista de uma verdadeira justiça agrária.
A lei visa evitar o acúmulo de terras nas mãos de poucos proprietários, para combater o latifúndio, como denunciam os profetas: “Ai dos que juntam casa a casa, dos que acrescentam campo a campo até que não haja mais espaço disponível, até serem eles os únicos moradores da terra” (Isaías 5,8; Miquéias 2,2).
A justa distribuição da terra foi uma das mais árduas lutas dos profetas bíblicos. O ideal da distribuição igualitária da terra motiva a construção de um projeto de justiça, presente na origem do próprio povo de Israel.
Esse ideal de sociedade justa e igualitária é relatado no recenseamento do povo, como palavra de Deus a Moisés: “A estes a terra será distribuída em herança, segundo o número dos inscritos. Àquele que tem um número maior tu darás uma propriedade maior e àquele que tem um número menor tu darás uma propriedade menor; a cada um à sua herança, em proporção ao número dos seus recenseados” (Números 26,53-54).
Em torno ao ideal da distribuição da terra às tribos de Israel, cria-se uma mística com nova mentalidade e diversas motivações teológicas.
O princípio fundamental para o direito à posse da terra, segundo a Bíblia, é a partilha justa e equitativa da terra. Este ideário de uma reforma agrária ficou gravado na memória como recordação do primeiro passo do surgimento de Israel, quando a terra foi distribuída entre as tribos, logo da conquista de Canaã.
A convicção fundamental que rege todas as relações das pessoas com a terra é que a terra é um bem básico, que não pertence ao ser humano, mas a Deus. Este é o porto de partida para todas as considerações sobre a realidade da terra e da reforma agrária na Bíblia. Muitos textos bíblicos repetem a certeza de que a terra é propriedade de Deus: “Do Senhor é a terra e o que nela existe, o mundo e seus habitantes” (Salmos 24,1). Mais que proprietário, Deus é o criador da terra. Assim começa a Bíblia, em sua primeira frase: “No princípio, Deus criou o céu e a terra” (Gênesis 1,1).
A realidade do Deus criador da terra se espalha por inúmeras páginas da Bíblia. Significa que a terra não pode ser concebida como uma realidade autônoma, mas sempre dependente de quem a concebeu. Como Senhor e criador da terra, Deus a concedeu aos seres humanos como um presente de sua bondade.
Para finalização do assunto se impõe, necessário é analisar de forma profunda as questões hermenêuticas envolvendo relações jurídicas, cientificas e metafísicas, no sentido de compreender a origem das relações demarcadas pelo liame da Escritura Sagrada e do Direito, em uma concepção multidisciplinar, envolvendo um olhar crítico sobre a ciência do direito.
Conclui-se com a pesquisa que apesar de estarmos num Estado Laico, separado do mundo religioso, no que concerne aos direitos e deveres do homem, não podemos questionar a importância que a religião teve sobre a vida do homem.
Ela se apresentou nos valores comportamentos e nas normas essencialmente religiosas, influenciando o mundo jurídico que presenciamos.
Concluímos que atualmente é possível visualizar nas normas jurídicas, regras que tratam dos mesmos objetos já mencionados em leis sagradas, por estarem descritas na Bíblia. Observamos também que estas possuem grande aproximação com o direito atual, claro que em determinados casos (na maioria) há distinções, que, a nosso ver, necessárias.
Ao ler a Bíblia na ótica do direito à terra como direito à vida, essa realidade salta aos olhos a cada página. Terra é realidade, é presença, e é símbolo.
Existe uma conaturalidade entre ser humano e terra fértil. O ser humano (’adam) é feito da terra (’adamah) (Gênesis 2,7), e recebe a missão de cultivar a terra, “até que retornes ao solo (’adamah), pois dele foste tirado” (Gênesis 3,19).
Essa relação estreita entre ser humano e terra assegura o bem viver do homem, mas garante igualmente, o bem-estar da natureza toda, especialmente dos animais, que usufruem desse equilíbrio. Tudo isso se realiza em vista da convivência justa e igualitária.
O conceito bíblico de distribuição da terra parece um ideal maravilhoso. Quem sabe nunca tenha se realizado plenamente, nalgum momento da história, mas permanece como um ideal a ser perseguido. Propõe conceitos novos e desafiadores, por isso, serve de inspiração para todas as épocas e para todos os lugares, especialmente para os dias atuais.
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Graduando em Direito pela Universidade Brasil - Campus Fernandópolis/SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Flávio José de. A normativa bíblica e o Direito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 jan 2023, 04:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/60755/a-normativa-bblica-e-o-direito. Acesso em: 02 dez 2024.
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