RESUMO: O jus postulandi, ou seja, conceder capacidade postulatória as partes de pleitear em juízo seus interesses sem a necessidade de estar assistido por um advogado, foi criado com o objetivo de permitir o acesso à Justiça às classes menos abastadas. A Consolidação das Leis Trabalhistas consagrou o referido preceito em seu artigo 791. No entanto, apesar do que objetivava o legislador ao criar o princípio em comento, há grande divergência por parte da doutrina se o instituto tem atingido sua finalidade, dada a complexidade atual do Processo do Trabalho. Existe ainda um conflito de ordem jurídica com a Constituição federal e com o texto do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, sendo o objetivo da pesquisa analisar as aludidas situações. Resta claro o intuito protetivo do legislador, porém tal instituto hoje em dia tem se caracterizado por inúmeras vezes aumentar as desigualdades processuais e permitir um “falso” acesso à justiça. Como procedimento, serve-se do método de abordagem dedutivo. A técnica de pesquisa é bibliográfica, sendo utilizados a doutrina e o amparo legal. Como resultado, chega-se à conclusão de que, na maioria dos casos, o jus postulandi tem sido um malefício do Direito Processual do Trabalho aumentando as desigualdades processuais, sendo necessária uma revisão do instituto em questão o mais breve possível.
Palavras-Chave: Acesso à Justiça. Jus postulandi. Desigualdades processuais.
1 INTRODUÇÃO
O instituto do jus postulandi, tal qual instituído nos anos 1940, dispõe sobre o direito que possui a parte de praticar todos os atos processuais necessários ao início e ao andamento do processo na Justiça do Trabalho, sem a assistência por advogado.
Verifica-se que a criação deste instituto teve como finalidade precípua de facilitar o acesso dos sujeitos da relação de emprego (empregado e empregador) ao Poder Judiciário sem que fosse necessária a assistência por advogado e por corolário o pagamento de honorários advocatício, o que muitas vezes acaba sendo um óbice para as partes reclamarem direitos que lhe foram suprimidos no curso do pacto laboral.
Hodiernamente, o instituto do jus postulandi está previsto na Consolidação das Leis Trabalhistas, promulgada em 1º de maio de 1943, que dispõe em seu art. 791 que “os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar suas reclamações até o final”.
Impende ressaltar, várias transformações foram introduzidas durante esse largo lapso temporal no ordenamento jurídico brasileiro, como por exemplo, a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a Emenda Constitucional n° 45/2004 que ficou conhecida como a reforma do Poder Judiciário e o Estatuto da Advocacia, que alteraram profundamente os alicerces do arcabouço jurídico brasileiro nos últimos 22 anos.
As controvérsias a respeito acerca do tema cingem-se basicamente na seguinte indagação: o jus potulandi tem alcançado sua finalidade no campo prático ou tem agravado ainda mais as desigualdades processuais?
Discute-se ainda a constitucionalidade de tal norma frente o art. 133 da nossa Lei Magna, onde esta declarou como obrigatória a presença do advogado nos processos judiciais.
Ademais, o advento do Estatuto da Advocacia e da OAB, Lei n.º8.906, de 4 de julho de 1994 que em seu artigo 1º, com clara redação, dispõe que é atividade privativa de advocacia "a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais”.
Em decorrência destas mudanças, a doutrina e os tribunais pátrios passaram a questionar a validade contemporânea do instituto do jus postulandi, tendo em vista que muitas dessas alterações confrontam-se diretamente com a essência deste, ao atribuir ao advogado o adjetivo de função essencial à administração da justiça e a exclusividade da capacidade postulatória.
Diante da importância do instituto acima citado e das alterações vivenciadas pelo ordenamento jurídico brasileiro mostra-se de essencial relevância a reflexão acerca dos efeitos sociais e jurídicos provenientes destas mudanças legislativas no instituto do jus postulandi.
A problemática desta produção se constituirá no seguinte questionamento: as alterações introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro decorrente da promulgação da Constituição de 1988 e do Estatuto da Advocacia alteraram ou até mesmo chegaram a revogar o instituto do jus postulandi?
Desta forma, tem-se como objetivo geral a análise do instituto em apreço, e especificamente indicar o conceito, evolução legislativa, aplicabilidade, limites e conflitos com a legislação pátria superveniente a sua vigência; e, por fim, estabelecer uma crítica à estrutura do instituto do jus postulandi diante da atual conjuntura social e jurídica da sociedade brasileira.
Insta ressaltar que será utilizado como método uma pesquisa bibliográfica, na medida em que se utilizará a doutrina que versa sobre a temática, para fundamentar as colocações e entendimentos expostos no presente trabalho, estabelecendo, assim, críticas no decorrer do texto e apontando sinteticamente as transformações e efeitos do jus postulandi diante das mudanças legislativas ocorridas deste de sua vigência até o presente momento.
2 BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DO TRABALHO
Direito do Trabalho pode ser conceituado como o ramo do Direito que vai regular as relações entre o empregado e o empregador, tendo como característica fundamental o trabalho subordinado, sendo este ligado a um conjunto de princípios, normas e instituições referentes à organização e produção do trabalho, dando enfoque fundamental na melhoria da condição social do trabalhador.
Segundo Maurício Godinho Delgado (2003, p. 54), o Direito do Trabalho pode ser assim conceituado:
Complexo de princípios, regras e institutos jurídicos que regulam a relação empregatícia de trabalho e outras relações normativamente especificadas, englobando, também, os institutos, regras e princípios concernentes às relações coletivas entre trabalhadores e tomadores de serviços, em especial através de suas associações coletivas.
Ao examinarmos a evolução histórica do Trabalho, percebe-se que seu início estava intrinsecamente ligado ao escravo, onde imperava a desvalorização do labor, cabendo àquele, que era considerado coisa, todo o trabalho braçal. Já o homem livre, os da sociedade, que dirigiam as coisas da cidade, apenas cuidavam dos negócios com as palavras, o que não era considerado uma forma de trabalho.
Nas palavras do escol doutrinador Sérgio Pinto Martins (2004, p. 196):
A primeira forma de trabalho foi a escravidão, em que o escravo era considerado apenas uma coisa, não tendo qualquer direito, muito menos trabalhista. O escravo, portanto, não era considerado sujeito de direito, pois era propriedade do dominus. Nesse período, constatamos que o trabalho do escravo continuava no tempo, até de modo indefinido, ou mais precisamente até o momento em que o escravo vivesse ou deixasse de ter essa condição. Entretanto, não tinha nenhum direito, apenas o de trabalhar.
Na Grécia, Platão e Aristóteles entendiam que o trabalho tinha sentido pejorativo. Envolvia apenas a força física. A dignidade do homem consistia em participar dos negócios da cidade por meio da palavra. Os escravos faziam o trabalho duro, enquanto os outros poderiam ser livres. O trabalho não tinha o significado de realização pessoal. As necessidades da vida tinham características servis, sendo que os escravos é que deveriam desempenhá-las, ficando as atividades mais nobres destinadas às outras pessoas, como a política.
Tal entendimento iniciou-se com a criação do mundo, uma vez que o trabalho era considerado desonroso. Porém, em Roma, por volta de 284 a.C., houve uma mudança na forma de contratação da mão-de-obra, com as pessoas alugando suas energias ou resultado de trabalho em troca de pagamento. Posteriormente, surge o Feudalismo, onde considerava o trabalho uma forma de castigo. O senhor feudal oferecia a seus servos, além de trabalho, proteção política e militar, no afã daqueles prestarem serviços na sua terra. Os servos tinham de entregar parte da produção rural aos senhores feudais em troca da proteção que recebiam e do uso da terra.
Em outro momento, surgem as corporações de ofício que tinham sua formação composta pelo mestre, que era quem dominava toda a técnica de determinado trabalho, o companheiro, que já tinha conhecimento sobre o ofício e recebia salário do mestre, mas, para se tornar mestre, deveria passar por uma prova, comprovando sua capacidade e os aprendizes que, em geral, eram pessoas entre 12 e 14 anos que pagavam para que os mestres os ensinassem o ofício.
A jornada de trabalho nas corporações de ofício era desgastante, chegando até a 18 horas no verão; porém, na maioria das vezes, terminava com o pôr-do-sol, por questão de qualidade de trabalho e não por proteção aos aprendizes e companheiros.
No ano de 1791, com a Revolução Francesa, houve o fim das corporações de ofício e, logo após, com a revolução industrial, o trabalho foi transformado em emprego, com os trabalhadores passando a trabalhar em troca de salários.
Com a revolução industrial, o homem começou a ser substituído pela máquina, passando a ter que aprender a operar o equipamento para que pudesse se manter no mercado de trabalho, porém, com isso os empregadores, os exploravam e passaram a contratar mulheres e menores para fazer os trabalhos, já que os faziam por mais tempo e com salários muito mais baixos. Diante de tal situação de exploração, o Estado, reconhecendo a desigualdade de poder existente entre patrão e empregado se viu obrigado a intervir nas relações trabalhistas, visando o bem-estar social e as melhorias nas condições de trabalho.
Em muitas regiões da Europa, os trabalhadores se organizaram para lutar por melhores condições de trabalho. Os empregados das fábricas formaram as trade unions (espécie de sindicatos) com o objetivo de melhorar as condições de trabalho dos empregados. Houve também movimentos mais violentos como, por exemplo, o ludismo. Também conhecidos como "quebradores de máquinas", os ludistas invadiam fábricas e destruíam seus equipamentos numa forma de protesto e revolta com relação à vida dos empregados. O cartismo foi mais brando na forma de atuação, pois optou pela via política, conquistando diversos direitos políticos para os trabalhadores.
É a partir do término da primeira guerra mundial que as Constituições dos países começam a tratar do direito do trabalho, iniciando pela do México em 1917, posteriormente pela de Weimar de 1919, no mesmo ano, surgindo o Tratado de Versailles e a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) expedindo convenções e recomendações visando proteger as relações entre empregados e empregadores.
Nas palavras de Amauri Mascaro Nascimento (2001, p.33):
A constituição de Weimar observou novas idéias decorrentes dos princípios que eram institucionalizados, inclusive a intervenção do Estado na defesa dos trabalhadores. Para Mário de La Cueva, representa não só o intervencionismo estatal, mas também um socialismo de Estado e, em conseqüência, a possibilidade de melhorar coletivamente as condições de vida dos homens. Em seu tempo foi o direito mais avançado da Europa.
Em 1927, na Itália surge a Cartal Del Lavoro, instituindo um sistema corporativista-facista com o Estado interferindo nas relações entre pessoas, determinando o que seria melhor para cada um e a produção nacional, modelo este que foi adotado por outros países como Portugal, Espanha e Brasil.
Sobre a influência do corporativismo empreendido na Cartal Del Lavoro no Direito do Trabalho, assim dispõe Amauri Mascaro Nascimento (2001, p.35):
A influência do corporativismo no direito do trabalho prende-se ao próprio tipo de estrutura político-social de que se reveste o Estado. Segundo o princípio corporativo econômico da Carta Del Lavoro italiana “Il complesso della produzione é unitario dal punto di vista nazionale...”. Por força dessa proposição que contém um princípio de integração dos fins econômica estatal, o que importa na responsabilidade pública dos empreendedores, na colaboração, institucionalmente assegurada, entre categoria profissional e econômica e a estruturação jurídica de órgãos que permitam a realização destes fins.
No Brasil, havia leis ordinárias que tratavam do trabalho, tais como as da organização dos sindicatos rurais (1903) e urbanos (1907), profissões e trabalhos das mulheres (1932), salário mínimo (1936), Justiça do Trabalho (1939), etc.
Em 1º/05/1943, com o Decreto-lei nº 5.452, foi aprovada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que reuniu as leis esparsas existentes na época, não sendo um código.
A Constituição de 1946 restabeleceu o direito de greve, rompendo de certa forma, com o corporativismo da Carta de 1937, apresentando um rol de direitos trabalhistas superior àqueles das Constituições anteriores.
A Constituição de 1967 manteve os direitos trabalhistas previstos nas Constituições anteriores e passou a prever o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, que havia criado pela Lei 5.107, de setembro de 1966.
Por fim, a Constituição Federal de 1988, promulgada em 05 de outubro de 1988, tratando dos “Direitos Sociais” (art. 6º), regula de forma particular a matéria pertinente ao Direito do Trabalho nos arts. 7º a 11, tratando os direitos trabalhistas como Direitos sociais e Garantias Fundamentais.
3 A JUSTIÇA DO TRABALHO E O “JUS POSTULANDI”
O jus postulandi surgiu através no Decreto nº 1.237 baixado pelo então Presidente Getúlio Vargas, em 02 de maio de 1939, que em seu artigo 42 previa que: “O reclamante e o reclamado deverão comparecer pessoalmente à audiência, sem prejuízo do patrocínio de sindicato ou de advogado, provisionado ou solicitador, inscritos na Ordem dos Advogados.”
Depois houve a promulgação do Decreto Lei nº 6.596 de 12 de dezembro de 1940, que regulamentou a Justiça do Trabalho, confirmando essa livre capacidade postulatória das partes, conforme artigo 90: “Os empregados e empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final.”
Por último, o Decreto Lei nº 5.452 de 1º de maio de 1943, estabeleceu a Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT (BRASIL, 2010, p. 741), que nos seus artigos 791 e 839 acolheu o preceito adotado anteriormente, e manteve o jus postulandi na legislação atual e vigente, in verbis:
Art. 791 – Os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final.
[...]
Art. 839 – A reclamação poderá ser apresentada:
a) pelos empregados e empregadores, pessoalmente, ou por seus representantes, e pelos sindicatos de classes (Brasil, 2010, p. 741).
Com base nesses dispositivos afirma Sérgio Pinto Martins (2004, p. 421):
Jus Postulandi é uma locução latina que indica o direito de falar, em nome das partes, no processo, que diz respeito a advogado.
No processo do trabalho, jus postulandi é o direito que a pessoa tem de estar em juízo, praticando pessoalmente todos os atos autorizados para o exercício do direito de ação, independentemente do patrocínio de advogado.
O jus postulandi é considerado, pela maioria da doutrina, princípio de Direito Processual do Trabalho que surgiu como elemento facilitador do acesso do trabalhador ao órgão estatal responsável pela proteção de seus direitos trabalhistas, visto que sempre foi a parte mais frágil na relação jurídica laboral.
Ademais, tendo em vista que a maioria das vezes o empregado só procura o a justiça do trabalho após o despedimento – muitas vezes com medo de sofrer represálias durante o pacto laboral -, bem como que nesta ocasião àquele se encontra em dificuldade financeira, a oportunidade concedida por nosso ordenamento de litigar sem a assistência de um profissional do direito eleva-se de grande valia, sob pena do cerceamento do acesso à justiça.
A título de exemplificação sobre a questão abordada e de como decidem os Tribunais, cito uma Ementa de Jurisprudência que sintetiza o pensamento dos Tribunais Trabalhistas e também do Tribunal Superior do Trabalho acerca dessa intrincada questão, vejamos:
JUS POSTULANDI – RECEPÇÃO pelo ART. 133 da CARTA MAGNA – AUSÊNCIA de OBRIGATORIEDADE de ADVOGADO – Ao elevar em nível constitucional o princípio que consagra a indispensabilidade do advogado à administração da Justiça, o constituinte não pretendeu, por certo, extinguir o jus postulandi das partes no Judiciário Trabalhista, visto que condicionou sua aplicação "aos limites da Lei" (art. 113 da CF, parte final), o que autoriza a conclusão de que subsiste o art. 791 da CLT, enquanto não sobrevier norma federal dispondo em sentido contrário. (TRT 12ª Região – RO-V 02527-2004-035-12-00-9 – 07077/2005, Florianópolis, 2ª T. Relª Juíza Ione Ramos, J. 07.06.2005).
Nesse passo, a possibilidade das partes de pleitear seus interesses em juízo sem a necessidade do advogado guarda íntima relação com os princípios do acesso à justiça, do contraditório, da inafastabilidade do acesso ao Poder Judiciário, do direito a jurisdição, dentre outros previstos como direitos fundamentais no art. 5 da Constituição Federal.
Assim sendo, tal princípio foi criado pelo legislador para favorecer as classes menos abastadas frente à Justiça do Trabalho, permitindo assim que a própria parte que não possui recursos para custear um advogado, sem prejuízo de seu próprio sustento, procure o Poder Judiciário para defender seus direitos resultantes de sua atividade laboral.
Nas palavras de Carlos Henrique Bezerra Leite (2007, p. 374):
O jus postulandi nada mais é do que a capacidade de postular em juízo, daí chamar-se, também, de capacidade postulatória, que é a capacidade reconhecida pelo ordenamento jurídico para a pessoa praticar pessoalmente, diretamente, atos processuais.
Distintamente do Processo Civil, que através do artigo 36 do Código de Processo Civil institui a obrigatoriedade e reconhece o advogado como único detentor de capacidade postulatória, o Processo do Trabalho através do princípio em questão estabelece uma possibilidade para que as partes sejam representadas, dependendo unicamente de sua vontade pleitear causa própria em juízo. O grande conflito no campo doutrinário se deve ao fato do legislador não ter fixado limites a esse princípio, surgindo então grande divergência no que concerne a amplitude que pode ser dada ao jus postulandi.
4 A INDISPENSABILIDADE DO ADVOGADO
O Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil descreve o advogado como sendo o bacharel em direito, inscrito no quadro de advogados da OAB, o qual cumpre o papel de postulação ao Poder Judiciário, como representante judicial de seus clientes e atividades de consultoria e assessoria em matérias jurídicas.
São advogados todos os que amparam os interesses das partes, sejam elas quais forem, mesmo quando recompensados pelos cofres públicos (advogados estatais, defensores públicos), ou seja, são os representantes imprescindíveis, que atuam em nome das partes e no interesse da Administração Pública
Nas palavras de dos eminentes juristas Ada Pellegrini Grinover e Cândido de Rangel Dinamarco (1995, p. 216):
O advogado aparece como integrante da categoria dos juristas, tendo perante a sociedade a sua função específica e participando, ao lado dos demais, do trabalho de promover a observância da ordem jurídica e o acesso dos seus clientes à ordem jurídica.
Nota-se que a advocacia não é somente uma profissão é um múnus público no sentido de que é a base para o exercício de todas as demais funções fundamentais a justiça, sendo este o fulcro que orientou o constituinte de 1988, a primeira em aplicar nas constituições brasileiras a figura do advogado como indispensável à administração da justiça e faz sentido, pois é esse profissional que detém a princípio, o jus postulandi.
O princípio da indispensabilidade do advogado não foi inserido na Constituição como favor corporativo aos advogados ou para reserva de mercado profissional, sua ratio é de evidente ordem pública e de acentuado interesse social, como instrumento de garantia de efetivação da cidadania, sendo uma garantia da parte e não do profissional.
O advogado aparece como sendo uma peça integrante da organização judicial, como um órgão intermediário entre o juiz e a parte, na qual o interesse privado de alcançar uma sentença favorável e o interesse público de obter uma sentença justa se amoldam e se acordam, razão pela qual sua função é indispensável ao Estado.
O ato da postulação pode ser acentuado como ato de solicitar ou exigir a prestação jurisdicional do Estado, o que determina qualificação técnica, razão pela qual a promove inicialmente o advogado em nome de seu cliente, função tradicional historicamente confiada à advocacia, já que o advogado tem o monopólio da assistência e da representação das partes em juízo, tendo em vista que nenhuma pessoa pode postular em juízo sem a assistência de um advogado, a quem cabe o exercício do jus postulandi.
É certo que no ordenamento jurídico brasileiro são três os figurantes imprescindíveis a administração da justiça: o advogado, o juiz e o promotor, de maneira que o primeiro postula, o segundo julga e o terceiro fiscaliza a aplicação da lei, sendo que cada um desempenha seu papel de modo paritário, podendo-se dizer metaforicamente que o juiz simboliza o Estado, o promotor a lei, o advogado o povo e todos os demais são auxiliares coadjuvantes
Maria Sylvia Zanella Di Pietro (1993, p. 315), analisando o princípio da isonomia assegurado pela Constituição, coloca magistralmente, a função do advogado no seu devido lugar dizendo que:
O juiz, promotor e advogado (público ou privado) formam um tripé sem o qual não funciona a Justiça; promotor e procurador atuam como partes no processo; ambos defendem o princípio da legalidade, emitindo pareceres nos processos judicial e administrativo, respectivamente, sendo obrigados à mesma imparcialidade com que o juiz aplica a lei aos casos concretos. O promotor defende a sociedade, o procurador defende o Estado, o defensor público defende o pobre. No entanto, o grande ponto comum é o fato de corresponderem todas elas a carreiras jurídicas, cabendo a todos os seus integrantes, por meios institucionais diversos, a tutela do direito. Não é por outra razão que a Constituição colocou, no mesmo Título, a Justiça e as funções essenciais.
A participação do advogado, ao lado da parte, responde também a um interesse público, tendo em vista que ao favorecer a parte, pelos motivos antes expostos, o patrocínio forense também atua de forma categórica no funcionamento pleno e eficaz da justiça, e a concretização de uma justiça efetiva e célere tem uma acentuada função social.
A função social do advogado conclui no seu bojo questões de derradeira relevância para a sociedade, tendo em vista que o ministério privado da advocacia é função indispensável para o funcionamento da justiça conforme proclama a Constituição federal. Cumpre citar que não é exclusivamente a justiça que não pode prescindir da advocacia, mas o Estado Democrático de Direito também é dependente do nobre ofício dos advogados.
5 JUS POSTULANDI E SUPOSTO CONFLITO COM A LEGISLAÇÃO VIGENTE
O direito é preparado de acordo com o modelo fático, ou seja, em consonância com a problemática social que se desenrola, já que deve atender aos anseios da sociedade para a qual foi criado. Assim, a sucessão de leis é ato de rotina na vida do direito, já que depois de certo tempo a lei se revela imprópria para novas adaptações e a sua substituição por outra lei passa a ser um imperativo, sob pena desta lei torna-se anacrônica.
A perda da vigência pode ocorrer pela revogação por outra lei, decurso do tempo e o desuso (modalidade que muitos doutrinadores não aceitam). No Direito brasileiro, conforme dispõe o art. 2° da Lei de Introdução ao Código Civil (BRASIL, 2010, p. 252), vigoram os seguintes preceitos quanto à revogação:
Art. 2º. Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
§ 1° A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando esteja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
§ 2º a lei nova,que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
§ 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogada perdido a vigência. (Grifos nossos).
Fazendo uma análise da Consolidação das Leis do Trabalho que foi promulgada em 1º de maio de 1943 com o dispositivo normativo supracitado verifica-se que nada mais natural do que nesse grande intervalo de tempo tenham ocorrido mudanças práticas e consequentemente legislativas que tenham alterado vários de seus preceitos.
E com o advento de novas legislações nesses sessenta e cinco anos que muitos doutrinadores vêm defendendo justamente que houve a revogação do jus postulandi, e qualquer execução diversa daquela prevista na Lei de Introdução ao Código Civil, estaria depreciando inteiramente as bases de comparação utilizadas para a solvência de conflitos entre as normas, que já estão fixados e reconhecidas há muitos anos.
5.1 O jus postulandi e a Constituição Federal de 1988
O legislador ao inserir o princípio do jus postulandi na CLT buscou facilitar o acesso das partes ao Judiciário pelo menos no âmbito da Justiça do Trabalho. No entanto, discutiu-se, muito após a vigência da Constituição de 1988, a sobrevivência do jus postulandi diante da redação de seu art. 133, que assegura ser o advogado “indispensável à administração da justiça”.
Como bem lembrar o eminente jurista Wagner D. Giglio e Claudia Giglio Veltri Corrêa (2005, p. 462), os tribunais chegaram a se recusarem a receber reclamações verbais:
Alguns Tribunais Regionais, precipitadamente, chegaram a eliminar o serviço encarregado de receber reclamações verbais, e alguns juízes passaram a recusar o recebimento e o processamento de reclamações não subscritas por advogado, por entenderem que o art. 791 da CLT se atritava e não sobrevivia diante do art. 133 da Constituição Federal.
Iniciou-se, assim, uma árdua discussão doutrinária sobre a sobrevivência do instituto do jus postulandi. Parte da doutrina sustentava a aplicação do artigo da Lei Magna e revogação da norma contida na legislação trabalhista, enquanto outros entendiam que a aplicação do artigo 133 não revoga o preceito em estudo por se condicionar aos limites da lei, no caso, a CLT.
Sobre o surgimento do art. 133 da Constituição Federal de 1988, José Afonso da Silva (1996, p. 510) observa que: “o princípio da essencialidade do advogado na administração da Justiça é agora mais rígido, parecendo, pois, não mais se admitir postulação judicial por leigos, mesmo em causa própria, salvo falta de advogado que o faça”.
Como acertadamente observou o eminente jurista José Afonso da Silva e a partir de uma primeira leitura do art. 133 Constituição Federal de 1988 tinha-se a impressão que o instituto do jus postulandi teria sido extinto de qualquer seara.
O debate acerca da sobrevivência do jus postulandi foi levado até o Supremo Tribunal Federal, que julgando matéria penal, habeas corpus, afirmou que a Constituição Federal de 1988 não teria revogado as normas legais especiais que autorizam expressamente os atos processuais das partes (STF, TP, HC 67.390-2, DJ, 6.4.90).
Em que pese a Corte Constitucional brasileira ter afirmado que o art. 133 da Constituição de 1988 não revogou as normas especiais sobre a postulação das partes, os efeitos dessa decisão não vinculavam os Tribunais e juízes, já que foi apenas uma questão incidente de um processo que se estende somente as partes do litígio não podendo, portanto, ser estendido a outros processos.
Assim, considerando que o Supremo Tribunal Federal é o guardião da Constituição, e que a ele compete interpretá-la, vê-se que muito embora a decisão não tivesse efeitos vinculantes sobre os tribunais não restou dúvida quanto à posição do Supremo no que se refere à sobrevivência do jus postulandi.
Algum tempo depois, o Tribunal Superior do Trabalho pacificou o entendimento no sentido de que o instituto do jus postulandi não foi revogado com o advento do Constituição de 1988:
Sempre foi da tradição do Direito Processual do Trabalho poderem, empregado e empregador, postular e defender pessoalmente seus direitos, independentemente da assistência dos profissionais do Direito, devendo ser destacado que, antes mesmo da atual Constituição prescrever a indispensabilidade do advogado à administração da Justiça (art. 133), idêntica norma já existia na legislação infraconstitucional (art. 62 da Lei n. 4.215, de 27. 463 – Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil), e nem por isso entendeu-se que fora revogada a norma consolidada (art. 791). Por isso mesmo, ao elevar ao nível constitucional o princípio consagra a indispensabilidade do advogado à administração da Justiça, o constituinte não pretendeu, por certo, extinguir o jus postulandi das partes no Judiciário Trabalhista, visto que condicionou sua aplicação “aos limites da lei” (art. 113 parte final), o que autorizou a conclusão de que, enquanto não sobreviver norma federal dispondo em sentido contrário, a subsistência do art. 791 da CLT, que é federal, revela-se compatível com a nova ordem constitucional (TST, RR 478.885/98.4, Milton de Moura França. Ac, 4ª T.).
Com o advento da Emenda Constitucional n° 45 em 2004, surgiu mais um conflito entre o instituto do jus postulandi e a Constituição Federal de 1988, já que esta emenda deu uma nova redação ao art. 114 da Carta Magna ampliando a competência da Justiça do Trabalho.
Como a CLT dispunha que somente os sujeitos da relação de emprego poderiam ajuizar uma ação na Justiça do Trabalho, o jus postulandi, por corolário somente seria aplicável ao empregador e ao empregador. Porém, com a ampliação da competência da Justiça do Trabalho em virtude da EC n° 45/2004 passou-se a discutir se os novos sujeitos da relação jurídica processual poderiam se valem do instituto do jus postulandi.
Neste ponto, é interessante ver a opinião do ilustre doutrinador Rodrigues Pinto (2005, p. 255):
De fato, o artigo 791 autoriza o jus postulandi a empregados e empregadores. Tratando-se de norma excepcional, só lhe cabe interpretação restritiva de alcance.
Logo, não podem postular sem advogado, no dissídio individual, as partes que não tenham a qualidade de empregado e empregador. Há diversas situações em que essa qualidade falece aos litigantes no Dissídio Individual. Aqueles que postulam como dependentes de empregados para haver direitos próprios, adquiridos em função do contrato individual de emprego, como a pensão morte, o pecúlio por morte e o auxílio-funeral, não são empregados. Do mesmo modo na execução da sentença proferida em Dissídio Individual, o terceiro embargante pode não ser, e freqüentemente não é empregado nem empregador, intervindo, incidentalmente no dissídio do trabalho.
Da mesma forma, o eminente jurista Renato Saraiva (2009, p. 543) dispôs que após o advento do EC n° 45 que o jus postulandi somente se aplicava a relação de emprego, senão vejamos:
Por último, frise-se que, após a EC 45\2004, que ampliou a competência material da Justiça do Trabalho para processar e julgar qualquer lide envolvendo relação de trabalho (art.144, CF), entendemos que o jus postulandi da parte é restrito às ações que envolvam relação de emprego, não se aplicando às demandas referentes à relação de trabalhos distintas da relação empregatícia.
Logo, em caso de ação trabalhista ligada à relação de trabalho não subordinado, as partes deverão estar empregados por advogados, a elas não se aplicando o art. 91 da CLT, restrito a empregados e empregadores.
Por fim, a doutrina pacificou o entendimento que o jus postulandi somente poderia ser utilizado pelos sujeitos da relação empregatícia, devendo os outros sujeitos da relação processual ser assistidos por advogados, o que para parte da doutrina fere frontalmente o princípio da igualdade.
5.2 O jus postulandi e o Estatuto da Advocacia e da OAB
A corrente minoritária que defendia que, após a CF de 1988, em função de o art. 133 estabelecer que o advogado é indispensável à administração da justiça, o art. 791 da CLT não mais estaria em vigor, em face da incompatibilidade com o texto constitucional mencionado ganhou mais com a edição da Lei 8.906 1994 (Estatuto da OAB).
O Estatuto da Advocacia e da OAB que em seu artigo 1º, afirma que é atividade privativa de advocacia “a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais”. Instaurou-se então novamente a discussão acerca da revogação do jus postulandi, visto que o texto deixa clara a indispensabilidade do advogado em qualquer esfera com única exceção que seria o habeas corpus, obrigando a assistência do advogado na Justiça do Trabalho.
A doutrina então volta a divergir, uma corrente entende que a Lei n.º 8.906/94 veio para confirmar o que já havia na Constituição de 1988, sendo necessária a revogação do jus postulandi. Enquanto outra interpreta de forma diversa, ressaltando a importância do preceito em questão. Coube então a mais alta Corte, o Supremo Tribunal Federal, esclarecer esse conflito normativo que deu, incidentemente, interpretação ao art. 133 da Constituição Federal, ao rejeitar, por unanimidade, a preliminar de ilegitimidade de parte arguida contra o reclamante, por postular em Juízo sem advogado (Processo de Habeas Corpus nº 67.390-2).
Os tribunais trabalhistas, contudo, em sua maioria, firmaram jurisprudência no sentido de que o art. 791 da CLT está em vigor, permanecendo o jus postulandi da parte na justiça do trabalho, mesmo após a promulgação da CF 88. No mesmo sentido preconizado, os seguintes excertos:
AUDIÊNCIA TRABALHISTA. PRESENÇA DA PARTE. ADVOGADO. ESPECIFICIDADE DA LEGILAÇÃO LABORAL. JUS POSTULANDI. No processo do trabalho vigora o jus postulandi. Assim, não é obrigatório que a parte se faça acompanhar por procurador, concretizando-se em mera faculdade, sendo que a necessidade de comparecimento, em audiência, é exclusiva dos demandantes. É o que se infere do art. 843 da CLT. (TRT – 14 – Recurso Orinário RO 00484.2008.091.14.00-8).
JUS POSTULANDI - FACULDADE E NÃO OBRIGAÇÃO LEGAL DE POSTULAR EM JUÍZO SEM A ASSISTÊNCIA DE ADVOGADO. O direito de acesso à justiça, enquanto princípio fundamental inserto na CF/88, é extensivo a todos e, portanto, não pode ser tolhido pelo Poder Judiciário sob o manto da existência do jus postulandi, que é faculdade atribuída ao jurisdicionado e não obrigação de postular em juízo sem a assistência de advogado. (TRT – 7 - Recurso Ordinário RO 1707001820085070031 CE 0170700 - 1820085070031) (grifo nosso).
Por fim, vale trazer à baila o julgamento da ADI 1.127, proposta pela Associação dos Magistrados do Brasil – AMB, na qual o STF declarou inconstitucional a expressão “qualquer” constante do art. 1º, I, da Lei 8.906 1994: “Art. 1° São atividades privativas de advocacia: I – a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais”.
Decidiu o Supremo que a inconstitucionalidade da palavra “qualquer”, pois, em certos atos judiciais, a presença do advogado pode ser dispensada o que permite a aplicação do jus postulandi na Justiça do Trabalho (STF, ADIs 1.105/DF e 1.127/DF, Rel. p/ o ac. Min. Ricardo Lewandowski, j. 17-5-2006).
6 LIMITES DO JUS POSTULANDI
Infere-se do art. 791 da Consolidação das Leis Trabalhistas que, diferentemente do Processo Civil, no Processual do Trabalho podem, empregado e empregador, postular e defender pessoalmente seus direitos, independentemente da assistência dos profissionais do Direito. Ocorre que, os tribunais superiores têm adotado o entendimento no sentido da manutenção do instituto do jus postulandi, na fase recursal, como obrigatório, apesar da lei que embasa o referido não fixar limite para seu uso. Nesse sentido, nossa jurisprudência é farta, consoante se pode perceber:
JUS POSTULANDI. LIMITAÇÃO. O jus postulandi, previsto no art. 791 da CLT, diz respeito ao andamento do feito em 1ª instância, sendo que o ato recursal é privativo de advogado, nos termos do Estatuto da OAB. (Brasil, Tribunal Regional da 12ª Região, Relator Juiz C. A. Godoy Ilha, Acórdão num: 12796, ano: 2001, decisão em 02.10.2001).
JUS POSTULANDI EXTENSÃO E LIMITES. POSSIBILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ORDINÁRIO DIRETAMENTE PELA PARTE. O jus postulandi traduz a capacidade postulatória conferida pela lei trabalhista à própria parte, que não necessita constituir procurador habilitado para praticar atos no processo laboral, sendo certo que, ao elevar ao nível constitucional o princípio que consagra a indispensabilidade do advogado à administração da justiça, não pretendeu o constituinte extinguir o jus postulandi das partes no Judiciário Trabalhista. (Brasil, Tribunal Regional do Trabalho da 3ª. Região, Recurso Ordinário nº. 00933-2003-108-03-00-0, Relator Juiz Maurício José Godinho Delgado, decisão em 24/11/2003).
Impende ressaltar, a celeuma outrora existente no TST em relação ao Recurso de Revista, reconhecendo amplamente o jus postulandi da parte, de acordo com a jurisprudência abaixo:
RECURSO DE REVISTA. "JUS POSTULANDI". NÃO CONHECIMENTO DE RECURSO MANEJADO PELA PARTE.
O art. 791 da CLT consagra o "jus postulandi" e nada restringe, porquanto onde a lei não faz restrições não cabe ao intérprete colocar freios onde o legislador não os colocou. Tal interpretação afina melhor com a tecnologia do Direito do Trabalho, a sua natureza tuitiva e, ainda sem prejuízo da solenidade das formas, o natural desatavio do processo dos autos ao TRT da 12ª região pára apreciar e julgar o recurso ordinário como de direito. (TST – RR – 11406/2002-900-12-00- AC. 3ª Turma – Rel. Juiz Convocado Ronald Cavalcante Soares – DJ- 27/05/2005.)
HONORÁRIOS DE ADVOGADO – SUBSISTEÊNCIA DO ART. 791 DA CLT- SENTIDO E ALCANCE DO ART. 133 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Sempre foi da tradição do Direito Processual do Trabalho poderem, empregado e empregador, postular e defender pessoalmente seus direitos, independentemente da assistência dos profissionais do direito, devendo ser destacado que, antes mesmo da atual Constituição prescrever a indispensabilidade do advogado à administração da Justiça (art. 133), idêntica norma já existia na legislação infraconstitucional (art. 62 da Lei nº 4.215, de 27.4.63 – Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil), mas nem por isso entendeu-se que fora revogada a norma consolidada (art. 791). Assim, ao elevar ao nível constitucional o princípio que consagra a indispensabilidade do advogado à administração da Justiça, o constituinte não pretendeu , por certo, extinguir o jus postulandi das partes no Judiciário Trabalhista, visto que condicionou sua aplicação "aos limites da lei" (art. 113 – parte final), o que autoriza a conclusão de que, enquanto não sobreviver norma federal dispondo em sentido contrário, a subsistência do art. 791 da CLT, que é federal, revela-se compatível com a nova ordem constitucional. Pertinência dos Enunciados nºs 219 e 329 do TST. Recurso de revista provido. (RR-539.763/1999, Relator Ministro Milton de Moura França, 4ª Turma, DJ 14/05/2004, unânime.) (Grifo nosso).
Assim, em face das jurisprudências expostas, percebe-se que o TST divergia sobre a manutenção do instituto o jus postulandi em fase recursal, em corolário da inexistência de norma federal que discipline a matéria, pois, enquanto subsistir a CLT, esta não traz quaisquer restrições às instâncias ordinárias, não cabendo ao intérprete colocar freios onde o legislador não os colocou.
Portanto, o jus postulandi não prevalece no TST. Logo, em caso de recurso de revista interposto, ele deverá ser subscrito por advogado, assim como qualquer outro recurso que venha a tramitar no TST. Em outras palavras, o jus postulandi doravante somente prevalecerá nas instancias ordinária
Por fim, em caso de enventual recurso extra para o Supremo Tribunal Federal, ou mesmo recurso encaminhado ao Superior Tribunal de Justiça, também deve ele ser subscrito por advogado, sob pena de o apelo não ser conhecido:
JUSTIÇA DO TRABALHO. JUS POSTULANDI. VALIDADE. ARTIGOS 791 E 839 DA CLT. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO. A jurisprudência predominante é no sentido de que ainda vigora no processo do trabalho o chamado "jus postulandi", que autoriza que empregados e empregadores possam reclamar pessoalmente na Justiça do Trabalho, além de acompanhar suas ações até o final, independentemente de estar assistidos por advogado. Embora a validade deste princípio da postulação pelas próprias partes tenha sido questionada quando da promulgação da Constituição de 1988 - cujo artigo 133 preceitua que o advogado é indispensável à administração da justiça -, é certo que permanecem em vigor os dispositivos da CLT que lhe dão sustentação, que são os artigos 791 e 839. Enquanto não houver manifestação definitiva do excelso Supremo Tribunal Federal acerca da não-recepção destes dispositivos por parte na nova ordem constitucional, é mesmo de se autorizar que as ações 70 trabalhistas sejam processadas pela via da atermação ou, até, por meio de petição redigida e elaborada pelo próprio postulante. É certo, ainda, que esta prerrogativa também envolve a interposição de recursos perante os tribunais (todos eles; inclusive, os Superiores), pois é justamente esta a preceituação do citado artigo 791 da CLT, no sentido de que "os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar suas reclamações até o final". Diante deste panorama, também não se poderá impor à parte que recorre, com base no "jus postulandi", qualquer excesso de formalismo na elaboração do apelo, sob pena de desvirtuação do próprio instituto. Isto significa que basta que esta se manifeste em juízo, seja de forma escrita, seja por meio de manifestação tomada a termo na Secretaria da Vara, expressando a sua discordância quanto à decisão proferida. (Tribunal Regional do Trabalho da 3ª. Região, Processo num. 00343-2004-054-03-00-1, Relator Hegel de Brito Boson, decisão em 31.08.2005).
Por conseguinte, resta demonstrado a capacidade conferida pelo legislador a qualquer pessoa para postular na seara trabalhista na instância ordinária, mas quando se trata recurso endereçado ao Tribunal Superior do Trabalho, ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo tribunal Federal é indispensável à apresentação de um advogado com capacidade postulatória.
Com relação ao uso do instituto jus postulandi por terceiros na esfera trabalhista tem-se o seguinte entendimento:
AGRAVO DE PETIÇÃO INTERPOSTO PELO ARREMATANTE SEM ASSISTÊNCIA DE ADVOGADO. NÃO-CONHECIMENTO DO APELO. É certo que o instituto do jus postulandi permanece no Processo do Trabalho, mesmo após o advento da Constituição Federal de 1988. Entretanto, somente às partes é permitida a manifestação nos autos sem a assistência de advogado (inteligência do art. 791 da CLT). Formulando o arrematante suas pretensões sem a assistência de advogado, impossível conhecer do agravo (Brasil Tribunal Regional da 10ª Região, Relator Juiz Pedro Luiz Vicentin Foltran, processo num. 00022, ano 2002, decisão em 19.04.02).
Nesta toada, é evidente que o uso do jus postulandi se restringe as partes, ou seja, há predominância do entendimento de que tal instituto não pode ser exercido por quem não é parte no processo trabalhista, em razão da norma contida no art. 791 da CLT e a jurisprudência elencada acima.
7 A GARANTIA DO ACESSO À JUSTIÇA E OS MALEFÍCIOS DO JUS POSTULANDI
O acesso à Justiça se originou da necessidade de integrar as liberdades clássicas, inclusive as de natureza processual, com os direitos sociais, vez que não adiantaria ter um direito material e não possuir meios para sua efetivação ou defesa em juízo.
O direito de acesso à jurisdição é um direito à utilização de uma prestação estatal imprescindível para a efetiva participação do cidadão na vida social, e assim não pode ser visto como um direito formal e abstrato indiferente aos obstáculos sociais que possam inviabilizar o seu efetivo exercício.
A questão do acesso à justiça propõe a problematização do direito de ir a juízo a partir da ideia de que obstáculos econômicos e sociais não podem impedir o acesso à jurisdição, já que isso negaria o direito de usufruir de uma prestação social indispensável para o cidadão viver harmonicamente na sociedade.
Dessa forma, o direito à assistência judiciária gratuita é o direito a advogado, a isenção de custas e despesas processuais, bem como o direito à produção de provas de forma gratuita.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 no capítulo que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais em seu artigo 5º, inciso XXXIV, alínea “a” consagrou como dever do Estado, o direito que tem o cidadão, pobre na forma da lei, de usufruir de uma assistência judiciária gratuita, senão vejamos: “São a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”.
Ainda no artigo 5º, inciso LXXIV diz que: “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.
Verifica-se, assim, que o direito de acesso à Justiça não está relacionado apenas ao pagamento de custas processuais, mas sim, na necessidade que a parte encontra de ter uma assistência técnica, seja um advogado ou defensor, que na impossibilidade de pagá-lo, deve o Estado fornecer tal proteção.
Porém, em especial na Justiça do Trabalho, com a finalidade de facilitar o acesso das partes ao Judiciário, a lei instituiu o jus postulandi como forma de solução a este óbice, mas se esquece que não basta somente o cidadão ter acesso ao Poder Judiciário, ele deve ter meios eficazes defender em juízo o seu direito ameaçado ou que sofreu lesão e isto só pode ocorrer de forma efetiva através da defesa técnica.
Assim, é perceptível que o dever constitucional de acesso à justiça é mais amplo do que simplesmente facilitar a postulação, devendo fornecer meio para que a pessoa litigue.
Nesse mesmo segmento, a doutrina nacional tem-se posicionado no sentido de que a postulação em juízo pela parte sem assistência de um advogado pode acarretar prejuízos a esta, quando a outra parte representada por profissional técnico, tendo em vista que este conhece as peculiaridades de processo judicial.
Corroborando tal entendimento assim dispõe Amauri Mascavo do Nascimento (2001 p. 543):
Sob o ponto de vista técnico, a importância do patrocínio é paralela à progressiva complicação das leis escritas e à especialização, cada vez maior, da ciência jurídica. Se, em uma sociedade primitiva, onde todo o direito se resume em umas poucas e simples práticas consuetudinárias, cada membro pode encontrar-se em condições de defender-se por si em juízo sem necessidade de uma preparação profissional especial, o incremento da legislação escrita, que fatalmente se desenvolve e se complica com o progresso da civilização, requer para sua interpretação e aplicação o auxílio de um tenicismo cada vez mais refinado, cujo conhecimento vem a ser monopólio de uma categoria especial de peritos, que são os juristas: de maneira que, para fazer valer as próprias razões em juízo, a parte inexperta de tecnicismo jurídico sente a necessidade de ser assistida pelo especialista, que se acha em condições de encontrar os argumentos jurídicos em apoio das suas pretensões, o que se faz mais necessário ainda quando, como é a regra nos ordenamentos judiciais modernos, também os Juizes, perante os quais a parte faz valer suas razões, são juristas. Acrescente-se que o tecnicismo das leis adquire uma especial importância, precisamente no cumprimento dos atos processuais, que, para poder conseguir a sua finalidade, devem desenvolver-se segundo certas formas rigorosamente prescritas, cujo conhecimento não se adquire senão através de larga prática: de maneira que a intervenção do jurista parece indispensável, não só para encontrar as razões defensivas que a parte não saberia encontrar por si mesma, e apresentá-la em termos jurídicos, mas também para realizar em seu nome os atos do processo que ela não estaria em condições de cumprir por si na ordem e sob a forma prescrita pelas leis processuais. Essas razões psicológicas e técnicas demonstram que a presença dos patrocinadores responde, antes de tudo, ao interesse privado da parte, a qual, confiando ao expert não só o ofício de expor suas razões, mas também o de cumprir de sua parte os atos processuais, escapa dos perigos da própria inexperiência e consegue o duplo fim de não incorrer em erros, de forma a ser melhor defendida em sua substância.
Ainda nesse sentido, o saudoso magistrado trabalhista Valentin Carrion (1994, p. 565) escreveu em seus Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho que:
[...] estar desacompanhado de advogado não é direito, mas desvantagem; a parte desacompanhada de advogado era caricatura de justiça; a capacidade de ser parte ou a de estar em juízo não se confunde com a de postular. Já na reclamação verbal, a parte ficava na dependência da interpretação jurídica que aos fatos dava o funcionário que reduzia a termo suas afirmações. Depois vinham as dificuldades do leigo na instrução e nos demais atos processuais, onde o arremedo de Justiça mais se acentua. O jus postulandi, a par da vantagem de levar a parte rapidamente ao ajuizamento de uma reclamação trabalhista, trás consigo a desvantagem de se constituir nessa armadilha exatamente pelo desconhecimento das leis e a impotência conseqüente de produzir sua defesa.
Verifica-se, portanto, que atualmente é inegável que o ramo Direito do Trabalho é um dos mais dinâmicos dentro do direito, sendo pertinente a presença de um advogado, tendo em vista que as relações de trabalho têm se tornado cada vez mais complexas exigindo-se, inclusive, cada vez mais de conhecimentos especializados para a formulação das lides bem como o seu desenvolvimento.
7 CONCLUSÃO
A Justiça do Trabalho surgiu como um ramo do direito especializado para dirimir os conflitos oriundos da relação de emprego, tendo com uma de suas finalidades a proteção do trabalhador, que é a parte hipossuficiente do contrato de trabalho, já que este muitas vezes submete-se a condições de trabalho incompatíveis com as normas jurídicas para não perder seu emprego.
Para atingir essa finalidade, o legislador pátrio valeu-se de alguns instrumentos que facilitassem o acesso desse trabalhador à justiça, sendo o jus postulandi um deles, haja vista que esse instituto possibilitou as partes postular em juízo sem a necessidade de assistência por advogado na Justiça Trabalhista.
O jus postulandi quando foi introduzido na sistemática processual brasileira foi muito elogiado, pois possibilitava as pessoas que não possuíam recursos de procurar o Poder Judiciário para reclamar os direitos injustamente violados durante o pacto laboral, sem que fosse necessário recorrer a um advogado.
Conduto, com o passar do tempo, as relações de trabalho ficaram cada vez mais complexas e verificou-se que a assistência técnica de um advogado era imprescindível para a efetivação dos direitos reclamados em juízos, vez que este tinha total domínio de como deveria se desenvolver o processo.
Não bastasse a falta de conhecimento técnico da parte para postular em juízo e as consequentes críticas doutrinarias ao instituto do jus postulandi, a Constituição federal de 1988 dispôs em seu art. 133 que o advogado era uma função essencial a administração da justiça, o que levantou a discussão sobre compatibilidade de tal instituto com a nova ordem constitucional.
Houve muita polêmica sobre o tema, tendo, inclusive, alguns tribunais trabalhistas indeferido petições que não estavam subscritas por advogado, sob o argumento de que o jus postulandi tinha sido revogado pela Constituição federal.
Em contrapartida, o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, manifestou-se pela constitucionalidade do instituto do jus postulandi, bem como pela sua recepção pela Constituição de 1988, o que colocou um fim a toda essa celeuma jurídica.
Com a edição da Lei 8.906 em 1994 (Estatuto da OAB) o debate sobre o jus postulandi ganhou novos contornos, já que este diploma normativo dispunha que era atividade privativa de advocacia a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário. Passou-se, assim, mais uma vez a questionar a sobrevivência do jus postulandi, já que a nova legislação era inequivoca ao afirmar era privativa a postulação em qualquer órgão do Poder Judiciário ao advogado, o que afrontava de forma clara as disposições referente ao instituto do jus postulandi.
Todavia, mais uma vez o Supremo Tribunal Federal posicionou-se favorável a manutenção do jus postulandi na sistématica processual brasileira, ao considerar que o Estatuto do OAB não poderia revogar as legislações especiais que permitiam a postulação das partes sem a assistência de advogado.
Como se pode perceber, não resta qualquer dúvida sobre a sobrevivência do jus postulandi no ordenamento jurídico brasileiro dentro dos limites estabelecidos pelo doutrina e jurisprudência para a sua aplicação na Justiça do Trabalho, haja vista que esse instituto é restrito às demandas oriundas da relação empregatícia e ao âmbito das varas do trabalho e dos Tribunais Regionais do Trabalho, não se estendendo aos tribunais superiores, conforme entendimento majoritário esposado pela doutrina pátria.
Em que pese a manutenção do instituto do jus postulandi na atualidade, verifica-se que a sua aplicação muitas vezes causa prejuízo à parte, já que esta não detém os conhecimentos técnicos necessários para buscar em juízo a efetivação dos direitos violados, além disso se a outra parte contrária estiver assistida por advogado o equilíbrio processual necessário para concretização das garantias processuais fica prejudicado, uma vez que a igualdade entre as partes fica comprometida pela discrepância técnica dos postulantes da relação processual.
Conclui-se, portanto, que apesar de o instituto do jus postulandi ter sido criado para facilitar o acesso das partes ao Poder Judiciário, hodiernamente, apresentar-se como um obstáculo na concretização das garatias fundamentais processuais, já que não mais traduz a garantia de acesso a justiça, pois contemporaneamente esse direito não é mais só visto em sua feição formal, mas deve ser entendido e aplicado em seu plenitude o que pressupõe não só o acesso ao judiciário, bem como a uma assistência técnica e podução de provas de forma gratuita.
REFERÊNCIAS
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Bacharelo em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Pós-graduada em Direito Processual do Trabalho. Oficial de Justiça Avaliador Federal do Egrégio TRT 2 Região
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PAULO FERNANDES MEDEIROS JúNIOR, . O jus postulandi na justiça do trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 mar 2023, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/61159/o-jus-postulandi-na-justia-do-trabalho. Acesso em: 21 nov 2024.
Por: Maria D'Ajuda Pereira dos Santos
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