RESUMO: O presente artigo trata sobre a aplicação da teoria da onerosidade excessiva em contratos empresariais, em situação de descumprimento contratual enquanto a pandemia ocorria, a fim de descaracterizar ou mitigar o uso da teoria da força maior e colaborar com o estudo acerca dos institutos jurídicos civilistas. Isto porque houve certa discrepância de qual instituto melhor se adequaria a ser utilizado em nos tempos pandêmicos, especialmente entre contratos empresariais, tendo em vista suas particularidades e raciocínio lógico-jurídico. Para que o resultado fosse alcançado, foi utilizado o método de levantamento bibliográfico para elaboração do artigo. A partir do mencionado levantamento bibliográfico, percebe-se a dúvida comum de qual instituto utilizar-se, visto que a teoria da força maior fora amplamente arguido, mesmo que indevidamente, por vezes, visto sua inaplicabilidade ao caso em concreto. Nesse contexto, o artigo busca identificar qual teoria se faz mais adequada em situações de inadimplemento contratual em razão da pandemia de covid-19.
PALAVRAS-CHAVE: Artigo científico. Descumprimento. Contratos. Pandemia. Direito. Teoria. Onerosidade.
APPLICATION OF THE THEORY OF EXCESSIVE ONEROSITY IN OPPOSITION TO FORCE MAJEURE, IN BUSINESS CONTRACTS
ABSTRACT: This article deals with the application of the theory of excessive onerosity in business contracts, in a situation of contractual breach while the pandemic occurred, in order to mischaracterize or mitigate the use of force majeure theory and collaborate with the study of civilist legal institutes. This is because there was a certain discrepancy as to which institute would best suit to be used in pandemic times, especially between business contracts, in view of their particularities and logical-legal reasoning. For the result to be achieved, the method of bibliographic survey was used to prepare the article. From the aforementioned bibliographic survey, one can see the common doubt of which institute to use, since the force majeure theory was widely argued, even if improperly, sometimes, given its inapplicability to the specific case. In this context, the article seeks to identify which theory is most appropriate in situations of contractual default due to the covid-19 pandemic.
KEYWORDS: Scientific article. non-compliance. contracts. Pandemic. Right. Theory. Onerousness.
1 INTRODUÇÃO
O descumprimento contratual, por óbvio, é um problema que deve ser evitado na sociedade. Entretanto, sua existência impõe a viabilidade de medidas que possam justificá-la ou diminuir os efeitos decorrentes dela ao devedor, concretizadas em diversas teorias do Direito Civil. Assim, se faz necessário verificar no caso concreto a possibilidade da aplicabilidade de alguma teoria e, se sim, qual melhor se aplica. Nesse sentido, a pandemia de Covid-19 inegavelmente afetou a contraprestação dos contratos, sendo judicializado sua revisão e/ou exclusão de responsabilidade do devedor, em sua maioria, pela teoria da força maior. Todavia, a ciência jurídica alerta que em contratos empresariais, é necessário levar-se em consideração as particularidades dos mesmos, já que detém seus próprios princípios, dentre eles o do pacta sunt servanda, não havendo, em sua maioria, espaço para alteração ou revisão aplicáveis aos contratos quando pedido unilateralmente.
Em tempos pandêmicos e pós-pandêmicos, se faz mais necessário essa ponderação, visto que a pandemia originou fortes consequências às estruturas econômicas (VENTURIN et al., 2021) conforme se pode verificar adiante.
2 MUDANÇA DE REALIDADE ADVINDA DA PANDEMIA
Os contratos empresariais têm características específicas, pela ótica do Código Civil no art. 421-A, uma vez que se presumem paritários e simétricos. Isto implica em raciocínio lógico-jurídico próprio para a relação contratual entre duas ou mais empresas.
Nesse sentido, é necessário enfatizar que os contratos são verdadeiros instrumentos econômicos para uma empresa, vez que se constituem como meios legítimos para o objetivo final das partes que ali os firmam. Portanto, não há parte hipossuficiente para que possa desequilibrar a relação contratual, e, em contrapartida, as partes detém conhecimento técnico para pactuarem cláusulas que melhor se coadunem com os seus objetivos.
Contudo, é de conhecimento notório que algumas situações são imprevisíveis na ciência jurídica, e assim pode se entender a pandemia de Sars-Cov-2, conhecida como Covid. Isto porque pressupor a existência desta em relação à outra parte da relação contratual é praticamente impossível e beira à má-fé, levando-se em consideração que a boa-fé objetiva guarda conformidade com o padrão social da ética e deve respeitar a legítima expectativa depositada na relação, conforme julgado do TJDF:
(...) IV. O princípio da boa-fé objetiva impõe às partes de uma relação de consumo a adoção de postura que guarde conformidade com os padrões sociais de ética, correção e transparência, a respeitar a legítima expectativa depositada nessa relação. Nesse contexto, o princípio da boa-fé objetiva cria deveres anexos à obrigação principal, os quais devem ser também respeitados por ambas as partes contratantes. Dentre tais deveres, há o dever de cooperação, que pressupõe ações recíprocas de lealdade dentro da relação contratual, que, uma vez descumprido, implicará inadimplemento contratual de quem lhe tenha dado causa (violação positiva do contrato).
Acórdão 1168030, 07148415120188070003, Relator: FERNANDO ANTONIO TAVERNARD LIMA, Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 30/4/2019, publicado no DJE: 8/5/2019.
Nesse diapasão, é plenamente possível a mudança nos estados de coisas que são imprevisíveis às partes e se faz necessário diferenciar o acontecimento imprevisível e o inconcebível, para evitar-se a má técnica interpretativa. Isto porque as partes, enquanto firmam contrato, consideram mudanças passíveis de acontecer, ou seja, dentro da álea de risco contratual (BRANCO, 2021).
Assim, os efeitos da mencionada pandemia em relações contratuais devem ser observados em consonância com os princípios basilares da relação existente, bem como do raciocínio lógico-jurídico da relação contratual existente, porque uma vez observados corretamente, permitem a aplicação de uma das teorias civilistas que melhor se adequam à realidade do contrato existente.
Indubitavelmente, a diversidade de teorias civilistas foi discutida com afinco durante a duração de todo o período pandêmico de Covid. Contudo, as duas teorias que mais se foram noticiadas e difundidas foram a Teoria da Força Maior e a Teoria da Onerosidade Excessiva. Nesse sentido, foi o tema da XII Competição Brasileira de Arbitragem e Mediação Empresarial[1], em 2021.
2.1 Pacta Sunt Servanda
Nas relações contratuais existentes é certo que se permeiam princípios norteadores, dentre os quais, em especial destaca-se o pacta sunt servanda, o qual, seu ponto principal é que o disposto no contrato se constitui lei entre as partes, em virtude da autonomia da vontade (PEREIRA e TEIXEIRA, 2020).
Segundo Maikon Junior Pereira e João Ricardo Ribas Teixeira (2020, p. 14) “o princípio da Pacta Sunt Servanda destina - se a preservar a autonomia da vontade declarada, incluindo a liberdade de firmar o contrato em causa, bem como a segurança da relação jurídica subjacente”.
Nessa perspectiva, sabe-se que o referido princípio não é absoluto, visto a sua relativização em decorrência de outros princípios, como a Boa-fé objetiva e seus deveres anexos, bem como o surgimento de teorias contratuais modernas (MOREIRA e FACHINETTO, 2021).
Ainda, sobre a relativização de princípios basilares, como o do pacta sunt servanda, face às teorias contratuais modernas, uma vez que são estas que permitem sair da rigidez do contrato firmado e possibilitam uma revisão contratual, é possível afirmar:
Ocorre, todavia, que o surgimento das teorias contratuais modernas possibilitou a relativização dos basilares tradicionais das relações jurídicas quando o caso concreto assim exigir, ou seja, evidenciaram a possibilidade de revisão contratual por expressão de vontade unilateral que ocorrerá, em regra, por intermédio do poder judiciário (MOREIRA e FACHINETTO, 2021.)
Da mesma forma, em virtude da relativização do Pacta Sunt Servanda, em 2019 foi promulgada a Lei da Liberdade Econômica, de número 13.874, a qual estabeleceu que a intervenção estatal será menos recorrente, tendo em vista que os mesmos se presumem paritários e simétricos, devendo a alocação de riscos ser respeitada, bem como a revisão contratual ocorrer somente de maneira excepcional e limitada, conforme art. 421-A, I, II e III:
Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
I - as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
II - a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
III - a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
Dessa forma, em que pese o esforço legislativo para se permanecer o pacta sunt servanda explícito no ordenamento jurídico brasileiro, bem como princípio intrínseco às relações contratuais, é imperioso reconhecer que no arcabouço jurídico nacional ele não é mais um princípio absoluto, admitindo excepcionalidades para a intervenção estatal ocorrer, a serem decididos pelo poder judiciário a revisão ou resolução contratual.
2.2 Teoria da força maior
A teoria da força maior é um instituto que tem como objetivo excluir a culpa do devedor que se encontra inviabilizado de adimplir com sua obrigação contratual, afastando-se do pacta sunt servanda. De forma que é considerada como excludente de responsabilidade, tratada no art. 393 do Código Civil de 2002:
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não eram possível evitar ou impedir.
Sendo imperioso ressaltar que pela leitura do parágrafo único do art. 393 do CC/02, depreende-se que o caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não eram possíveis ser evitados ou impedidos, ou seja, não é qualquer situação, mesmo que seja grave, que deverá ser considerada como força maior, principalmente se há formas de se evitar ou impedir os efeitos.
Nesse sentido se coaduna o entendimento do Min. Rel. Ricardo Villas Bôas Cueva, no REsp 1.564.706/PE, no qual afirma que a necessariedade não se verifica em qualquer acontecimento, por mais grave e ponderável que possa ser, mas sim aquele que impossibilita o cumprimento da obrigação.
Nessa perspectiva, no respectivo julgado, o Min. Relator ainda aborda outros dois fatores indispensáveis: o fato necessário, consubstanciado na impossibilidade absoluta que interfere o adimplemento contratual, que não é, e não deve ser confundido com dificuldade ou onerosidade do devedor, e a inevitabilidade, consubstanciada na inexistência de meios para evitar ou impedir o inadimplemento da parte que a suscita (VIANA, 2007).
Dessa forma, a aplicação da teoria da força maior não pode ser aplicada de qualquer maneira, devendo ser observados todos os requisitos necessários e intrínsecos a ela (TARTUCE, 2021), para evitar, portanto, a sua desvirtuação e uso indevido.
2.3 Teoria da onerosidade excessiva
Dessa forma, se faz necessário estudar a teoria da onerosidade excessiva. O Código Civil de 2002 dispõe que nos contratos de execução continuada ou diferida, pode haver a resolução do contrato ou a sua modificação equitativa caso a prestação dele decorrente se tornar excessivamente onerosa ou de extrema vantagem para a outra parte, conforme art. 478 e 479:
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.
Ademais, a presente teoria também é conhecida como teoria da imprevisão, a qual todo e qualquer contrato se submete a uma álea natural. Vantagens e desvantagens derivadas de oscilações próprias do dinamismo econômico são estéreis para fundamentar petitos resolutórios ou modificativos da engenharia contratual. Durante o intercâmbio obrigacional oriundos de contratos de execução continuada ou diferida, a lei se preocupa em manter dentro de padrões razoáveis a harmonia e a correspondência entre as obrigações dos contratantes. Em razão disso, se eventuais extraordinários e imprevisíveis empecem sobremaneira a manutenção do pacto por um deles, e desde que não haja qualquer comportamento desleal por parte do contratante sobrecarregado, admite-se a resolução do contrato “por onerosidade excessiva”.
Mas é fundamental não perder de vista que a “resolução por onerosidade excessiva” regulada no art. 478 do Código Civil tem um requisito adicional não contemplado na legislação consumerista (CDC, art. 6, V): a resolução só será juridicamente viável se a onerosidade excessiva para uma das partes representar “extrema vantagem para a outra.” Por mais que se interprete com temperança esse pressuposto explicitado na legislação civil, é defeso consentir na “resolução por onerosidade excessiva” sem a sua presença.” (OLIVEIRA, 2009, p. 390.)
Contudo, a doutrina e a jurisprudência vêm ampliando a interpretação da aplicação do requisito de “extrema vantagem”, alterando o alcance restritivo da teoria. (BRANCO, 2021).
Frise-se que é em cada caso concreto que poderá ser considerada a aplicabilidade da teoria da onerosidade excessiva ou imprevisão. Levando-se em consideração que a teoria tem como objetivo salvaguardar os contratos de longa duração, quando no decorrer de sua execução ocorrem fatores imprevisíveis (PEREIRA e TEIXEIRA, 2020).
Neste sentido, Nery Júnior (2011, p. 589), entende:
Acontecimentos estranhos, independentes da vontade das partes, que elas não podem prever e que de tal forma alteram as circunstâncias que, na execução, o contrato deixa de corresponder, não só à vontade dos contratantes, como à natureza objetiva dele.
Dessa forma, percebendo-se que nos contratos empresariais a parte majoritária das empresas tratam de atividades financeiras que tem como objetivo evitar as consequências de situações difíceis, o que é possível que ocorra é uma dificuldade financeira, e não uma impossibilidade total de adimplir suas obrigações contratuais. Devendo, nesse raciocínio, ser aplicada a Teoria da Onerosidade Excessiva, uma vez que a contraprestação do serviço ofertado no contrato torna-se dificultoso, ou seja, excessivamente onerosa a uma das partes. Mas, em nenhum momento impossibilitada integralmente, de forma que deve o magistrado decretar, após a análise dos requisitos.
Nesse sentido, é necessário frisar que deve ser analisado cada caso concreto para não se ver a aplicação da teoria da onerosidade excessiva sem uma maior diligência nos casos, escancarando-se a seriedade do instituto jurídico.
3.APLICAÇÃO DA TEORIA DA ONEROSIDADE EXCESSIVA EM DETRIMENTO DA FORÇA MAIOR EM TEMPOS PANDÊMICOS
Inicialmente, o instituto de força maior não deve ser aplicado de maneira imediata e abstrata, necessitando que seja feita uma análise diligente das circunstâncias fáticas para poder confirmar ou, neste caso, negar sua existência, com base na impossibilidade da parte que o alegou adimplir o que foi pactuado. E, por isso, um dos principais requisitos para a admissão da hipótese de força maior é, sem dúvidas, identificar o nexo causal entre o evento imprevisível e o descumprimento contratual.
Assim, segue-se o ensinamento de Silvio de Savio Venosa e Roberta Densa (2021), que afirmam que por mais que a pandemia seja considerada um evento de força maior, ainda é necessário à análise do nexo causal, pois somente assim será verificado quanto a crise impactou o cumprimento da obrigação específica. Isso pelo motivo de a pandemia, em si, pode ser configurada como situação de força maior, mas é no caso concreto que se poderá inferir quanto à crise afetou o descumprimento da obrigação em específico, devendo haver o nexo de causalidade, no caso analisado, entre a pandemia e o descumprimento contratual. Ressaltando ainda que vários setores comerciais permaneceram suas atividades laborais na pandemia.
Flávio Tartuce (2021) afirma, ainda, que não basta apenas alegar o surgimento da Covid-19 como hipótese de caso fortuito ou força maior para a exclusão da responsabilidade contratual, nos termos do art. 393 do CC, mas que é necessário atender ao dever anexo de transparência da boa-fé objetiva, de forma que aqueles que almejam uma revisão contratual devem “abrir as contas”, demonstrando especificamente os problemas econômicos existentes em seus negócios, causados pela grave crise sanitária.
Os estudos acimas mencionados, pormenorizando a aplicação da força maior se dá pelo fato de que o referido instituto serve para garantir a resolução contratual (MONTEIRO, 2020), mas há o princípio da conservação dos negócios jurídicos no ordenamento jurídico, fazendo-se evitar a resolução judicial dos contratos empresariais.
Contudo, há julgados nos Tribunais de Justiça brasileiros que apontam pela possibilidade de revisão contratual, fundamentando-se na força maior, como se pode perceber no Agravo de Instrumento de nº 10000200652576001, julgado pela 4º Câmara Cível do TJ/MG:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - CEMIG - CONTRATO DE USO DO SISTEMA DE DISTRIBUIÇÃO (CUSD) DE ENERGIA ELÉTRICA - MONTANTE DO USO DO SISTEMA DE DISTRIBUIÇÃO (MUSD) - ISOLAMENTO SOCIAL EM DECORRÊNCIA DA PANDEMIA CAUSADA PELO COVID-19 - FECHAMENTO DO COMÉRCIO EM SHOPPING CENTER - CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR - REVISÃO CONTRATUAL - POSSIBILIDADE. - O art. 393 do Código Civil prevê que "o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado" - Em razão da pandemia resultante da propagação do coronavírus (COVID-19) houve regulação na esfera federal, estadual e municipal, com a adoção de infinidade de medidas para a contenção da propagação do vírus de rápida disseminação, com a determinação de suspensão das atividades de centros comerciais situados ou instalados em ambientes fechados, tais como shopping centers, galerias e estabelecimentos similares - O Contrato de uso do sistema de distribuição (CUSD) de energia elétrica firmado com a CEMIG dispõe acerca da possibilidade de revisão do MUSD contratado, em razão da ocorrência de caso fortuito ou de força maior que perdure por mais de sete dias, ocasionando na redução do uso do sistema de distribuição de energia elétrica. (TJ-MG - AI: 10000200652576001 MG, Relator: Renato Dresch, Data de Julgamento: 19/11/2020, Câmaras Cíveis / 4ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 20/11/2020)
Infere-se do supramencionado julgado a aplicação da Teoria da Força Maior, contudo, entende-se o art. 393, caput, do Código Civil, no sentido de que se prevendo contratualmente a possibilidade do uso da força maior ou caso fortuito, para se afastar a responsabilidade civil, é possível se utilizar do instituto.
Enfatiza-se, entretanto, a necessária interpretação contratual em todos os seus termos e pormenores para aplicá-la corretamente no caso concreto.
Assim, não há dúvidas de que a pandemia de Covid-19 é um evento de força maior, mas é imperioso verificar sua incidência direta nas relações contratuais (VENTURIN et al., 2021).
Nesse raciocínio, uma vez que o modelo negocial pode não ter sido afetado diretamente pelo período pandêmico, bem como não se verifica a completa impossibilidade do cumprimento da obrigação, mas sim uma extrema dificuldade, é adequado a verificação de outro instituto jurídico, sem ser o de força maior, para se aplicar nas relações contratuais empresariais. Assim, afirma Milagres (2020, p.121) que:
Não se pode de forma genérica e não contextualizada ao modelo negocial, defender a extinção contratual. É preciso muita cautela, sob pena de frustação generalizada dos contratos, considerando o ambiente de contratos conexos, interdependentes e em rede.
Ademais, é importante explicitar que em que pese a teoria da onerosidade excessiva tratar da resolução contratual, vide art. 478 do Código Civil, o princípio da conservação dos negócios jurídicos possibilita a utilização do instituto para revisão judicial dos contratos:
Em atenção ao princípio da conservação dos negócios jurídicos, o art. 478 do Código Civil de 2002 deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual. (Enunciado nº 176 CJF/STF III Jornada de Direito Civil).
Ainda, no mesmo raciocínio jurídico, o art. 479 do Código Civil dispõe que a resolução pode ser evitada, uma vez oferecido ao réu a possibilidade de modificar equitativamente as condições do contrato. Dessa forma, cabe às partes a escolha da resolução ou revisão contratual.
Nesse sentido, é amplamente possível se utilizar do artigo 478 para revisão contratual. Assim, diante de uma extrema dificuldade para adimplir uma obrigação contratual empresarial, deve ser analisado a Teoria da Onerosidade Excessiva.
Consideração inafastável, ainda, é que, no Brasil, a extrema dificuldade nas empresas foi o resultado caótico proveniente da pandemia de COVID-19. Isto porque a redução do consumo mundial afetou o mercado financeiro, que também sofreu com o aumento exponencial do desemprego, sendo compreensíveis as dificuldades financeiras enfrentadas pelas empresas e a sua interferência nas relações contratuais das mesmas, visto que o contrato tem uma função econômica para a consecução dos objetivos finais das empresas.
De fato, em maio de 2020, o Ministério da Economia do Brasil ratificou que somente no referido mês foram contabilizados cerca de 960.258 pedidos para o seguro-desemprego, sendo o número um representante do aumento de 53% na comparação com maio de 2019, quando ainda não havia irrompido o vírus do SARS-Cov-2.
Outrossim, verificando-se no caso concreto da empresa uma extrema dificuldade para adimplir sua obrigação contratual, e não a completa impossibilidade de cumprimento da obrigação contraída, em período pandêmico e pós-pandêmico, período este completamente extraordinário, aconselha-se a priorização da aplicação da Teoria da Imprevisão e da Onerosidade Excessiva em detrimento de outros institutos, tal qual o da Força maior (MONTEIRO, 2020).
Para esclarecimento, contudo, de extrema dificuldade, ou extrema vantagem, do art. 478 do Código Civil, tem-se o Enunciado nº 365 da IV Jornada de Direito Civil, que prevê:
A extrema vantagem do art. 478 deve ser interpretada como elemento acidental da alteração das circunstâncias, que comporta a incidência da resolução ou revisão do negócio por onerosidade excessiva, independentemente de sua demonstração plena.
Assim, estando uma das partes contratuais obrigada a uma prestação extremamente desproporcional à sua devida contraprestação, a outra parte estará em vantagem, sendo esta um reflexo automático da onerosidade excessiva (RODRIGUEZ, 2021). Porém, é necessário enfatizar que o fato externo e imprevisível necessita provocar um desequilíbrio exponencial na relação contratual, a ponto da outra parte, se receber a prestação prevista contratualmente, justifica enriquecimento sem causa, conforme se verifica:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. INADIMPLEMENTO DE PARCELA DO CRONOGRAMA FÍSICO-FINANCEIRO PELO CONTRATANTE. SERVIÇO INTEGRALMENTE REALIZADO. ALEGAÇÃO DE DESEQUILÍBRIO CONTRATUAL PELA OCORRÊNCIA DE FATO EXTRAORDINÁRIO E IMPREVISÍVEL. INOCORRÊNCIA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA QUE SE MANTÉM. 1. Em que pese ser possível a flexibilização da força obrigatória dos contratos, notadamente com base na teoria da imprevisão, esta só tem lugar nos casos em que o fato externo e imprevisível provoca desequilíbrio desproporcional nas obrigações contraídas, levando, a um só tempo, ruína de uma parte e enriquecimento sem causa à outra. 2. Fato alegado que não alterou qualquer das obrigações contraídas, mas apenas tornou o objeto contratado desinteressante para o contratante. 3. Tendo sido realizado todo o serviço, sem qualquer comunicação prévia da outra parte, deve o contratante realizar os pagamentos devidos e livremente pactuados. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Em contrapartida, em consonância com o tema discutido no presente artigo, o TJ-SP, em acórdão de Apelação Cível nº 1016763-71.2020.8.26.0224, na qual aplicou o art. 478 para resolver a lide:
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. Ação de rescisão de contrato c. c. pedido de isenção de multa contratual. Sentença de improcedência. Interposição de apelação pela autora. Preliminar de inadmissibilidade da apelação interposta. Rejeição. Observância do princípio da dialeticidade. Exame do mérito. Celebração de contrato entre as partes, por meio do qual a ré assumiu a obrigação de prestar o serviço de coleta de lixo gerado no estabelecimento comercial da autora. Alegação de que os efeitos da pandemia de COVID-19 culminaram no fechamento do estabelecimento comercial da autora por tempo indeterminado e na consequente ausência de geração de lixo naquele local, de modo a tornar desnecessário o serviço de coleta. Ausência de impugnação específica. Presunção de veracidade, consoante inteligência o artigo 341 do CPC/2015. O advento da pandemia de COVID-19, acontecimento imprevisível, inevitável e não produzido pelas partes, inviabilizou a continuidade da execução do contrato, dada a superveniente desnecessidade do serviço de coleta, causando desequilíbrio na relação, já que, ante a previsão de faturamento mínimo mensal, independentemente da coleta ou não de sacos de lixo (cláusula quinta do contrato), a autora seguiria obrigada a pagar valores relativos a serviço que não mais era útil ao seu estabelecimento, sendo tal conjuntura apta justificar o acolhimento do pedido de rescisão contratual, sem imposição de multa a qualquer contratante, conforme a teoria da imprevisão, expressa no artigo 478 do Código Civil. Reconhecimento do direito ao desfazimento antecipado da avença, sem a imposição de multa, não exime a autora da obrigação de pagar eventuais contraprestações pendentes, as quais poderão ser exigidas pela ré em ação própria. Reforma da r. sentença, para julgar procedente a ação, declarando a rescisão do contrato de prestação de serviços de coleta celebrado entre as partes, com isenção de cobrança da multa prevista no instrumento contratual. Apelação provida.
Frisa-se que as partes não optaram pela revisão contratual, mas sim pela resolução contratual.
Contudo, importante ressaltar que no âmbito das relações contratuais empresariais ainda há forte presença do Pacta Sunt Servanda, e para muitos magistrados e doutrinadores, até mesmo a Covid-19 não pode levar à interferência excessiva nos contratos. O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha, afirmou ainda que "a Recomendação 63/2020 do Conselho Nacional de Justiça também não sugere a extinção das garantias contratuais indispensáveis para o equilíbrio econômico das instituições financeiras", apontou. Nesse sentido, os juízes que decidem assim cometem um erro indesculpável perante o ministro, que afirma que "não há princípio de miserabilidade no direito empresarial, e as garantias são pensadas exatamente para momentos de crise".
Por fim, percebe-se que apesar do forte impulso do Pacta Sunt Servanda, hodiernamente tem-se aceito mais os institutos para justificativa de inadimplemento contratual, dentro dos limites da boa-fé processual, buscando um equilíbrio da relação jurídica.
4 CONCLUSÃO
Em suma, pode-se inferir que o Código Civil busca proteger e equilibrar as relações contratuais existentes, mesmo que por intervenção judicial excepcionalmente, sendo os contratos empresariais regidos e protegidos por particularidades próprias. Contudo, infere-se o avanço para tal intervenção judicial, vez que anteriormente, em virtude dos vieses principiológicos outrora fortemente influenciados pela autonomia privada das partes e do Pacta Sunt Servanda, não havia possibilidade para tal feito.
Neste sentido, uma vez que a regra jurídica nas relações contratuais é o adimplemento das obrigações contraídas, e a exceção é o inadimplemento daquelas, o Código Civil buscou instrumentos para justificar o inadimplemento, sem maiores prejuízos para as partes contratuais, levando-se em consideração a mudança nos estados de coisas, imprevisíveis às partes, que desequilibrem a relação jurídica, causando vantagem excessiva a uma das partes, com o decorrer do tempo.
Destarte, inegavelmente sendo a pandemia de Covid-19 é um evento de força maior, e a partir dele se tem diversas consequências no âmbito das obrigações e relações dos contratos empresariais. Assim, sendo o vírus da Covid-19 considerado um evento imprevisível às partes que firmaram contratos antes de seu início. Contudo, diversos sujeitos presentes em relações contratuais empresariais, principalmente os de prestações continuadas, não restaram completamente impossibilitados de adimplir suas obrigações contraídas, mas sim com extrema dificuldade.
De forma que, se no caso concreto isto acontecer, afasta-se o uso do instituto da força maior e, em contrapartida, aplica-se a onerosidade excessiva, visto ser a mais adequada, para revisar os contratos empresariais, mantendo-se a relação jurídica existente e adequando-se à realidade fática das partes.
Frise-se que o estudo jurídico acerca aplicação da teoria mais adequada coaduna-se com a busca de uma correta interpretação do raciocínio lógico-jurídico das relações contratuais empresariais.
Para isso, buscou-se entender as questões principiológicas dos contratos empresariais no ordenamento jurídico, as suas particularidades, e como o período pandêmico impactou os estudos da ciência jurídica quando aos estudos nos institutos do direito civil.
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[1] É Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial (CAMARB) promove a maior competição de arbitragem e mediação empresarial da América Latina, sendo o foco de vários núcleos de estudo.
Advogada. Graduada em Direito pelo Centro Universitário FAMETRO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MEIRELES, Dennyse Torres. Aplicação da teoria da onerosidade excessiva em contraposição à força maior, em contratos empresariais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 mar 2023, 04:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/61177/aplicao-da-teoria-da-onerosidade-excessiva-em-contraposio-fora-maior-em-contratos-empresariais. Acesso em: 21 nov 2024.
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