Resumo: O artigo, utilizando-se como método a pesquisa bibliográfica, estabelece relação entre a hiperconectividade de um mundo mais instantaneamente interligado e os reflexos na saúde mental do trabalhador, descobrindo se a preocupação com o desemprego é fator determinante ou contributivo para o acesso nos dispositivos virtuais/eletrônicos em momentos extraordinários da jornada de trabalho. E, se o adoecimento no meio ambiente do trabalho seria um reflexo desse comportamento. A preocupação do desemprego assola o trabalhador ao ponto de atender os chamados dos empregadores a qualquer dia e hora ou será que a latente necessidade de demonstrar, ao empregador, a capacidade de produção e "entrega de resultado" valem como justificativa para colocar em risco a saúde mental? O meio ambiente do trabalho sadio passa pela delimitação da linha, embora imaginária, de fundamental importância de separação do tempo entre o profissional e o pessoal. Evidencia-se que a hiperconectividade e a não desconexão do trabalho resulta em adoecimento como, por exemplo, a ocorrência do burnout. Como o meio ambiente do trabalho demanda o olhar atento das empresas, surge a proposta aplicada deste artigo que, ao final, contribuirá com medidas que poderão ser adotadas para adequação das condutas empresariais, visando prevenir o adoecimento no ambiente laboral.
Palavras-chave: Direito à desconexão; engajamento; hiperconectividade; meio ambiente laboral; tecnologias.
Abstract: The article, using bibliographical research as a method, establishes the relationship between the hyperconnectivity of a more instantaneously interconnected world and the reflections on the mental health of the worker, finding out if the concern with unemployment is a determining or contributing factor to the access to virtual/electronic devices at extraordinary times during the workday. And, if illness in the work environment would be a reflection of this behavior. Does the concern for unemployment so devastate the worker that he answers employers' calls at any day and at any time, or is the latent need to demonstrate, to the employer, the ability to produce and "deliver results" a justification to put his mental health at risk? A healthy work environment requires the delimitation of a line, albeit imaginary, of fundamental importance in separating professional and personal time. It is evident that hyperconnectivity and not disconnecting from work results in illnesses such as, for example, the occurrence of burnout. Since the work environment demands a close look by companies, the proposal of this article arises and, in the end, it will contribute with measures that can be adopted to adapt the company's conducts, aiming to prevent burnout in the work environment.
Keywords: Right to disconnection; engagement; hyperconnectivity; work environment; technologies.
Sumário: Introdução. 1. Hiperconectividade como sinônimo de engajamento do trabalhador 2. A preocupação do desemprego como motivador à não desconexão do trabalho 3. Preservação da saúde mental no meio ambiente do trabalho. Conclusão. Referências.
Introdução
A preocupação do empregado em demonstrar engajamento nas suas atividades laborais pode se originar por duas condutas, uma voluntária outra impositiva. A voluntária é gerada pela convicção do empregado de que precisa demonstrar resultado a todo momento estando conectado em tempo integral – full time –, através da tecnologia, no seu trabalho, enquanto a impositiva independe do querer ou não do empregado, ele não tem hora, tempo e dia para ser requisitado pelo empregador. Quando se exerce o direito à desconexão do trabalho transmite-se o sentimento de que os direitos trabalhistas estão sendo observados, onde há observância das normas legais de controle da jornada laborativa e, ainda, no respeito aos limites da saúde dos trabalhadores e, consequentemente, o respeito à dignidade da pessoa humana. Se almeja, através da pesquisa bibliográfica, produzir uma síntese de estudos sobre o tema para ao final, utilizando-se da aplicação prática, contribuindo no ajuste das condutas comportamentais empresariais ao ponto de tornar o meio ambiente do trabalho mais sadio, extirpando o meio ambiente tóxico e gerador de trabalhadores doentes.
Notadamente o avanço na rapidez e transmissão das informações trouxe impacto na vida principalmente dos trabalhadores onde a dificuldade de se "desconectar" do mundo virtual ou mesmo do trabalho reflete no adoecimento vivido pela sociedade em geral, mas observado principalmente no cotidiano do trabalhador. Essa confusão entre o momento de trabalho e o momento dedicado à família e ao lazer ficou maior evidenciado a partir da recente alteração forçada nas relações trabalhista e na dinâmica social como um todo em decorrência da proliferação da pandemia da COVID-19, a qual resultou numa reestruturação abrupta nos ambientes e formas de trabalho, mais bem visto na modalidade do teletrabalho.
Busca-se, no entanto, compreender um contexto um pouco mais amplo, além do teletrabalho, pois a conexão ao trabalho pode continuar mesmo nos contratos "convencionais", onde o trabalhador, embora estando fora da estrutura física da empresa continua exercendo suas atividades, bastando apenas ter um aparelho telefônico. Com isso, se observará as consequências dessa hiperconectividade ao trabalho e seus reflexos no cotidiano do meio ambiente do trabalho. Buscando-se, também, evidenciar os motivos que levam a esse comportamento, seja o medo do desemprego e do trabalho precarizado ou mesmo na tentativa de demonstração de engajamento na empresa.
Foca-se no ambiente laboral, porém sabe-se que o comportamento da "vida virtual" ou da necessidade de estar sempre online provoca reações além do trabalho, como se observa o distanciamento no próprio convívio familiar e nas interações sociais denominadas de offline, a qual reflete, inevitavelmente, no ambiente de trabalho.
O excesso na utilização da tecnologia proporciona reflexos não só na pessoa do trabalhador, mas também na empresa, pois, como será demonstrado, um desses reflexos na empresa ocorre pelo afastamento do trabalhador acometido por doença gerando, inevitavelmente, a rotatividade desses empregados – fazendo-se uma análise econômica deve-se considerar o custo de treinamento e verbas pagas para a formação de um trabalhador, e nas alternâncias excessivas de trabalhadores os custos financeiros tendem a aumentar na mesma proporção –, há, ainda, reflexos previdenciários que decorrem do afastamento do trabalhador. Um exemplo do que a sobrecarga ou sobrejornada pode ocasionar é no surgimento de diversas doenças, físicas e psicológicas, dentre elas, o surgimento da síndrome de burnout.
Mesmo aos que se encontram de fora dessa relação – empresa e trabalhador –, acaba por sofrer os impactos negativos de uma empresa que possui um meio ambiente laboral mórbido. Isso porque, esse tipo de ambiente gera trabalhador doente, tanto fisicamente quanto psicologicamente, havendo consequência para o aumento nos pagamentos dos benefícios previdenciários em decorrência de seus afastamentos. Ou seja, o meio ambiente do trabalho afeta a sociedade como um todo tanto positivamente quanto negativamente.
1. Hiperconectividade como sinônimo de engajamento do trabalhador
A sociedade se desenvolve desde os primórdios através das observações de padrões, evoluindo de forma progressiva até os dias atuais. Evidentemente que o avanço e disseminação no acesso a tecnologia trouxe facilidades para o cotidiano das pessoas. Porém, há também seus ônus.
A tecnologia facilita a vida das pessoas inclusive tornando mais fácil, por exemplo, a execução de tarefas da rotina diária, principalmente no quesito comunicação, ao ponto de encurtar distâncias entre as pessoas. Ao serem propiciadas as novas modalidades de comunicação, restou muito mais fácil a interação entre pessoas de locais diferentes não se falando mais em limites fronteiriços para a comunicação. Pode-se olhar como aspecto positivo a rapidez ou imediatidade na transmissão da informação via sistemas de comunicações, porém esse aspecto pode tornar-se negativo. Assim, cria-se, oportunidades e, também, prejuízos. Com o aumento no consumo das mídias sociais, ou seja, com a evolução dos sistemas de mensagens instantâneas, bem como as mídias de compartilhamento de fotos e vídeos, proporcionaram, aos internautas, a oportunidade de desfrutar da capacidade de estar em constante comunicação uns com os outros. Gera-se efeitos positivos, porém, produz proporcionalmente uma ampla gama de efeitos nocivos, seja, de um lado, a não limitação para as relações privadas ou, de outro, na função da necessidade de se redesenhar as relações no âmbito público, especialmente a partir dos efeitos lançados pelas experiências no mundo virtual sobre o novo espectro de relações no mundo real (SARLET; RIEFFEL, 2018). O uso desmedido da Internet tem estimulado efeitos colaterais desagradáveis na saúde e bem-estar dos indivíduos (SÁ, 2012), em decorrência de o indivíduo viver estressado pelo uso desmoderado de smartphones, ocupados em entrar nas redes sociais, ansiosos em retornar as mensagens que recebem (CURY, 2016).
Da mesma maneira que o uso da internet e as redes sociais provocam uma certa interação social, essa interação exacerbada está representada apenas no campo virtual, com reflexos no convívio social de duas formas: a primeira é no afastamento e isolamento das interações "cara a cara" e a segunda forma, a qual atenta-se o presente artigo, concerne aos reflexos no meio ambiente do trabalho, com a facilidade de comunicação entre as pessoas sem restrições físicas podendo, os interlocutores, serem contactados a qualquer dia e horário. Justamente por essa facilidade na comunicação e na necessidade de se demonstrar empenho que a desconexão ao trabalho se torna importante para a manutenção da saúde do trabalhador. Estreitando para a categoria dos trabalhadores que recebem comissões de acordo com suas produções, haverá um aumento significativo da percepção da hiperconectividade.
Percebe-se, com certa facilidade, a reclusão e a perda gradativa do convívio sadio com amigos e familiares. A relação "viciante" do indivíduo com o meio online em prejuízo do offline está ainda mais vívida, latente, diária e corriqueira. O isolamento se dá em função da não interação do indivíduo com o meio social. O sujeito se resguarda da interação social não mediadas pelas telas dos componentes eletrônicos. Assim, geralmente, a família e os amigos são deixados em segundo plano. A relação com a Internet fomenta a criação de "barreiras" virtuais que se constata na presença física dos usuários (SÁ, 2012). Podendo, inclusive, fomentar falsas percepções sobre o mundo, agravando a probabilidade de se desenvolver uma condição psicopatológica.
Há, ainda, os problemas decorrentes desse direcionamento à vida social virtual como, por exemplo, a falta de horário para à vida real, tempo escasso para as refeições e os estudos, acabando por desencadear afastamento do convívio social presencial por dependência das tecnologias. Observa-se, na área da saúde, o surgimento de doenças até então desconhecidas que foram causadas pelo uso nocivo dos recursos tecnológicos, e.g., lesão por esforço repetitivo (LER), problemas de visão e comportamentos compulsivos diversos, além de comprometimentos motores, hérnias e lombalgias. Incontestável que, de certa forma, o problema do isolacionismo e da dependência proveniente do uso excessivo das tecnologias, sobretudo das redes sociais, pode ser comparada, inclusive, ao vício de drogas, lícitas e ilícitas (SARLET; RIEFFEL, 2018). Dessa forma, "inúmeras, antigas e polivalentes modalidades de troca social foram transformadas em sequências rotineiras de solicitação e resposta" (CRARY, 2016, p. 67).
Essas solicitações e respostas, quando convertidas, por exemplo, em trocas de mensagem via aplicativos de mensagens instantâneas ou até mesmo por e-mails com colegas e/ou superiores hierárquicos do trabalho, em horários sobrejornadas – entende-se como sobre jornada como toda requisição fora do horário da jornada ordinária do trabalhador, do trabalho normal não superior a oito horas diárias[1] –, faz com que o sentimento do trabalhador de realização com sua produção e eficiência no emprego se sobressaia aos seus anseios pessoais.
Apresenta-se, cada vez mais, produção de demandas e de tarefas que, em razão da emergência ou necessidade, do imponderável, do ambiente econômico recessivo, e, especialmente, em razão do fenômeno atual de conexão e da dependência das mídias e das novas tecnologias da informação e da comunicação, uma espécie de alteração dos horários convencionais de trabalho, conhecidos como horário comercial ou de expedientes ordinários. Convergindo-se, dessa maneira, o quadro de demasiada ansiedade para uma forma de exagero que atinge o ambiente de trabalho em que o empregador, mesmo já tendo encerrado a jornada laboral ordinária, passa a enviar diversas mensagens, solicitando do empregado soluções e medidas a serem empreendidas, ou seja, consistindo em questionamentos relacionados ao trabalho (SARLET; RIEFFEL, 2018).
Fato é que essa extrapolação de jornada, tanto pela empresa quanto pela atitude do próprio trabalhador em não se atentar à desconexão do ambiente laboral empenhando-se para, de fato, "vivenciar" sua vida social física mantendo-se conexão com o trabalho de forma ininterrupta, causa violações aos direitos trabalhistas e, também, a sua saúde.
Antes de adentrar no campo do meio ambiente do trabalho propriamente dito, importa salientar a ocorrência da hiperconectividade na contemporaneidade por um olhar progressista. Embora tal tema esteja em voga, pode-se basear como um reflexo do que o autor Jonathan Crary chama de 24/7, sobre a busca do ser humano em vencer o "sono", ser ativo durante 24 horas do dia e 7 dias na semana. O autor analisa, por exemplo, o desenvolvimento de estudos realizados pelo exército norte americano sobre o pássaro pardal da coroa branca, pássaro este que consegue ficar vários dias sem dormir enquanto realiza suas viagens pelos céus do planeta terra. O intuito é desenvolver um soldado que não durma, o "soldado sem sono", o qual seria o precursor do "trabalhador sem sono". Observa-se através da história humana recente que inovações relacionadas à guerra são inevitavelmente transmitidas e assimiladas na esfera social mais ampla. Dessa maneira, produtos contra o sono, após violenta campanha de marketing das empresas farmacêuticas, iriam se tornar uma opção de estilo de vida para, depois, tornar-se, para muitos, uma necessidade. Na mesma proporção a condição do consumidor sem "sono", pois pessoas que dormem não compram, não adquirem (CRARY, 2016).
No ambiente laboral pode-se considerar como um dos fatores determinantes a utilização da tecnologia para influir na saúde mental dos trabalhadores. A ocorrência da globalização, o uso das novas tecnologias, as novas formas de organização estrutural do trabalho, os diferentes modelos de emprego, o aumento do volume informacional com o qual o trabalhador se depara e na subcontratação de serviços, são capazes de gerar novos conflitos relacionados à distribuição do tempo de trabalho, tornando cada vez mais difícil conciliar a vida laboral da vida familiar (CUSSÓ et tal., 2022).
Por um lado, essa linha de "super" ou "hiper" conectividade do trabalhador acaba por ir na contramão do movimento chamado quiet quitting; de outro lado, esse movimento pode ser uma consequência do esgotamento do trabalhador. A pandemia global provocada pela COVID-19 contribuiu para o aceleramento da prática de "levar o serviço para casa", ocasionando uma certa dificuldade, por parte do trabalhador, em ponderar os limites entre o início e o fim da jornada de trabalho, e essa difícil avaliação resulta em uma confusão entre as atividades desenvolvidas do trabalho e da vida pessoal. É, justamente, nessa dificuldade em encontrar o limite da atuação profissional que se observa a problemática abordada no presente artigo, por um lado a exigência patronal do desempenho de atividades fora do horário ordinário; por outro, a imediatidade vinculada do trabalhador em demonstrar eficiência nas suas atividades. A separação entre as atividades profissional e pessoal ficou ainda mais difícil de ser percebidas com a aceitação do teletrabalho, inclusive esta modalidade de trabalho é a mais citadas nos estudos publicados quando se trata do tema do direito à desconexão, justamente, pelo fato do trabalhador estar exercendo suas funções profissionais em sua casa, distante fisicamente da sede da empresa.
O trabalhador, dessa forma, é obrigado a assumir compromissos de uma maior carga de trabalho e, ao mesmo tempo, de ser exigido um número maior de capacidade de trabalho. Toda essa acumulação de problemas acarreta impacto no elo mais fraco da cadeia, neste caso, o indivíduo que trabalha. Este impacto, particularmente visível na esfera psicológica, pode ser complexo. Contudo, a partir de uma perspectiva qualitativa, os problemas de saúde mental ocasionados pelo trabalho podem afetar de forma negativa as relações laborais, provocando, no trabalhador, falta de motivação e criatividade, e outras consequências como um enfraquecimento na satisfação de trabalhar, além do aumento de rotatividade interna dos trabalhadores, somado a uma exteriorização má da imagem da empresa (CUSSÓ et tal., 2022). Provocando, por consequência, o aumento na probabilidade da busca pela responsabilização da empresa através de medidas judiciais.
Engajamento é salutar e, como tudo na vida, deve-se ponderar para que ocorra a atividade profissional no período a ela destinada, pois, segundo Sá (2012) o cerne do problema, está, na realidade, no excesso. O contato diário e excessivo com o meio virtual e sua necessidade imediatista de estar conectado pode ocasionar dependência e, com ela, o isolamento gradativo do indivíduo.
Como resultado do problema de saúde mental do trabalhador, será a sua incapacidade ao trabalho, quando não for possível a melhora do estado de saúde do trabalhador através do tratamento específico adotado no entorno do meio ambiente laboral, impossibilitando-se o retorno ao desenvolvimento da sua atividade laborativa habitual (CUSSÓ et tal., 2022).
2. A preocupação do desemprego como motivador à não desconexão do trabalho
Tomado pela lógica concorrencial típica do padrão flexível de acumulação e do neoliberalismo, as relações sociais como um todo, e sua expressão nos locais de trabalho se concretizam cada vez mais em um projeto paradoxal. Um projeto que se movimenta entre as incertezas do mercado e a necessidade do engajamento como saída para se manter empregado. Ainda, a pressão pela capacidade instantânea de solução às demandas ou buscas do mercado pelos trabalhadores, cujas atividades passaram a ser ainda mais controladas e calculadas em frações de segundos, bem como a obsessão dos gestores do capital por suprimir inteiramente os tempos mortos dos processos de trabalho, tem convertido, pouco a pouco, o ambiente de trabalho em espaços de adoecimento. Tornando o ambiente de trabalho num propulsor de altos índices de desempenho e produtividade, estruturados com base em exigências que cada vez mais ultrapassam as capacidades física e mental humanas, evidenciando-se os meios de diferentes e sofisticados mecanismos de controle e coerção. Tornando o assédio moral parte dessa engrenagem (ANTUNES, 2018).
O denominado gerenciamento por metas opera em sentidos distintos, por uma perspectiva, na promoção de mais mecanismo disciplinador do trabalho, como na instituição de uma espécie de engajamento voluntário dos trabalhadores visando o aumento de sua produtividade, sob outro enfoque, no encorajador controle de faltas desempenhado, por vezes, entre os próprios membros dos times de produção/equipes de trabalho; na diminuição do tempo de repouso; no estímulo da competição entre os trabalhadores e suas equipes, objetivando o recebimento dos valores estipulados nos acordados (PRAUN, 2014).
Não é necessário muito esforço para compreender a preocupação do trabalhador na busca incessante em demonstrar engajamento nos afazeres profissionais. Quando não é o estado de desemprego que assola a sociedade brasileira – segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2022), no 3º trimestre de 2022, havia 9,5 milhões de desempregados–, é o trabalho precarizado. Ainda, na medida que o trabalhador vai envelhecendo a dificuldade em se realocar no mercado de trabalho aumenta, ponto que também é considerado no momento de qualquer tomada de decisão pelo trabalhador. Necessário a construção de um meio ambiente de trabalho que promova o bem-estar dos empregados em suas relações interpessoais, independentemente se estão ocupando o mesmo espaço físico ou não.
A busca de um estado de bem-estar deve ser incessante ao ponto de transmitir, ao trabalhador, o sentimento de pertencimento à sociedade e não apenas como um indivíduo que trabalha. Pensa-se, em saúde mental, conforme os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), num bem-estar emocional, psicológico e social de um indivíduo ou grupo (DeCS, 2018). Na atualidade, a saúde mental é um tema contumaz em estudos que pouco se reflete na prática, pois devido a pressa da massa e a necessidade de renda das pessoas, se vive uma vida excessivamente de ativismo e esquecimento de si próprias. Compreendendo-se que um indivíduo com a psique desequilibrada não desenvolverá um bom trabalho, quiçá, se relacionar nos mais variados ambientes de seu círculo social, diferentemente de uma pessoa mais equilibrada e de bem-estar social emocional preservado que consegue corresponder a mudanças de clima organizacional como em qualquer outro ambiente havendo "sucesso" em seus relacionamentos notadamente os interpessoais. Nessa linha de desequilíbrio psíquico do trabalhador surge o denominado burnout conceituado pelos Descritores em Ciências da Saúde como sendo uma reação intensa ao estresse causada pelo ambiente que pode ser caracterizada por sensação de exaustão física e emocional, somados a uma sensação de frustração e fracasso (DeCS, 2018). Uma das principais causas do burnout é justamente o excesso de trabalho. Percebe-se, com uma certa recorrência dentro das empresas, funcionários exaustos, cansados, frustrados, que não se sentem realizados no trabalho, produzindo de forma insatisfatória suas funções. Atrela-se esse fenômeno, principalmente à sobrecarga de tarefas e muita cobrança sem um feedback (VASCONCELOS; MARANHÃO, 2021). Essa sobrecarga de tarefas e cobranças excessivas decorrem de uma percepção de aceleramento da sociedade moderna. Segundo Scottini (2016), os empregados da sociedade contemporânea são submetidos a metas empresariais que estão acima de suas capacidades e que aliado ao índice de desemprego crescente, causa-lhes angústias apresentando quadro de ansiedade, irritação, frustração, estresse e demais anomalias que podem, inclusive, evoluir para um quadro de doença psicossomática.
O sentimento do trabalhador de pertencimento à sociedade, sentindo-se contribuinte não só de seu desenvolvimento pessoal, profissional e familiar, mas também no desenvolvimento da região geográfica na qual esteja inserido, é o impulso para satisfação profissional e pessoal, transbordando um sentimento de realização pessoal, esse é o ponto crucial da essência humana. Ao privar o trabalhador desse sentimento está contribuindo para a progressão da frustração em patologia como, por exemplo, a depressão.
Nesse sentido Dejour e Bègue (2010) observam que a exclusão ou o fim do sentimento de pertencimento à comunidade formada, por exemplo, pelos profissionais de variados ofícios da construção civil provocaria reflexões, pelo operário, de todo o seu passado, até mesmo de sua biografia social e profissional e, por consequência, de sua própria identidade. Surge-se, aí, o risco de ele cair em depressão.
O trabalho proporciona o alcance de notoriedade e influência social, contribuindo com as pessoas a atenderem suas necessidades psicossociais do dia a dia, evidenciando sua geração de prazer e relação pessoal, sendo esta uma circunstância essencial da vida humana (VASCONCELOS; MARANHÃO, 2021).
A ideia que se pretende transmitir não é no sentido de o trabalhador não se atentar em desenvolver seus deveres com o devido empenho, ao contrário, evidencia-se, justamente o excesso e seus reflexos no adoecimento no ambiente laboral, cujos resultados são negativos tanto para o trabalhador quanto para a empresa, pois desenrolar-se-á o risco de ter uma rotatividade maior de seus funcionários. Pois, conforme Jean de Givry externou, é necessário a realização de um trabalho que respeite a vida e a saúde do trabalhador, deixando-lhe tempo disponível para seu descanso e lazer, possibilitando-lhe servir a sociedade e, consequentemente, valorizar-se, desenvolvendo, dessa maneira, suas capacidades pessoais (apud MELO, 2005).
3. Preservação da saúde mental no meio ambiente do trabalho
Atribui-se para a empresa a responsabilidade pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador (BRASIL, 1991). É importante fazer uma análise extensiva, pois ao se falar em segurança da saúde do trabalhador fala-se, também, em meio ambiente do trabalho seguro. Este último, principalmente agora onde se tem uma alta no teletrabalho, está intrinsicamente ligado a jornada de trabalho, àquela denominada de jornada ordinária do trabalho, a qual é tutelada pela Constituição de 1988, definindo-se que a duração do trabalho normal é aquele exercido de forma não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais. Há um motivo para essa limitação temporal ter sido imposta e um deles é justamente a preservação da saúde do trabalhador. Quando a empresa envia solicitações, requerimentos ou determinação, por intermédio dos meios tecnológicos, estão a violar o direito da jornada de trabalho limitada, bem como o direito à desconexão do trabalho do empregado, invadindo, em alguns casos, a esfera íntima do trabalhador.
Esses requerimentos extemporâneos surtem diversos efeitos negativos e de caráter financeiro para empresa de modo a surgir a possibilidade de se reconhecer o tempo de "trocas" de mensagens como uma jornada em que o trabalhador, no mínimo, esteve à disposição da empresa, emergindo a possibilidade de pagamento de horas extras. Porém, a teoria monetarista adotada pela legislação trabalhista não é suficiente para reparar a saúde do trabalhador, sendo necessário que as intervenções entre as partes ocorram em momentos oportunos.
Analisando-se o meio ambiente do trabalho como um caráter jurídico do meio ambiente ecologicamente equilibrado, o qual é garantido pela Constituição da República de 1988[2], transmuta-se o status no reconhecimento de um meio ambiente do trabalho para o de direito fundamental.
Nesse sentido, ergue-se o meio ambiente como um direito humano de 3ª dimensão, ao ponto de se compreender que o estabelecimento de vínculo entre o homem, natureza e seu meio social transpassa em componente vital para a própria existência humana de forma que a sua inobservância tensionaria o equilíbrio levando a própria degradação da vida (BOBBIO, 2004).
Evidentemente que o Estado e a sociedade em geral possuem interesse que os meios ambientes laborais sejam sadios, livres de todos os tipos de assédios. Essa é uma característica do reconhecimento do meio ambiente como direito fundamental da 3ª geração. Pois, um meio ambiente do trabalho doente ocasiona reflexos para a sociedade como um todo, v.g., na ocorrência da sobrecarrega do sistema da previdência social que deverá pagar mais benefícios em decorrência dos adoecimentos dos trabalhadores.
E, como forma de orientar e estimular as empresas a tratarem sobre o tema, preservando o ambiente do trabalho e a saúde mental dos trabalhadores que o Foro Econômico Mundial e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) desenvolveram um guia onde se estabelecem uma série de medidas norteadoras para ser adotadas pelas empresas, dentre elas: (i) tomar consciência do entorno do trabalho e como se pode adaptar para promover uma melhora na saúde mental dos trabalhadores; (ii) compreender as motivações dos gestores e funcionários da organização que tomaram medidas; (iii) não reinventar a roda e olhar para medidas adotadas por outros empresas; (iv) avaliar as necessidades de cada trabalhador e as oportunidades de que dispõe, com o objetivo de desenvolver melhores políticas em matéria de saúde mental no meio ambiente do trabalho; (v) analisar quais são as fontes de apoio na qual os trabalhadores podem recorrer para obter ajuda (INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION, 2014).
Do ponto de vista da preservação da saúde, a detecção precoce, o apoio, a incorporação e readaptação nas intervenções em matéria de saúde mental devem estar em conformidade com uma estratégia integrada de saúde e bem-estar da empresa, objetivando-se o olhar para as partes interessadas na busca por concretizar as atividades de proteção, promoção e apoio. Com a possibilidade da origem de problemas relacionados a saúde mental entre as pessoas dos trabalhadores, se torna tangível a necessidade de implementar medidas protetivas para lidar com essa problemática. Enseja, dessa maneira, a necessária observância das legislações existentes já que elas protegem e velam pela segurança e saúde do trabalhador, devendo ser observadas por toda e qualquer empresa, pois a prevenção e a detecção precoce proporcionam o bem-estar emocional dos trabalhadores (CUSSÓ et at., 2022). Como medida de minimizar a problemática do adoecimento mental no ambiente do trabalho ocasionado pelos fatores já abordados anteriormente, Cussó et at. (2022), traz como estratégia de combate ao adoecimento, a proliferação da educação sobre a saúde mental no meio ambiente do trabalho, com o objetivo de proporcionar apoio e recursos ao trabalhador, estimulando uma melhora na produção do trabalho, possibilitando o aumento na sensação de satisfação laboral, gerando, como reflexo uma melhor aderência aos protocolos da empresa.
Pode-se considerar como necessário a adoção de medidas que visam apaziguar o meio laboral mantendo um diálogo aberto entre os empregadores e empregados de maneira que a exposição recíproca de ideias e sentimentos aumente a sensação de segurança e confiabilidade entre as partes.
A insegurança no emprego, a latente necessidade de possuir mais de um emprego, a insatisfação com as atividades desenvolvidas, pode gerar estresse profissional e colocar em risco a saúde dos trabalhadores. Não somente as interações no meio ambiente aliados as condições do trabalho são fatores psicossociais do trabalho, pode-se incluir as características individuais e familiares dos trabalhadores. Encontra-se incluídos no ambiente laboral a forma e os recursos de execução da atividade, sua organização e estruturação além das relações interpessoais, consequentemente, a ocorrência de qualquer desequilíbrio desses elementos que integram o meio ambiente do trabalho pode provocar dano à saúde do trabalhador. Contudo, uma doença mental não pode ser considerada por qualquer situação de estresse. Por exemplo, para fins previdenciários se adota, para o reconhecimento de doença, os critérios AMA (Associação Médica Americana) que são divididos em quatro áreas: (i) limitações em atividades da vida diária; (ii) exercícios de função social (consiste basicamente na capacidade de interação social); (iii) concentração, persistência e ritmo (consiste na capacidade de completar ou levar a cabo tarefas); e, (iv) deterioração ou descompensarão no trabalho (falhas repetidas na adaptação de situações estressantes). Surge-se, através da análise desses critérios, a compreensão sobre o estadiamento da disfunção mental que é dividido em cinco graus, onde o grau 1 não se constata alteração alguma e no grau 5 há incapacidade total das funções sociais úteis, o que resultará na aposentadoria por invalidez do trabalhador (FILHO, 2016).
Percebe-se que as alterações psicossociais retratadas até o presente momento, ocorridas no meio ambiente do trabalho, possui como um dos resultados o esgotamento pessoal do trabalho o que afetará todas as áreas da vida do trabalhador. Filho (2016) enfatiza que esses fatores estressantes ocasiona o desenvolvimento por parte do trabalhador do quadro de esgotamento profissional, acometendo-o, assim, da síndrome de burnout, está que teve o nexo de causalidade reconhecido como efeito de uma patologia laboral, já que passou a ser compreendida como uma síndrome oriunda da profissão, reconhecendo-a, portanto, como uma doença profissional.
Considera-se complexa a investigação da natureza dos transtornos mentais já que possuem diversos fatores originários que atuam de forma concomitante. Além disso, pode ocorrer o desencadeamento de outras doenças secundárias como, por exemplo, o alcoolismo. Frisa-se que o ambiente laboral é causa determinante para a saúde, seja em seu aspecto físico ou mental, aflorando-se a dualidade do trabalho: prazer e sofrimento. O trabalho é fonte de prazer e de contentamento desde que o trabalhador se adapte ao modo de organização e as condições específicas de execução de suas tarefas. Porém, quando não há essa adaptação o trabalho se torna um motivo de angústia e sofrimento. Consequentemente, para se manter no emprego o empregado buscará uma conduta de adaptação ao sofrimento, essa estratégia defensiva acaba por se tornar uma maneira de superação ao ponto de mantê-lo no limite suportável. O exemplo do trabalho das telefonistas se encaixa perfeitamente para exemplificar essa conduta de adaptação, pois diante da sua atividade estressante possui como estratégia finalizar as ligações o quanto antes, o que acarreta ter que atender mais ligações, logo quanto mais rápido se desliga o telefone, mais velozmente ele volta a tocar, o que, ironicamente, aumenta a sua produtividade. Partindo dessa premissa, quanto maior a utilização das estratégias defensivas do trabalhador, mais o empregador pode explorá-la, agravando a inadaptação ao trabalho e aumentando, por consequência, o sofrimento. Dessa forma, através de uma análise psicopatológica, afirma-se que a organização do trabalho e as condições laborais são capazes de originar transtornos psíquicos, tanto pela frustração inerente ao conteúdo significativo da tarefa ou ergonômico quanto em decorrência das estratégias defensivas e exploração delas por parte dos empregadores (SCOTTINI, 2016).
Conclusão
Conclui-se que a hiperconectividade dos trabalhadores possui um reflexo danoso à sua saúde, principalmente, quando há a extensão do ambiente laboral para o convívio familiar. Diagnosticou-se dois principais fatores que contribuem para a violação do direito à desconexão; de um lado, o chamamento realizado pela empresa em horários distintos da jornada ordinária, através de solicitações, requerimentos e busca por soluções de demanda interna que deverá ser realizado pelo empregado, agregado de uma postura exploratória por parte do empregador em decorrência da adoção da conduta defensiva pelo empregado; de outro, o empenho demasiado do próprio trabalhador em não conseguir distinguir o momento de trabalho e o momento pessoal de lazer, resultando num engajamento excessivo com a empresa, decorrente de uma latente necessidade de demonstração de resultados ou, ainda, pelo receio do desemprego.
Evidentemente que ao se tratar da hiperconectividade necessário que seja realizado um trabalho de conscientização através de políticas educacionais transmitidas nos ambientes laborais para que os trabalhadores tenham ciência das consequências graves para as suas saúdes de suas condutas.
Fato é que o excesso deve ser coibido e sentido tanto pela empresa quanto pelo empregado, e esse limite deverá ser dialogado para que o meio ambiente do trabalho continue harmonioso onde todos se beneficiem, o trabalhador com sua saúde preservada, o empregador com seu empregado atuante e produtivo, afastando-se ou, ao menos, mitigando-se os riscos de demandas judiciais que objetivam a reparação dos danos ambientais. Para isso, é imprescindível que a solução proposta no tópico anterior seja colocada em prática por todos os envolvidos, notadamente pelas empresas e pelos empregados.
A política de diálogo entre as partes envolvidas na relação de emprego é desejável para que se compreenda e se transmita, aos trabalhadores, os passos que a empresa busca percorrer, o que provocará uma sensação de apaziguamento, por exemplo, quanto as preocupações de desemprego. Pode-se aparentar, em primeiro momento, que esse diálogo seja algo ineficaz ou insignificante, porém transmitirá a sensação de pertencimento ao trabalhador que, atrelado com o seu reconhecimento e contribuição para seu desenvolvimento profissional e pessoal, contribuirá para a existência de um meio ambiente do trabalho harmônico e, consequentemente, saudável.
Portanto, compreendendo que o direito ao meio ambiente ecologicamente saudável faz parte da 3ª geração de direitos fundamentais, a observância da empresa pelas boas práticas de convivência, zelando pela integridade física e psicológica de maneira que contribua com a instrução dos trabalhadores sobre sua conduta, afasta ou pelo menos mitiga a probabilidade do adoecimento no meio ambiente do trabalho. Tal observância é desejável para a conduta de quem se almeja proporcionar retorno positivo para a sociedade, ao ponto de se considerar cumprido o desempenho da função social empresarial.
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Advogado. Possui graduação em Direito pela Universidade de Cuiabá/MT. Mestrando em Direito da Empresa e dos Negócios pela UNISINOS/RS. Pós-graduado em Direito Processual pela PUC/Minas. Pós-graduado em Prática Trabalhista Avançada com capacitação para o Ensino no Magistério pelo Instituto Damásio de Direito - IBMEC/SP. Pós-graduado em Direitos Humanos e Constitucional, Direito do Trabalho e Direito Previdenciário pelo Ius Gentium Conimbrigae/Universidade de Coimbra/PT. Cofundador do escritório Bazzi Advogados. Site: www.bazziadvogados.com.br. E-mail: [email protected]
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