FÁBIO ARAÚJO SILVA[1]
(orientador)
RESUMO: A Constituição Federal assegura que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental essencial para a dignidade humana, assim também reconhecido pelos Tratados Internacionais, fato que ensejou a criação de Leis voltadas para sua preservação e uso sustentável. Dentre os mecanismos legais de proteção, tais como políticas públicas de conscientização, normas que regulamentam o uso de recursos naturais e criação de crimes ambientais, merece destaque a implantação de Unidades de Conservação, entendidas como áreas territoriais que são regidas pelo Poder Público em razão de sua relevância para o equilíbrio do meio ambiente. Disciplinada pela Lei que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) – Lei 9.935/2000, as unidades de conservação podem ser instituídas em áreas de propriedade pública ou privadas. Assim sendo, a pesquisa objetiva discutir acerca da desapropriação de bens para fins de implantação de unidades de conservação. Por meio de pesquisa pautada em material bibliográfico, de natureza descritiva exploratória, o estudo pretende solucionar o questionamento sobre ser justificável ou não a desapropriação para fins de implantação dessas unidades, demonstrando quais as garantias e reparações são concedidas ao proprietário que teve sua área desapropriada para fim de preservação ou uso sustentável de recursos naturais.
Palavras-chave: Meio ambiente, Equilíbrio ecológico Unidades de Conservação. SNUC. Poder Público. Desapropriação.
ABSTRACT: The Federal Constitution ensures that the ecologically balanced environment is a fundamental right essential for human dignity, as well as recognized by International Treaties, a fact that gave rise to the creation of Laws aimed at its preservation and sustainable use. Among the legal protection mechanisms, such as public awareness policies, norms that regulate the use of natural resources and the creation of environmental crimes, it is worth mentioning the implementation of Conservation Units, understood as territorial areas that are governed by the Public Power due to its relevance to the balance of the environment. Disciplined by the Law that established the National System of Nature Conservation Units (SNUC) – Law 9.935/2000, conservation units can be established in areas of public or private property. Therefore, the research aims to discuss about the expropriation of assets for the purpose of implementing conservation units. Through research based on bibliographical material, of an exploratory descriptive nature, the study intends to solve the question about whether expropriation is justifiable or not for the purpose of implementing these units, demonstrating what guarantees and reparations are granted to the owner who had his area expropriated for purpose of preservation or sustainable use of natural resources.
Keywords: Balanced environment. Conservation units. SNUC. Public Power. Expropriation.
Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento. 2.1 Unidades de Conservação segundo a Lei nº 9.985 de julho de 2000. 2.2 Classificação das Unidades de Conservação. 2.3 Aspectos gerais da desapropriação. 2.4 Desapropriação de áreas com a finalidade de transformação em Unidade de Conservação Ambiental. 2.5 O direito à indenização em razão da desapropriação para criação de Unidade de Conservação. 3. Considerações finais. Referências.
1 INTRODUÇÃO
Diante dos desastres ambientais recentes, que podem ter origem natural como também podem ser resultado do desequilíbrio ambiental decorrente do uso indiscriminado e irresponsável do ser humano na busca pelo crescimento econômico, é patente a preocupação do ordenamento jurídico com a preservação do meio Ambiente e a necessidade de se garantir que no futuro ele se mantenha ecologicamente equilibrado, não apenas para as presentes mas também para as futuras gerações.
Seja por questões relativas ao ecossistema, ao clima ou à extinção de vários animais, o meio ambiente é um direito humano e fundamental assegurado pela Constituição Federal e pelas normas internacionais de que o Brasil é signatário. Por isso o Estado prevê meios efetivos de assegurar esse direito.
Assim sendo, existem políticas públicas e mecanismos legais que impedem a degradação da fauna e da flora brasileira, dentre elas a implantação de unidades de conservação ambiental.
Previstas na Lei 9.985/2000 que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), as unidades de conservação são áreas territoriais com relevância ambiental que são instituídas pelo Poder Público com o propósito de preservar o ambiente ecológico e impedir que venha a ser degradado pela sua utilização indevida e que são divididas em dois grupos: as unidades de proteção integral e as unidades de Uso Sustentável.
Uma das ferramentas legais concedidas ao Poder Público para implantação dessas unidades de conservação é a possibilidade de se desapropriar uma propriedade privada para assegurar que suas características naturais não sejam alteradas pela ação do ser humano.
Por ser tema de relevância jurídica e social, que é a necessidade de se proteger o meio ambiente, sua fauna e flora, essenciais para a vida de todo ser vivo, a pesquisa tem o propósito de discorrer sobre o aspecto jurídico da desapropriação de bens para fins de implantação de unidade de conservação ambiental.
Deste modo, a pesquisa irá dar conceito às unidades de conservação ambiental e seus objetivos para em seguida discorrer acerca da desapropriação da propriedade com o propósito de implantar uma unidade de conservação e da reparação dada pelo Poder Público ao antigo dono da terra desapropriada.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 Unidades de Conservação segundo a Lei nº 9.985 de julho de 2000
Antes de discutir os aspectos jurídicos da desapropriação é de crucial importância discorrer acerca das unidades de conservação objeto deste estudo, que estão regulamentadas no direito brasileiro por intermédio da Lei nº 9.985, sancionada em 18 de julho do ano 2000.
Esta Lei foi criada com o propósito de tornar efetivo o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado previsto no artigo 225 da Constituição Federal, e criar mecanismos para atender às incumbências do Poder Público disciplinadas no parágrafo 1º, incisos I, II, III e VII do mencionado artigo.
Dando cumprimento a determinação constitucional, esta normativa instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), que consiste em um agrupamento de todas as unidades de conservação, sejam elas municipais estaduais ou federais, com objetivos traçados no artigo 4º da Lei. São eles:
- Contribuir para a conservação das variedades de espécies biológicas e dos recursos genéticos no território nacional e nas águas jurisdicionais;
- Proteger as espécies ameaçadas de extinção;
- Contribuir para a preservação e a restauração da diversidade de ecossistemas naturais;
- Promover o desenvolvimento sustentável a partir dos recursos naturais;
- Promover a utilização dos princípios e práticas de conservação da natureza no processo de desenvolvimento;
- Proteger paisagens naturais e pouco alteradas de notável beleza cênica;
- Proteger as características relevantes de natureza geológica, morfológica, geomorfológica, espeleológica, arqueológica, paleontológica e cultural;
- Recuperar ou restaurar ecossistemas degradados;
- Proporcionar meio e incentivos para atividades de pesquisa científica, estudos e monitoramento ambiental;
- Valorizar econômica e socialmente a diversidade biológica;
- Favorecer condições e promover a educação e a interpretação ambiental e a recreação em contato com a natureza; e
- Proteger os recursos naturais necessários à subsistência de populações tradicionais, respeitando e valorizando seu conhecimento e sua cultura e promovendo-as social e economicamente (MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE, 2023).
Portanto, o SNUC consiste em um conjunto de objetivos e regras voltadas para a criação, proteção e implantação de unidades de conservação voltadas para a preservação do meio ambiente brasileiro. Esse sistema é o meio de gerir de forma organizada todas as unidades de conservação, para que elas atendam ao fim a que se destinam.
As Unidades de Conservação aqui estudadas tem definição legal contida no inciso I do artigo 2º da referida lei, como sendo:
espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção; (BRASIL, 2000).
Essas unidades de conservação ambiental são, portanto, um espaço ambiental que por ter relevância para o equilíbrio ambiental, são geridos pelo Poder Público.
Uma vez conceituado esse instituto, passemos agora à sua classificação.
2.2 Classificação das Unidades de Conservação
As unidades de conservação previstas na Lei nº 9.985/2000 são variadas, as quais se dividem inicialmente em dois grandes grupos: as unidades de proteção integral e as unidades de uso sustentável. Elas se distinguem quanto aos seus objetivos, conforme comenta Terence Trennepohl:
As unidades de conservação que compõem o SNUC estão divididas em dois grupos, Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso Sustentável, de acordo com o uso que pode ser feito dos seus recursos naturais. O primeiro deles, Unidades de Proteção Integral, têm como objetivo básico a preservação da natureza e é admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais. O objetivo básico das Unidades de Uso Sustentável é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais, sendo, então, permitido o uso direto de seus recursos (TRENNEPOHL, 2020, p. 451).
De acordo com o artigo 8º da Lei do SNUC são unidades de proteção integral: Estação Ecológica, voltada para a realização de pesquisas científicas; Reserva biológica, que objetiva preservar integralmente a biota; Parque nacional, que busca preservar ecossistemas naturais ecologicamente relevantes; Monumento natural, voltado à preservação de sítios naturais raros; e o Refugio de vida silvestre, que protege ambientes que reproduzem a fauna e a flora (TRENNEPOHL, 2020). Apesar de possuírem características distintas, todas essas unidades admitem apenas o uso indireto de seus recursos naturais.
Por sua vez, são unidades de uso sustentável previstas no artigo 14 e seguintes da Lei. São elas:
I - Área de Proteção Ambiental;
II - Área de Relevante Interesse Ecológico;
III - Floresta Nacional;
IV - Reserva Extrativista;
V - Reserva de Fauna;
VI – Reserva de Desenvolvimento Sustentável; e
VII - Reserva Particular do Patrimônio Natural (BRASIL, 2000).
Essas unidades de uso sustentável são fixadas a depender do objetivo a que se destina a conservação da natureza, admitindo o proveito de uma parcela de determinado recurso natural desde que usado de forma sustentável. A forma de implantação e utilização de cada uma das unidades de uso sustentável estão previstas/descritas nos artigos 15 a 21 da Lei 9.985/2000.
Assim sendo, a depender do recurso natural a ser protegido pode ser implantada uma Unidade de Conservação Ambiental, que pode ser tanto de proteção integral ou de uso sustentável.
As Unidades de Conservação são instituídas pelo Poder Público, por meio de decreto ou de lei, cuja desafetação ou diminuição de seu limite territorial somente poderá ocorrer por meio de uma Lei específica (BRASIL, 2000).
A sua criação não deve ocorrer de forma indiscriminada, apenas pela função política do Poder Público, conforme explica Terence Trennepohl:
A criação de uma unidade de conservação deve ser precedida de estudos técnicos e de consulta pública, com o fornecimento de informações adequadas à população local e às partes interessadas, que permitam identificar a localização, a dimensão e os limites mais adequados para a unidade. Essa consulta pública não é necessária para a criação de Estação Ecológica ou Reserva Biológica (TRENNEPOHL, 2020, p. 171).
Uma vez que o fator central para a sua implantação é a proteção de uma área ambiental de relevância para o equilíbrio do meio ambiente, as unidades de conservação podem ser instituídas em propriedades públicas ou privadas, sendo admitida inclusive a desapropriação de áreas particulares.
2.3 Aspectos gerais da Desapropriação
A desapropriação é um instituto jurídico admitido pelo Ordenamento Jurídico brasileiro previsto no artigo 5º, inciso XXIV da Constituição Federal nos seguintes moldes:
XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição; (BRASIL, 1988).
Portanto, a desapropriação é uma das formas de perda de propriedade previstas no artigo 1.275 do Código Civil, que consiste em um “procedimento de direito público mediante o qual o Estado, ou quem a lei autorize, retira coercitivamente a propriedade de terceiro e a transfere para sim – ou, excepcionalmente para outras entidades” (ALEXANDRINO e PAULO, 2017, p. 1133).
Suas características são elencadas por Odete Medauar nos seguintes termos:
a) é uma figura jurídica que expressa a face autoridade da Administração, acarretando limitação ao caráter perpétuo do direito de propriedade; b) tem como resultado a retirada de um bem do patrimônio do seu proprietário; c) tem por fim o atendimento do interesse público, visando a um resultado benéfico a toda a coletividade; d) em troca do vínculo de domínio, o proprietário recebe uma indenização (MEDAUAR, 2018, p. 348).
Ela tem início através de um procedimento administrativo em que o Poder Público reconhece seu interesse sobre a área desapropriada e, em casos de concordância com o antigo proprietário, encerra-se ainda na via administrativa. Quando não há acordo o processo de desapropriação se dá por via judicial, cuja celeuma é solucionada pelo Magistrado.
As hipóteses legais de desapropriação de uma propriedade privada estão previstas no artigo 1.228, parágrafo terceiro, do Código Civil que determina:
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
[...]
§ 3 o O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente (BRASIL, 2002).
São, portanto, pressupostos para a desapropriação de um bem móvel ou imóvel privado é a utilidade ou necessidade pública ou o interesse social.
2.4 Desapropriação de Áreas com a finalidade de transformação em Unidade de Conservação Ambiental
Tendo em vista as hipóteses legais que permite ao Poder Público desapropriar um bem particular, não existe óbice legal à desapropriação para fins de implantação de uma unidade de conservação ambiental, seja ela de proteção integral ou de uso sustentável do recurso natural.
Nesse caso, a desapropriação se encaixa na modalidade utilidade pública, que segundo Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo “é caracterizada em hipóteses nas quais a desapropriação do bem atende a mera conveniência do Poder Público sem ser imprescindível” (ALEXANDRINO E PAULO, 2017, p. 1.134).
Deste modo, a desapropriação para implantação das Unidades de Conservação está prevista e regulamentada pelo Decreto-lei nº 3.365/1941, normativa que dispõe sobre as desapropriações por utilidade pública e se adequa a hipótese prevista no inciso K do artigo 5º, que assevera:
Art. 5º Consideram-se casos de utilidade pública:
k) a preservação e conservação dos monumentos históricos e artísticos, isolados ou integrados em conjuntos urbanos ou rurais, bem como as medidas necessárias a manter-lhes e realçar-lhes os aspectos mais valiosos ou característicos e, ainda, a proteção de paisagens e locais particularmente dotados pela natureza; (BRASIL, 1941).
Ou seja, quando há necessidade de se instituir uma Unidade de Conservação de uma área particular e esta área não é doada pelo proprietário ao poder público, pode o Estado realizar a sua desapropriação na modalidade utilidade pública (AMADO, 2014).
Todavia, por se tratar de uma medida drástica que enseja a perda da propriedade, a desapropriação de áreas particulares para fins de implementar uma unidade de conservação ambiental somente deve ocorrer quando demonstrada a incompatibilidade total entre a proteção do meio ambiente e o uso do particular, caso contrário não será justificável a desapropriação do imóvel. Nesse sentido é o Aresto proferido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO - APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO AMBIENTAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - PROTEÇÃO - UNIDADES DE CONSERVAÇÃO AMBIENTAL - ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL - REFÚGIO DE VIDA SILVESTRE - LEI 9985/2000 - PLANO DE MANEJO - MEDIDA JÁ EM ESTUDO - REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA - DESAPROPRIAÇÃO - DESNECESSIDADE - ADOÇÃO DE MEDIDAS DE COEXISTÊNCIA - CONSELHO DO MOSAICO - REGIMENTO INTERNO - OBRIGATORIEDADE - ART. 4º, I DA LEI 44.518/2007 - SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA - A Constituição Federal de 1988 veio para reforçar a necessidade da preservação ambiental, prevendo que "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações" - Os planos de manejo da APA São José e REVS Libélulas da Serra São José estão previstos para o ano de 2019, como parte do Plano de Ação enviado ao Tribunal de Contas Estadual, em resposta a Auditoria Operacional realizada para cumprimento de acórdão do processo TCE nº 872.163, que analisou a criação, implantação e gestão das Unidades de Conservação de Proteção Integral - UCPI - A desapropriação apenas se mostraria necessária se restasse demonstrada a incompatibilidade entre os objetivos da área protegida e as atividades privadas ali exercidas ou o desrespeito dos proprietários às condições propostas pelos órgãos responsáveis, nos termos do art. Art. 13, § 2º da Lei 9985/200 - O Regimento Interno do Mosaico, composto pelas Unidades de Conservação APA São José, REVS Libélulas da Serra de São José e Área de Proteção Especial Serra São José, trata-se de medida prevista no art. 4º, I da Lei 44.518/2007. (TJ-MG - AC: 10625140055041001 São João del-Rei, Relator: Dárcio Lopardi Mendes, Data de Julgamento: 03/05/2018, Câmaras Cíveis / 4ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 08/05/2018).
Nessa modalidade de desapropriação é exigida pelo Decreto-lei 3.365/1941 que seja feito, por meio de decreto do Prefeito, Governador ou Presidente, uma declaração de utilidade pública, a qual caducará no prazo de 5 anos caso não seja efetivada a desapropriação pelo Poder Público.
Além disso, a desapropriação pode ensejar para o particular que perdeu a propriedade do bem o direito ao recebimento de uma indenização, a ser fixado nos moldes seguintes.
2.5 O Direito à indenização em razão da Desapropriação para criação de Unidade de Conservação
Ao admitir a perda da propriedade pela desapropriação o inciso XXIV do artigo 5º da Constituição Federal determina expressamente que o procedimento acontece mediante justa e prévia indenização ao proprietário.
Odete Medauar tece os seguintes comentários acerca desses requisitos constitucionais:
A Constituição Federal, ao possibilitar a desapropriação, exige indenização justa e prévia em dinheiro, salvo disciplina diversa prevista na própria Constituição Federal, como ocorre na desapropriação para fins de reforma agrária. O requisito “justa” diz respeito, em primeiro lugar, ao valor do bem expropriado, que deve corresponder ao valor real do bem. Vários aspectos são considerados pelos peritos avaliadores para se fixar tal valor – isso quer dizer que o bem não há de ser nem subavaliado, nem superavaliado, pois nesses dois casos o requisito constitucional estaria desatendido. Em segundo lugar, a indenização justa supõe o ressarcimento de todos os prejuízos financeiros arcados pelo expropriado em virtude da expropriação. (MEDAUAR, 2018, p. 351).
Portanto, é admitida e devida a indenização pela desapropriação por instituição de Unidades de Conservação ambiental, a qual deve ser fixada com base na época em que o Laudo Pericial foi realizado no local desapropriado, e não com base na época em que foi publicado o Decreto de expropriação. Nesse sentido é a interpretação do STJ sobre a matéria:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE SEGUIMENTO. OMISSÃO. AUSÊNCIA. DESAPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA. INDENIZAÇÃO. VALOR CONTEMPORÂNEO À AVALIAÇÃO JUDICIAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Não há violação do art. 535 do CPC quando ausentes, no julgado, omissão, contradição e/ou obscuridade. 2. O valor da indenização por desapropriação deve ser contemporâneo à avaliação judicial do bem, independentemente da data do decreto expropriatório, da imissão na posse ou de sua vistoria administrativa. 3. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no REsp: 1286479 PE 2011/0243657-3, Relator: Ministro OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), Data de Julgamento: 23/06/2015, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/08/2015).
Ainda segundo entendimento do STJ, é admitida a atualização monetária do valor nas hipóteses em que transcorrer lapso temporal entre a avaliação do bem e o adimplemento da obrigação. Nesse sentido é a decisão proferida em sede de Recurso Especial julgado pelo referido órgão Superior:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE. DESAPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA. DUPLICAÇÃO DE RODOVIA FEDERAL. VALOR INDENIZATÓRIO. CONTEMPORANEIDADE. AVALIAÇÃO DA PERÍCIA JUDICIAL. TERMO INICIAL DA CORREÇÃO MONETÁRIA. LAUDO PERICIAL. INAPLICAÇÃO. MOMENTO INDENIZATÓRIO DISTINTO. 1. Como regra, o predicado da contemporaneidade da indenização por desapropriação deve observar o momento da avaliação judicial do perito, sendo desimportante a data do decreto de utilidade pública ou a data da imissão na posse. 2. No entanto, o órgão julgador pode, em razão de particularidades do caso concreto, e imbuído de persuasão racional, concluir que o atendimento da justeza da indenização implica a adoção de critério distinto, como, por exemplo, os mencionados anteriormente, isso sendo comum e aceitável em situações nas quais há um lapso razoável entre a imissão e a avaliação pericial, bem como uma valorização imobiliária exorbitante. Precedentes. 3. Não é essa, contudo, a hipótese dos autos, firmada a premissa de que o perito judicial refutou a ocorrência de valorização imobiliária decorrente das obras edificadas a partir da desapropriação. 4. A correção monetária tem como finalidade a preservação do valor da moeda, a recomposição do valor do capital depreciado pelo transcurso do tempo. Assim, portanto, justifica-se que o valor indenizatório, quando apurado a partir do laudo pericial, seja corrigido monetariamente a partir do momento em que essa aquilatação é feita, ou seja, corrige-se monetariamente o valor indenizatório apurado pelo laudo pericial desde quando este foi elaborado. 5. Indevida, portanto, nessas circunstâncias a estipulação da correção monetária com base no laudo administrativo elaborado em momento anterior, contemporâneo com o ato de desapropriação ou com a data da imissão na posse. 6. Em desapropriação, o termo inicial da correção monetária deve ser sempre o da avaliação do imóvel: se feita com base no laudo pericial, então deste correrá; se, do contrário, avaliado em consideração à data da imissão na posse, devida a correção desde então. 7. Recurso especial provido parcialmente. (STJ - REsp: 1672191 SE 2017/0112843-1, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 22/08/2017, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/08/2017).
Portanto, considerando os aspectos jurídicos acerca do tema, o que se conclui após o estudo realizado é que a lei permite a desapropriação para fins de instituir unidades de conservação e que os principais efeitos dessa medida do Poder Público é a perda da propriedade após procedimento administrativo em que se comprova a utilidade pública da medida após realizado um estudo técnico na área, com consulta pública, assegurando ao particular o direito ao recebimento de indenização fixada a partir de avaliação realizada no imóvel.
Essa medida, apesar de extrema, é justificável haja vista que objetiva proteger e preservar o meio ambiente, bem jurídico de relevância monumental para toda a sociedade, que deve sempre ser observado pelo Estado a fim de impedir a sua degradação.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental assegurado pela Constituição Federal de 1988 que deve ser protegido pelo Estado através de políticas públicas que garantam sua preservação para as presentes e futuras gerações. Isto posto, compete ao Poder Público criar mecanismos para regulamentar o uso sustentável das áreas verdes a fim de resguardar os recursos naturais e impedir o desequilíbrio ambiental, que causa a extinção de animais silvestres e a ocorrência de variados desastres ambientais.
Dentre os instrumentos legais existentes no ordenamento merecem destaque as Unidades de Conservação disciplinadas pela Lei nº 9.985/2000 – Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. Instituídas para assegurar a proteção integral e o uso sustentável de áreas de relevância ambiental, as Unidades de Conservação cumprem um papel fundamental no direito ambiental brasileiro.
Conforme estudo realizado ao longo desta pesquisa bibliográfica, as unidades de conservação são instituídas pelo Poder Público sobre qualquer área, seja ela pública ou privada. Quando recair sobre a propriedade privada e for inviável sua manutenção sob o domínio de particular, é admitida a desapropriação por utilidade pública nos termos do que dispõe o Decreto-Lei nº 3.365/1941.
Contudo, por ser a propriedade direito fundamental previsto no artigo 5º da CF/88, a sua perda pela desapropriação para institui Unidade de Conservação somente deve ocorrer após realizada a declaração de utilidade pública acompanhada de estudo técnico, consulta pública e da indenização ao antigo proprietário.
Diante do estudo realizado, o que se conclui é que ordenamento jurídico tem uma preocupação tamanha com a preservação e conservação do meio ambiente ao ponto de admitir a adoção de medidas extremas para assegurar a proteção aos recursos ambientais, ainda que para isso seja necessário desapropriar bens particulares para que o meio ambiente seja preservado de forma integral ou tenha seu uso limitado a sua sustentabilidade. Isto é, a Carta Magna de 1988 determina ser dever do proprietário usar os recursos ambientais segundo as normas ambientais e concede ao Poder Público o direito de desapropriar as terras em que estas determinações legais não são atendidas, a fim de tornar efetiva a proteção ao meio ambiente através da implantação de Unidades de Conservação ambiental.
REFERÊNCIAS
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. – 25. ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017.
AMADO, Frederico Augusto Di Trindade. Direito ambiental esquematizado. – 5.ª ed. – Rio de Janeiro: Forense ; São Paulo : MÉTODO, 2014.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 27 fev. 2022.
_______. Decreto-lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941. Dispõe sobre desapropriações por utilidade pública. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3365.htm>. Acesso em: 06 mar. 2023.
_______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em: 05 mar. 2023.
_______. Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9985.htm>. Acesso em: 27 fev. 2022.
_______. Superior Tribunal de Justiça – STJ. Agravo Regimental em Recurso Especial. AgRg no REsp: 1286479 PE 2011/0243657-3, Relator: Ministro OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), Data de Julgamento: 23/06/2015, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/08/2015. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/857131319>. Acesso em: 07 mar. 2023.
_______. Superior Tribunal de Justiça – STJ. Recurso Especial. REsp: 1672191 SE 2017/0112843-1, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 22/08/2017, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/08/2017. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/860676638>. Acesso em: 08 mar. 2023.
_______. Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJ-MG – Apelação Cível - AC: 10625140055041001 São João del-Rei, Relator: Dárcio Lopardi Mendes, Data de Julgamento: 03/05/2018, Câmaras Cíveis / 4ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 08/05/2018. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-mg/938053073>. Acesso em: 07 mar. 2023.
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 21. Ed. – Belo Horizonte: Fórum, 2018.
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC. Ministério do Meio Ambiente (MMA), 2023. Disponível em: <https://antigo.mma.gov.br/areas-protegidas/unidades-de-conservacao/sistema-nacional-de-ucs-snuc.html>. Acesso em: 28 fev. 2023.
TRENNEPOHL, Terence. Manual de direito ambiental. – 8. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2020.
[1] Professor Orientador do curso de Direito do Centro Universitário UnirG. Gurupi – TO. E-mail: [email protected], pós graduado em direito ambiental e agrário, mestre em produção vegetal.
Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário UnirG. Gurupi – TO
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, SAMARA MOREIRA. Aspecto jurídico da desapropriação de bens para fins de implantação de unidade de conservação ambiental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 maio 2023, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/61373/aspecto-jurdico-da-desapropriao-de-bens-para-fins-de-implantao-de-unidade-de-conservao-ambiental. Acesso em: 24 nov 2024.
Por: gabriel de moraes sousa
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