Resumo: A evolução da doutrina acerca da força normativa dos princípios faz ainda mais relevante a necessidade de conhecimento e estudo acerca não só dos princípios gerais de direito, mas também dos princípios específicos de cada ciência jurídica. Os princípios basilares do Direito do Trabalho se prestam a conferir igualdade material às partes da relação de emprego, dado que de um lado tem-se o trabalhador, hipossuficiente, e de outro o empregador, detentor do poder empregatício. Nesse sentido, a correta aplicação e invocação de tais postulados é capaz de conferir coesão ao ordenamento jurídico justrabalhista, bem como justificar sua incidência. A breve análise realizada neste artigo visa conferir um panorama geral acerca dos princípios do Direito do Trabalho, sua aplicação e incidência.
Palavras-chave: princípios; direito do trabalho; aplicação; força normativa.
1. INTRODUÇÃO
Toda ciência jurídica autônoma possui regras, princípios e postulados próprios. Princípios são comandos genéricos, abstratos e inespecíficos, que indicam um modo, um como fazer, um padrão de conduta esperado pela sociedade em geral. Não é diferente com o Direito do Trabalho.
Os princípios, mais que pressupostos gerais advindos do senso comum, inspiradores do legislador e fundamentos para a criação de normas concretas, como traz a teoria positivista, são considerados atualmente, eles mesmos, espécies normativas, "pois as normas do sistema tanto podem revelar-se sob a forma de princípios como sob a sua forma de regras", conforme aduz CANOTILHO, 2000, p. 1160.
Possuem tríplice função, quais sejam: interpretativa, informativa e normativa. Segundo Renato Saraiva:
"Princípios são proposições genéricas que servem de fundamento e inspiração para o legislador na elaboração da norma positivada, atuando também como forma de integração da norma, suprindo as lacunas e omissões da lei, exercendo, ainda, importante função, operando como baliza orientadora na interpretação de determinado dispositivo pelo operador de Direito." (SARAIVA, 2011, p. 31)
Seja de que espécie for, a norma deve guardar observância aos princípios norteadores do sistema jurídico e social em geral, bem como daquele ramo específico, de caráter especial.
Diferentemente das normas, não há que se falar, num eventual conflito principiológico, em invalidade de algum dos conteúdos. Isso porque, se houver, em determinado caso concreto, a colisão entre dois ou mais princípios, aplicar-se-á aquele que mais se adequar à situação, sem que isso comprometa a aplicabilidade dos demais, podendo haver ainda a coexistência entre diversos princípios aplicáveis à espécie, observando-se sempre o balanceamento e a ponderação entre os princípios cabíveis no caso concreto sob as condições apresentadas.
Assim, ainda que se admita a existência de princípios gerais de Direito e princípios específicos do Direito do Trabalho, não há que se falar em contrariedade entre eles, uma vez que na aplicação concreta, deve o operador do Direito ponderar os institutos jurídicos existentes e fazê-los coexistir.
O Direito do Trabalho, como ramo autônomo do direito, possui um conjunto normativo próprio que é, como dito acima, composto de regras e princípios. No estudo específico dos princípios justrabalhistas, a classificação mais aceita hodiernamente é aquela que traz nove princípios específicos do Direito do Trabalho, quais sejam: princípio da proteção, da norma mais favorável, da condição mais benéfica, do in dubio pro operario, da indisponibilidade dos direitos trabalhistas, da continuidade da relação de emprego, da intangibilidade salarial, da inalterabilidade contratual lesiva e da primazia da realidade.
Vale ressaltar que Godinho destaca o princípio in dubio pro operario para uma análise mais detida no campo probatório e inclui no núcleo basilar o princípio da imperatividade das normas trabalhistas.
Nesse sentido, aduz Maurício Godinho Delgado:
"Toda a estrutura normativa do Direito Individual do Trabalho constrói-se a partir da constatação fática da diferenciação social, econômica e política básica entre os sujeitos da relação jurídica central desse remo jurídico específico. Em tal relação, o empregador age naturalmente como ser coletivo, isto é, um agente socioeconômico e político cujas ações - ainda que intraempresariais - têm a natural aptidão de produzir impacto na comunidade mais ampla.
Em contrapartida, no outro polo da relação inscreve-se um ser individual, consubstanciado no trabalhador que, como sujeito desse vínculo sociojurídico, não é capaz, isoladamente, de produzir, como regra, ações de impacto comunitário. Essa disparidade de posições na realidade concreta faz emergir um Direito Individual do Trabalho largamente protetivo, caracterizado por métodos, princípios e regras que buscam reequilibrar, juridicamente, a relação desigual vivenciada na prática cotidiana da relação de emprego.
(...)
Insistimos que tais princípios formam o núcleo justrabalhista basilar por, a um só tempo, não apenas incorporarem a essência da função teleológica do Direito do Trabalho, como por possuírem abrangência ampliada e generalizante ao conjunto desse ramo jurídico, tudo isso sem que se confrontem de maneira inconciliável com importantes princípios gerais, externos ao ramo jurídico especializado. O potencial vinculante, indutor e de generalização desses princípios sobre o conjunto do ramo jurídico especializado é, desse modo, mais forte e abrangente do que o característico aos demais princípios especiais do Direito Laboral." (DELGADO, 2012, p. 191-192)
2. PRINCÍPIOS ESPECÍFICOS DO DIREITO DO TRABALHO
2.1 Princípio da Proteção ou Princípio Protetivo ou Princípio Tuitivo ou Tutelar
O princípio da proteção é informador de todos os demais princípios trabalhistas, bem como de todo o sistema jurídico-normativo que envolve o direito do trabalho. Também denominado de princípio-mãe do direito laboral, busca proteger o trabalhador hipossuficiente, trazendo-o à condição de igualdade perante seu empregador.
Ao se tratar do princípio da proteção é obrigatório trazer à baila o nome do ilustre jurista uruguaio Américo Plá Rodriguez. Isso porque sua obra é hoje um clássico e grande referência ao se tratar do assunto em comento. Para ele, o significado deste corolário é o seguinte:
"O princípio de proteção se refere ao critério fundamental que orienta o Direito do Trabalho, pois este, ao invés de inspirar-se num propósito de igualdade, responde ao objetivo de estabelecer um amparo preferencial a uma das partes: o trabalhador.
Enquanto no direito comum uma constante preocupação parece assegurar a igualdade jurídica entre os contratantes, no Direito do Trabalho a preocupação central parece ser a de proteger uma das partes,com o objetivo de, mediante essa proteção, alcançar-se uma igualdade substancial e verdadeira entre as partes." (PLÁ RODRIGUEZ, 2000, p. 83)
Segundo Plá Rodriguez, o "princípio de proteção", no seu dizer, é autoexplicativo e traz em si a denominação conceito, já que encerra na palavra proteção seu real e principal sentido. Afinal, o que se vislumbra com o referido princípio é justamente proteger o trabalhador da situação de desigualdade material que se lhe impõe. É ele o princípio basilar e fundamental do sistema jurídico justrabalhista.
O princípio da proteção admite a desigualdade em favor de uma das partes, nesse caso a parte mais fraca na relação jurídica, qual seja, o trabalhador, a fim de promover a igualdade material, de condições práticas para manutenção da relação de trabalho sem que haja exploração do trabalhador. Revela sobremaneira o intervencionismo estatal, ao passo que se vê a imposição de normas advindas do Estado nas relações entre particulares, objetivando proteger o trabalhador hipossuficiente.
Note-se, portanto, que o princípio da proteção, embora se traduza numa desigualdade aparente, já que favorece uma das partes, não se presta a produzir desigualdades. Muito pelo contrário. A medida da desigualdade utilizada para proteger o empregado hipossuficiente é justamente a medida necessária para promover-lhe condições de igualdade perante o empregado. Vale dizer, é utilizar de desigualdade jurídica para levar a efeito a igualdade material entre os contratantes.
A doutrina majoritária aceita a teoria de Plá Rodriguez, afirmando que o princípio da proteção é gênero, do qual são espécies: o princípio da aplicação da norma mais favorável, do in dúbio pro operário e da condição mais benéfica, que serão estudados a seguir e contemplam o rol fundamental de princípios justrabalhistas. Tais desdobramentos levam o princípio tuitivo a ser aplicado, tanto no direito material do trabalho, como no direito processual.
É por força deste comando que se justificam normas mais protetivas aos obreiros, tais como por exemplo a regra do artigo 844 da CLT, que dá ao empregado a chance de repropor a ação no caso de falta injustificada deste, pois opera o simples arquivamento do processo, ao passo que a mesma falta do empregador reclamado conduz à revelia. Ou ainda, a gratuidade da justiça concedida, via de regra, ao empregado; Ou em outros casos, a necessidade de depósito recursal apenas para o empregador, entre outros.
Vale lembrar, no entanto, que diante da crise econômica mundial, o princípio da proteção tem sido mitigado, ainda que de maneira sutil, a fim de promover a empregabilidade, tão ameaçada nos tempos modernos. A própria Constituição Federal de 1988 trouxe em seu bojo medidas de flexibilização das normas trabalhistas, como por exemplo a redução do salário por força de acordo ou convenção coletiva, prevista no artigo 7◦, inciso VI da Carta Magna.
No entanto, não obstante o cenário de crise, como dito, a doutrina e a jurisprudência são cautelosas em dar espaço a tais medidas, uma vez que apenas aceitá-las pode gerar ofensa frontal à dignidade da pessoa do trabalhador e à própria razão de ser do Direito do Trabalho.
2.2 Princípio da Norma mais Favorável
O princípio da norma mais favorável é desdobramento do princípio da proteção, conforme afirma Plá Rodriguez, e se aplica quando da existência de mais de uma norma aplicável ao caso concreto, admitindo-se que seja levada em consideração aquela que mais beneficiar a figura do trabalhador, ainda que esteja em posição inferior na escala hierárquica das normas jurídicas, a chamada Pirâmide de Kelsen.
Observa-se que aqui existem duas ou mais normas em conflito e a escolha é entre uma delas. Tal escolha pode ser feita de acordo com três teorias: a teoria da acumulação, segundo a qual serão aplicados os regramentos mais favoráveis de casa norma, utilizando-se portanto de todas; a teoria do conglobamento, que prevê a aplicação da norma que fosse mais favorável em seu conjunto; e a teoria do conglobamento mitigado, que pressupõe o respeito ao critério da especialização, utilizando-se o conjunto de normas mais favorável em determinado assunto.
Vale frisar que este princípio encontra limitações quando a norma, ainda que mais favorável, contrariar a Constituição Federal ou violar dispositivo expresso em lei.
2.3 Princípio do in dúbio pro operário ou in dúbio pro misero
Também derivada do princípio da proteção, a regra in dúbio pro operário aplica-se quando, havendo duas ou mais interpretações possíveis para determinada regra justrabalhista, considerar-se-á aquela que for mais favorável ao trabalhador.
Observa-se que, diferentemente do que ocorre no princípio da norma mais favorável, onde existem duas ou mais normas a serem aplicadas, neste princípio há apenas um regramento, mas diversas interpretações plausíveis.
A doutrina majoritária defende a aplicação desse princípio apenas quando forem atendidos dois requisitos concomitantemente, quais sejam: a) haja razoável dúvida quanto ao alcance da norma legal e b) quando a interpretação aplicável não esteja em desconformidade com a vontade expressa do legislador.
Este princípio possui aplicação pacífica no Direito Material do Trabalho, mas sua aplicação no campo processual é bastante controvertida, já que grande parte da doutrina não admite seu uso naquela esfera.
Para Plá Rodriguez, esse princípio se aplica plenamente processo do trabalho, atingindo inclusive a fase de valoração probatória, visão essa que é afastada pela maioria da doutrina moderna, que entende, diversamente, que a regra in dúbio pro operário não se aplica no campo probatório, não abarcando assim o exame de fatos e provas na esfera processual, devendo, para tanto, ser observada a distribuição do ônus da prova segundo a regra geral, segundo a qual o autor deve provar o fato constitutivo de seu direito e o réu deve provar fato modificativo, extintivo ou impeditivo do direito do autor, conforme artigo 333 do Código de Processo Civil e artigo 818 da CLT[1].
2.4 Princípio da Condição Mais Benéfica
A condição mais benéfica implica em garantir ao trabalhador que as condições já estipuladas, desde que mais benéficas, sejam respeitadas por disposições posteriores, de modo que novos regramentos que tragam patamar protetivo menor só poderão ser aplicados aos novos contratos de trabalho, garantindo-se a condição mais benéfica àqueles anteriormente firmados.
A ilustre professora Vólia Bonfim Cassar, ao dissertar sobre este princípio aduz que:
"(...) Determina que toda circunstância mais vantajosa em que o empregado se encontrar habitualmente prevalecerá sobre a situação anterior, seja oriunda de lei, do contrato, regimento interno ou norma coletiva. Todo tratamento favorável ao trabalhador, concedido tacitamente e de modo habitual, prevalece, não podendo ser suprimido, porque incorporado ao patrimônio do trabalhador, como cláusula contratual tacitamente ajustada – art. 468 da CLT. Se concedido expressamente, o requisito da habitualidade é desnecessário, pois a benesse é cláusula contratual ajustada pelas partes, não podendo o empregador descumprir o pacto." (CASSAR, 2012, p. 187)
Cumpre observar ainda que não será possível invocar a aplicação do princípio da condição mais benéfica quando houver impedimento legal para a incorporação daquela condição ao contrato, como era o caso, por exemplo, dos benefícios ajustados em sede de Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho e Sentenças Normativas, que embora possam dar ao trabalhador condição mais benéfica que a atual, não se incorporam ao contrato, vigorando apenas e tão somente no prazo assinado, conforme dispunha a Súmula 277 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, também alterada recentemente.
2.5 Princípio da Indisponibilidade dos Direitos Trabalhistas ou da Indisponibilidade de Direitos ou da Inderrogabilidade
O Direito do Trabalho, seja no aspecto material ou processual, possui notório caráter protetivo e suas normas são todas permeadas de direitos especiais destinados ao trabalhador hipossuficiente. O princípio da indisponibilidade traz em seu escopo a garantia de observância desses direitos pela impossibilidade de disposição destes, ainda que com a anuência do trabalhador.
Reforça e fundamenta este corolário o fato de serem, as normas justrabalhistas, comandos imperativos, de ordem pública, e portanto, dotados de natureza cogente.
Para Ives Gandra da Silva Martins filho, "o princípio da irrenunciabilidade tem como um de seus fundamentos o princípio da indisponibilidade, vez que não haveria sentido o Estado através de seu ordenamento jurídico, proteger o empregado e este renunciar aos direitos que se prestam a sua própria proteção."
Assim, a irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas seria um mecanismo de garantia da aplicação do princípio da indisponibilidade, evitando fraudes e renúncias eivadas de vício. é exatamente por isso que a doutrina entende que o ato unilateral de renúncia ou mesmo os bilaterais, de acordo ou transação, serão tidos como inválidos, se estipularem condições menos favoráveis ao trabalhador.
Vale ressaltar que sobre a renúncia, o acordo e a transação no âmbito das relações de trabalho há bastante discussão na doutrina, cujas peculiaridades não serão aqui tratadas por não se adequarem ao objetivo do trabalho.
2.6 Princípio da Continuidade da Relação de Emprego
É função do Direito do Trabalho ser mecanismo de inserção social da pessoa do trabalhador, conferindo-lhe o necessário para que viva com dignidade. É sua característica ser um direito social, de efetivação dos direitos fundamentais, especialmente do respeito à dignidade da pessoa humana, à valorização do trabalho e à proteção da pessoa do trabalhador. Tais direitos fundamentais só poderão ser providos na relação de trabalho se esta se der de forma duradoura no tempo, conferindo segurança e estabilidade ao trabalhador.
Aduz o princípio da continuidade da relação de emprego que, uma vez iniciado o pacto laboral, presume-se pela continuidade deste no tempo, de modo que, no dizer de Godinho[2], ocorre a integração do trabalhador na estrutura e dinâmica empresariais, o que favorece não só ao empregado, que passa a ter estabilidade social e recebe investimentos do empregador, mas também ao próprio empregador, já que o empregado tende a oferecer um serviço de maior qualidade.
Ainda segundo o autor, "(...) apenas mediante tal permanência e integração é que a ordem justrabalhista poderia cumprir satisfatoriamente o objetivo teleológico do Direito do Trabalho, de assegurar melhores condições, sob a ótica obreira, de pactuação e gerenciamento da força de trabalho (...)."
O Tribunal Superior do Trabalho entende que o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado. Assim, quando houver negativa da prestação de serviços ou mesmo do despedimento, cabe ao empregador o ônus de provar[3].
Ainda por força desse princípio, tem-se que a regra no Direito do Trabalho, é que os contratos sejam firmados por prazo indeterminado, sendo os contratos a termo ou por prazo determinado a exceção, admissíveis somente nas hipóteses legalmente previstas. Ainda, é também com fundamento no princípio da continuidade da relação de emprego que a dispensa, quando sem justo motivo, se torna mais onerosa ao empregador.
2.7 Princípio da Intangibilidade Salarial
O princípio da intangibilidade salarial visa proteger o salário percebido pelo obreiro, tendo-se em vista o caráter alimentar da parcela recebida. Considerando que o trabalho é o meio de vida do trabalhador e sua contraprestação, que lhe oferece subsistência é a prestação pecuniária do salário, trataram a lei e a principiologia trabalhista de protegê-la, conferindo estabilidade econômica ao obreiro.
Este princípio abarca não apenas a proibição de descontos indevidos, não previstos em lei, mas também visa evitar abusos tais como a retenção do salário ou mesmo a compensação integral. É regra ampla, pois se impõe não só na relação entre empregado e empregador, mas também é oponível ao próprio Estado, tendo como exemplo a proibição de penhora dos créditos de salário.
Vale frisar que a proibição de redução salarial não se aplica genericamente, uma vez que a própria lei traz diversas hipóteses para desconto, como por exemplo, o pagamento de pensão alimentícia. No entanto, cumpre ao empregador proceder apenas àqueles descontos expressamente previstos na lei, se aplicáveis.
Embora a Carta Magna de 1988 tenha mitigado em parte este princípio, quando admitiu a redução do salário por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, ele ainda se reveste de plena força, uma vez que tal condição é admitida apenas em casos excepcionais e deve ser utilizada de forma restritiva, já que a regra é a irredutibilidade.
2.8 Princípio da Inalterabilidade Contratual Lesiva ou da Inalterabilidade Contratual in Pejus
Advindo do Direito Civil, com base no inalterabilidade dos contratos naquela esfera, em função da cláusula pacta sunt servanda, este princípio foi adaptado ao Direito do Trabalho e é claramente um desdobramento do princípio da proteção, uma vez que comunga do mesmo fundamento.
Aduz este princípio que não é possível alterar o contrato de trabalho quando isto importar me prejuízo ao trabalhador. Vale dizer, a inalterabilidade contratual só se opera quando a mudança pretendida cause ônus ao obreiro. Assim, o contrato de trabalho pode sim sofrer alterações, mas apenas aquelas que não contrariem esse princípio.
É cediço que o contrato de trabalho é pactuado entre as partes de forma relativamente livre, já que por força da gerência estatal nas relações justrabalhistas, os contratantes devem respeitar os direitos e garantias mínimos previstos em lei. Uma vez pactuado, o contrato só pode ser alterado para beneficiar o trabalhador ou para atender ao disposto na lei, sendo vedada, por força deste princípio, qualquer alteração, seja ela unilateral ou bilateral, que cause prejuízo ao obreiro, salvo as alterações expressamente permitidas em lei e aquelas inseridas no jus variandi, que não causam prejuízo real ao empregado.
São exemplos do jus variandi a mera alteração da nomenclatura do cargo que o empregado ocupa, ou ainda a mudança do horário de trabalho, desde que não seja alterado o turno nem a duração do labor, entre outros. Como alteração legal que causa prejuízo ao trabalhador, mas ainda assim é permitida, tem-se, por exemplo, a não aderência ao contrato de normas pactuadas em norma coletiva, pois estas, ainda que mais benéficas, duram apenas no tempo de vigência da norma, não sendo portanto, incorporadas ao contrato de trabalho.
2.9 Princípio da Primazia da Realidade ou Princípio do Contrato Realidade
O princípio da primazia da realidade traz a importância do fato sobre a forma. Vale dizer, prestigia a verdade real em detrimento da mera verdade formal. Significa que, ao analisar determinado ato, será necessário extrair a vontade real do agente e não apenas aquela exteriorizada, sob pena de serem deixados de lado todos os demais princípios.
Isso porque, dada a condição de hipossuficiente do empregado é perfeitamente compreensível que este emita uma declaração de vontade eivada de coação, e esta obviamente não corresponderá a seu real desejo. Uma vez identificada tal prática, deve ser considerada a vontade real do pactuado e não apenas a forma.
Este princípio se aplica inclusive gerando direitos e obrigação no curso do contrato de trabalho e não apenas na solução de eventual litígio trabalhista, uma vez que a prática habitual e reiterada de determinada prática se incorpora ao contrato, ainda que não esteja escrita neste e desde que não cause prejuízo ao obreiro.
Assim, não basta que haja um documento provando determinado fato; se houver prova de que a realidade do contrato era outra, ainda que o dito documento seja formalmente válido e perfeito, levar-se-á em consideração a verdade real, em detrimento da verdade meramente formal.
2.10 Princípio da Imperatividade das Normas Trabalhistas
Apesar do Direito do Trabalho constituir um ramo do Direito Privado, as normas que compõem esse sistema jurídico são dotadas de imperatividade. O princípio da imperatividade das normas trabalhistas preconiza que as normas trabalhistas são de natureza cogente, de modo que não é dado às partes optar ou não por cumpri-las.
Tal característica advém em parte da própria indisponibilidade dos direitos trabalhistas, distanciando-se das características contratuais civilistas, mais pautadas na autonomia da vontade e em normas dispositivas em sua grande parte.
Isso porque as normas trabalhistas destinam-se a assegurar ao trabalhador o "patamar civilizatório mínimo", de modo que constituem um núcleo intangível, sem o qual não é dado ao trabalhador viver com dignidade.
3. CONCLUSÃO
O estudo acerca dos princípios se mostra ainda mais importante na atualidade, já que reconhecida sua força normativa. A existência de princípios gerais de Direito não impede a existência de princípios específicos, inclusive quanto ao Direito do Trabalho. Inclusive porque se trata de disciplina própria, que se fundamenta em tais postulados, justificando assim a normativa correlata.
Nesse sentido, o princípio da Proteção se apresenta como basilar a todo o Direito do Trabalho, inspirando-o e fundamentando-o, forte na proteção do trabalhador, parte hipossuficiente da relação de emprego. Seja na aplicação da norma mais favorável, seja na escolha da condição mais benéfica, seja na aplicação do "in dubio pro perario", a proteção ao trabalhador se faz de modo a viabilizar a igualdade substancial, equiparando as partes da relação empregatícia e conferindo justiça à relação.
Desse mesmo modo, o princípio da primazia da realidade visa conferir aos fatos maior relevância que à forma, de modo a prevalecer a realidade contratual e não apenas a formalidade documental, o que se coaduna com a ideia de justiça.
Como princípios específicos do Direito Juslaboral despontam também o da Continuidade da Relação de emprego, conferindo presunção de manutenção do contrato, bem como da Indisponibilidade das normas justrabalhistas, dão inclusive seu caráter cogente, no que se apóia o princípio da Imperatividade.
Ainda, imperioso destacar a incidência do princípio da intangibilidade salarial, que protege a verba mais salutar da relação de emprego, apta a conferir uma existência digna ao trabalhador, constituindo portanto seu "patamar civilizatório mínimo", bem como da Inalterabilidade Contratual Lesiva, que protege o contrato contra alterações prejudiciais ao trabalhador.
Nota-se, por fim, que a aplicação dos princípios juslaborais se dá de maneira concorrente de interdependente, de modo a completar-se uns aos outros, sempre no sentido de conferir a máxima amplitude do espectro de proteção, a fim de garantir os direitos sociais fundamentais previstos na Constituição Federal.
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Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho e em Direitos Difusos e Coletivos pela Uniamerica e Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho com capacitação para o Ensino no Magistério Superior pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, DEISIANE CHRISTMAS SANTOS LEÃO MACHADO DA. Princípios do Direito do Trabalho - Uma breve análise. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 maio 2023, 04:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/61386/princpios-do-direito-do-trabalho-uma-breve-anlise. Acesso em: 24 nov 2024.
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