CELMA MENDONÇA MILHOMEM JARDIM[1]
(orientadora)
RESUMO: A violência obstétrica no Brasil vem tomando cada vez mais proporção, mas, ainda continua ignorada em âmbito nacional sem analisar como os comportamentos caracterizados pela violência interferem na vida das gestantes e puérperas. Após analisar a falta de informação para mulheres e profissionais, através de um estudo bibliográfico, observa-se que existe a necessidade de uma legislação que criminalize diretamente a violência obstétrica, visando punir os profissionais infratores e auxiliar no combate às práticas que ofendam gestantes.
Palavras-chave: violência obstétrica; gestantes; negligência.
ABSTRACT: Obstetric violence in Brazil has been taking on an increasing proportion, so that it remains ignored at the national level without analyzing how the behaviors characterized by violence interfere in the lives of pregnant and puerperal women. After analyzing the lack of information for women and professionals, through a bibliographical study, it is observed that there is a need for legislation that would directly criminalize obstetric violence, aiming to punish the offending professionals and help in the fight against practices that offended pregnant women.
Keywords: obstetric violence; pregnant women; negligence.
1.INTRODUÇÃO
A violência obstétrica é caracterizada por intervenções praticadas por profissionais da área da saúde contra gestantes, seja durante o parto ou pós-parto. A violência abrange todos os atos em que a gestante é inibida da autonomia do próprio corpo, seja por abuso ou pela falta de informações sobre os procedimentos médicos ou impedimento da livre escolha.
Cada vez mais a temática relacionada à mulher, principalmente no que se diz respeito à gravidez, vem causando sérias discussões sociais, trazendo à tona a violência obstétrica, uma realidade que atinge diretamente as mulheres. Trata-se de um desrespeito à mulher, e principalmente à sua integridade física e psíquica que pode se manifestar por meio de violência ou de procedimentos invasivos.
O fato primordial é que tal prática está associada à violência cometida pelas equipes de saúde e sem o consentimento da mulher no momento de “dar à luz", que está relacionado a diversos fatores: o desconhecimento da grávida sobre seus direitos e as práticas durante o trabalho de parto.
O conceito de tal prática também é analisado, destacando-se o excesso de cesarianas que expõe as mulheres em ações intervencionistas e, muitas vezes, desnecessárias. Apesar de que a cesárea é essencial nos casos em que o parto normal pode representar risco, torna-se oposto quando o procedimento é feito sem justificativa científica e expresso consenso da gestante. Diante disso, é importante buscar estimular a reflexão e explorar alternativas para formar profissionais humanizados e aprimorar a prática da enfermagem, além de contribuir para as discussões atuais sobre direitos reprodutivos e violência de gênero contra a mulher.
Sendo assim, uma assistência humanizada refere-se à prestação de uma assistência priorizando a qualidade do cuidado, garantindo respeito aos direitos e sua individualidade, valorizando a autonomia, protagonismo e corresponsabilização dos sujeitos envolvidos no processo do cuidado. A devida assistência poderá suavizar as dores e temores das pacientes que necessitam de atendimento e cuidado nesse momento importante da mulher e da família.
Portanto, neste artigo tem como objetivo de realizar uma análise sobre a violência obstétrica para proporcionar o entendimento da conceituação desta, destacando onde esses processos ficam inacabados, revelando abusos e a impossibilidade das mulheres grávidas terem acesso para garantir seus direitos no sistema de saúde brasileira. Para tal, identificar as intervenções existentes e suas necessidades, passando pela hospitalização, até ao atual processo de humanização, bem como a legislação vigente.
2.DIREITO À HUMANIZAÇÃO DO PARTO
No que diz respeito à humanização do parto, o Estado é incentivado a adotar políticas voltadas para a mulher, pois ela ocupa um espaço de extrema relevância no contexto brasileiro. Nesse sentido, leciona ROCHA; MARINHO (2019) apud NAGAHAMA; SANTIAGO (2005):
O Brasil, atualmente, tem passado por esse processo de mudança de cenário ainda muito tímido na realidade obstétrica do país. A preocupação com os altos índices de cesáreas, e o impacto causado na saúde dos bebês, haja vista os problemas respiratórios e no sistema imunológico das crianças, fez com que o Ministério da Saúde agregasse ao sistema de saúde brasileira, um programa de humanização na assistência às parturientes, conhecido como Humanização no Pré-natal e nascimento.
Verifica-se que atualmente no Brasil, mesmo que a questão da violência obstétrica esteja presente na legislação brasileira, ela ainda aparece pouco e de forma rasa, o que dificulta o enfrentamento desse tipo de violência, tendo em vista que como é pouco discutida muitos sequer entendem a respeito ou sabem que existem punições para tais condutas. (PERES, 2021, p.1)
Cumpre salientar, que não só a tipificação específica é necessária, mas também que ocorra a capacitação tanto dos profissionais da saúde, para que cumpram com as normativas impostas pelo Ministério da Saúde, que tratam sobre a humanização do parto e que tem como principal objetivo garantir que as parturientes tenham acesso a um acompanhamento e assistência de qualidade, quanto para os profissionais que lidam com questões do tipo no âmbito do poder judiciário, para que eles tenham um tratamento adequado a estas demandas que são extremamente sensíveis. (PERES, 2021, p.1).
O parto é marcado por muitas mudanças significativas no corpo da mulher, e além disso, não é raro ser visto como um momento crítico, de insegurança, medo da dor e do desconhecido. Porém, é um momento único e inesquecível na vida da mulher. Diante disso, a mulher necessita de atenção, respeito e empatia, esclarecendo sobre o que será feito, e acima de tudo, a participação mais ativa da gestante e o vínculo entre mãe e filho.
Ressalta-se que toda mulher tem direito a uma assistência digna, respeitosa e de qualidade durante a gestação. Discutir esse tema pode ajudar as mulheres a adquirirem mais conhecimento e é necessário mantê-las bem informadas sobre os riscos, procedimentos e opções para que possam evitar qualquer tipo de violência obstétrica e, caso sofram, possam denunciar tal violência. (CARDOSO, et. Al., 2017).
Dessa maneira, é fundamental que os momentos anteriores ao trabalho de parto sejam momentos de confiança com cuidado individualizado, acolhedor e qualificado, trazendo maior segurança entre profissionais e pacientes. É preciso estimular e possibilitar a autonomia da mulher no parto, garantindo que ela tenha liberdade para escolher o método que melhor se adeque à sua situação clínica e que os profissionais só intervenham quando realmente necessário.
3.VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA E FORMAS DE ABUSO
Define Zanardo et. Al. (2009), a violência obstétrica através de um tipo de agressão psicológica exercida pelo sarcasmo, ameaças e coerção, bem como a violência física que torna o momento do parto difícil e desagradável por meio da manipulação e uma super exposição desnecessária do corpo feminino. Eles incluem ações como mentir para as pacientes sobre seu estado de saúde para induzir uma cesariana eletiva ou deixar de informar às pacientes sobre seu estado e procedimentos necessários.
Ainda, é importante destacar, segundo (MARQUES, 2020):
O conceito de violência obstétrica vem sendo traçado, aos poucos, como parte de uma grande articulação dos movimentos sociais, tanto nacionais quanto internacionais, em prol do parto humanizado, que buscam dar visibilidade a diversas práticas abusivas cometidas contra as mulheres no ciclo gravídico-puerperal, e forçar o Estado brasileiro a traçar políticas públicas em prol do parto humanizado e da proteção ao direito das mulheres.
E, conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2019):
[...] apropriação do corpo da mulher e dos processos reprodutivos por profissionais de saúde, na forma de um tratamento desumanizado, medicação abusiva ou patologização dos processos naturais, reduzindo a autonomia da paciente e a capacidade de tomar suas próprias decisões livremente sobre seu corpo e sua sexualidade, o que tem consequências negativas em sua qualidade de vida [...]
Além disso, a violência obstétrica é silenciosa e institucionalizada, portanto, naturalizada e banalizada. As vítimas não se veem como vítimas porque a causa da violência se confunde com a dor do parto porque vivemos em uma cultura onde a dor é parte integrante do parto e isso não é verdade.
Em diversos casos, as vítimas de violência obstétrica têm vergonha ou medo de se expor e serem refutadas, enquanto outras nem sabem que são vítimas por falta de acesso a muitas informações sendo muito facilitada pelo silêncio. Essa violência que atinge mulheres, gestantes e mães em momentos de vulnerabilidade pode se manifestar por meio físico, psicológico, sexual, institucional, material e midiático:
Características físicas: Comportamento que afeta o corpo feminino, interfere, causa dor ou deficiência física (variando de leve a grave), nenhum conselho baseado em evidências científicas. Exemplos: privação alimentar, imobilização feminina, regra dos terços (barbear), manobra de Kristeller, uso rotineiro de ocitocina, cesariana eletiva quando não indicada clinicamente, ausência de analgésicos quando tecnicamente indicada. Perfil psicológico: qualquer fala ou conduta que faça com que a mulher se sinta inferior, vulnerável, abandonada, emocionalmente instável, medrosa, assediadora, insegura, intimidadora, enganosa, alienante e com perda de integridade, dignidade e prestígio. Exemplos: Ameaças, mentiras, provocações, piadas, humilhações, grosserias, chantagens, ofensas, omissão de informações, informações em linguagem de difícil compreensão, desrespeito ou desrespeito aos padrões culturais.
Sexualidade: Qualquer comportamento imposto às mulheres que viole seu senso de intimidade ou dignidade, afeta seu senso de integridade sexual e reprodutiva, independentemente de seu acesso aos órgãos sexuais e partes íntimas do corpo. Exemplos: episiotomia, assédio, palpação invasiva, persistente ou agressiva, irrigação intestinal, cesariana sem consentimento, ruptura ou descolamento de membranas sem consentimento, parto supino forçado, Exames repetidos de mamilos com esclarecimento e sem consentimento. impedir, atrasar ou impedir que as mulheres alcancem seus direitos estabelecidos, sejam eles públicos ou privados.
Natureza material: Ações e condutas ativas e passivas que violem os direitos já garantidos por lei com o objetivo de obter recursos econômicos da mulher durante o processo reprodutivo, em benefício de pessoas físicas ou jurídicas. Exemplo: Cobrança indevida por planos de saúde e profissionais de saúde como incentivo à adesão a um plano de saúde privado sob o argumento de que é a única opção disponível para viabilizar o acompanhante. Caracterização da mídia: Ações realizadas por profissionais por meio da mídia com o objetivo de agredir psicologicamente mulheres em idade reprodutiva e denegrir seus direitos por meio de mensagens, imagens ou outros símbolos divulgados publicamente; tabus científicos com fins sociais, econômicos ou de dominância Desculpar-se pela prática. Exemplos: cesáreas e pouco científicas, debochar do parto normal, vender fórmulas alternativas que não favorecem a amamentação, estimular o desmame precoce. (CIELLO et al., 2012)
Além dos atos físicos mais facilmente identificáveis que constituem a violência obstétrica no Brasil, outros atos mais insidiosos reproduzem esse tipo de violência durante o parto por meio de escárnio e humilhação, ameaças e coação, preconceito e discriminação, homofobia, assédio, presença limitante, falta de empoderamento na certos procedimentos; e além de alguns profissionais de saúde condenarem as pacientes por sua sexualidade, algumas maternidades públicas culpam rotineiramente o prazer que uma mulher pode sentir durante o sexo que leva à gravidez.
O desrespeito à gestante na assistência ao parto é cada vez mais relatado por mulheres que relatam sentir-se violentadas, por meio de depoimentos que permitem identificar situações que indicam uma rede de atenção fragilizada durante o trabalho de parto e parto. (LOPES, 2022), pontua, acerca do tema:
No atual sistema de saúde, sendo público ou privado, nota-se que a violência obstétrica está cada vez mais comum no cotidiano das gestantes, que se encontram em um momento delicado, seja na gestação, no parto, no puerpério ou em situações de aborto. No entanto, observa-se que, embora a violência obstetrícia possa atingir gestantes de qualquer classe social, escolaridade e raça, as mulheres que são vistas como as mais vulneráveis quanto ao atendimento e tratamento na rede pública e na rede privada são as negras, pobres e da periferia, considerando o número muito elevado de óbitos maternos entre elas, em relação às gestantes brancas.
Muitas mulheres são maltratadas, desrespeitadas e abusadas durante o parto. Além de ser uma violência contra a mulher, a violência obstétrica também se caracteriza como uma violação dos direitos humanos. As mulheres, como sujeitos de direitos, devem, portanto, ser amparadas, protegidas e informadas sobre o que de melhor se faz durante o parto e devem ser tratadas com segurança, respeito e dignidade, livres de abusos e maus-tratos de qualquer natureza.
4.AUSÊNCIA DE TIPIFICAÇÃO ESPECÍFICA
Apesar de não possuir legislação específica, ficando claramente demonstrada a omissão do legislador acerca da temática, poderá a vítima requerer por meio do Código Civil para responsabilizar os agressores. Entretanto, essa responsabilização só ocorre quando comprovada a culpa dos profissionais. Há inclusive em tramitação três projetos de lei no Congresso Nacional, são eles: Lei nº 7.633/2014, PL nº 7.867/2017 e PL nº 8.219/2017 que destaca como obrigatória a elaboração do plano de parto.
No caput do artigo 6º da Constituição Federal, indica sobre os direitos sociais, especificando o direito à saúde e a proteção à maternidade, veja:
São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (BRASIL, 1988).
Desta maneira, essas mulheres que sofrem maus-tratos no pré-natal, no parto e puerpério estão amparadas pela CF e no âmbito cível. É um direito de todas e deve existir responsabilidade civil em todos os atos que ferem a dignidade da pessoa humana. Os profissionais que cometerem danos às mulheres devem ser responsabilizados em reparar o prejuízo, mesmo não estando previsto em contrato. (FARIA, 2020, p.1)
No âmbito administrativo, a responsabilização decorre do Código de Ética Médica. Segundo Bonetti e Fugii (2021, p.1) procede da seguinte forma:
[...] deve ser processada a partir da denúncia perante a Ouvidoria, a Comissão Ética do Hospital ou o Conselho Regional de Medicina. Esse dispositivo prevê a responsabilidade pessoal e não presumida do profissional pelas condutas que lhe são proibidas, podendo o médico sofrer sanções disciplinares. Dentre as condutas vedadas, destacam-se:
Art. 14. Praticar ou indicar atos médicos desnecessários ou proibidos pela legislação vigente no País.
Art. 23. Tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer pretexto.
Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo.
Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte.
No âmbito judicial, é possível buscar a responsabilidade do agente nas esferas penal e civil. Quanto à primeira, não existe uma tipificação que identifique a "violência obstétrica", mas, sim, diferentes condutas previstas no Código Penal Brasileiro que podem refletir essa violência, a depender das circunstâncias, como, por exemplo, os crimes de constrangimento ilegal (art. 146), de ameaça (art. 147), de maus-tratos (art. 136) e de lesão corporal (art. 129), dentre outros tipos penais. (BONETTI; FUGII, 2021, p.1).
Como a episiotomia e a manobra de Kristeller, que infelizmente são muito utilizados e acabam se esquadrando no crime de lesão corporal, tipificada no artigo 129 do Código Penal. Já a violência psicológica, por meio de xingamentos, situações vexatórias, grosserias, e comentários ofensivos e humilhantes, podem caracterizar o crime de injúria, previsto no artigo 140 do Código Penal. (MARQUES, 2021, p.1)
O que é válido ressaltar que a maioria das condutas são consideradas culposas, (artigo 18, II, CP), quando o agente dá causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. Ademais, em situações em que ocorrem questões médicas, majoritariamente na doutrina penal à teoria subjetivista da culpa, em que o agente não quer o resultado nem assume o risco de produzi-lo. (BRASIL, 1940).
Como mencionado anteriormente, é indiscutível a falta de legislação brasileira quanto ao reconhecimento da violência obstétrica. Com este âmbito legislativo, algumas entidades têm procurado criar mecanismos próprios para combater e prevenir este comportamento. Vale destacar que no Estado de Santa Catarina, possui uma legislação que engloba a violência obstétrica em âmbito estadual, é a Lei nº 18.322 de 05 de janeiro de 2022. A legislação foi consolidada com a revogação da Lei 17.097 de 2017, que destacou em seu corpo, diversas formas de enfrentar à violência contra a mulher, reconhecendo em seu texto a violência obstétrica como tal. (RODRIGUES, 2022)
Diante disso, o sistema de justiça deve combater consistentemente essa violência. Em razão da competência conjunta dos estados e municípios para legislar sobre a proteção e defesa da saúde, de acordo com os artigos 24, XII, e 30, II, da CF, muitos estados já promulgaram leis que regulamentam a proteção da mulher durante o parto e no período pós-parto.
Diante dessa situação, observam-se diferenças de tratamento jurídico no Brasil. Tendo em vista que a violência obstétrica não é claramente compreendida no ordenamento jurídico brasileiro, há divergências quanto ao seu reconhecimento, pois outros entes da federação optam por contemplar sua forma pela ausência de lei federal. (RODRIGUES, 2022)
Por se tratar de um ato de violência contra uma minoria que goza de ampla proteção legal no ordenamento jurídico brasileiro, é imperioso ressaltar a função punitiva da responsabilidade civil. Neste momento, a busca de responsabilidade deve levar em conta o alto grau do ato ilícito, ou seja, a gravidade do comportamento da mulher. (STUDART, 2022).
Além do que, como já mencionado anteriormente, a tipificação no Código Penal brasileiro torna perceptível a punição do profissional, e uma vez que esse profissional seja punido, traria para as mulheres mais confiança em denunciar e diminuiria a incidência da violência obstétrica. (FARIA, 2020, p.1).
5.COMPROVAÇÃO DA VIOLÊNCIA
Muitas mulheres já sofreram violência obstétrica, porém por medo e pelo fato de não saberem quais provas para promover a ação, deixam de buscar os seus direitos. Não existe uma lista exata de documentos para ingressar com a ação, pois cada caso é único e precisa ser analisado com auxílio de um advogado. Porém, inicialmente é importante solicitar ao hospital o prontuário médico, pois nele ficam registrados todos os procedimentos que foram realizados e quais medicamentos utilizados. Conforme cita BRANDÃO, BUENO (2018):
O principal meio de provar a ocorrência de violência obstétrica é o prontuário médico. Assim, antes de entrar com um processo de indenização por violência obstétrica é necessária a análise técnica do prontuário da paciente, das fichas de atendimento, exames e demais documentos relacionados ao parto para identificar se houve falhas não condizentes com a boa prática médica à luz da legislação, dos protocolos clínicos, do Código de Ética Médica, etc. [...] quando houver evidência concreta de ocorrência de violência obstétrica, é possível formalizar denúncia junto ao hospital, ao Conselho de Medicina e, se o caso, também poderá ser ajuizada uma ação de indenização por violência obstétrica a fim de buscar exigir a responsabilização e indenização pelos danos sofridos pela paciente.
Os movimentos sociais ligados à humanização do parto e aos direitos da mulher têm feito parceria com o Ministério Público e a Defensoria Pública para provocar essa discussão e fiscalização extrajudicial dos serviços de saúde sobre o tema, fazendo com que a violência obstétrica e outras questões sejam encaradas de forma diferenciada e comprometidos em prestar informações ao público sobre o assunto, como tem sido observado em campanhas públicas. Reforça RODRIGUES (2022):
A falta de uma lei específica que regule a violência obstétrica em nível nacional é uma barreira para todas as iniciativas de combate existentes no ordenamento jurídico brasileiro. As leis estaduais e municipais que tratam da violência obstétrica não são efetivas sem uma legislação federal que as apoie, assim como as decisões judiciais que carecem de uma legislação que possa dar um embasamento mais concreto, isso permitiria a proteção dos direitos das gestantes.
No entanto, a visibilidade da necessidade de se proteger dessa violência tem enfrentado resistência de setores mais conservadores da sociedade e de algumas áreas da medicina, que buscam desconstruir a ideia de que questões que caracterizam a violência de gênero exigem atenção especial. Exemplo disso é a portaria do Ministério da Saúde de 3 de maio de 2019, proibindo o uso da expressão violência obstétrica no Brasil.
Ainda assim, através de uma manifestação, o Ministério Público Federal, emitiu uma recomendação avaliando pertinente o uso do termo, levando em conta ser censura a luta contra tais práticas, o que foi acatado posteriormente pelo Ministério da Saúde.
Diante do exposto, é inegável a importância da regulamentação federal da violência obstétrica como violência de gênero, a qual, por sua tese, traria maior segurança à vítima, além de tornar o combate a tal violência com mais efetividade. Garantir os direitos das mães e de seus recém-nascidos, independentemente de cor, raça, sexo e poder aquisitivo. Também facilita o diálogo necessário entre mulheres e profissionais de saúde para discutir comportamentos que beneficiem as mulheres tanto do ponto de vista da saúde quanto do conforto, uma vez que esse profissional seja punido.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, com base no presente estudo, foi possível esclarecer o termo violência obstétrica não possui um conceito único, nem tampouco uma definição através das leis do ordenamento brasileiro, devido à falta de exemplos concretos para punir os abusos e procedimentos desnecessários que a maioria das brasileiras mulheres são submetidas.
Nesse sentido, destacar que a violência obstétrica precisa ser conceituada (inclusive através da doutrina de ambas áreas, tanto jurídicas quanto da saúde), destaca-se documentos legais que a definam e criminalizem, ajudará a identificar e responder a essas situações. Nota-se que boa parte da população brasileira não sabe o que é a violência obstétrica, bem como não conhece os seus direitos. Podendo ser submetida a tal a violência, mas devido à falta de informação e identificação, sofre em silêncio.
Práticas impregnadas de conceituações culturais e submissão à mulher, juntamente com ideologias médicas e de gênero, são naturalizadas no meio sociocultural. Essas implicações favorecem a existência e perpetuação dessa violência, que, por sua vez, não deve ser entendida apenas como uma extensão de condições insalubres de trabalho.
Além disso, o tema carece de leis e diretrizes que assegurem a assistência humanizada ao parto, cabendo, portanto, aos entes estatais a promulgação de leis específicas para combater esse tipo de violência de gênero. Salienta-se ainda a importância da formação continuada dos profissionais de saúde, incluindo a perspectiva social e humana do seu comportamento, incluindo o reconhecimento dos direitos das mulheres, de forma a prestar cuidados maternos adequados durante o período gestacional-puerperal.
Infelizmente, no Brasil há uma ausência de lei específica diante a amplitude da prática médica da violência obstétrica. Embora seja possível responsabilizar civilmente os autores e indenizar as vítimas, a prova do nexo de causalidade entre as ações médico-hospitalares e os danos continua a ser uma tarefa árdua.
Portanto, a criação de uma tipificação específica teria maior efetividade e enfrentamento acerca da violência obstétrica, uma vez que havendo a especificação das punições, teria o poder de intimidar, podendo diminuir essa incidência gradativamente. Além de trazer maior segurança jurídica à vítima para agir e denunciar do que sofreu, imputando aos agressores o julgamento no âmbito criminal, havendo penalizações mais rigorosas, e a certeza que tal ato não ficará impune.
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[1] Professora no curso de Direito pela Universidade de Gurupi, Unirg. E-mail: [email protected],
Bacharelanda no curso de Direito pela Universidade de Gurupi, Unirg.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Glenda Neres. Violência obstétrica no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 maio 2023, 04:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/61390/violncia-obsttrica-no-brasil. Acesso em: 24 nov 2024.
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