VANUZA PIRES DA COSTA[1]
(orientadora)
RESUMO: Pessoa é todo aquele que possui direitos e obrigações. Alcançada a personalidade a pessoa passa a atuar, como sujeito de direito, podendo praticar todos os atos e negócios jurídicos. O Código Civil afirma que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. Entretanto, para que a pessoa adquira personalidade jurídica é necessário o nascimento com vida. Apesar de não possuir personalidade jurídica, o nascituro é um sujeito de direitos e merece proteção do Estado e da sociedade. No entanto, apesar da proteção legal, os direitos do nascituro muitas vezes são desrespeitados ou negligenciados, o que pode ter graves consequências para a sua vida e saúde. Dessa forma, o presente artigo busca conciliar o conceito jurídico de pessoa como início da personalidade com os direitos do nascituro. Para melhor abordagem desse assunto, este trabalho realizará uma pesquisa de bibliográfica, encontrada em sites de busca, livros, artigos científicos e periódicos, buscando um melhor embasamento nas questões apresentadas no decorrer do trabalho. Nos resultados encontrados, faz-se necessário que a legislação e a jurisprudência avancem no sentido de reconhecer e garantir esses direitos, sempre considerando as questões éticas e legais envolvidas, bem como a proteção da saúde e da integridade física da gestante.
Palavras-chave: Nascituro. Início da Personalidade. Direito Civil. Concepção.
THE CIVIL LEGAL CONCEPT OF PERSON AND THE BEGINNING OF PERSONALITY: Rights of the unborn child.
ABSTRACT: A person is anyone who has rights and obligations. Once the personality is attained, the person begins to act as a legal subject, capable of practicing all legal acts and transactions. The Civil Code states that "every person is capable of rights and duties in the civil order." However, for a person to acquire legal personality, it is necessary to be born alive. Despite not having legal personality, the unborn is a subject of rights and deserves protection from the State and society. However, despite legal protection, the rights of the unborn are often disregarded or neglected, which can have serious consequences for their life and health. Thus, this article seeks to reconcile the legal concept of person as the beginning of personality with the rights of the unborn. To better address this subject, this work will conduct a bibliographic research notably on search engines, books, scientific articles, and journals, seeking a better foundation for the issues presented throughout the work. In the results found, it is necessary for legislation and jurisprudence to advance in recognizing and guaranteeing these rights, always considering the ethical and legal issues involved, as well as the protection of the health and physical integrity of the pregnant woman.
Keywords: Unborn child. Beginning of Personality. Civil right. Conception.
Sumário: 1. Introdução. 2. Pessoa Natural. 2.1. Personalidade Jurídica. 2.2. Nascituro. 2.2.1. O início da vida: personalidade jurídica do nascituro. 2.2.2. Proteção jurídica dos embriões. 2.3 Teorias Sobre O Início Da Personalidade Jurídica. 2.3.1 Teoria Natalista. 2.3.2. Teoria Concepcionista. 2.3.3. Teoria Condicionalista. 2.4. Direitos Do Nascituro. 2.4.1 Direito à Vida. 2.4.2. Direito à Alimentos. 2.4.3. Direito Ao Reconhecimento De Filiação. 2.4.4. Direito à Curatela. 2.4.5. Direito De Receber Doações. 2.4.6. Direito à Representação. 2.4.7. Direito à Herança. 3. Considerações finais.
1. INTRODUÇÃO
O tema a ser debatido nesse estudo refere-se aos direitos do nascituro. Desde a sua concepção, o artigo 2º do Código Civil Brasileiro garante a proteção dos direitos, sendo um tema de grande relevância no âmbito do direito.
O nascituro é considerado uma pessoa em formação, que ainda não nasceu, mas que já tem uma série de direitos assegurados por lei. A legislação brasileira reconhece a proteção do nascituro desde a concepção, e essa proteção se estende desde o direito à vida até o direito à herança.
No entanto, apesar da existência desses direitos, a garantia de sua efetividade ainda é um desafio em diversos casos, especialmente quando há conflitos de interesses ou questões jurídicas complexas envolvidas. Por isso, é fundamental que sejam feitos estudos e reflexões sobre os direitos do nascituro, visando a sua efetivação e a garantia de sua proteção.
Tendo por base o reconhecimento desse tema como meio para conceder maior proteção ao nascituro, realiza-se uma análise bibliográfica acerca da seguinte problemática: como conciliar o conceito jurídico de pessoa como início da personalidade com os direitos do nascituro, considerando as questões éticas e legais envolvidas no debate sobre o status jurídico do feto?
Frente a isso, essa pesquisa se propõe a discorrer os principais direitos do nascituro, apresentando o seu conceito, a sua natureza jurídica, a sua normatização, as teorias, bem como refletir sobre as questões jurídicas e sociais envolvidas na proteção desses direitos. Insta salientar que esse estudo não pretende de forma alguma esgotar a matéria, mas sim facilitar a abordagem desse conteúdo de forma clara e objetiva.
A metodologia empregada neste trabalho é de uma revisão de literatura, onde “esse tipo de artigo caracteriza-se por avaliações críticas de materiais que já foram publicados, considerando o progresso das pesquisas na temática abordada” (OLIVEIRA, 2004, p. 40), pois analisaremos os direitos do nascituro, algo já amplamente discutido no mundo do direito.
Tratando-se de um artigo de revisão de literatura, a coleta de dados realizou-se no período de janeiro a abril de 2023, mediante análise de documentos por meio de pesquisa doutrinaria e artigos já publicados sobre o tema além de análise jurisprudencial e legislação.
2. PESSOA NATURAL
O Código Civil afirma que a personalidade da pessoa natural começa no momento do nascimento com vida, ao estabelecer o nascimento com vida como início da personalidade o direito civil brasileiro adotou a corrente natalista. Uma pessoa natural é um ser humano.
Pessoa é todo aquele que titulariza direitos. Para a via processual, pode ser aquele que ocupa tanto o polo ativo quanto o polo passivo de uma relação jurídica. É comum ao se falar em pessoa logo imaginar a pessoa como ser humano. Todavia, no direito civil a pessoa pode ser natural, ou física, ou então, jurídica ou coletiva. (ZULIANE; BOURET; BATISTA, 2021, p.21).
Nos dizeres de Gagliano e Pamplona Filho (2020, p. 96) “a pessoa natural, para o direito, é o ser humano, enquanto sujeito/destinatário de direitos e obrigações”. O seu surgimento, segundo a dicção legal, ocorre a partir do nascimento com vida (art. 2º do CC/2002). Dessa forma, adquirida a personalidade este individuo passa a atuar na qualidade de titular de direitos, sendo pessoa natural ou jurídica, podendo praticar atos e negócios.
A pessoa natural é considerada titular de direitos fundamentais, como o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, entre outros, esses direitos são protegidos pela Constituição Federal, a violação desses direitos pode resultar em responsabilidade civil e criminal. A pessoa natural tem personalidade jurídica, ou seja, a aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações. Essa capacidade se inicia com o nascimento com vida e termina com a morte. Durante sua vida, a pessoa natural pode ser titular de direitos, como o direito à vida, à liberdade, à propriedade, entre outros, e também pode ser sujeito de obrigações, como o pagamento de impostos, a prestação de serviços.
Leciona Farias e Rosenvald (2015, p. 133):
[...]singrando os mares da constitucionalização do Direito Civil, é de se reconhecer que ser pessoa não pode significar, tão somente, a possibilidade de titularizar relações jurídicas. É preciso lembrar que a pessoa tem uma existência (que deve ser digna). Bem por isso, ser pessoa significa, em concreto, poder ser sujeito das inúmeras relações jurídicas, sempre dispondo de uma proteção básica e elementar, tendendo a promover a sua inexorável dignidade. (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 135)
Em suma, a pessoa natural é o indivíduo em si, com capacidade de direito e titular de direitos fundamentais. Sua existência e identidade são comprovadas por meio do Registro Civil de Pessoas Naturais.
2.1. Personalidade Jurídica
O código Civil Brasileiro em seu art. 2º primeira parte afirma que a pessoa adquire personalidade jurídica ao nascer com vida, ou seja, respirar, adquirindo assim capacidade para ser titular de direitos e deveres. Dessa forma, no momento que se inicia o funcionamento do aparelho cardiorrespiratório o recém-nascido obtém personalidade jurídica, mesmo que este recém-nascido venha falecer minutos depois de seu nascimento. É o que preceitua Gagliano e Pamplona Filho:
No instante em que principia o funcionamento do aparelho cardiorrespiratório, clinicamente aferível pelo exame de docimasia hidrostática de Galeno, o recém-nascido adquire personalidade jurídica, tornando-se sujeito de direito, mesmo que venha a falecer minutos depois. Ao menos aparentemente essa teria sido a opção do legislador brasileiro, na medida em que tradicional corrente doutrinária defende a denominada teoria natalista. Seguindo essa diretriz doutrinária e legal, que tem importantes reflexos práticos e sociais, se o recém-nascido — cujo pai já tenha morrido — falece minutos após o parto, terá adquirido, por exemplo, todos os direitos sucessórios do seu genitor, transferindo-os para a sua mãe. Nesse caso, a avó paterna da referida criança nada poderá reclamar. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2020, p.96).
Dessa forma, alcançam personalidade jurídica todos nascido com vida independentemente se vier a falecer, nasceu, respirou obteve personalidade, enfim a personalidade jurídica coincide com a capacidade de direito, capacidade que todos têm.
2.2. Nascituro
Nascituro é uma palavra que deriva do latim nasciturus “o que vai nascer” se refere a um ser humano concebido, mas que ainda não nasceu, ou seja, que está em processo de gestação no ventre materno. É, portanto, um termo utilizado para designar o feto antes do nascimento.
Cuida-se o nascituro do ente concebido, embora ainda não nascido. O Código Civil trata do nascituro quando, posto não o considere explicitamente pessoa, coloca a salvo os seus direitos desde a concepção (art. 2º do CC/2002). Ora, adotada a tradicional teoria natalista, segundo a qual a aquisição da personalidade opera-se a partir do nascimento com vida, conclui-se que, não sendo pessoa, o nascituro possuiria mera expectativa de direito. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2020, p. 97).
Embora o nascituro ainda não tenha nascido, ele é reconhecido pela lei como sujeito de direitos e possui proteção jurídica. Isso significa que ele já possui, desde a concepção, alguns direitos que devem ser respeitados e protegidos.
Vejamos:
Embora o Código Civil brasileiro tenha seguido indiscutivelmente a corrente natalista, o seu art. 2º ressalva que “a lei põe, a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. Vale dizer: embora não seja ainda dotado de personalidade em sentido subjetivo, ou seja, de aptidão genérica para ser titular de direitos e obrigações, o nascituro tem alguns de seus interesses (futuros e eventuais) protegidos, desde logo, pela ordem jurídica. Por exemplo, o Código Civil admite que seja feita doação ao nascituro (art. 542) e reconhece vocação hereditária a pessoas “já concebidas” no momento da abertura da sucessão (arts. 1.798, 1.799, I, e 1.800, § 3º). (SCHREIBER, 2020, p. 64).
Em síntese, o termo nascituro se refere ao ser humano concebido, mas que ainda não nasceu, e que já é reconhecido pela lei como sujeito de direitos e possui proteção jurídica. A proteção do nascituro é uma questão fundamental para a promoção da dignidade humana e para o respeito à vida desde sua concepção.
2.2.1. O início da vida: personalidade jurídica do nascituro
O início da personalidade jurídica do nascituro ocorre a partir do nascimento com vida, como descrito no art. 2º do Código Civil brasileiro, momento em que já é considerado como uma pessoa em potencial, com direito à proteção jurídica e à tutela do Estado, afirma Gagliano e Pamplona Filho (2020, p. 98), ainda que o nascituro não seja considerado pessoa, a depender da teoria adotada, ninguém discute que tenha direito à vida, e não a mera expectativa.
A personalidade jurídica do nascituro é reconhecida pela legislação brasileira e, por isso, ele já possui alguns direitos desde a concepção, como o direito à vida, à saúde e à alimentação adequada, bem como o direito à integridade física e psicológica durante a gestação.
De acordo com o Código Civil brasileiro, o nascituro é considerado pessoa desde a concepção para todos os efeitos legais, exceto para os casos em que a lei exige o nascimento com vida para a aquisição de determinados direitos, como é o caso da herança, dispondo o art. 1.799, inc. I do Código Civil que “Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder: I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão (BRASIL, 2002).
A personalidade jurídica do nascituro é importante não só para a proteção dos seus direitos, mas também para a proteção dos direitos da mãe gestante. Isso porque a proteção do nascituro está diretamente ligada à proteção da gestante, que tem o dever de garantir as condições necessárias para o desenvolvimento saudável do feto durante a gestação.
A legislação especial também está repleta de exemplos de proteção aos interesses do nascituro. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990) declara expressamente, em seu art. 26, parágrafo único, a possibilidade de reconhecimento de paternidade, mesmo antes do nascimento. Na esteira disso, a jurisprudência reconhece mesmo a possibilidade de ação de investigação de paternidade de nascituro, ajuizada pela mãe. A Lei n. 11.804/2008 disciplina o direito a alimentos gravídicos, assim entendida a pensão alimentícia paga durante a gravidez, até o nascimento da criança. O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, já decidiu que “o nascituro também tem direito aos danos morais pela morte do pai, mas a circunstância de não tê-lo conhecido em vida tem influência na fixação do quantum. (SCHREIBER, 2020, p. 64 e 65).
Assim, a personalidade jurídica do nascituro é fundamental para a garantia dos direitos humanos desde o início da vida e para a promoção da dignidade da pessoa humana. É dever do Estado e de toda a sociedade garantir a proteção dos direitos do nascituro, assim como da gestante, durante toda a gestação, visando o bem-estar e a saúde de ambos.
2.2.2. Proteção jurídica dos embriões
A proteção jurídica dos embriões é um tema bastante debatido na sociedade e no meio jurídico, uma vez que envolve questões éticas, morais e religiosas.
O embrião é a primeira fase do desenvolvimento humano, que se inicia na fecundação do óvulo pelo espermatozoide. A partir daí o embrião passa por diversas etapas até que se transforme em um feto.
Na lição de Schreiber;
Os embriões encontram-se em um estágio ainda anterior àquele dos nascituros. Somente se tornam nascituros no momento em que são implantados no útero materno. Por isso, não gozam de personalidade nem sequer têm interesses futuros e eventuais tutelados pela legislação. Ainda assim, há autores que sustentam que os embriões in vitro têm direito à vida e ao tratamento digno, por serem potencialmente pessoas humanas. (SCHREIBER, 2020, p. 65).
O reconhecimento da capacidade sucessória do embrião é uma questão que causa grande polêmica no meio jurídico, o Código Civil Brasileiro em seu art. 1597, incisos III, IV, V, dispõe sobre o referido tema, mesmo não tratado de forma direta. O embrião concebido em laboratório e implantado no útero materno, transformando assim em nascituro, adquirirá o direito sucessório, no entanto, deve ser feito no prazo legal de 2 anos.
Segundo o doutrinador Gagliano e Pamplona Filho:
Se a concepção e a implantação se derem dentro do prazo de dois anos, o ente assim formado será considerado filho e herdeiro do autor da herança. Por outro lado, se a concepção ocorrer após o prazo de dois anos, indiscutivelmente a criança será considerada “filha do falecido” (que autorizou previamente a fecundação), mas não poderá ser considerada “herdeira”, pois a concepção se deu fora do biênio. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2020, p. 2214).
A Lei de Biossegurança (Lei n° 11.105/2005) regulamenta o uso de embriões humanos para fins terapêuticos e de pesquisa, determinando que essas atividades só podem ser realizadas com autorização da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
A Lei 11.105/2005, conhecida como Lei de Biossegurança, tutela a integridade física do embrião, reforçando a teoria concepcionista. Isso, diante da proibição da engenharia genética em embrião humano, como regra. O art. 5.º da referida lei autoriza a utilização de células-tronco embrionárias para fins científicos e terapêuticos, desde que os embriões sejam considerados como inviáveis. Além dessa situação, é possível a utilização das células embrionárias nos casos de embriões congelados há três anos ou mais, na data da publicação da lei, ou já congelados na data da publicação da norma, depois de completarem três anos, contados a partir da data do congelamento. A lei exige autorização dos genitores do embrião, para que sejam utilizados para tais fins. Como se pode notar, a utilização de células-tronco embrionárias é exceção e não regra. (TARTUCE, 2020, p. 132).
A proteção jurídica dos embriões ainda é objeto de controvérsia, especialmente em relação às pesquisas científicas que envolvem a manipulação de embriões e células-tronco embrionárias. Algumas correntes religiosas e filosóficas alegam que a manipulação de embriões é uma violação do direito à vida, enquanto outros grupos defendem que a pesquisa com células-tronco embrionárias pode ser benéfica para o avanço da ciência e para o tratamento de doenças.
De toda forma, é importante ressaltar que a proteção jurídica dos embriões deve ser realizada de maneira responsável, considerando sempre os direitos humanos e os princípios éticos e morais envolvidos. A legislação brasileira busca garantir essa proteção, porém, cabe à sociedade e aos órgãos reguladores acompanhar e fiscalizar as atividades que envolvam embriões humanos, de forma a garantir que essas atividades sejam realizadas dentro dos limites legais e éticos.
2.3. Teorias Sobre O Início Da Personalidade Jurídica
2.3.1. Teoria Natalista
A teoria natalista é uma das teorias que tenta definir o momento em que uma pessoa adquire personalidade jurídica. Essa teoria estabelece que a personalidade jurídica tem início a partir do nascimento com vida, ou seja, quando o feto sai do útero materno e passa a respirar de forma autônoma.
Gagliano e Pamplona Filho (2020, p. 97); traz que, “adotada a tradicional teoria natalista, segundo a qual a aquisição da personalidade opera-se a partir do nascimento com vida, conclui-se que, não sendo pessoa, o nascituro possuiria mera expectativa de direito”.
Essa teoria tem como principal justificativa a ideia de que a vida humana começa efetivamente no momento em que o feto é capaz de sobreviver fora do útero materno, sem a ajuda de aparelhos ou procedimentos médicos. Segundo essa visão, somente a partir desse momento é que a pessoa passa a ter personalidade jurídica e, consequentemente, passa a ser sujeito de direitos e deveres perante a sociedade.
A teoria natalista prevalecia entre os autores modernos ou clássicos do Direito Civil Brasileiro, para quem o nascituro não poderia ser considerado pessoa, pois o Código Civil exigia e ainda exige, para a personalidade civil, o nascimento com vida. Assim sendo, o nascituro não teria direitos, mas mera expectativa de direitos. (TARTUCE, 2020, p. 125).
Uma das principais críticas à teoria natalista é que ela não leva em consideração a evolução dos avanços médicos que permitem a sobrevivência de fetos cada vez mais prematuros fora do útero materno. Além disso, essa teoria não leva em consideração a proteção dos direitos humanos desde o momento da concepção, o que pode gerar controvérsias em casos como o aborto, por exemplo.
Por fim, é importante destacar que a definição do início da personalidade jurídica é um tema complexo e que ainda gera muitas discussões e divergências, seja entre as diferentes teorias, seja entre os diferentes países. Independentemente da teoria adotada, é fundamental que a proteção dos direitos humanos seja mantida desde o início da vida, seja desde a concepção, seja desde o nascimento com vida.
2.3.2. Teoria Concepcionista
A teoria concepcionista é uma das teorias que buscam definir o início da personalidade jurídica, ou seja, o momento em que uma pessoa passa a ser considerada como sujeito de direitos e deveres perante a sociedade. De acordo com essa teoria, a personalidade jurídica tem início a partir da concepção, momento em que ocorre a união do óvulo e do espermatozoide e se forma o embrião.
Zuliani, Bouret e Batista, (2021, p.21) leciona sobre o assunto afirmando que, “no que tange a teoria concepcionista, teria o nascituro personalidade jurídica desde sua concepção”. Dessa forma, a concepção é o momento em que o óvulo da mulher é fertilizado pelo espermatozoide do homem. Assim, ela acontece entre 11 e 21 dias após o primeiro dia da menstruação.
A teoria concepcionista tem como principal argumento a ideia de que a vida humana deve ser protegida desde o momento da concepção, uma vez que o embrião já possui uma identidade genética. Além disso, a teoria concepcionista busca garantir que os direitos humanos sejam protegidos desde o início da vida.
Ainda sobre este mesmo assunto:
A teoria concepcionista é aquela que sustenta que o nascituro é pessoa humana, tendo direitos resguardados pela lei. Esse é o entendimento defendido por Silmara Juny Chinellato (a principal precursora da tese no Brasil), Pontes de Miranda, Rubens Limongi França, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Pablo Gagliano Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Roberto Senise Lisboa, José Fernando Simão, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, Francisco Amaral, Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Antonio Junqueira de Azevedo, Gustavo Rene Nicolau, Renan Lotufo e Maria Helena Diniz. Em sua obra sobre a Parte Geral do Código Civil de 2002, lançada no ano de 2012, o Mestre Álvaro Villaça Azevedo também expõe que o correto é sustentar que a personalidade é adquirida desde a concepção. (TARTUCE, 2020, p. 127)
No entanto, a teoria concepcionista também é alvo de críticas, principalmente por aqueles que defendem a separação entre o direito e a religião. Esses grupos argumentam que a teoria concepcionista é baseada em fundamentos religiosos e, portanto, não deveria ser utilizada como adotada para a definição do início da personalidade jurídica.
Em resumo, a teoria concepcionista é uma das principais formas de definir o início da personalidade jurídica, mas não é a única. É importante que o debate em torno desse tema continue, a fim de garantir a proteção dos direitos humanos desde o início da vida, independentemente da teoria adotada.
2.3.3. Teoria Condicionalista
A teoria condicionalista é uma das teorias que buscam definir o início da personalidade jurídica, ou seja, o momento em que uma pessoa passa a ser considerada sujeita de direitos e deveres perante a sociedade. De acordo com essa teoria, a personalidade jurídica tem início a partir de uma condição, que pode ser o nascimento com vida, a viabilidade fetal ou até mesmo a sobrevivência por um período determinado após o nascimento.
Sobre esta teoria os doutrinadores, afirmam que:
A teoria da personalidade condicional divide a aquisição da personalidade jurídica a depender do direito exercido. Por ela, o nascituro seria dotado de personalidade apenas para direitos existenciais (como o direito à vida). Se, todavia, fosse para direito negocial ou econômico o seu exercício dependeria do nascimento com vida, ou seja, ficaria condicionado. Serpa Lopes defende essa teoria. (ZULIANE; BOURET; BATISTA 2021, p. 21)
O principal argumento da teoria condicionalista é que o momento em que uma pessoa passa a ser considerado sujeito de direitos e deveres perante a sociedade deve levar em conta não apenas o momento do nascimento ou da concepção, mas também a capacidade do indivíduo de sobreviver e de exercitar sua autonomia. Além disso, a teoria condicionalista busca evitar conflitos entre o direito à vida e outros direitos fundamentais, como o direito à saúde e à liberdade.
Segundo as conclusões de alguns doutrinadores podemos afirmar que:
Os adeptos da teoria da personalidade condicional sufragam entendimento no sentido de que o nascituro possui direitos sob condição suspensiva. Nesse sentido, preleciona ARNOLDO WALD: “A proteção do nascituro explica-se, pois há nele uma personalidade condicional que surge, na sua plenitude, com o nascimento com vida e se extingue no caso de não chegar o feto a viver”. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2020, p. 97);
No entanto, a teoria condicionalista também é criticada por alguns setores da sociedade, principalmente por aqueles que defendem a proteção da vida desde a concepção. Esses grupos argumentam que a teoria condicionalista pode levar à desvalorização da vida humana.
2.4. Direitos Do Nascituro
2.4.1. Direito à Vida
O direito à vida do nascituro é um tema muito discutido no campo jurídico, uma vez que envolve não apenas questões legais, mas também morais e éticas. O nascituro é considerado pelo direito como um ser humano em desenvolvimento que ainda não nasceu, mas que já possui proteção jurídica e reconhecimento como sujeito de direitos.
Sobre este assunto:
No direito pátrio o direito à vida é o mais valioso entre todos, ou seja, superior aos outros, garantidos pela Constituição Federal, cabendo ao Estado assegurá-lo. Tal direito atinge a todos desde a concepção. Diz acarta magna em seu art. 5º caput: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. (VARGAS, 2021, p. 26).
No entanto, mesmo com todas as proteções legais, o direito à vida do nascituro ainda é objeto de muitas discussões e controvérsias. Há aqueles que defendem o direito à vida desde a concepção, ou seja, desde o momento em que o espermatozoide fertiliza o óvulo, enquanto outros defendem que esse direito só deve ser reconhecido a partir da viabilidade fetal, ou seja, do momento em que o feto pode sobreviver fora do útero materno.
Segundo os ensinamentos de Pereira:
A Constituição da República assegura, no artigo 5°, caput, dentre outros direitos, o direito à vida, que é considerado o mais fundamental de todos os direitos, já que constitui um pré-requisito à existência e ao exercício de todos os demais. Assim, ao se falar em vida, quer-se protegê-la de forma plena, inclusive a vida uterina. Ademais, a Carta Magna assegura, em seu artigo 201, inciso II, proteção especial às gestantes, e mais adiante, no artigo 227, trata dos deveres familiares, da sociedade e do Estado ao estabelecer diversos direitos à criança e ao adolescente. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, Pacto São José da Costa Rica, que entrou em vigor internacional na data de 18/07/1978 e em vigor para o Brasil na data de 25/09/1992, por meio do decreto n. 678, traz no seu artigo 4.º que “toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito dever ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”. (PEREIRA, 2010, p. 1)
Independentemente da posição adotada, é importante que a proteção da vida humana desde o início da gestação seja respeitada, respeitando-se a os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal. O debate em torno desse tema deve ser realizado de forma respeitosa e fundamentada, buscando sempre o equilíbrio entre a proteção do nascituro e os demais direitos e envolvidos.
2.4.2. Direito à Alimentos
O direito a alimentos em relação ao nascituro está previsto na lei nº 11.804, de 5 de Novembro de 2008, em que preceitua em seu art. 2º:
Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive os referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes. (BRASIL, 2008)
A parte legítima para pleitear por alimentos gravídicos é a genitora, esses valores recebidos pela genitora são para garantir uma gravidez e desenvolvimento saldável do nascituro, dessa forma os alimentos gravídicos são de extrema importância para o custeio oriundos da gravidez, a partir do nascimento da criança está passa a ser a titular deste direito.
É importante ressaltar que o direito a alimentos do nascituro não se restringe apenas ao período de gestação, esse direito se estende também após o nascimento, convertendo se em pensão alimentícia.
Nesse mesmo pensamento Schreiber:
A Lei n. 11.804/2008 consagrou, ainda, os alimentos gravídicos, aqueles que podem ser pleiteados pela mulher grávida para que sejam recebidos desde o momento da concepção até o parto do bebê, com a finalidade de lhe suprir as necessidades adicionais decorrentes da gravidez (alimentação, exames, consultas médicas, despesas hospitalares etc.). Por fim, a jurisprudência e a doutrina têm aludido a duas espécies de alimentos que não encontram previsão legal entre nós: (a) os alimentos temporários ou transitórios; e (b) os alimentos compensatórios. Os alimentos temporários ou transitórios, como se verá adiante, são aqueles fixados pelo juiz, em certas circunstâncias excepcionais, com termo final de duração, divergindo da característica habitual dos alimentos, que é a sua durabilidade. Já os alimentos compensatórios são aqueles que buscam minimizar o desequilíbrio financeiro entre os cônjuges ocorrido em decorrência do divórcio ou dissolução da união estável, a fim de proporcionar aos ex-cônjuges ou ex-companheiros o mesmo padrão socioeconômico. Esses alimentos podem ser estabelecidos de forma limitada no tempo, como enquanto não for ultimada a partilha de bens, que atribuirá a um dos ex-consortes patrimônio suficiente para dele extrair rendimentos que assegurem a conservação do seu padrão de vida. (SCHREIBER, 2020, p. 549)
No entanto, é necessário que haja um equilíbrio entre a proteção do nascituro e os direitos e interesses dos demais envolvidos, como a mãe gestante e o pai. Caso haja dúvidas ou conflitos em relação ao direito a alimentos do nascituro, é recomendável buscar orientação jurídica para garantir a proteção dos direitos da criança e o equilíbrio entre as partes envolvidas.
2.4.3. Direito ao Reconhecimento de Filiação
O direito ao reconhecimento de filiação está previsto no Estatuto da Criança e Adolescente no seu artigo 26, parágrafo único, que dispõe:
Os filhos havidos fora do casamento poderão ser reconhecidos pelos pais, conjunta ou separadamente, no próprio termo de nascimento, por testamento, mediante escritura ou outro documento público, qualquer que seja a origem da filiação. (BRASIL, 1990)
O reconhecimento de filiação é um ato jurídico que atribui ao nascituro uma relação de parentesco com seus pais biológicos. Oportuno fazer a citação de Schreiber:
A filiação consiste na relação de parentesco que se estabelece entre pais e filhos, sendo denominada também, do ponto de vista dos pais, como relação de paternidade ou maternidade. Assume especial importância, pois, “dentre as diversas relações de parentesco, a mais intensa, o vínculo mais próximo e estreito é o estabelecido entre os pais e os filhos”. No direito brasileiro, a filiação é conceito unitário, que não admite subespécies ou adjetivações discriminatórias, como filiação adulterina, ilegítima ou adotiva, expressões empregadas no passado para justificar diferenciação de tratamento entre filhos. A Constituição de 1988 veio declarar a plena igualdade de direitos entre os filhos, determinando no art. 227, § 6º, que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. (SCHREIBER 2020, p. 506);
O Código Civil brasileiro em seu artigo 1.609 e seus respectivos incisos traz sobre o reconhecimento dos filhos, deixando nítido em seu parágrafo único que o reconhecimento pode ser feito antes mesmo do nascimento da criança, o reconhecimento em relação ao nascituro pode ser feito por declaração, por escritura pública ou por testamento, o reconhecimento uma vez feita, torna-se irrevogável. A razão encontra base, caso o pai venha a falecer antes do nascimento do filho, ou contraia alguma doença que o pai fique impossibilitado de externar sua vontade, ou da incerteza da sobrevivência da mãe ao parto.
Sobre o tema:
Assim, o estudo da filiação diz respeito a essa relação que liga os pais aos filhos, ou seja, uma relação de parentesco em linha reta de 1º grau, de pai e filho. A filiação pode decorrer do casamento ou pode ser fora dele. Essa classificação importa em razão das presunções estabelecidas em lei quando a filiação decorre do casamento. (ZULIANE; BOURET; BATISTA, 2021, p. 371).
O art. 1.597 elenca sobre algumas hipóteses de presunção de filiação na constância do casamento:
Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;
II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;
III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;
V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. (BRASIL, 2002)
Dos citados no referido artigo é importante mencionar as hipóteses decorrentes dos avanços tecnológicos que permitem a fecundação homóloga ou heteróloga, nestes casos, há presunção de paternidade caso os pais sejam casados sendo que em relação a fecundação heteróloga deve haver autorização do marido.
A fecundação homóloga é realizada com o material genético do marido e da mulher, a fecundação heteróloga o material genético não pertence ao marido, por isso é necessário a autorização do marido para sua aplicação. O Código Civil brasileiro afirma que presumem concebidos na constância do casamento os filhos havidos a qualquer tempo, quando se tratarem de embriões excedentários decorrentes de concepção artificial homóloga. (ZULIANE; BOURET; BATISTA, 2021, p 372).
O reconhecimento de filiação é importante para a proteção dos direitos do nascituro. Além disso, o reconhecimento de filiação contribui para a preservação dos laços afetivos entre pais e filhos, favorecendo o desenvolvimento saudável da criança.
É importante ressaltar que, em alguns casos, pode haver a necessidade de entrar com ação judicial para o reconhecimento de filiação do nascituro, especialmente nos casos em que há contestação da paternidade ou maternidade.
Por fim, é fundamental que sejam respeitados os direitos do nascituro em relação ao reconhecimento de filiação, bem como o direito ao nome, à imagem, à saúde e à vida. A proteção jurídica do nascituro é essencial para garantir o desenvolvimento saudável e pleno da criança desde a sua concepção.
2.4.4. Direito à Curatela
A curatela ao nascituro está prevista no Código Civil Brasileiro no art. 1.779, com a seguinte redação: “dar-se-á curador ao nascituro, se o pai falecer estando grávida a mulher, e não tendo o poder familiar. Parágrafo único. Se a mulher estiver interdita, seu curador será o do nascituro”. (BRASIL, 2002)
Como descrito no artigo, somente haverá curatela do nascituro em uma situação especial, quando o pai for falecido e a mãe grávida não tiver o poder familiar.
Somente será nomeado um curador quando a mãe do nascituro não puder resguardar seus direitos. Quando o nascituro tiver algum bem para receber, como herança ou doação, ao nascer com vida será nomeado um tutor a criança, cessado dessa forma a curatela especial ao nascituro.
Sobre este assunto leciona o doutrinador Schreiber:
Ao admitir a legitimação sucessória do nascituro, o Código Civil afasta-se, a rigor, daquela “relação de continuidade, que deve existir entre o de cujus e o herdeiro”. Tal relação de continuidade é uma exigência, conforme se verá adiante, do chamado droit de saisine, costume do direito francês medieval, expresso na fórmula le mort saisit le vif, que prega a imediata transmissão da herança aos herdeiros no momento do óbito. Adotado no Brasil desde 1754 e atualmente consagrado já no primeiro artigo que o Código Civil dedica às sucessões (art. 1.784), esse imediatismo da transmissão da herança evita que o patrimônio do falecido permaneça acéfalo e desprotegido, sujeitando-se a esbulhos e abusos. No caso do nascituro, o Código Civil prescinde dessa relação de continuidade entre o de cujus e o herdeiro, mas se acautela contra os riscos que daí poderiam derivar. Com efeito, embora o herdeiro ainda não tenha nascido, e, portanto, inexista, a herança é confiada a um curador – chamado curador de ventre – que tem o dever de proteger a herança até o nascimento do herdeiro. Contorna-se, por esse caminho, o inconveniente da inexistência do herdeiro ao tempo da abertura da sucessão. (SCHREIBER, 2020, p. 564)
Conforme preceitua Tartuce ao admitir curatela ao nascituro este disposto reforça a teoria concepcionista, onde o nascituro é considerado pessoa, ainda afirma o doutrinador que ao admitir curatela ao nascituro o Código Civil dá a ele o tratamento de uma pessoa absolutamente incapaz. (TARTUCE, 2020, p. 2151).
2.4.5. Direito De Receber Doações
O art. 542 do Código Civil Brasileiro afirma que a doação feita ao nascituro deverá ser aceita por seu representante legal. Na doação ao nascituro o contrato está valido, porém, a eficácia desta doação depende do nascimento com vida do recebedor da doação, estando em uma condição suspensiva, ou seja, caso nasça sem vida seu representante não receberá a doação em seu lugar, estando diante de uma doação condicional, porém, se este nascer, respirar, viver por alguns segundos, receberá o benefício que será transmitido aos seus sucessores. (BRASIL, 2002)
Vejamos:
Enuncia o art. 542 do CC que “a doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante legal”. O nascituro, aquele que foi concebido, mas ainda não nasceu (infans conceptus), poderá receber a doação, mas a sua aceitação deverá ser manifestada pelos pais ou por aquele incumbido de cuidar dos seus interesses, nesse último caso, com autorização judicial. A aceitação por parte do representante legal do nascituro está no plano da validade do contrato. Além disso, a eficácia do contrato depende do nascimento com vida do donatário, havendo uma doação condicional, segundo a posição que prevalece na civilística nacional. Em outras palavras, se o donatário não nascer com vida, caduca a liberalidade, pois se trata de direito eventual, sob condição suspensiva. No entanto, se tiver um instante de vida, receberá o benefício, transmitindo-o a seus sucessores. (TARTUCE, 2020, p. 1082).
É importante destacar que as doações ao nascituro devem respeitar algumas regras e formalidades estabelecidas pelo Código Civil, como a necessidade de que as doações sejam realizadas por escritura pública ou testamento.
O art. 1.800 parágrafo 4º do Código Civil Brasileiro entende ser possível a doação a uma prole eventual, que nem tenha sido concebida ainda. Em seu texto afirma que: “se decorridos dois anos após a abertura da sucessão, não for concedido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do testador, caberão aos herdeiros legítimos” (BRASIL, 2002). Ou seja, caso o responsável pela doação a uma prole eventual venha a falecer, após o término de dois anos da morte do doador a prole eventual não for concedida, os bens desta doação passam-se aos herdeiros.
O direito de receber doações do nascituro é uma forma de garantir sua proteção e bem-estar, bem como assegurar a sua condição de pessoa em potencial. Por isso, é fundamental que as doações sejam realizadas de forma consciente e responsável, visando sempre o interesse do nascituro e sua proteção jurídica.
2.4.6. Direito à Representação
O direito à representação do nascituro é um tema que diz respeito ao reconhecimento da sua condição de pessoa em potencial, ou seja, de uma pessoa que ainda não nasceu, mas que já possui direitos e interesses juridicamente protegidos.
Vejamos:
O nascituro tem assegurada sua representação assim como os filhos já nascidos e também pelo artigo 1.779 do Código Civil considerar a falta do poder familiar, onde então se outorga a curatela. Portanto, presente no texto legal na seção que trata do poder familiar, os pais devem representar os filhos até os dezesseis anos e assisti-los após esta idade (artigo 1.634 inciso V e artigo 1.690 do CC). Na ausência dos pais ou quando estes não puderem representá-los será nomeado representante legal (SANTOS, 2017, p. 19).
A representação do nascituro se dá por meio dos seus pais ou responsáveis legais, que agem em seu nome e em defesa dos seus interesses. Isso significa que, mesmo antes de nascer, o nascituro já tem direito a uma série de proteções legais.
Caso seus pais venham a falecer, ou por algum motivo específico lhe falte o poder familiar, o nascituro terá direito a representação, lhe sendo nomeado um curador, como citado anteriormente.
Vale lembrar que, para que a representação do nascituro seja efetiva, é preciso que seus pais ou responsáveis legais estejam devidamente registrados e reconhecidos como tal perante as autoridades competentes. Dessa forma, é possível garantir a proteção jurídica e o exercício pleno dos direitos do nascituro, desde o momento de sua concepção até o seu nascimento.
2.4.7. Direito à Herança
De maneira geral, entende-se que o nascituro tem direito à herança dos seus pais e parentes falecidos, desde que venha nascer com vida.
Isso significa que, se um parente do nascituro falecer e deixar bens a serem partilhados entre seus herdeiros, e se o nascituro estiver sido concebido no momento da abertura da sucessão, este terá direito a uma parte desses bens, desde que nasça com vida. Esse direito é reconhecido pela legislação brasileira e está previsto no artigo 1.798 do Código Civil. Vejamos o que diz a redação do referido artigo: “legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”. (BRASIL, 2002)
Na mesma linha de raciocínio, Tepedino, Nevares e Meireles lecionam sobre o referido assunto:
Quanto ao nascido, nenhum questionamento há, especialmente porque se encontra expresso na codificação que a personalidade civil se adquire com o nascimento com vida (CC, art. 2º). Como se resguardam os direitos do nascituro, este também tem legitimidade sucessória, bastando que nasça com vida para que sejam produzidos os respectivos efeitos. O quinhão que caberá ao nascituro será reservado em poder do inventariante até o seu nascimento (CPC, art. 650). (TEPEDINO; NEVARES; MEIRELES, 2021, p. 59)
Além disso, é necessário observar as regras de sucessão previstas na lei, que estabelecem a ordem de preferência entre os herdeiros e os critérios para a partilha dos bens. Caso o nascituro seja o único herdeiro, ele receberá toda a herança deixada pelo falecido, caso nasça com vida e mesmo que venha a falecer minutos depois.
É importante destacar também que, para que o nascituro tenha direito à herança, é necessário que ele seja devidamente reconhecido como filho ou descendente do falecido. Isso pode ser feito por meio de ação judicial de investigação de paternidade ou maternidade, caso não haja o reconhecimento espontâneo.
Neste sentido afirma Schreiber:
Considera-se legitimado a suceder todo aquele já nascido ou já concebido ao tempo da abertura da sucessão (art. 1.798). Como se verá adiante, a fórmula não é absoluta, já que a lei reconhece, em algumas hipóteses, capacidade sucessória a quem ainda não exista, como “os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador” (art. 1.799, I). Ainda assim, pode-se afirmar, com segurança, que não têm capacidade de suceder os indivíduos que, ao tempo da abertura da sucessão, já se encontravam mortos, pois a sucessão requer “a sobrevivência do sucessor, por fração ínfima que seja, de tempo”. (SCHREIBER, 2020, p. 563)
Em resumo, o direito à herança do nascituro é reconhecido pela legislação brasileira, mas está sujeito a limitações e regras específicas. Por isso, é fundamental que os pais ou responsáveis legais do nascituro busquem orientação jurídica para garantir a proteção dos seus direitos sucessórios.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A legislação brasileira reconhece diversos direitos ao nascituro, tais como o direito à vida, à alimentação, ao reconhecimento de filiação, à curatela, à representação, à herança, entre outros.
No entanto, a garantia desses direitos ainda é um desafio em diversos casos, especialmente quando há conflitos de interesses ou questões jurídicas complexas envolvidas. Por isso, é fundamental que a sociedade como um todo e os operadores do direito em especial, estejam conscientes da importância da proteção do nascituro e trabalhem para garantir a efetivação desses direitos.
É importante destacar que os direitos do nascituro devem ser vistos em conjunto com outras questões relevantes, como o direito das mulheres à saúde e à autonomia reprodutiva. A proteção dos direitos do nascituro deve ser feita de forma equilibrada, buscando-se sempre conciliar os interesses envolvidos e garantir a justiça e a dignidade da pessoa humana, desde a sua concepção.
Apesar de não possuir personalidade jurídica, o nascituro é um sujeito de direitos e merece proteção do Estado e da sociedade. Nesse sentido, é importante que a legislação e a jurisprudência avancem no sentido de reconhecer e garantir esses direitos, sempre considerando as questões éticas e legais envolvidas, bem como a proteção da saúde e da integridade física da gestante.
Em suma, a conciliação entre o conceito jurídico de pessoa como início da personalidade e os direitos do nascituro é um desafio que exige a consideração cuidadosa de todos os aspectos envolvidos no debate, de modo a garantir a proteção adequada do feto e dos interesses da sociedade como um todo.
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TEPEDINO, Gustavo; NEVARES, Ana Luiza Maia; MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Fundamentos do direito civil: direito das sucessões. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021.
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[1] Mestra em Direito. Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Docente do Curso de Direito da Universidade de Gurupi – UnirG e Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP). E-mail: [email protected]
Bacharelanda em Direito pela Universidade de Gurupi – UnirG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, PÂMELA SOARES. O conceito jurídico civil de pessoa e o início da personalidade: direitos do nascituro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 maio 2023, 04:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/61408/o-conceito-jurdico-civil-de-pessoa-e-o-incio-da-personalidade-direitos-do-nascituro. Acesso em: 24 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
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