RESUMO: O presente artigo trata sobre o direito coletivo à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, abordando os temas que foram pauta de julgamentos nos últimos anos pelos tribunais superiores. O trabalho é pautado no que foi definido pelo STJ e STF acerca da competência, legitimidade ativa, objeto, formação de título executivo, sentença e efeitos da coisa julgada, dano moral coletivo, execução, prescrição honorários advocatícios e custas e taxas processuais.
1.Notas introdutórias
O processo é considerado coletivo quando a relação jurídica litigiosa é coletiva.
As ações coletivas iniciaram sua história no ordenamento jurídico nacional com a promulgação da Lei de Ação Popular – Lei nº 4.717/1965, sendo este considerado o primeiro instrumento que teve como objetivo a tutela em juízo de interesses coletivos.
A Lei nº 4.717/1965 apresentou duas modificações no sistema processual e que ganharam grande destaque, a saber, a legitimação ativa e a coisa julgada.
Pertinente à legitimação ativa, o art. 1º, caput, da Lei de Ação Popular consagrou a possibilidade de o cidadão defender, em nome próprio, interesses de toda a população, tratando-se de verdadeira hipótese de substituição processual.
Sublinhe-se que a substituição processual se dá quando alguém, autorizado por lei, age em nome próprio na defesa de direito e interesse alheio. É diferente de sucessão processual, na qual há a efetiva substituição da parte do processo, o que ocorre por força da modificação da titularidade do direito material afirmado em juízo. Já.
Logo, o art. 1º, caput, da Lei de Ação Popular consagrou a legitimidade de um cidadão buscar tutela jurisdicional de bem pertencente a toda população.
Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos.
A segunda alteração relevante correspondeu à formação da coisa julgada, isto porque o art. 18 da Lei nº 4.717/1965 ampliou a abrangência da coisa julgada formada no curso do processo, passando a atribuir efeitos erga omnes à decisão judicial. Em dito artigo, foi ainda previsto que em caso de improcedência por insuficiência de provas, a demanda poderia ser novamente proposta, desde que com base em nova prova.
Art. 18. A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível "erga omnes", exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.
As evoluções das ações coletivas podem ser categorizadas em três momentos, conforme expõem os professores Zaneti Jr., Hermes, e Leonardo Garcia (Direitos Difusos e Coletivos. Salvador: JusPodivm, 2022).
O primeiro momento é denominado de fase da absoluta predominância individualista da tutela jurídica. Nessa fase, iniciada com o Código Civil de 1916, houve a retirada das ações populares do cenário das ações coletivas no Brasil. Isto porque o aludido código civilista atribuiu legitimidade para promover ação judicial apenas àqueles que demonstrassem interesse próprio ou de sua família no direito que se pretendia tutelar. O direito da coletividade seria então objeto de proteção do direito penal e do direito administrativo.
Já no segundo momento consagrou-se a fase da proteção taxativa dos direitos massificados. Nesse momento, passaram a ser tutelados apenas alguns direitos coletivos, prevalecendo ainda a dimensão individualista dos direitos, de sua tutela e do processo civil.
Finalmente, o terceiro momento ficou conhecida como da tutela jurídica holística. Tal fase teve início com a Constituição Federal de 1988, que reconheceu expressamente os direitos e deveres coletivos como direitos fundamentais, garantindo o acesso à justiça e a inafastabilidade da tutela coletiva, e o devido processo legal também aos direitos coletivos. Houve uma ampliação da tutela jurídica para outros direitos coletivos, superando a taxatividade material dos direitos que poderiam ser tutelados coletivamente.
A Constituição Federal de 1988 trouxe a previsão de instrumentos importantes para tutela coletiva, tais como o reconhecimento da Ação Civil Pública, a legitimação do Ministério Público, o mandado de segurança coletivo, o mandado de injunção, representação processual para entidades associativas e a substituição processual para os sindicatos, a legitimação processual dos índios, entre outros.
Houve também grande avanço na tutela do direito material coletivo, grande parte deles previsto no capítulo que trata sobre os direitos fundamentais, dentre eles a proteção ao consumidor – que mais tarde daria origem a Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor).
Contudo, pode-se concluir que foi com o advento da Lei nº 7.347/1985 – Lei de Ação Civil Pública - que a tutela dos direitos coletivos passou a ser disseminada e ter sua importância reconhecida.
Através da Lei Ação Civil Pública foi incorporado ao processo civil brasileiro institutos importantes para tutela coletiva, tais como (i) a legitimidade ativa de órgãos, pessoas, entidade e associações; e a (ii) possibilidade de instauração do inquérito civil pelo Ministério Público, destinado à colheita de elementos para propositura da demanda coletiva.
Por fim, com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078/1990, foram introduzidas regras específicas e vanguardistas acerca da tramitação dos processos coletivos, apontando ainda conceito de direitos difuso, coletivos stricto senso e individuais homogêneos, o que ainda não havia sido feito pelo legislador ordinário.
2.Competência
Ao analisarmos a questão da competência, devemos destacar que esta é a capacidade de dizer o direito, definitivamente, no caso concreto.
A competência não é genérica. A competência é divisão administrativa da atividade jurisdicional feita para facilitar a organização da Justiça.
Assim, a rigor, todos os juízes têm jurisdição, mas a competência vai ser atribuída a um juiz no caso concreto. Diz-se então que a competência é a medida da jurisdição.
Há regras de competência na Constituição Federal, nas constituições estaduais, leis federais, leis de organização judiciária dos estados e da União e tratados internacionais incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro.
Para fixação da competência, prevista em regras abstratas e pré-determinadas, podem ser utilizados alguns critérios.
Como apontam os professores Fernando Gajardoni e Camilo Zufelato, o critério hierárquico é eleito a partir da análise da hierarquia das partes do processo ou a partir da verificação de qual é o papel que o juiz exerce no processo.
Já o critério material (ratione materiae) somente se verifica se da análise do caso não se puder aplicar o critério funcional/hierárquico. Tal critério serve para definir qual é o órgão da justiça com competência para cada caso. Assim, a justiça brasileira é dividida por ramos, conforme a matéria.
A análise do critério material é feita na seguinte ordem: Justiça Eleitoral, Justiça do Trabalho, Justiça Federal e Justiça Estadual. A análise da competência interna é feita por exclusão, nesses termos toca à Justiça Estadual a competência residual.
Por sua vez, o critério territorial define-se o local do ajuizamento da ação. Para que se defina o local, há um amplo regramento estabelecido nos arts. 46 a 53 do CPC.
No que tange às ações civis públicas cujo objeto seja de âmbito apenas local, deve-se aplicar o art. 2º da Lei nº 7.347/85 - foro do local onde ocorrer o dano.
Em sede de repercussão geral (tema 1075), o STF entendeu que em se tratando de ação civil pública de efeitos nacionais ou regionais, a competência deve observar o art. 93, II, da Lei nº 8.078/90 (CDC).
Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:
(...)
II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.
Entendeu ainda suprema corte que se ajuizadas múltiplas ações civis públicas de âmbito nacional ou regional, firma-se a prevenção do juízo que primeiro conheceu de uma delas, para o julgamento de todas as demandas conexas (art. 55, § 3º e art. 286 do CPC, além do art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 7.347/85).
3.Legitimidade Ativa
A legitimidade pode ser dividida em dois grupos, a saber legitimidade ordiária e a legitimidade extraordinária.
Sustentam Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti que a legitimidade ordinária é a regra geral do sistema processual brasileiro. A legitimação ordinária estabelece uma identidade entre a parte material e a parte processual, ou seja, a parte defende direito próprio em nome próprio.
A ideia de legitimidade ordinária é extraída da necessidade de que haja uma relação entre quem demanda, o que se demanda e contra quem se demanda. Essa relação somente pode ser verificada mediante a análise do direito material.
Já a legitimidade extraordinária ou substituição processual somente ocorre quando algúem, autorizado por lei, age em nome própria para defesa de direito alheio. Ocorre quando o substituído não puder defender seu interesse ou não parte integrante da lide. É a exceção no sistema processual, nos termos do art. 18 do Código de Processo Civil.
Na legitimidade extraordinária há uma uma dissociação entre a parte material e a parte processual, ou seja, uma pessoa pode defender em nome próprio o direito alheio. Por tal razão, a legitimação extraordinária reclama autorização do ordenamento jurídico
CPC, art. 18: Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico.
Parágrafo único. Havendo substituição processual, o substituído poderá intervir como assistente litisconsorcial.
Há quem sustenta que a legitimação extraordinária é diferente da substituição processual. Para quem vislumbra a diferença entre os institutos, a substituição processual é uma espécie de legitimação extraordinária, que, por sua vez, é gênero, e só ocorreria quando o substituído não pudesse defender seu interesse ou não fosse co-parte. Ou seja, a legitimação processual é gênero do qual a substituição processual é espécie.
Cumpra destacar ainda que Legitimação extraordinária é diferente de representação processual (art. 71, CPC).
Na legitimação extraordinária, há uma pessoa agindo em nome próprio para defender direito alheio. E na representação processual há a defesa de direito alheio em nome alheio. Ou seja, a parte processual não tem capacidade civil para ingressar em juízo por si, daí porque deve ser representada por terceiro.
Frise-se também que, como dito alhures, substituição processual (legitimidade extraordinária) é diferente de sucessão processual.
Na substituição processual, a pessoa, em nome próprio, defende direito alheio. Assim, a parte processual fica no processo, defendendo direito alheio. Na sucessão processual, a parte processual sai para que a parte material ingresse no processo.
No âmbito d microssistema de defesa dos interesses coletivos o que se destaca é o aproveitamento do processo coletivo, possibilitando a sucessão da parte autora pelo Ministério Público ou por algum outro colegitimado (ex: associação), com fulcro na importância dos interesses envolvidos em demandas coletivas (art. 5º, § 3º, da Lei da Ação Civil Pública e também no art. 9º da Lei da Ação Popular - Lei nº 4.717/65).
3.1 Ministério Público
A jurisprudência do STJ é assente no sentido de que o Ministério Público está sempre legitimado a defender qualquer direito difuso ou coletivo (Ministério Público sempre possui representatividade adequada).
Relativamente aos direitos individuais homogêneo, (i) se forem indisponíveis, o Ministério Público estará sempre legitimado a defender qualquer direito; (ii) se forem disponíveis, possui o Ministério Público legitimidade apenas quando há relevância social objetiva do bem jurídico tutelado ou diante da massificação do conflito em si considerado.
Súmula 601-STJ: O Ministério Público tem legitimidade ativa para atuar na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores, ainda que decorrentes da prestação de serviço público.
A jurisprudência do STJ "vem sedimentando-se em favor da legitimidade do MP para promover Ação Civil Pública visando à defesa de direitos individuais homogêneos, ainda que disponíveis e divisíveis, quando há relevância social objetiva do bem jurídico tutelado (a dignidade da pessoa humana, a qualidade ambiental, a saúde, a educação, para citar alguns exemplos) OU diante da massificação do conflito em si considerado" (STJ, AgInt no REsp 1.701.853/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 19/03/2021).
Logo, conclui-se que o Ministério Público detém legitimidade ativa para a propositura de ações civis públicas, visando à tutela de direitos individuais homogêneos, mesmo que disponíveis e divisíveis, quando socialmente relevante o bem jurídico cuja proteção é intentada.
Exemplos de direitos individuais homogêneos dotados de relevância social (Ministério Público pode propor Ação Civil Pública):
(a) Ministério Público pode questionar edital de concurso público para diversas categorias profissionais de determinada Prefeitura, em que se previa que a pontuação adotada privilegiaria candidatos que já integrariam o quadro da Administração Pública municipal (STF RE 216443);
(b) Na defesa de mutuários do Sistema Financeiro de Habitação (STF AI 637853 AgR);
(c) em caso de loteamentos irregulares ou clandestinos, inclusive para que haja pagamento de indenização aos adquirentes (REsp 743678);
(d) o Ministério Público tem legitimidade para figurar no polo ativo de ACP destinada à defesa de direitos de natureza previdenciária (STF AgRg no AI 516.419/PR);
(e) o Ministério Público tem legitimidade para propor Ação Civil Pública com o objetivo de anular Termo de Acordo de Regime Especial - TARE firmado entre o Distrito Federal e empresas beneficiárias de redução fiscal. O referido acordo, ao beneficiar uma empresa privada e garantir-lhe o regime especial de apuração do ICMS, poderia, em tese, implicar lesão ao patrimônio público, fato que legitima a atuação do parquet na defesa do erário e da higidez da arrecadação tributária (STF RE 576155/DF);
(f) o Ministério Público tem legitimação para, por meio de Ação Civil Pública, pretender que o Poder Público forneça medicação de uso contínuo, de alto custo, não disponibilizada pelo SUS, mas indispensável e comprovadamente necessária e eficiente para a sobrevivência de um único cidadão desprovido de recursos financeiros;
(g) defesa do direito dos consumidores de não serem incluídos indevidamente nos cadastros de inadimplentes (REsp 1.148.179-MG).
Exemplos de direitos individuais homogêneos destituídos de relevância social (Ministério Público não pode propor Ação Civil Pública nesses casos):
(a) o Ministério Público não pode ajuizar Ação Civil Pública para veicular pretensões que envolvam tributos (impostos, taxas etc.), contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados (art. 1º, parágrafo único, da Lei de Ação Civil Pública);
(b) O Ministério Público não tem legitimidade ativa para propor ação civil pública na qual busca a suposta defesa de um pequeno grupo de pessoas - no caso, dos associados de um clube, numa óptica predominantemente individual. (STJ, REsp 1109335/SE);
(c) o Ministério Público não pode buscar a defesa de condôminos de edifício de apartamentos contra o síndico, objetivando o ressarcimento de parcelas de financiamento pagas para reformas afinal não efetivadas.
Contudo, em que pese a legitimidade ativa ora estudada, decidiu o Supremo Tribunal Federal que não cabe ao Ministério Público promover a liquidação da sentença coletiva para satisfazer, um a um, os interesses individuais disponíveis das vítimas ou seus sucessores, por se tratar de pretensão não amparada no Código de Defesa do Consumidor, e que foge às atribuições institucionais do Parquet. Ressalve-se, contudo, a hipótese do art. 100 do Código de Defesa do Consumidor (reparação fluída), que será adiante explicada.
De acordo com o Supremo Tribunal Federal, a tutela coletiva dos interesses individuais homogêneos se desdobra em duas fases.
A primeira, tem como regra a legitimidade extraordinária dos autores coletivos, substitutos processuais, na medida em que ocorre um juízo de conhecimento sobre as questões fáticas e jurídicas indivisíveis, como a existência da obrigação, a natureza da prestação e o sujeito passivo.
Já na segunda fase, predomina a legitimidade ordinária dos titulares do direito material efetivamente lesados, uma vez que é quando serão definidos os demais elementos indispensáveis, como a titularidade do direito e o quantum debeatur. A propósito (STF, RE 631.111, Tribunal Pleno, DJe 30/10/2014).
Destaque-se também que o Ministério Público ostenta legitimidade ativa para a propositura de Ação Civil Pública objetivando resguardar direitos individuais homogêneos dos consumidores, uma vez que referida tutela possui relevância social que emana da própria Constituição Federal (arts. 5º, XXXII, e 170, V).
Súmula 601-STJ: O Ministério Público tem legitimidade ativa para atuar na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores, ainda que decorrentes da prestação de serviço público.
Ademais, a formação de litisconsórcio ativo facultativo entre o Ministério Público Estadual e o Federal depende da demonstração de alguma razão específica que justifique a presença de ambos na lide.
3.2 - Associação
Como regra, para que uma associação possa propor Ação Civil Pública, ela deverá estar constituída há pelo menos 1 (um) ano, nos termos do art. 5º, V, “a”, da Lei nº 7.347/1985.
Este requisito, contudo, não é absoluto, isto porque o lapso temporal de pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido (§ 4º do art. 5º da Lei nº 7.347/85).
Neste caso, a Ação Civil Pública, mesmo tendo sido proposta por uma associação com menos de 1 (um) ano, poderá ser conhecida e julgada.
Importante questão diz respeito a pertinência temática. A pertinência temática é o nexo que deve existir entre a finalidade institucional da autora da Ação Civil Pública e aquilo que se pretende na ação.
Essa análise, contudo, não pode ser extremamente restritiva. Ao contrário, já decidiu o STJ que o juízo de verificação da pertinência temática deverá observa certa flexibilidade, de forma a ampliar seu âmbito de aplicação, em atenção ao princípio do acesso à justiça. Nesse sentido:
O juízo de verificação da pertinência temática para a proposição de ações civis públicas há de ser responsavelmente flexível e amplo, em contemplação ao princípio constitucional do acesso à justiça, mormente a considerar-se a máxima efetividade dos direitos fundamentais. STJ. 4ª Turma. AgInt nos EDcl no REsp 1788290-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/05/2022 (Info 738).
Relativamente à atuação, as associações em processos coletivos podem agir de duas maneiras.
Podem as associações aturem por meio da ação coletiva ordinária, hipótese de representação processual, com base no permissivo contido no art. 5º, inciso XXI, da CF/88.
E podem também agirem por meio de ação civil pública, atuando a associação nos moldes da substituição processual prevista no Código de Defesa do Consumidor e na Lei da Ação Civil Pública (inciso V do art. 5º da Lei nº 7.347/85).
A associação, na hipótese em que ajuíza ação na defesa dos interesses de seus associados, estará atuando como representante processual e, por tal razão, é obrigatória a autorização individual ou assemblear dos associados.
Contudo, existem duas hipóteses em que a associação não necessitará da autorização expressa para propor ação em favor de seus associados na ação coletiva ordinária.
A primeira hipótese diz respeito ao mandado de segurança coletivo. Por expressa previsão constitucional (art. 5º, LXX, “b”, da CF), no caso de manejo de mandado de segurança coletivo, a associação não precisa de autorização específica dos filiados.
Art. 5º, LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:
a) partido político com representação no Congresso Nacional;
b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;
Tal entendimento foi consolidado pelo Supremo Tribunal Federal através da súmula 629, que leciona que o mandado de segurança coletivo manejado por entidade de classe de associados independe de autorização.
Súmula 629-STF: A impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização destes.
A segunda hipótese de dispensa de autorização é a do mandado de injunção coletivo. No caso de manejo de mandado de injunção coletivo, a associação também não precisa de autorização específica dos filiados, é o que prevê o art. 12, III, da Lei nº 13.300/2016, abaixo transcrito.
Art. 12. O mandado de injunção coletivo pode ser promovido:
III - por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos 1 (um) ano, para assegurar o exercício de direitos, liberdades e prerrogativas em favor da totalidade ou de parte de seus membros ou associados, na forma de seus estatutos e desde que pertinentes a suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial;
Veja-se então que a associação quando ajuíza ação na defesa de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, atua como substituta processual e não precisa dessa autorização de seus associados.
Cumpre registrar que a associação privada autora de uma ação civil pública pode fazer transação com o réu e pedir a extinção do processo, nos termos do art. 487, III, “b”, do CPC.
3.3 - Administração Pública Direita
Quando se fala em administração pública direta são entes federativos e seus órgãos. Compõe-se da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, assim como seus respectivos órgãos.
Entende-se que os entes federativos ou políticos, enquanto gestores da coisa pública e do bem comum, possuem grande interesse na defesa dos interesses metaindividuais, considerando que o Estado tem por fim o bem comum de um povo situado em um determinado território.
Conforme já decidido pelo STJ, no o Município, por exemplo, tem legitimidade ad causam para ajuizar ação civil pública em defesa de direitos consumeristas questionando a cobrança de tarifas bancárias.
Assim, na defesa do bem comum do povo, é possível que os órgãos públicos promovam a tutela dos interesses da população. Em verdade, tem-se que tal possibilidade é verdadeiro dever-poder, de sorte que para entes políticos é imperioso o dever de agir na defesa de interesses metaindividuais.
Ademais, é de se destacar que a legitimação dos entes políticos para a defesa de interesses metaindividuais possui fundamento na também qualidade de sua estrutura, que possibilita uma maior probabilidade de sucesso na implementação da tutela coletiva.
Cumpre mencionar ainda que no caso de ação civil pública proposta por ente político, a pertinência temática ou representatividade adequada são presumidas. Há então um senso comum que os entes políticos possuem, dentre suas finalidades institucionais, a defesa coletiva dos consumidores. É o que prevê a Constituição Federal, art. 5º, XXXII.
Art. 5º, XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;
3.4 - Administração pública indireta
Na administração pública indireta encontramos as autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações estatais, além de seus respectivos órgãos.
Em uma análise literal do art. 5º da Lei nº 7.347/85, verifica-se que apenas se exige expressamente da associação a comprovação de pertinência temática para propositura de ação civil pública.
Assim, com base na interpretação literal do supracitado artigo de lei, as autarquias, empresas públicas, fundações públicas e sociedades de economia mista não precisariam comprovar a pertinência temática para ajuizarem ações coletivas.
Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça não adota essa interpretação literal. Para o Superior Tribunal de Justiça as autarquias, empresas públicas, fundações públicas e sociedades de economia mista possuem competências legais e estatutárias, as quais delimitam o seu campo de atuação.
E por haver delimitação do campo de atuação, o Superior Tribunal de Justiça encampou a tese de que as entidades da administração pública indireta somente poderão ingressar com Ação Civil Pública se demonstrarem a pertinência temática.
4. Objeto
Relativamente ao objeto das ações coletivas, sobretudo da ação civil pública, tem-se que engloba a responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ao meio-ambiente, ao consumido, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer interesse difuso ou coletivo, a infração da ordem econômica e urbanística, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos e ao patrimônio público e social (art. 1º, caput, da Lei de Ação Civil).
Há expressa vedação no parágrafo único do art. 1º da Lei de Ação Civil Pública para demandas coletivas que versem acerca de pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados.
Interessante hipótese que merece destaque diz respeito a ação civil pública direcionada contra a administração pública, com objetivo de implementação de políticas públicas. Entende o STJ que é lícito ao Poder Judiciário determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separação dos Poderes.
Em se tratando de ação civil pública direcionada contra a Administração Pública, objetivando a implementação de políticas públicas, é lícito ao Poder Judiciário "determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separação dos Poderes" (AI 739.151 AgR, Rel. Ministra ROSA WEBER, DJe 11/06/2014). STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1496383/SC, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 09/05/2022.
Também mostra-se relevante o recente julgado em que o STJ reconheceu que a segurança pública caracteriza-se como direito difuso e coletivo, atraindo a legitimidade do Ministério Público para propositura da ação civil pública.
A pretensão ministerial (segurança pública) caracteriza-se como direito difuso e coletivo, evidenciando a legitimidade do Parquet para a propositura da ação civil pública, destinada à imposição às instituições bancárias da obrigação de fornecer os dados cadastrais dos seus clientes, independentemente de autorização judicial, quando requisitados pelo MPF ou pela Polícia Federal.
STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1519507/SP, Rel. Min. Gurgel De Faria, julgado em 25/04/2022.
Já decidiu também o STJ que a alienação de terrenos a consumidores de baixa renda em loteamento irregular, tendo sido veiculada publicidade enganosa sobre a existência de autorização do órgão público e de registro no cartório de imóveis, configura lesão ao direito da coletividade e dá ensejo à indenização por dano moral coletivo.
Ainda é importante destacar que a inconstitucionalidade de determinada lei pode ser alegada em ação civil pública, desde que a título de causa de pedir, e não de pedido.
De acordo com a jurisprudência desta Corte, "a inconstitucionalidade de determinada lei pode ser alegada em ação civil pública, desde que a título de causa de pedir - e não de pedido", como no caso em análise, pois, nessa hipótese, o controle de constitucionalidade terá caráter incidental (REsp 1.569.401/CE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/03/2016, DJe 15/03/2016). Hipótese em que que a alegação de inconstitucionalidade da Lei n. 19.452/2016, deduzida pelo MP/GO, confunde-se com o pedido principal da causa, inviabilizando o manejo da presente ação civil pública. STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 1736396/GO, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 25/04/2022.
O STJ também já se manifestou no sentido de que “o Ministério Público é parte legítima para ajuizar ação civil pública contra a cobrança abusiva de honorários advocatícios em demandas previdenciárias envolvendo pessoa idosa”. STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp n. 1.860.919/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 25/4/2022.
O Ministério Público não possui legitimidade ativa ad causam para, em ação civil pública, deduzir em juízo pretensão de natureza tributária em defesa dos contribuintes, que vise questionar a constitucionalidade/legalidade de tributo (ARE 694294 RG, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 25/04/2013. Repercussão Geral – Tema 645).
5.Dano Moral Coletivo
O dano moral transindividual - conhecido como “dano moral coletivo” -, caracteriza-se pela prática de conduta antijurídica que, de forma absolutamente injusta e intolerável, viola valores éticos essenciais da sociedade, implicando, em razão disso, um dever de reparação.
O dano moral coletivo tem três objetivos: (i) prevenir novas condutas antissociais (função dissuasória); (ii) punir o comportamento ilícito (função sancionatório-pedagógica); e (iii) reverter, em favor da comunidade, o eventual proveito patrimonial obtido pelo ofensor (função compensatória indireta).
Essa categoria de dano moral é aferível in re ipsa, ou seja, basta que se verifique se, no caso concreto, houve a prática de uma conduta ilícita que, de maneira injusta e intolerável, viole valor ético-jurídico fundamental da sociedade. É desnecessária a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo moral.
Os danos morais coletivos se baseiam na responsabilidade de natureza objetiva, a qual dispensa a comprovação de culpa ou de dolo do agente lesivo, o que é justificado pelo fenômeno da socialização e coletivização dos direitos, típicos das lides de massa.
O dano moral coletivo está presente não apenas com base no CDC, mas também com fundamento na Lei nº 6.766/79, que dispõe sobre o parcelamento do solo para fins urbanos.
6.Processo e Procedimento. Nulidades.
Admite-se emenda à inicial de ação civil pública, em face da existência de pedido genérico, ainda que já tenha sido apresentada a contestação (art. 321 do CPC). Isso em atenção ao princípio da efetividade, que está intimamente ligado ao valor social e deve ser utilizado pelo juiz da causa para abrandar os rigores da intelecção vinculada exclusivamente ao Código de Processo Civil - desconsiderando as especificidades do microssistema regente das ações civis -, dado seu escopo de servir à solução de litígios de caráter individual.
O autor da ação civil pública dá causa à nulidade processual quando deixa de indicar no polo passivo as pessoas beneficiadas pelo procedimento e pelos atos administrativos inquinados, deixando de formar o litisconsórcio na hipótese em que homologado o resultado final do concurso, com as consequentes nomeação e posse dos aprovados.
7. Sentença e efeitos da coisa julgada.
A eficácia das decisões proferidas em ações civis públicas coletivas não deve ficar limitada ao território da competência do órgão jurisdicional que prolatou a decisão.
Do contrário, seria patente o desrespeito aos princípios da igualdade, da eficiência, da segurança jurídica e da efetiva tutela jurisdicional.
A competência territorial limita o exercício da jurisdição e não os efeitos ou a eficácia da sentença, os quais, como é de conhecimento comum, correlacionam-se com os “limites da lide e das questões decididas” (art. 468, CPC) e com as que o poderiam ter sido (art. 474, CPC).
Relativamente à remessa necessária, é importante destacar que não se admite o cabimento, tal como prevista no art. 19 da Lei nº 4.717/65, nas ações coletivas que versem sobre direitos individuais homogêneos.
Quando a sentença da ação popular for procedente, não haverá reexame necessário. Perceba, portanto, que o art. 19 inverte a lógica da remessa necessária do CPC. Pelo CPC, se a Fazenda “perde”, haverá reexame. Na ação popular, o reexame necessário ocorre se o cidadão perde.
Em virtude disso, podemos dizer que esse art. 19 traz uma hipótese de duplo grau de jurisdição invertido, ou seja, um duplo grau que ocorre em favor do cidadão (e não necessariamente da Fazenda Pública).
O STJ entende que é possível aplicar, por analogia, a primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/65 paras as sentenças de improcedência de ação civil pública, exceto nas ações coletivas que versem sobre direitos individuais homogêneos. Isso porque os direitos individuais homogêneos são apenas acidentalmente coletivos, não sendo transindividuais nem atingindo a coletividade como um todo.
Os autores de ações individuais em cujos autos não foi dada ciência do ajuizamento de ação coletiva e que não requereram a suspensão das demandas individuais podem se beneficiar dos efeitos da coisa julgada formada na ação coletiva.
Segundo o STJ, ajuizada ação coletiva atinente a macrolide geradora de processos multitudinários, suspendem-se as ações individuais, no aguardo do julgamento da ação coletiva. É importante ressaltar, contudo, que as ações coletivas não induzem (provocam) litispendência para as ações individuais (art. 104 do CDC).
Os autores das ações individuais deverão ser avisados que foi proposta uma ação coletiva com o mesmo pedido.
Depois de serem avisados, os autores individuais terão que fazer uma opção no prazo de 30 dias: (i) poderão escolher continuar com a ação individual: neste caso, não poderão ser beneficiados com eventual decisão favorável no processo coletivo; ou (ii) Poderão pedir a suspensão da ação individual: neste caso, os efeitos da coisa julgada produzida na ação coletiva beneficiarão os autores das ações individuais.
Essa regra está prevista no art. 104 do CDC, que é aplicado a todos os processos coletivos mesmo que não envolvam direito do consumidor.
Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de 30 dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.
O ônus de fazer essa comunicação aos autores individuais de que foi ajuizada uma ação coletiva com o mesmo pedido cabe ao demandado das ações. Constitui ônus do demandado dar ciência inequívoca da propositura da ação coletiva àqueles que propuseram ações individuais, a fim de que possam fazer a opção pela continuidade do processo individual, ou requerer a sua suspensão para se beneficiar da sentença coletiva.
Se o réu não fizer essa comunicação o processo individual continua a correr normalmente, mas, se for proferida uma decisão favorável no processo coletivo, o autor individual poderá se beneficiar dela.
Desse modo, se a ação coletiva for julgada procedente e transitar em julgado, o autor individual que não foi comunicado formalmente pelo réu de que havia sido ajuizada uma ação coletiva, poderá requerer a desistência da ação individual e pedir a sua habilitação para promover a execução da sentença coletiva.
Após o trânsito em julgado de decisão que julga improcedente ação coletiva proposta em defesa de direitos individuais homogêneos, independentemente do motivo que tenha fundamentado a rejeição do pedido, não é possível a propositura de nova demanda com o mesmo objeto por outro legitimado coletivo, ainda que em outro Estado da federação.
8.Formação do Título Executivo e Execução.
Como já dito, os direitos individuais homogêneos protegidos em uma sentença coletiva podem ser executados de três formas.
A primeira delas ocorre por meio de execução individual (art. 97 do CDC). Os direitos individuais homogêneos, em razão da sua natureza jurídica, comportam execução individual na fase de cumprimento de sentença.
CDC, Art. 97. A liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82.
A segunda forma é a execução “coletiva” do art. 98 do CDC, promovida pelos legitimados.
Art. 98. A execução poderá ser coletiva, sendo promovida pelos legitimados de que trata o art. 82, abrangendo as vítimas cujas indenizações já tiveram sido fixadas em sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções.
A terceira forma é a execução residual (fluid recovery) prevista no art. 100 do CDC. Trata-se da execução coletivo propriamente dita.
Art. 100. Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a liquidação e execução da indenização devida.
Parágrafo único. O produto da indenização devida reverterá para o fundo criado pela Lei n.° 7.347, de 24 de julho de 1985.
Em que pese o art. 98 do CDC mencionar a execução da sentença coletiva, é importante sublinhar que a fase executiva impede a atuação dos legitimados coletivos na forma de substituição processual. Isto porque o interesse social que fundamentava sua atuação está vinculado ao núcleo de homogeneidade do direito do qual carece este segundo momento.
Por esta razão é que o art. 100 do CDC consagrou a hipótese específica e acidental de tutela dos direitos individuais homogêneos pelos legitimados do rol do art. 82, que poderão figurar no polo ativo do cumprimento de sentença por meio da denominada recuperação fluida (fluid recovery).
O objetivo da recuperação fluída é “preservar a vontade da Lei, qual seja, a de impedir o enriquecimento sem causa do fornecedor que atentou contra as normas jurídicas de caráter público, lesando os consumidores” (REsp 1.156.021/RS, 4ª Turma, DJe 05/05/2014).
Conclui-se então que a legitimidade subsidiária da associação e dos demais sujeitos previstos no art. 82 do CDC em cumprimento de sentença coletiva fica condicionada, passado um ano do trânsito em julgado, a não haver habilitação por parte dos beneficiários ou haver em número desproporcional ao prejuízo, nos termos do art. 100 do CDC.
Art. 100. Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a liquidação e execução da indenização devida.
Destaque-se que nas ações coletivas é possível a limitação do número de substituídos em cada cumprimento de sentença, por aplicação extensiva do art. 113, § 1º, do Código de Processo Civil.
Não tendo havido expressa limitação subjetiva no julgado coletivo, todos os integrantes da categoria substituída pelo sindicato possuem legitimidade para executar o título judicial, independentemente de autorização ou relação nominal eventualmente juntada à inicial. STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1956312-RS, Rel. Ministro Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF5), julgado em 29/11/22 (Info 759).
9.Ação Coletiva – Ação Civil Pública.
Em ação civil pública proposta por associação, na condição de substituta processual, possuem legitimidade para a liquidação e execução da sentença todos os beneficiados pela procedência do pedido, independentemente de serem filiados à associação promovente – STJ - Recurso Repetitivo – Tema 948.
Todos os substituídos numa ação civil pública que tem por objeto a tutela de um direito individual homogêneo possuem legitimidade para liquidação e execução da sentença, e que esses substituídos são todos aqueles interessados determináveis que se unem por uma mesma situação de fato.
Os direitos individuais homogêneos (art. 81, parágrafo único, III, do CDC) são direitos subjetivos individuais tutelados coletivamente em razão de decorrerem de uma mesma origem, resultam “não de uma contingência imposta pela natureza do direito tutelado, e sim de uma opção política legislativa, na busca de mecanismos que potencializem a eficácia da prestação jurisdicional”.
A coisa julgada formada nas ações coletivas fundadas em direitos individuais homogêneos é estabelecida segundo o art. 103, III, do CDC.
Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:
III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.
Assim, proposta uma ação coletiva fundada em direitos individuais homogêneos, já se sabe que a sentença irá formar coisa julgada pro et contra em relação aos legitimados coletivos, enquanto terá efeitos erga omnes no caso de procedência do pedido (secundum eventum litis).
A coisa julgada pro et contra é aquela que se forma independentemente do resultado do processo, do teor da decisão judicial proferida.
Importante também ressaltar que a sentença de uma ação coletiva fundada em direitos individuais homogêneos será sempre genérica, fixando apenas a responsabilidade do réu pelos danos causados (art. 95 do CDC).
Art. 95. Em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados.
O mandado de segurança coletivo configura hipótese de substituição processual, por meio da qual o impetrante, no caso a associação, atua em nome próprio defendendo direito alheio, pertencente aos associados ou parte deles, sendo desnecessária, para a impetração do mandamus, apresentação de autorização dos substituídos ou mesmo lista nominal.
Por tal razão, os efeitos da decisão proferida em mandado de segurança coletivo beneficiam todos os associados, ou parte deles cuja situação jurídica seja idêntica àquela tratada no decisum, sendo irrelevante se a filiação ocorreu após a impetração do writ.
A sentença proferida em ação coletiva, de rito ordinário, terá eficácia apenas para os associados que, no momento do ajuizamento da ação, tinham domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator da decisão. Isso está previsto no caput do art. 2º-A da Lei nº 9.494/97.
A eficácia subjetiva da coisa julgada formada a partir de ação coletiva, de rito ordinário, ajuizada por associação civil na defesa de interesses dos associados, somente alcança os filiados, residentes no âmbito da jurisdição do órgão julgador, que o fossem em momento anterior ou até a data da propositura da demanda, constantes da relação jurídica juntada à inicial do processo de conhecimento. STF. Plenário. RE 612043/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 10/5/2017 (repercussão geral) (Info 864).
10.Prescrição
A Lei nº 7.347/85 não contém previsão de prazo prescricional para o ajuizamento da ação civil pública.
Para o STJ, em regra, o prazo para o ajuizamento da ação civil pública é de 5 anos, aplicando-se, por analogia, o prazo previsto na ação popular (art. 21 da Lei nº 4.717/65), considerando que as duas ações fazem parte do mesmo microssistema de tutela dos direitos difusos (REsp 1070896/SC).
Existem, contudo, exceções. A primeira delas é propositura de ação civil pública para exigir o ressarcimento ao erário e que possui como fundamento a prática de ato tipificado na Lei de Improbidade Administrativa. Neste caso, a ação é imprescritível (art. 37, § 5º, da CF/88).
A segunda exceção ocorrer quando a ação civil pública é manejada para fins de responsabilização por danos ambientais. Neste caso, o exercício do direito de ação também é imprescritível.
Veja-se então que a lacuna da Lei nº 7.347/85 é suprida com a aplicação de outra legislação também integrante do microssistema de proteção dos interesses transindividuais, como os coletivos e difusos, de forma que se deve afastar os prazos do Código Civil, mesmo na tutela de direitos individuais homogêneos.
Já foi assentado pelo STJ que “no âmbito do Direito Privado, é de 5 anos o prazo prescricional para ajuizamento da execução individual em pedido de cumprimento de sentença proferida em Ação Civil Pública”. STJ. 2ª Seção. REsp 1.273.643-PR, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 27/2/2013 (Recurso Repetitivo – Tema 515) (Info 515).
Ainda segundo entendimento do STJ, o prazo prescricional para a execução individual tem início com o trânsito em julgado da sentença coletiva, carecendo de publicação de editais convocando eventuais beneficiários.
O prazo prescricional para a execução individual é contado do trânsito em julgado da sentença coletiva, sendo desnecessária a providência de que trata o art. 94 da Lei nº 8.078/90 (CDC), ou seja, a publicação de editais convocando eventuais beneficiários. STJ. 1ª Seção. REsp 1388000-PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. para acórdão Min. Og Fernandes, julgado em 26/8/2015 (Recurso Repetitivo – Tema 877) (Info 580).
Por sua vez, para o STJ a pretensão executória de obrigações de fazer previstas em termo de ajustamento de conduta firmado para reparação de danos ambientais e que tenha viés apenas patrimonial sujeita-se à prescrição quinquenal.
A pretensão executória de obrigações de fazer previstas em Termo de ajustamento de conduta (TAC) firmado para reparação de danos ambientais decorrentes de empreendimento imobiliário, quando relacionadas a questões meramente patrimoniais, não visando a restauração de bens de natureza ambiental, sujeita-se à prescrição quinquenal. STJ. 1ª Turma. AREsp 1941907-RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 09/08/2022 (Info 744).
Importante destacar que, segundo o STJ, “a citação válida em ação coletiva por danos ambientais interrompe o prazo prescricional da ação indenizatória individual se coincidente a causa de pedir das demandas” (STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 2.036.247-RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 14/11/2022 (Info Especial 9).
11.Honorários advocatícios
A regra no processo civil brasileiro é que a sentença contenha previsão de condenação do vencido ao pagamento de honorários advocatícios em favor do patrono do vencedor da demanda (art. 85, caput, do CPC).
A regra muda quando estamos diante do art. 18 da Lei nº 7.347/85 e do art. 87 do Código de Defesa do Consumidor. A partir da leitura de tais artigos, é possível concluir que não há condenação em honorários advocatícios na ação civil pública, salvo em caso de comprovada má-fé.
Esse inclusive é o entendimento do STJ, para quem “nos termos do art. 18 da Lei nº 7.347/85 (Lei de ACP) e do art. 87 do CDC, não há condenação em honorários advocatícios na Ação Civil Pública, salvo em caso de comprovada má-fé. ” STJ. 2ª Seção. AR 4684-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 11/05/2022 (Info 738).
A parte que foi vencida em ação civil pública não tem o dever de pagar honorários advocatícios em favor do autor da ação. A justificativa para isso está no princípio da simetria.
Isso porque se o autor da ação civil pública perder a demanda, ele não irá pagar honorários advocatícios, salvo se estiver de má-fé (art. 18 da Lei nº 7.347/85). Logo, pelo princípio da simetria, se o autor vencer a ação, também não deve ter direito de receber honorários.
Contudo, há uma exceção. Se a ação tiver sido proposta por associações e fundações privadas e o pedido for julgado procedente, o requerido terá o dever de pagar honorários advocatícios.
Logo, o princípio da simetria na condenação do réu nas custas e nos honorários advocatícios se aplica se o autor da ação civil pública for pessoa jurídica de direito público ou o Ministério Público.
Contudo, tal princípio não se aplica quando houver condenação do réu ao pagamento das custas e nos honorários advocatícios em sede de ações civil públicas proposta por associações e fundações privadas.
12.Custas e taxas processuais
Prevê o art. 18 da Lei nº 7.347/1985 que “não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais”.
O STJ possui entendimento firmado no sentido de que as regras de isenção do pagamento de custas e taxas processuais só se aplicam para as custas judiciais em ações civis públicas (qualquer que seja a matéria), ações coletivas que tenham por objeto relação de consumo; e na ação cautelar prevista no art. 4º da LACP (qualquer que seja a matéria).
Conclui ainda que não seria possível estender, por analogia ou interpretação extensiva, a isenção das custas e taxas processuais para outros tipos de ação ou para incidentes processuais, mesmo que tratem sobre direito do consumidor.
Assim, para o STJ, é devido o recolhimento inicial de custas judiciais no âmbito de liquidação de sentença coletiva genérica, proposta por associação, em nome de titulares de direito material específico e determinado.
O conteúdo do art. 18 da LACP e do art. 87 do CDC aplica-se à fase de conhecimento. Contudo, tais benefícios não se aplicam à liquidação individual e/ou cumprimento individual da sentença coletiva que forem instaurados, em legitimidade ordinária, pelos titulares do direito material em nome próprio, com a formação de novos processos.
Isto porque, nessa fase processual há nítida prevalência de interesses meramente privados de cada parte beneficiada pelo título judicial genérico.
Entende-se da mesma forma no caso de liquidação e/ou na execução da sentença coletiva promovidas por uma associação, na condição de representante processual dos titulares do direito material devida e previamente especificados e determinados na petição de liquidação de sentença e no interesse eminentemente privado de cada um deles, equiparando-se à liquidação e execução individuais da sentença coletiva.
Nas situações acima apontadas, prevalece a regra do processo civil tradicional, de que as despesas processuais, inclusive as custas judiciais, devem ser recolhidas antecipadamente.
Referências
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Gajardoni, Fernando da Fonseca, e Camilo Zufelato. Processo Civil. Salvador : Juspodivm, 2018.
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Jr., Fredie Didier Jr., e Hermes Zaneti. Curso de Direito Processual Coletivo. Salvador: JusPodivm, 2021.
Júnior, Humberto Teodoro. Código de Processo Civil Anotado. Rio de Janeiro: Grupo Editorial Nacional - GEN, 2019.
Júnior, Nelson Nery, e Rosa Maria de Andrade Nery. Códido de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
Medina, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado . São Paulo : Revista dos Tribunais, 2015.
Vitorelli, Edilson. O Devido Processo Legal Coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.
www.stj.jus.br. s.d.
Zaneti Jr., Hermes, e Leonardo Garcia. Direitos Difusos e Coletivos. Salvador: JusPodivm, 2022.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, José Marcelo de Albuquerque Monteiro. Direito coletivo e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 jun 2023, 04:39. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/61748/direito-coletivo-e-a-jurisprudncia-do-supremo-tribunal-federal-stf-e-do-superior-tribunal-de-justia-stj. Acesso em: 21 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Por: PRISCILA GOULART GARRASTAZU XAVIER
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