ELOISA DA SILVA COSTA
(orientadora)
Resumo: No ano de 2021 houve uma importante mudança na Lei de Improbidade Administrativa. Ainda não se sabe os impactos gerados pela nova lei por ser uma mudança recente. O presente trabalho busca trazer a análise das alterações da Lei de Improbidade Administrativa. O estudo trata-se de uma revisão de literatura com base na Lei 8.429/92, na Lei 14.230/21, na Constituição Federal de 1988, em pesquisas doutrinárias e jurisprudenciais, a respeito dos principais impactos que a nova lei de improbidade administrativa poderá gerar ao cenário jurídico. O trabalho aponta as principais mudanças da lei de improbidade, a finalidade de acordo com a doutrina e repercussão gerada a partir das modificações. As mudanças têm pontos positivos e negativos, mas ainda não se sabe as consequências das alterações, tais questionamentos serão sanados, provavelmente, com muitos estudos fáticos e doutrinários do Direito Administrativo.
Palavras-chave: Lei de improbidade administrativa. Mudanças na Lei de Improbidade. Corrupção. Agentes públicos.
Abstract: In 2021, there was an important change in the Improbity Administrative Law. It is not known yet about the impacts generated by the new law for being a recent change. This article will analyze the changes of the Improbity Administrative Law. This article is a literature review based in Law 8,429/92, and Law 14,230/21, in the Federal Constitution of 1988, on doctrinal and jurisprudential searches, regarding the main impacts that the new administrative improbity law could generate on the legal scenario. The work introduces the principal changes of the improbity law, with the finality according to the doctrine and the repercussion of the consequences. The changes have positive and negative points, but don’t know yet the consequences of the changes, these questions will be answered with many factual and doctrinal studies such as Administrative Law.
Keywords: Administrative impropriety law. Changes to the impropriety law. Corruption. Public agents.
Sumário: 1. Introdução. 2. Pressupostos teóricos. 2.1. Conceito. 2.2. Direito comparado. 2.3. Natureza jurídica. 2.4. Evolução histórica. 2.5. Tipificação legal. 3.1. Sujeitos que compõem o ato de improbidade administrativa. 3.1.1. Sujeito ativo. 3.1.2 Sujeito passivo. 3.2. Principais alterações da Lei de Improbidade Administrativa. 3.3. Finalidade da reforma da lei nº8429/92. 3.4. Repercussão gerada a partir destas modificações. 4. Considerações finais.
As crescentes preocupações com o combate à corrupção fazem parte da agenda dos países que buscam implantar ferramentas de governança capazes de garantir o chamado “direito à boa administração”. Assim, a eficiência administrativa, o controle da gestão pública e os padrões éticos, são características indispensáveis da gestão pública moderna.
A expressão "corrupção" pode ser definida para os fins deste trabalho como "um fenômeno que induz um funcionário público a agir de forma diferente dos padrões normativos do sistema em favor de interesses privados em troca de remuneração". Em suma, é "uma forma especial de exercer influência ilegal, ilegítima e ilícita".
A corrupção se torna inimiga da República, uma vez que significa o uso privado de uma coisa ou bem público, na qual a característica básica do republicanismo é a busca pelo “bem comum”, havendo, portanto, a distinção entre os espaços público e privado.
Assim, o combate à corrupção depende de uma série de mudanças culturais e institucionais, é preciso fortalecer as ferramentas de controle do aparelho administrativo, aumentar a transparência, a prestação de contas e o controle público.
Partindo deste princípio, o tema da improbidade administrativa encontra-se cada vez mais abordado e discutido pelos legisladores do direito, com destaque para a aplicação da Nova Lei 14.230/2021, buscando trazer novos entendimentos no combate à corrupção administrativa Brasileira, uma vez que reformula grandemente a antiga Lei de Improbidade Administrativa nº 8.429/1992.
Portanto, o presente trabalho busca analisar as alterações que os legisladores propuseram com base na Nova LIA (Lei de Improbidade Administrativa), com intuito de represar ainda mais de forma justa os atos ímprobos diretamente ligados à corrupção.
2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
A palavra “probidade” é relativa àquilo que é probo, honesto, honrado, íntegro e bom. A conduta traz consigo a boa-fé, princípios éticos e morais. Improbidade é o contrário, significa imoralidade, desonestidade e desonra.
A conduta honesta é uma característica que deve ser observada por aqueles que se relacionam com o Estado, em especial os agentes públicos, que têm o dever de atuar com probidade com o bem público (NEVES, 2020).
A razão de probidade administrativa e o objetivo que se busca pelo ordenamento jurídico é zelo ao patrimônio público material e social do Estado, inspirado por valores republicanos em favor do bem comum, protegendo-o daqueles que não atuam com honradez no trato daquilo que é público e do que é privado (MARTINS, 2022).
Ao longo da história da humanidade o cenário de improbidade e corrupção sempre foi um grande problema enviesado no meio social, e por isso sempre houve a necessidade de combatê-los.
Quando alguém usa do bem coletivo (público) em benefício próprio ou alheio, a fim de alguma vantagem indevida patrimonial, buscando interesses próprios e favorecendo-se da qualidade de funcionário público, tem-se um ato ilícito sendo praticado por um ente público, importando em alguma recompensa. Essa seria a conceituação de improbidade administrativa, que é o inverso de probidade. É a violação da ordem jurídica e dos princípios a ela inerentes, com desrespeito às normas que regem a Administração Pública.
É incorreto dizer que improbidade administrativa é crime, mesmo que o agente possa cometer um crime em decorrência da improbidade, a sua natureza jurídica não é criminal.
Improbidade administrativa, portanto, ocorre quando o titular de um cargo ou função pública, atuando sozinho ou com um particular, viola o fim inerente à sua posição, a fim de obter ou não vantagem patrimonial indevida, independentemente de ocasionar dano ao erário. (MARÇAL, 2022)
2.2 Direito Comparado
O Brasil não é o único país a ter uma legislação pensada na punição de atos ímprobos, diversos Estados e Organizações se preocupam em padronizar a forma de punir quem age de forma corrupta.
Como exemplo temos a OEA (Organização dos Estados Americanos), que em 1998 aprovou uma legislação modelo para seus países membros, como o Canadá, na Lei de Corrupção dos Funcionários Estrangeiros, e os Estados Unidos, na lei conhecida como Foreign Corrupt Practices Act, de 1977. Com normas relativas a penalizar o enriquecimento ilícito e o suborno transnacional.
Também na Europa, com a criação em 1988 da UCLAF (Unidade de Coordenação da Luta Antifraude), tem-se procurado adicionar normas diretivas com a finalidade de minimizar a corrupção, sancionando criminalmente as práticas de improbidade administrativa.
Em alguns países da América, na Espanha, em Portugal e na França, verifica-se a inexistência de lei específica sancionando civilmente os atos de improbidade administrativa como no Brasil. Tais atos são sancionados penalmente em figuras criminosas, administrativamente em normas de ética dos servidores, politicamente em punições para os agentes políticos e civilmente na responsabilidade civil extracontratual, encontrando-se o tipo penal de enriquecimento ilícito, sancionado penalmente na perda do cargo, além de multa e pena privativa de liberdade.
A Lei Brasileira de Improbidade Administrativa continha dispositivos penais relativos aos atos ímprobos, porém foram retirados, assim, foram mantidas somente as civis. É isso que diferencia de muitos países ocidentais, pois nos outros países a improbidade é tratada como infração administrativa e/ou penal, tendo garantida a punição política dos políticos e a responsabilidade civil extracontratual pelos danos cometidos.
Os atos de corrupção e improbidade administrativa só são tratados com punições civis no Brasil, que pune civilmente até as ofensas à Constituição Federal.
2.3 Natureza Jurídica
Apesar da lei de Improbidade Administrativa apresentar características que possam levar o intérprete a encarar como sendo uma ação de natureza penal ou até mista, a doutrina majoritariamente entende ser esta lei de natureza civil. Nesse mesmo sentido tem-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, afirmando que mesmo a lei prevendo sanções aos atos de improbidade administrativa, esta não possui natureza jurídica penal, estando assim pacificada a ideia de que a lei de Improbidade Administrativa constitui lei de natureza civil, embora possua algumas sanções que não atingem a seara penal, sendo plenamente possível que um ato de improbidade se configure como ilícito penal e também administrativo. (MARINELLA; BICHARA; CASTRO, 2022)
2.4 Evolução Histórica
Diante das recorrentes preocupações com a probidade na Administração Pública brasileira é considerável sua manifestação, até mesmo, sobre o poder constituinte originário, demonstrando, desde o início, a preocupação social que há apresentada sobre este tema.
Segundo Ximenes (2016), apesar de a Constituição Imperial de 1824 consagrar a “irresponsabilidade do imperador”, uma vez que o considerava inviolável, previa a responsabilização dos Ministros de Estado, mesmo em casos de ordem do Imperador, previsão essa regulamentada pela Lei de 15 de outubro de 1827 a qual apresentou a possibilidade de qualquer cidadão denunciar Ministro, perante a Câmara dos Deputados, pela prática de ato que desencadeasse o desperdício dos bens públicos.
Partindo desse princípio, as sucessivas cartas constitucionais trouxeram em seu ínterim a previsão do perdimento de bens, em caso de enriquecimento ilícito, com abuso ou por influência de cargo ou função pública. Diante disso, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a qual deixou de delimitar os casos de improbidade administrativa, garantido maior liberdade ao legislador ordinário, concedendo ao mesmo tempo ao Ministério Público a condição de principal órgão defensor dos interesses públicos e anseios da coletividade, defendendo uma significativa evolução no combate à imoralidade administrativa praticada pelos agentes públicos.
No âmbito infraconstitucional, destacam-se algumas tentativas, através de edições de Leis, como é o caso da Lei Bilac-Pinto (Brasil, Lei n° 3.502, de 21 de dezembro de 1958), Lei n° 4.717/65 (Brasil, Lei n° 4.717, de 29 de junho de 1965) e da Lei Pitombo-Godói-Ilha (Brasil, Lei n° 3.164, de 1o de junho de 1957), nas quais apresentaram como grande defeito o fato de não estabelecerem sanção direta e específica para as condutas tipificadas. Em contrapartida, a edição da Lei n° 8429/1992 (Brasil, Lei n° 8429, de 2 de junho de 1992, 1992) – Lei de Improbidade Administrativa, transformou os contornos para a efetiva concretização da norma constitucional, do dever de probidade administrativa e da aplicação do princípio da moralidade à Administração Pública, marcando uma nova era na conduta dos agentes públicos no exercício de suas atividades.
Assim, a Lei de Improbidade Administrativa foi sancionada com o intuito de sanar a lacuna jurídica deixada pelo parágrafo 4º do artigo 37 da Constituição Federal de 1988, definindo os contornos para a efetiva concretização da norma constitucional, do dever de probidade administrativa e da aplicação do princípio da moralidade à Administração Pública.
Havendo, portanto, sua total modificação recentemente pela Lei n. 14.230/2021, necessitando dentre um dos seus principais requisitos a comprovação do dolo do agente para que seja condenado pelo ato ímprobo, devendo ser comprovada a intenção deste de cometer a irregularidade, deixando de lado aqueles que cometiam atos ímprobos pela culpa.
2.5 Tipificação Legal
A Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/1992) sofreu alterações pela “nova” Lei de Improbidade, Lei n. 14.230/2021. As modificações foram significativas, trazendo uma nova realidade, um novo diploma legal. É um novo cenário a ser enfrentado pela doutrina e pela jurisprudência. (COSTA; BARBOSA, 2022)
O instituto da improbidade administrativa possui origem constitucional, e encontra-se menção em quatro dispositivos constitucionais:
Artigo 37, § 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
O agente, portanto, deve exercer suas atribuições pautando-se nos padrões de comportamento que se baseiam na honestidade e na probidade. Na inobservância desses padrões, é possível aplicação das sanções descritas acima.
Artigo 14, § 9º, CF/88. Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta […].
Artigo 15, V, CF/88. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: [...] V – improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.
Artigo 85, V CF/88. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: [...] V – a probidade na administração; [...].
Já nas fontes infraconstitucionais, há diferentes diplomas normativos que cuidam do tema da proteção ao patrimônio público, dentre eles: Lei n. 4.717/1965 (Lei da Ação Popular), Decreto-Lei n. 201/1967 (crimes praticados por prefeitos), Código Penal (Crimes contra a Administração Pública), Lei n. 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública), Lei n. 12.527/2011 (Lei de Acesso à informação), Lei n. 12.846/2013 ( Lei Anticorrupção), Lei n. 14.133/2021 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos). O artigo 52 da Lei n. 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), o artigo 73 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101/2000). No âmbito eleitoral, o artigo 73, caput, incisos I a VIII, e § 7º, da Lei n. 9.504/1997 estabelece condutas vedadas aos agentes públicos, sob pena de configurar ato de improbidade administrativa. (COSTA; BARBOSA, 2022).
3.1 SUJEITOS QUE COMPÕEM O ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
3.1.1 Sujeito Ativo
O sujeito ativo é quem pratica o ato de improbidade ou quem concorre para a prática ou obtém benefício, nos termos do art. segundo e terceiro da Lei de Improbidade Administrativa. Pode ser praticada improbidade por qualquer agente público, servidor ou terceiro.
Art. 2º Para os efeitos desta Lei, consideram-se agente público o agente político, o servidor público e todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades referidas no art. 1º desta Lei.
Assim, de acordo com o art. 2º, considera-se agente público, o agente político, o servidor público e todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função públicos.
Além disso, nos termos do parágrafo único, também é sujeito ativo e se submete à lei o particular, pessoa física ou jurídica, que celebra com a Administração Pública convênio, contrato de repasse, contrato de gestão, termo de parceria, termo de cooperação ou ajuste administrativo equivalente.
Conforme prevê o art. 3º o particular também pode responder por atos de improbidade administrativa. Portanto, aquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra somente dolosamente para a prática do ato de improbidade, responderá pelos atos ímprobos praticados.
Entretanto, no artigo 3º em seu 1º parágrafo, alega que os sócios, cotistas, diretores e colaboradores de pessoa jurídica de direito privado não respondem pelo ato de improbidade a que venha ser imputado à pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, hipótese em que responderão nos limites da sua participação.
De acordo com o 2º parágrafo da Lei nº 12.846/2013, as penas de improbidade não são aplicadas à pessoa jurídica, caso o ato também seja sancionado como ato lesivo à administração pública de que trata a Lei Anticorrupção.
3.1.2 Sujeito Passivo
O sujeito passivo da Lei de Improbidade Administrativa é a vítima dos atos ímprobos. O art. 1º, § 5º, da LIA determina que os sujeitos passivos do ato de improbidade são o Poder Executivo, Legislativo, Judiciário, bem como das administrações direta e indiretas, no âmbito da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. São também considerados sujeitos passivos, nos termos da Lei de Improbidade Administrativa no artigo primeiro, parágrafo sexto, a entidade privada que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de entes públicos ou governamentais.
§ 5º Os atos de improbidade violam a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções e a integridade do patrimônio público e social dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como da administração direta e indireta, no âmbito da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
§ 6º Estão sujeitos às sanções desta Lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade privada que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de entes públicos ou governamentais, previstos no § 5º deste artigo.
Segundo o art. 1º, § 7º serão considerados sujeitos passivos secundários aqueles que, independentemente de integrarem a Administração Indireta, são entidades privadas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra no seu patrimônio ou receita atual. No caso, limita-se o ressarcimento de prejuízos à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.
Podem ser vítimas de atos de improbidade administrativa: a Administração Direta (União, Estados, o Distrito Federal e Municípios); a Administração Indireta ou Fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, ou Território. Portanto, autarquias federais, estaduais, municipais ou distritais e fundações públicas federais, estaduais, municipais ou distritais podem ser vítimas de atos de improbidade administrativa.
Da mesma forma, também podem ser vítimas de improbidade administrativa empresa incorporada ao patrimônio público ou entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual. Estão incluídos nessa categoria as empresas públicas e as sociedades de economia mista.
Contudo, o parágrafo único do artigo primeiro da Lei de Improbidade Administrativa, estabelece que também estão sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público assim como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual. Todavia, nesta hipótese, a sanção patrimonial limitar-se-á à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.
3.2 PRINCIPAIS ALTERAÇÕES DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Dentre as alterações geradas na Lei de Improbidade Administrativa, a primeira e com mais relevância é referente a condenação dos agentes públicos, sendo exigida a comprovação do dolo do agente para que seja condenado pelo ato ímprobo, devendo ser comprovada a intenção deste de cometer a irregularidade. Anteriormente permitia-se a condenação por omissões ou atos dolosos e culposos, sendo configurados como atos de improbidade administrativa danos oriundos de imprudência, imperícia ou negligência, podendo ser aplicada a punição sem a comprovação da má-fé do agente.
Outra alteração de grande relevância é que agora o Ministério Público tem exclusividade na interposição de ações referentes à Improbidade Administrativa, conforme artigo 17 da lei nº 14.230/21, in verbis:
A ação para a aplicação das sanções de que trata esta Lei será proposta pelo Ministério Público e seguirá o procedimento comum previsto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), salvo o disposto nesta Lei.
Mais uma mudança é referente à suspensão dos direitos políticos, anteriormente o agente público poderia ter a penalidade de até 10 anos de suspensão dos seus direitos políticos, com a nova redação passou a ser de até 14 anos de suspensão desses direitos. No caso das penas de multas aplicadas os valores caíram em todas as modalidades, sendo também facultado ao juiz converter sanções em multas.
Outra previsão na nova lei de Improbidade Administrativa é a de que os cofres públicos pagarão somente os advogados do agente acusado, em caso de improcedência da ação, se for comprovada má-fé.
No enriquecimento ilícito, havendo prejuízo aos cofres públicos, a perda da função só atingirá o cargo ocupado pelo agente.
Foram alterados o rol das condutas de improbidade, e estes fazem parte agora de um rol taxativo e não mais exemplificativo como era no texto da lei anterior, ou seja, só podem ser considerados atos de improbidade administrativa os atos previstos expressamente em cada modalidade de improbidade.
Outra alteração prevista é a possibilidade da celebração de acordos, devendo levar em consideração a personalidade do agente e outras circunstâncias referentes ao ato de improbidade, sendo obrigatório o ressarcimento integral do dano e que seja revertida a vantagem obtida indevidamente, de acordo com o artigo 17-B e seus parágrafos.
Também tornou a contratação de parentes, o conhecido nepotismo, um tipo de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da Administração Pública, inclusive a modalidade cruzada de nepotismo, conforme artigo 11, inciso XI da nova lei de improbidade administrativa, transcrito abaixo:
XI - nomear cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas;
Prevê a gradação das penas, nos casos de delitos menores em relação à administração pública, a pena pode limitar-se à aplicação de multa sem prejuízo da reparação do dano.
Permite o pagamento em até 48 meses de dívida decorrente de condenação por improbidade administrativa, caso o réu demonstre incapacidade financeira de pagá-la imediatamente.
Limita o congelamento direto das contas bancárias dos réus, favorecendo o congelamento de bens de menor liquidez, como imóveis e automóveis.
A nova redação permite compensar penas impostas por outras esferas do direito com sanções aplicadas em ações de improbidade administrativa, anteriormente consideradas esferas independentes, sendo suas penas também independentes.
A ação intentada para a devida aplicação de sanções tem prazo único de prescrição de oito anos, contados a partir da data do fato. No caso de uma violação permanente, a contagem começa a partir do dia em que a violação permanente termina. Na lei anterior sobre improbidade administrativa, o prazo era fixado em cinco anos após o término do mandato do servidor público acusado.
A duração do inquérito também mudou, passando agora a ser de um ano, prorrogável apenas por uma única vez.
Publicada a nova lei foi estabelecido o prazo de um ano para que o Ministério Público declare interesse na continuidade de processos em andamento, inclusive em grau de recurso, quando ajuizados por advogados públicos, no caso do não interesse na continuidade o processo será extinto.
Por fim, também se estabelece que os atos de improbidade administrativa que violem os princípios da administração pública são passíveis de punição apenas na hipótese de causar “lesividade relevante”.
3.3 FINALIDADE DA REFORMA DA LEI Nº 8.429/92
O controle da probidade administrativa pode ser classificado como preventivo ou repressivo. O controle preventivo visa prevenir e obstruir a prática de atos de improbidade, por outro lado, o controle repressivo tende a responsabilização efetiva do agente com sanções.
O controle repressivo administrativo consiste em apurar violações e aplicação de sanções administrativas e disciplinares (PAD) ou similares, aos agentes do governo que cometeram o ato de improbidade administrativa.
Além da análise do aspecto jurídico-formal do controle sobre a prática atos de improbidade administrativa, missão institucional do Ministério Público, responsável pela proteção do Estado de Direito e do regime democrático, permitiu que a instituição desempenhasse o papel de protagonista na repressão de violações cometidas em face dos assuntos públicos. (COSTA; BARBOSA, 2022)
Essas mudanças já eram esperadas, pois certas distorções na aplicação e cumprimento da lei foram notadas ao longo do tempo, como seu uso político, com finalidade excessivamente punitiva, sem justa causa, ou contrária às garantias básicas do cidadão.
Por essas razões, muitos especialistas apoiaram a renovação da LIA, pois com as melhorias necessárias seria possível evitar seu uso puramente político.
Não há dúvida de que a Lei 8.429/92 foi uma importante ferramenta para a proteção da probidade administrativa, permitindo que desvios graves na administração pública fossem investigados e punidos. No entanto, isso gerou efeitos colaterais indesejáveis em decorrência de distorções interpretativas que levaram ao excesso de competência e insegurança jurídica para o administrador público.
As mudanças introduzidas pela nova lei representam uma resposta legislativa aos excessos comprovados e visam concentrar esforços em atos verdadeiramente graves cometidos de má-fé, garantindo ao administrador público a necessária segurança jurídica no exercício de suas nobres funções.
Já que o objetivo é um governo eficaz no interesse público, deve-se garantir um ambiente seguro e propício para o desempenho das funções administrativas por um bom administrador, focado em punir atos realmente graves que sejam praticados de má-fé e que se desviem do objetivo.
3.4 REPERCUSSÃO GERADA A PARTIR DESTAS MODIFICAÇÕES
Diante o Agravo em Recurso Extraordinário 843.989, o Instituto Nacional do Seguro Social considera que, ao negar a sanção de atos culposos sem prova de dolo, a recente Lei de Improbidade Administrativa 14.230/2021 afastou a possibilidade de aplicação de sanção ao gestor que atuar sem a intenção de lesar o patrimônio público, mesmo em casos de negligência. E assim sendo, evidentemente restringirá e muito o alcance da lei.
Portanto, o Recurso supracitado, em trâmite no STF (Supremo Tribunal Federal), sob relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, conta com maioria formada para reconhecer a repercussão geral da matéria, na qual o tema controvertido é portador de ampla repercussão e de suma importância para o cenário político, social e jurídico e a matéria não interessa única e simplesmente às partes envolvidas na lide.
Em razão do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF, Pleno, RE 966.177 RG-QO, ministro Luiz Fux, DJ 1º.2.2019), em que não é automática a suspensão nacional dos processos, fica o relator responsável por ponderar o interesse da medida a esse entendimento, assim o ministro Alexandre de Moraes, relator do Agravo em RE nº 843.989, decretou a suspensão "do processamento dos Recursos Especiais nos quais suscitada, ainda que por simples petição, a aplicação retroativa da Lei 14.230/2021".
A suspensão não se estendeu aos processos em curso nas instâncias ordinárias, alcançando apenas os recursos especiais e extraordinários em tramitação, pois conforme o relator Alexandre de Morais:
(...)não se afigura recomendável o sobrestamento dos processos nas instâncias ordinárias, haja vista que (a) a instrução processual e a produção de provas poderiam ser severamente comprometidas e (b) eventuais medidas de constrição patrimonial devem ser prontamente examinadas em dois graus de jurisdição.
Com base nessa decisão, que determinou a suspensão dos recursos especial e extraordinário relativos ao Tema 1199, a Procuradoria Geral da República interpôs embargos de declaração, os quais foram acolhidos pelo Ministro Alexandre de Moraes para determinar "a suspensão do limitações em processos com os efeitos gerais reconhecidos neste tópico", referindo-se à improbidade administrativa e ao Tópico 1.199.
No caso acima discutido, o ministro Alexandre de Moraes apenas suspendeu os recursos especial e extraordinário, lembrando que a suspensão não se aplica aos processos em curso em casos ordinários. Em seus embargos de declaração, a Procuradoria-Geral da República apontou um descuido, afirmando que "a aplicação do sistema de consequências gerais terá consequências para processos de má-fé em que, esgotadas as vias ordinárias, são interpostos recursos extraordinários sobre questões do Tema 1199, que será retido na origem." O MPF (Ministério Público Federal) temia que a postergação dos recursos especial e extraordinário até a deliberação do Tema 1199 resultasse no esgotamento de prescrição intermediária na forma do art. 23 § 5º da LIA. Assim, pediu apenas a suspensão da "prescrição da pretensão deduzida nos processos sobrestados".
Ao apreciar os embargos de declaração, o ministro Alexandre confirma que determinará a suspensão apenas dos recursos relativos ao tema 1199, não havendo suspensão do processo nas instâncias ordinárias, acrescentando que “com a suspensão do processo determinada pela Justiça, o Estado não pode ser detida por qualquer inércia em sua ação processual, o que em nada caracteriza a prescrição.
Assim, foram acolhidos embargos de declaração para compensar a omissão e, em seguida, para determinar a "suspensão da prescrição nos casos com consequências geralmente reconhecidas nesta matéria".
Obviamente, como se vê, a suspensão da prescrição foi determinada apenas nos processos suspensos, ou seja, nos casos em que haja recurso especial ou de urgência sobre essa questão. Para os casos considerados em instâncias ordinárias que não atingiram a suspensão, os prazos de prescrição correm da forma usual.
Como já mencionado, uma sentença deve ser interpretada com base na totalidade de todos os seus elementos e de acordo com o princípio da boa-fé (CPC, artigo 489, § 3º). Na interpretação de qualquer ato judicial, sua parte dispositiva serve como ponto de partida. Qualquer decisão judicial, como ato comunicativo, é passível de interpretação. Após a pronúncia, o enunciado se objetiva no texto e se despersonaliza, não podendo ser modificado pelo órgão que o proferiu; já não importa quem foi o órgão, passando a ser uma manifestação do Poder Judiciário.
Em seu embargo, o Ministério Público Federal afirma que “a aplicação do sistema de consequências gerais afetará processos de má-fé em que, esgotadas as vias ordinárias, são interpostos recursos de urgência sobre temas do tópico 1199, que serão indeferidos na fonte”. Por isso, pediu apenas a suspensão dos “créditos de prescrição deduzidos nos processos suspensos”.
Ainda não se sabe quais os impactos que a nova lei de improbidade irá trazer ao cenário jurídico brasileiro em relação ao combate à corrupção e às condutas tipificadas na lei.
Existem duas críticas importantes que já são discutidas no meio doutrinário. A primeira é em relação aos pontos positivos que a lei trouxe, pois, a redação antiga era muito abrangente e subjetiva em relação às condutas que eram caracterizadas como improbidade administrativa. Na atual redação, as condutas estão tipificadas em um rol taxativo, trazendo como tipo subjetivo a conduta dolosa e não mais a culposa. Analisando-se por esta perspectiva os agentes públicos e políticos terão uma segurança maior para realizar suas prerrogativas partindo-se do princípio da boa-fé no trato com a coisa pública.
Por outro lado, a segunda crítica importante é que em relação às mudanças trazidas pode-se ter uma margem maior para o agente público agir com desonestidade no trato com a coisa pública. Estamos no Brasil, onde existem inúmeros casos de corrupção em todos os âmbitos, seja público ou privado. Portanto, em análise aos pontos que mudaram na lei, talvez o legislador tenha trazido alguns problemas para a sociedade quando se trata do combate à improbidade administrativa no Brasil.
As respostas para vários questionamentos trazidos com as mudanças da nova Lei de Improbidade provavelmente só serão respondidas com o passar dos anos, através de estudos dos fatos e dos debates entre os doutrinadores da área do Direito Administrativo.
ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. Saraiva Educação SA, 2017.
BETTI, B. Improbidade Administrativa à luz da Lei nº 14.230/2021. 2ª ed. Brasília: CP Iuris, 2022. Trecho do livro “Manual de Direito Administrativo (2014)”
CUNHA, A. L. N. . Brevíssimo Comentário sobre a Corrupção e a Improbidade Administrativa em outros países. 2001. (Apresentação de Trabalho/Comunicação).
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MARINELLA, Fernanda; BICHARA, Barney; CASTRO, Renério. Improbidade Administrativa de acordo com a Lei 14.230/2021. Cadernos Esquematizados, 2022.
Nova Lei de improbidade administrativa: atualizada de acordo com a Lei n. 14.230/2021 / Rafael de Oliveira Costa, Renato Kim Barbosa. – São Paulo :Almedina, 2022.
OEA (Organização dos Estados Americanos). Textos jurídicos. Disponível em: <http://www.oas.org/juridico/spanish/Default.htm>. Acesso em: 15 mai. 2022.
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PROBIDAD. Textos jurídicos anti-corrupção em espanhol. Disponível em: <http://www.Probidad.org.sv/>. Acesso em: 21 mai. 2022.
Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: Lei 14.230, de 25 de outubro de 2021/ Marçal Justen Filho. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2022.
Graduando no curso de Bacharelado em Direito pela Universidade Brasil, Campus de Fernandópolis/SP
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, Charles Luis Dos Santos. Análise das alterações trazidas pela nova lei de improbidade administrativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 jul 2023, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/62025/anlise-das-alteraes-trazidas-pela-nova-lei-de-improbidade-administrativa. Acesso em: 23 nov 2024.
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