ALEX LOPES APPOLONI
(orientador)
Resumo: Ao longo do tempo, a psicanálise encontra-se introduzida na saúde mental, educação, assistência social e justiça, principalmente por meio da atuação de profissionais especializados e em dano das possíveis diferenças que possam ser articuladas nos termos dessa profissão. Sendo assim, a pesquisa tem como objetivo abordar sobre alguns aspectos entre o direito e a psicanálise, e seus prolongamentos no campo da política, sob uma perspectiva epistemológica, histórica e conceitual. Para tanto, foram utilizadas pesquisa bibliográfica a partir de livros de doutrina, em artigos científicos acadêmicos da internet, além de monografias que atenderam aos requisitos do tema abordado. Como resultado, estudos apontam que a psicanálise na política pública social e Direito concentram e discordam em vários aspectos, mas se encontram e se completam em seus opostos. Enquanto a Psicanálise é sistema de pensamento, que tem o desejo e o inconsciente, portanto a subjetividade como pilares, o Direito é um sistema de limites, vínculos de vontade e controle das pulsões, que vem trazer a lei jurídica para quem não tem a lei interna, isto é, quem não contém seus impulsos gozosos. Conclui-se que a partir da compreensão destes conceitos psicanalíticos, a percepção e atuação como profissionais do Direito ficará ampliada e com isto poderemos desenvolver muito melhor nossa atuação profissional.
Palavras-chave: Direito Civil. Psicanálise. Política pública social.
Abstract: Over time, psychoanalysis is introduced in mental health, education, social assistance and justice, mainly through the performance of specialized professionals and in damage to the possible differences that can be articulated in the terms of this profession. Thus, the research aims to address some aspects between law and psychoanalysis, and their extensions in the field of politics, from an epistemological, historical and conceptual perspective. To this end, bibliographic research was used from books of doctrine, in academic scientific articles of the internet, as well as monographs that met the requirements of the theme addressed. As a result, studies indicate that the analysis in social public policy and law concentrate and disagree in several aspects but meet and complete each other in their opposites. While Psychoanalysis is a system of thought, which has desire and the unconscious, therefore subjectivity as pillars, Law is a system of limits, bonds of will and control of drives, which brings the legal law to those who do not have the internal law, that is, who does not contain their joyful impulses. It is concluded that from the understanding of these psychoanalytic concepts, the perception and performance as legal professionals will be expanded and with this we can develop much better our professional performance.
Keywords: Civil Law. Psychoanalysis. Social public policy.
1 INTRODUÇÃO
A Psicanálise, sendo uma área de produção de conhecimentos, nesta última década tem lançado diversos estudos, trazendo reflexões sobre as possíveis interações com o Direito. (PEREIRA, 2003).
Ressalta-se ainda um aumento de congressos, encontros, seminários, nacionais e internacionais tendo como tema Direito e Psicanálise, assim como as publicações procurando identificar as similitudes e diferenças entre esses dois campos do saber. Na França, destaca-se o professor de Direito Romano e psicanalista Pierre Legendre, com muitas publicações sobre o tema. (MEDEIROS, 2019)
De certa forma, é aceitável assegurar que o conhecimento dos juristas sobre a importância da Psicanálise, abriu-se um espaço enorme para o desfrute por parte destes da teoria psicanalítica. Para Endo (2015) até mesmo os psicanalistas, entenderam o campo jurídico como possuidor de um conhecimento que está para além das formas legais e do manejo do poder por elas, produzindo possibilidades de desencadear diálogos cada vez mais profícuos entre esses dois campos.
Logo, no Brasil, esse movimento se inicia com a busca da Psicanálise por parte de juristas, para melhor compreensão dos aspectos psicodinâmicos inerentes aos sujeitos cujos casos estão sob sua responsabilidade.
A inclusão da psicanálise nas políticas sociais públicas, analisa feitios que, conferem-lhe uma atitude positiva ao longo do tempo para sua inscrição como profissão regulamentada por leis estatais, a psicanálise encontra-se embrenhada na saúde mental, educação, assistência social e justiça. (TOREZAN, 2021)
Para Groeninga e Pereira (2003) colocam um paralelismo entre esses dois campos e observam que tanto o advogado quanto o psicanalista têm em comum a escuta do seu cliente e sua demanda.
Assim,
Existe para esses autores, a ansiedade em avaliar o sujeito, tanto o denominado sujeito do Direito “que é aquele que age consciente de seus direitos e deveres, e segue leis estabelecidas em um dado ordenamento jurídico”, quanto o denominado sujeito da Psicanálise ou “sujeito do desejo, aquele que está também assujeitado às leis do inconsciente”. (GROENINGA e PEREIRA, 2003, p. 57).
Nas duas últimas décadas, a inclusão da psicanálise nas políticas sociais públicas e a área de direito, tanto no campo das intervenções quanto no terreno dos estudos e das pesquisas.
Tanto o Direito quanto a Psicanálise procuram compreender o sujeito e suas relações, sendo um na perspectiva objetiva dos fatos e a outra, mais subjetiva, tanto no nível do consciente como no inconsciente. De qualquer forma, estamos diante de um único sujeito, mesmo se ele engloba duas realidades distintas. (DANTO, 2019).
Quinet (2003) considera a lei no aspecto e na óptica do Direito, onde há a “Lei simbólica, que rege os homens na condição de seres que habitam a linguagem, e as leis que os homens fazem para regular as relações entre si” (p. 57).
Portanto, o autor avalia a Lei característica como estrutural, que não depende do lugar, do momento histórico ou da constituição social e que se expressa na cultura mediante as leis, a Constituição, os estatutos e regimentos institucionais, com o objetivo de enquadrar e limitar o gozo de um em relação aos demais.
A Lei simbólica, para a Psicanálise, é expressa no inconsciente por meio de suas formações – sonho, sintoma, chistes – e equivale ao que Freud nomeou como a lei de interdição do incesto. Essa lei é representada pelo pai que não é necessariamente o genitor, mas o pai simbólico que foi mais tarde denominado por Lacan de Nome do Pai, como instância legal, um puro significante. (DANTO, 2019).
O conhecimento de infração das leis é visto de forma diversa, entendido por meio da Psicanálise, que para o indivíduo acatar e obedecer às leis impostas pelo ordenamento jurídico é indispensável que este já esteja dentro do contexto de proibições. É indispensável sua constituição enquanto sujeito, enquanto sujeito de desejo e sujeito de direito, e é nesse ponto que Direito e Psicanálise se entrelaçam com a finalidade de integrar esse sujeito na vida social e na busca pelo bem-estar da sociedade. (TOREZAN, 2021)
Sendo assim, o objetivo dos trabalhos será em abordar sobre alguns aspectos entre o direito e a psicanálise, e seus prolongamentos no campo da política social pública, sob uma perspectiva epistemológica, histórica e conceitual.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 CONCEITO DE PSICANÁLISE
Etimologicamente, o termo psicanálise é uma citação ao grego psyche, que literalmente significa “respiração” ou “sopro”, porém, há um modo de pensar mais complexo, relacionado com as ideias modernas do que seria o espírito, o ego e a alma das pessoas. (ANDRADE JUNIOR, 2017).
Considerada um campo de pesquisa entre o real e clínica da psique humana, a Psicanálise é o campo que define uma ciência preocupado em esclarecer como funciona o espaço íntimo do indivíduo, amparando no tratamento de transtornos mentais. Fundada por Sigmund Freud (1906) destaca processos mentais inconscientes. (apud, FREUD, 2016)
Explica Vital Brasil (2014) que a Psicanálise é uma metodologia clínica teórica que torna fácil o entender do funcionamento da mente humana, ajudando a cuidar dos distúrbios mentais e neuroses. O objeto de adquirir conhecimento da psicanálise é em relação entre os desejos inconscientes e os comportamentos e sentimentos vividos pelas pessoas.
Portanto, a teoria da psicanálise, também conhecida por “teoria da alma”, foi criada pelo neurologista austríaco Sigmund Freud (1856 – 1939), que de acordo com Freud, boa parte dos processos psíquicos da mente humana estão em estado de inconsciência, sendo estes dominados pelos desejos sexuais. (DANTO, 2019)
Todos os desejos, lembranças e instintos reprimidos estariam “armazenados” no inconsciente das pessoas e, através de métodos de associações, o psicanalista – profissional que pratica a psicanálise – conseguiria analisar e encontrar os motivos de determinadas neuroses ou a explicação de certos comportamentos peculiares dos seus pacientes, por exemplo. (ANDRADE JUNIOR, 2017).
Os fundamentos principais desta teoria criada por Freud são resumidos nas três principais obras publicadas pelo neurologista: “Interpretação dos Sonhos” (1899), “Psicopatologia da Vida Cotidiana” (1904), e “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade” (1905). (MARCOS NETO, 1999).
Em suma, representa a “teoria geral da personalidade”, que abrange num método de psicoterapia, que, para que tenha o adequado entendimento dos processos mentais a partir da ótica da psicanálise, que de acordo com Preciado (2019, p. 23) é indispensável observar os três níveis de consciência do ser humano que são eles:
- Consciente: estado em que sabemos o que pensamos, sentimentos, falamos e fazemos. São ideias que os sujeitos estão cientes de existir / pensar.
- Pré-consciente: estado das ideias que estão inconscientes e que podem voltar a ser conscientes, caso tenha a direção certa da atenção da pessoa para elas.
- Inconsciente: onde ficam guardados todos os desejos e ideias reprimidas, censuradas e inacessíveis ao estado consciente, afetando os comportamentos e sentimentos dos indivíduos.
Desse modo, a partir dessa visão, o psicanalista identifica sinais de traumas, desejos ou ideias que tenham sido reprimidas para o inconsciente do paciente e que, como consequência, provoquem distúrbios comportamentais e neuroses.
No desenvolvimento da Inconsciência, conforme Danto (2019, p. 17) explica que conforme a Teoria da Psicanálise de Freud, o inconsciente humano é subdividido em três dados que ajudam na estabilização e regulação do comportamento do sujeito, que são eles:
- Id: onde se juntam os impulsos relacionados ao prazer, como os desejos inconscientemente carnais, materiais e sexuais, por exemplo.
- Ego: distingue a personalidade de cada indivíduo, atuando como o equilíbrio do Id (princípios dos prazeres inconscientes) e do superego (as regras morais que limitam a extravagância do Id).
- Superego: monitora a mente humana, mantendo-a sempre alerta aos princípios da moral, evitando que ocorram desvios exagerados em direção ao Id.
Um dos assuntos mais discutidos do estudo de Freud, conforme prefaciado (2019, p. 29), é onde o psicanalista assegura que a personalidade dos sujeitos se relaciona com o desenvolvimento sexual ainda nos primeiros anos de vida, sendo chamado de desenvolvimento Psicossexual
Para isso, a psicanálise freudiana explica que o indivíduo atravessa por cinco etapas para concluir o seu artifício psicossexual, e, de acordo com Andrade Junior (2017) se houver algum problema no desenvolvimento em alguma dessas fases, a sequela surge em forma de distúrbios ou neuroses futuras, durante a vida adulta, e essas fases são:
- Fase oral: acontece no primeiro ano de vida, o bebê sente prazer ao estimular a sua boca, seja através de chupeta ou levando outros objetos em direção aos lábios. Caso esta fase não desenvolva corretamente, segundo a teoria de Freud, a pessoa pode desenvolver obsessões, como a gula, falar em demasia etc.
- Fase anal: entre o segundo e terceiro ano de vida a criança se satisfaz com a expulsão ou retenção de suas fezes. A fixação exagerada por organização e limpezas pode ser uma das consequências para o mau desenvolvimento desta frase.
- Fase fálica: entre o quarto e quinto ano de vida, quando a criança descobre o seu sexo e sente prazer ao manusear o seu órgão sexual. Freud também explica que é nesta fase que tem início o chamado “Complexo de Édipo”.
- Fase de latência: do quinto ao décimo segundo ano de vida, quando ocorre a construção do pensamento lógico e supressão dos impulsos sexuais, fazendo com que o indivíduo passe a ter mais controle da sua vida psíquica.
- Fase genital: a partir do décimo segundo ano de vida em diante, quando o indivíduo já entrou na adolescência, trocando o interesse de si próprio para a de outras pessoas ou coisas ao seu redor. Nesta fase começam as ligações e desejos por outras pessoas, por atividades sociais e humanas, por exemplo.
Dessa forma, como vimos, a psicanálise procura recompor a personalidade, entender a vida emocional e os modos de funcionamento da mente do indivíduo, realizando um trabalho a longo prazo com aspectos conscientes e inconscientes do eu.
2.2 A PSICANÁLISE NAS POLÍTICAS SOCIAIS PÚBLICAS
Iniciamos esse tópico com a seguinte questão: Como conservar a qualidade da prática da psicanálise, sendo que os exercícios das políticas públicas sociais se amparam em um artifício do universal, aplicando protocolos ordenados por tipos clínicos determinados por um saber constituído e organizado?
Sendo que, de um lado, a posição do profissional em psicanálise nas instituições das políticas públicas sociais acata ao querer de Freud (1919/1987) de desdobrar o tratamento psicanalítico ao sujeito para que esta possa dele se beneficiar, de outro, traz o risco de perdermos a especificidade da prática psicanalítica. (LEGENDRE, 2013).
Portanto, hoje em dia, muitos profissionais em psicanálise têm desempenhado sua prática em instituições das políticas públicas sociais na qualidade para que seu trabalho seja possível.
Porém é indispensável pensar o que fazer nesse argumento, onde a apreensão de Freud, que ao refletir sobre essa possibilidade pareceu sensível e cauteloso no que pertence à inclusão de algumas inovações no campo da técnica. Certamente, ele temia os desvios daquilo a que a psicanálise visa: a dimensão ética do sintoma. Por isso, não podemos nos esquecer de que no encontro com outros saberes é preciso manter a especificidade da prática da psicanálise. (TOREZAN, 2021)
Acreditamos que todo e qualquer instituições das políticas públicas sociais que oferte modalidades de trabalho da psicanálise possa se formar como um possível espaço de escuta do sujeito do desejo. No caso de políticas públicas sociais, não podemos nos esquecer da existência de um complicador adicional, que é a própria definição de saúde, a qual se enuncia como a promoção do bem-estar biopsicossocial, elaborada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para regê-las. (ANDRADE JUNIOR, 2017).
Portanto, é necessário resistir a política que Lacan nos ensina, que a psicanálise acontece na área da política exatamente por examinar e por expor suas falhas. Logo, refletimos que a psicanálise precisa colaborar também ao esforço coletivo de construir o campo da atenção à saúde, visto que, conforme Lacan (1998), a psicanálise, além de uma tática e uma estratégia, comporta também uma política da qual o psicanalista não pode abrir mão: fazer existir a psicanálise e o sujeito do desejo, e não a redução do mesmo ao registro da cidadania.
Deste modo, se governar e psicanalisar são nomes do impraticável, estaria aí o ponto de largada para a discussão entre psicanálise e coisa pública. A perspectiva do impossível, em vez de nos relegar à impotência, operaria a partir do ponto vazio para o qual as políticas públicas se dirigem que se evidencia pelos modos de carência dos sujeitos a quem elas se voltam. (TOREZAN, 2021)
3 DIREITO E PSICANÁLISE - UM NOVO HORIZONTE NO CONHECIMENTO
Miranda Coutinho (1996) em seus estudos explica que a função da própria Instituição do Direito é conservada em nome do amor, e, procura-se, assim, uma justaposição aceitável entre o Direito e a Psicanálise, ciente das dificuldades daí essenciais.
Sendo assim, o ato de pôr em harmonia e em acordo a teórica de institutos jurídicos com a psicanálise não pode ser realizada de modo básico, precisando de contornos próprios e um tanto quanto dificultosos, onde, precisa analisar que o Direito não é afeito a esse diálogo, pretendendo o domínio total pela racionalidade consciente. (CRUZ, MACIEL, & RAMIREZ 2005).
Assim,
Nesta investigação da teoria do conhecimento que abrange o Direito e Psicanálise, existe afinidades e altercações, encontros e desencontros a respeito da verdade, da natureza, do valor do conhecimento, incluindo os obstáculos para atingi-lo; a psicanálise nos aponta estes obstáculos, os sintomas e atos falhos, como escreveu Freud, produtos do conflito entre afeto e pensamento, entre desejo e repressão, entre consciente e inconsciente. (ANDRADE JUNIOR, 2017, p. 14).
O habitual entre o Direito e a Psicanálise apresenta-se a precisão do entendimento do conflito, onde, para o direito uma pretensão resistida, o conflito faz um barulho que deve ser silenciado, e, para a psicanálise deve haver uma escuta do conflito, a busca de suas razões para que se transforme em harmonia.
O caminho já foi percorrido, onde vários autores como Legendre (2013), Marques Neto (1999), Miranda Coutinho (1996) e Philippi (2001) explicam que as definições são limitadas e bem claras como:
a) estabilizar o espaço da lei jurídica no contexto do Direito atualizado a partir da Psicanálise;
b) organizar o caminho para mais adiante tentar indicar conteúdos inconscientes do um julgador – entendido em sua singularidade indivíduo – no ato decisório.
No Processo Penal desliza para um vínculo com a psicanálise, define-se o papel do inconsciente na transformação final da decisão judicial, sem que esse inconsciente, como os demais significantes psicanalíticos, possa ser percebido de maneira em objetos concretos, mas sim como estrutura construída desde dentro e na linguagem, como diz Lacan: “o inconsciente é estruturado como uma linguagem.” (LACAN, 1998, p. 25).
“Não é muito simples fazer a interlocução Direito e Psicanálise, principalmente porque temos de rever conceitos muito estáveis no campo do Direito. Entretanto, torna-se necessário e impositivo na atualidade repensar os paradigmas e o sujeito do Direito a partir da Psicanálise. Esta traz para o pensamento jurídico uma contribuição revolucionária com a ‘descoberta’ do sujeito inconsciente.” (GROENINGA e PEREIRA, 2003, p. 51)
Se tem o direito é porque há o esquerdo, o torto - se há a lei é porque tem o desejo; para a Psicanálise, o indivíduo está vinculado à uma outra lógica, às leis regidas pelo inconsciente e pelo desejo, pelos impulsos, impulsos da sexualidade, da agressividade, que bagunçam e que se tenta, até certo ponto em vão, coordenar.
Portanto,
Tanto o Direito quanto a Psicanálise abordam um só sujeito, visto como Sujeito do Direito e Sujeito do Desejo, um só sujeito, assujeitado a campos de saber, até recentemente estanques, que encontra na conjugação das duas visões, uma possibilidade de um certo resgate de sua integridade, a visão do Sujeito do Direito Desejante, e ambas têm em comum a mesma busca - da verdade das relações, busca que não pode deixar de lado as razões de nossa razão e de nossa desrazão. (DANTO, 2019, p. 25).
Então, o direito, por natureza, procura atender a sociedade em bem estar e garantias fundamentais através de dispositivos legais; A psicanálise busca alcançar estes fatores na intervenção psicanalítica. Enquanto um trata de organizar o pensamento vivo de uma sociedade, a psicanálise procura fazer o mesmo com cada indivíduo. (MEDEIRO, (2019).
Sendo assim, não tem como pensar um sem o outro, por mais que ainda haja uma corrente que procure não olhar para o crescente movimento de aliar ambas as cátedras, podemos observar esta interação ocorre desde o Especial Cível até a última “ratio”. (DANTO, 2019).
O direito tem mecanismos como como: a escuta qualificada, justiça restaurativa, inclusão social, reinserções sociais, indenizações, ressarcimentos por dano, abuso emocional, estelionato emocional, assédios (moral, emocional, sexual), importunação, alienação parental, abandono emocional entre outros que trazem para dentro do Direito o olhar a psicanálise. (ALTOÉ, 2007)
Enquanto a psicanálise, traz para dentro do consultório o direito, ao trabalhar cada peça dessa engrenagem, de modo a procurar fazer funcionar em acordo com todo o mecanismo existente. De certo modo um se tornar extensor e complementar do outro, procurando alcançar onde este não chegue. Da mesma forma um depende do outro para prosseguir revolucionariamente e de forma efetiva, já que a primeira prepara e o segundo respalda. (MEDEIRO, (2019).
Como o componente da psicanálise é o inconsciente, e como ele é atemporal, e aparece nas análises individuais como presente-passado, a psicanálise tem muito a oferecer ao direito, mas o direito pouco tem se utilizado da sua influência.
Assim,
A psicanálise, segundo nos ensina Charles Melman, não acredita que o indivíduo faz indiferença do seu passado, ele lembra e verifica as situações angustiantes que se acham para preparar de limites como para tornar mais abertas as determinações quanto para considerar as ocorrências com as quais se enfrentam pela violência, por novas atitudes diante da morte (eutanásia, abortos, decadência dos ritos), a demanda transexual, na qual, muitas vezes, há até mesmo uma procura, via cirúrgica, de aproximar o físico do psíquico que já sofreu transformações, ou de adoção de filhos por casais homossexuais, os direitos das crianças, as adições de todos os tipos, especialmente toxicomanias, das quais o alcoolismo é um dos principais vícios e responsável pelo grande número de violência, a tirania do consenso, a crença nas soluções autoritárias, o endereçamento do direito à justiça como pau para toda obra, as reivindicações das vítimas, a alienação no virtual (jogos eletrônicos, internet), a exigência do risco zero e por mudanças sociais que instalam a compatibilidade entre uma economia liberal desenfreada e uma subjetividade que se crê liberada de toda a dívida para com as gerações precedentes, em síntese, produtora de um sujeito que crê poder fazer tábua rasa de seu passado e que tudo pode. (ALTOÉ, 2007, p. 47).
Logo, o direito não deve ser levado por algum tipo de economia psíquica, e assim, como o sujeito é conduzido pelo inconsciente o direito não pode deixar de estar decorrente pelo inconsciente, e, portanto, pela psicanálise assim, os pontos de vista psicológicos na exercício jurídico, têm teores inconscientes nos aspectos ideológicos, nas crenças preconceituosas, totalizantes, ou monistas, mas comprometedoras da construção de uma sociedade fraterna.
Mencionaremos como exemplo o Brasil, a política de segurança nacional e do desenvolvimento, de 1964/1985, a ideologia do regime militar, onde o alvo era contestar ao comunismo e à violência de grupos, mesmo à custa da liberdade, os mesmos resultados com objetivos e ideias diferentes, porém, atualmente apresentamos no país dificuldades maiores na área de segurança sem a adoção de uma ideologia semelhante ou sem que sigamos práticas antigas. (TOREZAN, 2021)
Sendo assim, então, deparamos com a psicanálise cujo objetivo geral envolve vários campos próximos do direito, tais como criminologia, história, filosofia, economia política, especialmente diante dos grandes movimentos de massas ou mesmo dos pequenos grupos, como o familiar. (MEDEIRO, (2019).
Nesse sentido, de acordo com Torezan (2021) explica que é importante analisar a lei sobre um aspecto mais amplo que o estabelecido por Freud, é necessário analisar sobre um aspecto cultural mais abrangente, não somente pela questão de traumas da infância, substituir o discurso de culpa, tão paralisante do sujeito, pelo da responsabilidade. Compreender o funcionamento de nossa estrutura psíquica pode ajudar a diluir o litígio e exercer o Direito mais eticamente.
3.1 Um Diálogo Possível, na Atualidade, entre Direito e Psicanálise
É admirável pôr em evidência que a afinidade entre direito e psicanálise não convive apenas na vontade de poder/saber, mas além disso, na poética das tragédias e do próprio saber trágico moderno. Conhecer que estas duas estruturas têm em comum em suas origens, onde, nelas se descobrem as intensidades, as forças fundadoras das duas práticas, acesas pelo autoquestionamento do homem. (PHILIPI, 2001)
Não se obedece a leis porque elas são justas, mas porque elas têm autoridade, tem crédito, que segundo Pascal, Montaigne e Derrida (2007, p. 21) no fundamento místico da autoridade.... em ficções legítimas sobre as quais nosso direito funda a verdade de sua justiça. Este momento fundador, de inaugurar o direito, aplicar a lei, consiste num golpe de força, numa violência performativa e interpretativa que nela mesma não é justa nem injusta.
À vista da Psicanálise, as leis, são concebidas para acatar às precisões do Ego, do Superego e do Id, consentindo ao ser humano viver em sociedade, pois regulam as ações. Assim, a Psicanálise ajuda o Direito a entender o ser humano, o que o motiva a agir de determinada forma e, consequentemente, a criar leis que atendam às suas necessidades. E, as relações humanas no ponto de vista do psicanalista são fundamentais para a análise das relações jurídicas. (CRUZ, MACIEL, & RAMIREZ 2005)
Outra relação que se entende entre Direito e Psicanálise e, sobretudo as leis, é o de pulsão, sendo o movimento que o ser humano tem para a satisfação de um desejo, uma força inconsciente que move para a satisfação de um desejo. É inconsciente, pois não somos conscientes de que temos determinados desejos, e, ao atendê-los, não importa se é de forma correta ou não, estamos satisfazendo a pulsão. (DANTO, 2019)
Portanto, a relação entre o Direito e Psicanálise vem a ser bem clara quando se considera o conceito de pulsão, são as leis, que são elaboradas para atender às necessidades das pessoas, que são motivadas pelas suas pulsões. A necessidade de comer, de ter um lar, de se relacionar, de ter segurança, são algumas das pulsões que o ser humano tem e que, se não forem atendidas, podem causar problemas para a sociedade. (LEGENDRE, 2013)
O Direito, à luz da Psicanálise, é a instituição que acondiciona as semelhanças jurídicas, onde sua função é manter a Ordem Social, pois aplica as leis que foram criadas para atender às necessidades do Ego, sendo o órgão que mantém a Ordem Social, que é estabelecida pelo Ego. (CRUZ, MACIEL, & RAMIREZ 2005)
Na solução de conflitos em Direito, em especial na mediação e na conciliação, a psicanálise assume um papel de enorme importância, pois a mediação é um processo de resolução de conflitos que envolve a intermediação de um terceiro, o mediador, para ajudar as partes envolvidas a chegarem a um acordo. A conciliação é um processo semelhante, mas envolve a mediação de um juiz ou outra autoridade.
O reforço da Psicanálise para o Direito é muito valioso, porque ajuda a compreensão do ser humano, o que o determina a agir de determinada forma e, consequentemente, a criar leis que atendam às suas necessidades. Isso não significa que o direito deve se reduzir à psicanálise, mas sim que a psicanálise pode ser uma ferramenta útil para o estudo do direito. (PASCAL, MONTAIGNE e DERRIDA, 2007).
Todavia, é importante ressaltar que a relação entre direito e psicanálise não é uma relação de igualdade, mas sim de complementaridade. E, um operador do Direito com conhecimento de Psicanálise possui um grande diferencial em sua prática, pois consegue identificar as necessidades inconscientes das pessoas e, assim, pode atuar de forma mais efetiva. (ANDRADE JUNIOR, 2017).
De acordo com Legendre (2013) compara o histérico ao criminoso, pois os dois tem algo a esconder, o primeiro de si mesmo e o segundo dos outros e as tarefas do terapeuta e do magistrado têm em comum alcançar a revelação do material psíquico oculto, escondido, ainda que o neurótico ajude o terapeuta a encontrar a verdade e o criminoso a boicote.
O Direito Criminal é área mais vasta para a psicanálise contribuir, e também Direitos da Personalidade são outro exemplo de influência da Psicanálise, Ética nas práticas psicanalítica e institucional também faz parte da interdisciplina.
3.2 O Direito e a Psicanálise Compreendendo o Sujeito e Suas Relações.
A falta de apreço pelo Direito da hipótese do inconsciente, tal como sugestão por Freud e sua Psicanálise, é uma das vias pelas quais se consegue eficácia no projeto político-econômico moderno de disciplinar as práticas de justiça por meio da ciência do Direito. (FAGUNDES, 2016).
A relação entre direito e psicanálise é uma relação entre duas ciências que têm objetos de estudo diferentes, onde a psicanálise estuda o sujeito, e o direito estuda as relações sociais, além disso, a psicanálise é uma ciência que se preocupa com a subjetividade, enquanto o direito é uma ciência que se preocupa com a objetividade. (FAGUNDEZ, 2016).
Apesar de irmãs, as áreas do Direito e da Psicanálise, na relação que possuem, são opostas, pois, a Psicanálise estuda o inconsciente, se preocupa com a subjetividade, o Direito a consciência, com a objetividade. Porém, a contribuição da Psicanálise ao Direito pode ser considerada inestimável, tendo em vista o estudo que a primeira faz do ser humano, da sua personalidade, das suas relações interpessoais e, sobretudo, do inconsciente, que é o que move as ações humanas, de forma consciente ou inconsciente. (RODRIGUES, 2016).
A Psicanálise pode contribuir com uma intimidação sobre o risco do dano de sua função característica e de sua extensão ética, caso suas práticas se diminuam a um aparato de repressão, orientando-se predominantemente pela subjetividade do operador do Direito e, apenas em segundo plano, pela reparação do que foi perdido. (OLIVEIRA, 2010)
A lei, sendo dirigida para a eliminação do outro, e não para a interferência do contrato, intimida a civilização e a própria subjetividade, analisando que esta última é justamente possibilitada pela alteridade.
A Psicanálise sendo uma área de processo de conhecimentos, atualmente, lançou vários estudos, sobre reflexões acerca das influência mútua com o Direito (Altoé, 2007). No Brasil, se inicia com a busca da Psicanálise por parte de juristas, para melhor compreensão dos aspectos psicodinâmicos inerentes aos sujeitos cujos casos estão sob sua responsabilidade.
Groeninga e Pereira (2003) observam uma semelhança entre esses dois campos e ressaltam que tanto o advogado quanto o psicanalista têm em comum a escuta do seu cliente e sua demanda. Há uma atenção em avaliar o indivíduo, tanto o chamado sujeito do Direito “que é aquele que age consciente de seus direitos e deveres, e segue leis estabelecidas em um dado ordenamento jurídico”, quanto o denominado sujeito da Psicanálise ou “sujeito do desejo, aquele que está também assujeitado às leis do inconsciente”. (GROENINGA e PEREIRA, 2003, p. 12).
Tanto o Direito quanto a Psicanálise buscam entender o indivíduo e suas relações, com um no aspecto objetivo dos acontecimentos e a outra, mais individual, tanto no nível do consciente como no inconsciente. De qualquer forma, é um único indivíduo que se engloba duas realidades distintas. (RODRIGUES, 2016).
Portanto, buscam descobrir as relações entre o que define como o sujeito do desejo para a Psicanálise como seu objeto de estudo e o sujeito do Direito em seus aspectos sociojurídicos no que concerne aos direitos e deveres; o domínio da lei e do exercício social da responsabilidade (GROENINGA & PEREIRA, 2003).
Quinet (2003, p. 57) considera que a lei no aspecto psicanalítica e na óptica do Direito há a “Lei simbólica, que rege os homens na condição de seres que habitam a linguagem, e as leis que os homens fazem para regular as relações entre si”.
Sendo assim, para Quinet (2003) analisa a Lei simbólica como estrutural, que não depende do lugar, do momento histórico ou da constituição social e que se expressa na cultura mediante as leis, a Constituição, os estatutos e regimentos institucionais, com o objetivo de enquadrar e limitar o gozo de um em relação aos demais.
Guyomard (2007) ao avaliar que têm as “leis escritas e as leis não escritas”. Compreende-se como sendo as escritas, as leis que fazem parte da legislação de cada lugar, e que proíbem o sujeito de cometer alguns atos. Já as leis não escritas são aquelas em que o sujeito por si só e sem que haja a interseção das leis escritas, as obedece, as respeita.
A Psicanálise trabalha com a lei no sentido de existir, que proíbe o incesto e o parricídio, com o valor da Lei e das leis, com a lei escrita e as não escritas, percebendo assim as diferenças entre a lei, as normas e a ética. (RODRIGUES, 2016).
Oliveira (2010) assegura abertamente que, na vertente jus naturalista ou na positivista, o que sobressai na dogmática e na ciência jurídica é este atributo consciente do sujeito, que, proprietário de suas ações, pode responder por elas. É somente como racionalidade que o sujeito pode adentrar no jogo jurídico.
Contudo, uma vez dentro, parece também que o sujeito não consegue sair, pois sua subjetividade é reduzida às previsões inerentes às tipificações legais e correlatas possibilidades de interpretação das ações humanas. E, ainda mais: reduzida àquilo que pode ser visto (o comportamento, a imagem), a subjetividade é enclausurada em sua dimensão fenomenológica, bem como em certa apropriação normativa dessa dimensão.
CONCLUSÃO
Conclui-se que o objetivo do trabalho foi atingido, pois foi apresentado alguns aspectos entre o direito e a psicanálise, e seus efeitos no campo da política social pública, sob uma aparência epistemológica, histórica e conceitual.
Analisa que o conceito da psicanálise do inconsciente colabora para que o Direito possa ser mais plenamente uma prática de justiça, para que o Direito exerça eminentemente a garantia de direitos, e não a imposição de deveres. Sendo assim, o diálogo no Direito e a Psicanálise a partir de suas noções de sujeito, demarcando-se onde se aproximam ou se distanciam epistemologicamente esses campos do saber.
Nessa direção, as lições da Psicanálise sobre a subjetividade daquele que comete crimes são exemplares, alertando que não é a repressão que possibilita a inscrição da alteridade, e que responsabilização não se obtém pela via da culpabilização. Encontra-se, na Justiça Restaurativa, uma maior perspectiva de diálogo entre Direito e Psicanálise.
A Psicanálise não desumaniza o criminoso, visto que a Psicanálise busca uma forma de construir um substituto da função paterna, isto é, um “grito de socorro”, e se não for atendido, o ser humano comete o ato criminoso. Ou seja, essa é a sua forma de lutar para subsistir enquanto sujeito, já que foi marca da sua constituição subjetiva.
Portanto, se conclui que a contribuição da Psicanálise para o Direito é inestimável, pois ajuda a compreender o ser humano, o que o motiva a agir de determinada forma e, consequentemente, a criar leis que atendam às suas necessidades. Isso não significa que o direito deve se reduzir à psicanálise, mas sim que a psicanálise pode ser uma ferramenta útil para o estudo do direito.
Todavia, é importante ressaltar que a relação entre direito e psicanálise não é uma relação de igualdade, mas sim de complementaridade. E, um operador do Direito com conhecimento de Psicanálise possui um grande diferencial em sua prática, pois consegue identificar as necessidades inconscientes das pessoas e, assim, pode atuar de forma mais efetiva.
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graduanda em Direito pela Universidade Brasil. Campus Fernandópolis.
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