RODRIGO ANTONIO CORREA[1]
(orientador)
RESUMO: O presente artigo possui o objetivo de analisar a temática da responsabilização nos casos de violência obstétrica e ética dos profissionais de saúde e do setor público sob uma perspectiva jurídica. O grande problema da violência obstétrica é a naturalização dos atentados sofridos por essas mulheres, isso se dá principalmente por um abuso de gênero que está enraizado na sociedade. O método aplicado foi de pesquisas na legislação, tendo como base artigos acadêmicos e sites que discutem o tema e análise de casos reais. A primeiro momento a finalidade é conscientizar e orientar mulheres que sofreram durante o parto, abusos, discriminação, violência de gênero, por parte dos profissionais. Ademais os atos violadores aos direitos das parturientes são constantemente cometidos pelo sistema Único de saúde. Conclui-se, portanto, que visa fixar a possibilidade de punição no ordenamento penal para os profissionais que cometem tal ato, mesmo não contendo no atual ordenamento jurídico lei específica para tal negligência cometida por profissionais da área de saúde.
Palavras-chave: Violência Obstétrica. Possibilidade. Responsabilidade Civil. Criminalização.
ABSTRACT: This article aims to analyze the issue of accountability in cases of obstetric violence and ethics of health professionals and the public sector from a legal perspective. The big problem of obstetric violence is the naturalization of the attacks suffered by these women this is mainly due to a gender abuse that is rooted in society. The method applied was research on legislation, based on academic articles and websites that discuss the topic and analysis of real cases. At first, the purpose is to raise awareness and guide women who suffered during childbirth, abuse, discrimination, gender violence, by professionals. In addition, acts that violate the rights of parturient are constantly committed by the Unified Health System. It is concluded, therefore, that it aims to establish the possibility of punishment in the penal system for professionals, who commit such an act, even though the current legal system does not contain a specific law for such negligence committed by health professionals.
Keywords: Obstetric Violence. Possibility. Civil Responsibility. Criminalization.
1.INTRODUÇÃO
A violência obstétrica não é exclusiva da sociedade contemporânea. Em contrapartida, é um assunto pouco discutido que tomou notoriedade recentemente. Esse ato é manifestado por inúmeras condutas em âmbito gestacional na qual a mulher é submetida a procedimentos desnecessários ou não autorizados. Ademais, é comum que a violência também se manifeste através de agressões verbais e sexuais.
Violência obstétrica é um termo utilizado para caracterizar abusos sofridos por mulheres quando procuram serviços de saúde durante a gestação, na hora do parto, no nascimento ou pós-parto. Os maus tratos podem incluir diversos tipos de violência, como física ou psicológica, podendo transformar a experiência do parto um momento traumático para a mulher e o bebê.
A violência obstétrica está relacionada não apenas ao trabalho de profissionais de saúde, mas também a falhas estruturais de clínicas, hospitais e do sistema de saúde como um todo.
O caso que teve grande impacto na discussão dessa pauta foi de uma influencer digital, que por sua vez teve o áudio do seu parto vazado em redes sociais. O médico em questão, tinha essa postura como prática recorrente em seus atendimentos e mesmo assim não sofria punições e atendia mulheres com condições financeiras favoráveis. Desse modo, abrimos uma discussão vasta sobre a justificativa de tal diferença, seja ela por grau de instrução ou condições financeiras para punição de tal ato.
Com os adventos midiáticos temos cada vez mais casos sendo reportados. Outro caso recente foi de um anestesista, as enfermeiras relataram que suspeitavam, mas precisavam de provas por medo de serem prejudicadas. Esse temor é um retrato perfeito da força que a comunidade médica brasileira tem.
É indubitável o poder no qual eles possuem e como o mesmo é refletido em suas prioridades, tornando esse um problema estrutural, visto que a falta de proteção das vítimas de violência obstétrica, leva a constatar que elas sentem se inseguranças com a impunibilidade de um tipo penal especifico para tais casos.
2.A VIOLENCIA OBSTETRICA
Violência obstétrica é o abuso cometido contra gestantes, parturientes e puérperas, ao procurarem serviços de saúde, antes, durante ou após o parto. Essa violência é cometida por profissionais da área de saúde e se dá de várias formas, como: violência verbal, física, sexual e/ou psicológica, gerando assim vários traumas as mulheres e até mesmo seus bebes. A violência não se trata apenas do trabalho dos profissionais a saúde, mas também das Clinicas e Hospitais Públicos e Particulares que negligenciam tal ato (LOPES, 2020).
Vale destacar que o momento do parto sempre um momento exclusivo para mulheres, visto que as mulheres pariam em suas casas rodeadas apenas e mulheres, as chamadas parteiras, as gestantes eram acompanhadas de suas mães, irmãs, tias, primas, ou seja, apenas mulheres, ambiente esse que trazia sensação de paz, conforto e confiança.
Conforme a Medicina avançou os partos em casa e realizados por parteiras foram substituídos por hospitais e Médicos capacitados, e os partos que eram realizados naturais foram substituídos por cesáreas. O momento do parto acabou deixando de ser um momento exclusivamente feminino e passou a se tornar um evento hospitalar com Médicos e Enfermeiros (CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA, 2009).
Embora este assunto tenha tomado grande notoriedade recentemente, não é de hoje que casos como este ocorrem, o assunto passou a ter repercussão na década de 1950.
A saúde e dignidade da gestante e do bebe passou a ser pauta mundo a fora, em 1958 no Reino Unido surge uma Sociedade com a finalidade de prevenir a crueldade cometida contra gestantes, sua fundação se deu através de uma carta publicada no Journal Guardian:
Nos hospitais, as mulheres tem que enfrentar a solidão, a falta de simpatia, a falta de privacidade, a falta de consideração, a comida ruim, o reduzido horário da visita, a insensibilidade, a ignorância, a privação de sono, a impossibilidade de descansar, a falta de acesso ao bebe, rotinas estupidamente rígidas, grosseria[...] as maternidades são muitas vezes lugares infelizes, com as memorias de experiencias infelizes. (BEEACH E WELLINGTON, 1960, P.2)
A violência obstétrica passou a ser pauta nas políticas de saúde do Brasil em meados de 1980, sendo reconhecido que o tratamento era impessoal e agressivo com estas gestantes pelo Programa de Atenção Integral a Saúde da Mulher (PAISM), entretanto o assunto foi negligenciado e não teve a notoriedade necessária. Porém, desde 1996 a OMS (Organização Mundial de Saúde) restringiu o uso de algumas práticas durante a realização do parto. Em 2001 foi definida a publicação de que manobras como a de Kristeller e a Episiotomia, entre outras práticas, deviam ser eliminadas pois foram consideradas prejudiciais ou ineficazes, mas estas práticas ainda são adotadas nos dias atuais (OMS, 2016).
Ao longo dos anos inúmeras pesquisas foram feitas e assunto discutido, mas de fato teve uma grande visibilidade e passar a ser uma pauta muito discutida e cobrada a partir do caso de uma Influenciadora Digital muito conhecida nos dias atuais.
Shantal Verdelho relatou nas suas redes sociais a violência sofrida no parto de seu segundo filho, a influencer relatou violências verbais e físicas cometidas pelo médico que realizava seu parto, inclusive relatando que o profissional sugeriu que deveria ser realizada uma episiotomia, pratica na qual é restringida desde 2001 pela OMS, contudo, profissionais continuam fazendo o uso de tal pratica, que é considerada violenta e ineficaz.
A violência obstétrica ocorre de muitas formas e acaba tornando o parto que era um momento especial para as parturientes em um momento triste e traumático, podendo gerar danos psicológicos nessas mulheres, o sonho da gestação, as expectativas e planos para a chega do bebê ansiosamente aguardado, acabam se tornando um pesadelo ao se verem gratuitamente agredidas, abusadas e insultadas por médicos, que deveriam passar segurança e conforto a mulher, acabavam se tornando o momento mais aguardado em uma espécie de contos de terror (OMS, 2016).
A violência obstétrica na Argentina e Venezuela é definida como apropriação do corpo e dos processos reprodutivos das mulheres pelos profissionais da área, através dos abusos cometido, levando a perda da capacidade e autonomia das mulheres sobre seus próprios corpos, causando um grande impacto negativo na vida destas mulheres.
A Venezuela tem um conceito muito estudado e aceito sobre violência obstétrica, definida como:
Entende-se por violência obstétrica a apropriação do corpo e dos processos reprodutivos das mulheres por profissional de saúde que se expresse por meio de relações desumanizadoras, de abuso de medicação e da patologização dos processos naturais, resultando em perda de autonomia e capacidade de decidir livremente sobre seu corpo e sexualidade, impactando negativamente na vida das mulheres. (VENEZUELA, 2007, n.p.).
A Violência obstétrica é considerada crime e passível de punição em ambos os países, mas para que tal ato seja punido depende da denúncia, que por sua vez depende da identificação da violência obstétrica, visto que muitas mulheres não reconhecem que sofreram tal ato, principalmente por não reconhecerem procedimentos médicos e por se tratar de um momento extremamente frágil e emocionante de suas vidas, o que acaba passando despercebido e tornando a violência obstétrica em algo "normal".
3.DOS TIPOS DE VIOLENCIA OBSTETRICA
A Violência Obstétrica é caracterizada por sete tipos de procedimentos, sendo elas: Violência Psicológica, Violência Física, Episiotomia, Amniotomia, Cesariana, Manobra de Kristeller e Violência Sexual (SILVA, 2000).
A constituição Federal prevê que é um direito social a proteção a maternidade, portanto a mulher tem direito a um pré-natal de qualidade, a um acompanhante durante o parto e o pós-parto, tem direito a um tratamento digno e deve ter sua integridade, tanto física como psicológica, garantida.
A Violência Psicológica é caracterizada como, mentiras, chacotas, ameaças, chantagens, grosserias, ofensas, piadas, omissão de informações, desrespeito, a proibição do acompanhante no pré-parto, durante o parto e também no pós parto, é considerada uma violência obstétrica, conhecida como Lei do acompanhante, a Lei 11.108/05 garantiu as gestantes o direito ao acompanhante, o que geralmente não ocorre visto que muitos hospitais não permitem a entrada de acompanhantes, que por sua maioria são os pais da criança (BRASIL, 2005).
A violência física é caracterizada pela dor, dano físico, sobre o corpo da mulher, inclui privação a alimentação, manobra de Kristeller, raspagem de pelos (tricotomia), o uso de ocitocina para aceleração do parto, a negativa de medicamentos, quando solicitado, e a cesariana eletiva sem indicação (DINIZ, 2015).
A episiotomia realizada sem necessidade é caracterizada como violência obstétrica, consiste no corte entre a região da vagina e o ânus para pode facilitar a saída do bebê. O corte é realizado na maioria das parturientes e sem informar a mesmas de tal ato (DINIZ, 2015).
A Amniotomia que consiste no rompimento precoce da bolsa amniótica, seja ou não pelo uso da ocitocina, essa pratica é considerada uma violência obstétrica (DINIZ, 2015).
A cesariana eletiva também é uma violência obstétrica muito comum cometida, ela se caracteriza pratica apenas por conveniência medica e hospital, pois não há alguma indicação ou comprovação clinica esta pratica se dá principalmente pelo fato dos partos naturais ou normais serem mais demorados e ocuparem um espaço maior nos espaços hospitalares, o que ocasiona na pratica da cesariana que acabou se tornando o meio mais adotado para procedimento do parto.
A manobra de Kristeller (ato de empurrar a barriga da gestante na hora do parto) não tem nenhuma comprovação cientifica, porém, conforme relata a pesquisa "Nascer no Brasil" Inquérito Nacional sobre Parto e Nascimento, da Fundação Oswaldo Cruz, foi praticada em 36% dos partos vaginais realizados no Brasil.
A violência Sexual é caracterizada por assédio, exames de toque, constantes ou agressivos, lavagem intestinal, imposição da posição na hora do parto para dar a luz, episiotomia, como já citado acima como forma violência física, também se encaixa em violência sexual. Esta violência se dá pela violação da intimidade ou pudor da mulher, independente, de ter ou não acesso as partes intimas e órgãos sexuais do corpo da mulher. (RODRIGUEZ, 2012, P. 60).
O chamado "Ponto do Marido" também é considerado uma forma de violência, a manobra ocorre no momento da episiotomia, o ponto é feito de uma forma mais apertada, com a finalidade de deixar a região intima "mais apertada" com o objetivo, de dar mais prazer ao marido, e a parturiente (DINIZ, 2015).
4.ORDENAMENTO JURIDICO ATUAL
A Constituição Federal de 88 garante formas de proteção a dignidade humana, bem como garantir que a pessoa não será de alvo de ofensas ou humilhações. A CF/88 considerada como Constituição Cidadã por nela garantir inúmeros fundamentos, como por exemplo a Constituição Espanhola de 1978. A carta Magna Brasileira prevê o bem estar o do ser humano, bem como o dever de proteger e garantir fundamentos previstos, a partir do princípio basilar da dignidade, como: a saúde, moradia, direito a vida, educação, acesso a justiça.
O Estado também garante que todos são iguais perante a Lei, conforme garante a CF/88. A Lei Magna dispõe em seu artigo 5º, incisos V e X c/c e art. 186 e 927 do CC:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros se aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
V - É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
X - São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral, decorrentes de sua violação.
No que diz respeito aos direitos femininos, podemos citar a Convenção de Belém do Para de 1994, que se trata de um conjunto de acordos entre vários estados com a finalidade de prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher. Fica definido pela convenção que “qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como privado”, fica entendida como violência a mulher (CÓDIGO DE PROCESSO ÉTICO-PROFISSIONAL, 2016).
O Mistério da Saúde reconhece como direito da mulher um atendimento justo e humanizado desde o início da gestação até o nascimento da criança.
A portaria 569, de 2000 prevê:
Institui o Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento, no âmbito do SUS – prevê o direito de atendimento digno, humanizado e de qualidade na gestação, parto e puerpério e traça os princípios gerais e condições para o adequado acompanhamento do pré-natal e para a adequada assistência ao parto (BRASIL, 2000, n.p.).
A portaria 1.067, de 2005 prevê:
É dever dos serviços e profissionais de saúde acolher com dignidade a mulher e o recém-nascido, enfocando-os como sujeitos de direitos e que a atenção com qualidade e humanizada depende de rotinas com procedimentos comprovadamente benéficos, evitando- -se intervenções desnecessárias, e do estabelecimento de relações baseadas em princípios éticos, garantindo a privacidade, a autonomia e compartilhando com a mulher e sua família as decisões sobre as condutas a serem adotadas (BRASIL, 2005, n.p.).
A portaria 371, de 2014 prevê:
Assegura o contato pele a pele mãe e bebê logo após o parto, o aleitamento materno na primeira hora e o clampeamento do cordão umbilical (corte) após cessadas suas pulsações, quando as condições de saúde do bebê são adequadas (BRASIL, 2014, n.p.).
Vale ressaltar que os direitos femininos, como citados na carta Magna, Constituição, ONU, dentre outras Leis, surgiram para assegurar as mulheres os direitos que lhe foram negados durante séculos, pelo fato de uma desigualdade de gênero, a finalidade destes direitos é diminuir a desigualdade de gênero e a cultura da opressão contra mulheres.
Neste mesmo ponto tem a visão sobre recém-nascidos que também sofrem com a violência obstétrica. Estes bebês tem seus direitos garantidos pelo ECA- Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90). O ECA prevê em seu artigo 7º que a criança tenha direito a um “nascimento [...] sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”, garantindo à mãe, na forma do artigo 8°, caput e §8°, “atenção humanizada à gravidez, ao parto, perinatal e pós natal integral [...]” e a um “acompanhamento saudável durante toda a gestação e a parto natural cuidadoso [...]” (BRASIL, 1990, n.p.).
O Conselho Federal de Medicina n° 2.217/2018 que dispõe sobre a ética médica, tem como princípio fundamental a saúde do ser humano como centro de toda atenção e zelo do profissional da saúde sem qualquer discriminação. Sabendo a importância da relação medico e paciente do código de ética medica a doutrina traz " um código de ética q não for sensível as necessidades de conciliar seus fundamentos com a prática profissional digna, em favor dos pacientes e da coletividade, é um mau código." (FRANÇA, 2014 n.p.).
Segundo o entendimento doutrinário, a responsabilidade civil do médico no exercício de suas atribuições é inerente aos riscos da sua profissão. De acordo com França (2014, n.p.), “a medicina é uma das atividades mais vulneráveis e difíceis do mundo, para se exercer do ponto de vista legal”.
Perante a legislação vigente civil e penal, o profissional da saúde que venha a cometer um ato ilícito com suas pacientes e nascituros deve ser responsável pelo dever de indenizar como consequência do mal praticado. Cabe lembrar que, o profissional da medicina pode se submeter a processo ético profissional de seu órgão de classe, regulado pela Resolução nº 2.145/2016.
Embora, hajam inúmeros direito garantidos as mulheres e as crianças no ordenamento jurídico brasileiro, não há, entretanto qualquer Lei ou punição especifica para a violência obstétrica, ou seja, não há punição para os causadores, no caso os agentes de saúde que com o passar do tempo tornaram este tipo de conduta comum, o que leva muitas mulheres a não identificarem a violência que sofrem, por acharem normal esta pratica.
Vicchietti (2013) discorre, que estas mulheres “reconhecessem que se sentiam mal e humilhadas, consideravam que isso era habitual e que não podiam decidir nada, nem se queixar porque depois teriam que retornar ao mesmo local e se encontrar com a mesma equipe” (VICCHIETTI, 2013, p. 32). Esta conduta médica se tornou tão habitual que passou a gerar o silencio nas mulheres que sofrem ou sofreram este tipo de violência, visto o medo de denunciar tal ato e não haver punição, e as mesmas terem que voltar ao convívio com o agente agressor.
5.A RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO E DO HOSPITAL
A responsabilidade civil do médico perante a vítima de violência obstétrica, ainda não possuí legislação especifica, e é subjetiva, desta forma, são utilizados o Código Civil, o Código do Consumidor, e o Código de Ética Médica.
A responsabilidade Civil pode ser caracterizada por objetiva e subjetiva. Para a legislação Brasileira o médico é considerado um profissional liberal prestador de serviços. Para que haja o dever de reparação, o caso de violência obstétrica deve preencher alguns requisitos básicos como: a conduta médica, o dano e o nexo causal entre o dono e a conduta.
Conforme dispõe a doutrinadora Maria Helena Diniz (2003, p. 271):
A responsabilidade do médico é contratual, por haver entre o médico e seu cliente um contrato, que se apresenta como uma obrigação de meio, pôr não comportar o dever de curar o paciente, mas de prestar – lhe cuidados conscienciosos e atentos conforme os progressos da medicina, todavia, há casos em que se supõe a obrigação de resultado, com sentido de cláusula de incolumidade, nas cirurgias estéticas e nos contratos de acidente.
A natureza médica pode ser definida como de meio, e não de resultado, dado que o médico não possui a obrigação de entregar o resultado final, mas tem a obrigação e dever de realizar tudo que for necessário para uma prestação de serviço da melhor qualidade.
Apesar da responsabilidade civil médica ser contratual e de meio, o dever de reparação é mediante comprovação de culpa do profissional, a responsabilização médica pode ser dada através de sua ação culposa ou dolosa, por ação ou omissão, através de negligência, imperícia ou imprudência.
A responsabilidade civil do hospital é considerada objetiva diferente da responsabilidade médica que é subjetiva, a responsabilidade objetiva independe da comprovação de culpa.
Apesar do hospital não ter controle das ações médicas, a instituição responde pelos atos ilícitos cometidos por seus empregados.
O Código Civil prevê, em seu artigo 932, inciso III:
Art. 932. São também responsáveis pela ação civil:
III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, o exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele (BRASIL, 2002, n.p.).
Desta forma, a responsabilidade civil objetiva na depende de comprovação de culpa, apenas do nexo causal entre o dano e a conduta do agente. Sendo assim, o hospital deve responder civilmente pelos atos de violência obstétrica que forem cometidas pelos médicos, devido a relação que se tem de empregado e empregador, quando houver a comprovação de culpa do médico, visto que sua responsabilidade é subjetiva, ou seja, depende de comprovação.
6.ATRIBUIÇÃO COMO CRIME E SUA VIABILIDADE NO JUDICIÁRIO BRASILEIRO
Alguns projetos de leis foram iniciados no legislativo Brasileiro, alguns seguem em tramite e outros suspensos, como a exemplo o Projeto de Lei em câmara – PL 7.633/2014, um projeto apresentado pela ONG Artemis, o objeto é humanizar o atendimento à gestante/parturiente, assim lhes garantindo a priorização por parte da equipe médica em um atendimento humanizado durante todo o período gravídico/puerperal estendendo-se ao pós- parto (VECCHIETTI, 2015).
Na Câmara Legislativa Federal foi proposto lei nº 7.633/2014 para tratar da assistência à mulher no parto. Não obstante, e anterior ao projeto de lei mencionado, há o projeto de lei nº 478/2007 que trata dos direitos do nascituro, que devem ser resguardados desde o ventre de sua genitora.
Entretanto, estes projetos que se propõem a criminalizar as condutas identificadas como violência obstétrica encontram um limite subjetivo que faz com que eles percam sua aplicabilidade.
Vale ressaltar a ausência de leis que criminalizam condutas médicas abusivas, a dificuldade para punir penalmente a violência obstétrica pode se dar, por exemplo, em razão da existência de algumas excludentes de ilicitudes no Código Penal Brasileiro.
Raquel Diniz, presidente da ONG Artemis, denuncia que, atuais Leis brasileiras não vem sendo cumpridos na maioria das unidades de saúde “O governo não quer, mas a ideia é criminalizar profissionais que causem danos. Bebês que morrem de prematuridade por cesárea mal indicada, a gente não pode mais conviver com isso. Vamos continuar morrendo?” (OMG, 2016, n.p.).
Muniz (2012), relata que a mulher precisa identificar esse ato de violência e não sentir que seu sofrimento está sendo um incomodo, e sim que se trata de uma violência cometida pelos profissionais de saúde. Sendo assim, a parturiente deve estar ciente que:
Sendo essa violência comum no cotidiano do atendimento à mulher no parto, torna se fundamental que se fale sobre isso, que se esclareçam as condições de possibilidade deste fenômeno, com o objetivo de que as próprias mulheres encontrem meios de identificá-lo e impedi-lo, podendo transformar este quadro” (MUNIZ, 2012, n.p.).
Conforme já mencionado nos tópicos deste artigo, o que existe é a legislação genérica, mas existem na Câmara projetos que definem o que é e qual o tipo de conduta que pode ser considerada violência obstétrica, assim como definir as punições previstas ao indivíduo que cometer este ato. As punições podem ser desde uma sanção pecuniária até dois anos de prisão.
A atual inaplicabilidade das normas jurídicas existentes tem contribuído para criação de um sentimento de impunidade fazendo com que médicos e suas equipes hajam da forma como bem entenderem com as mulheres, seus corpos e seus filhos. Pelo simples fato de que, quando finalmente têm coragem, para denunciar as vítimas não recebem em contrapartida do Estado uma sanção que refreie a conduta do profissional, formando um ciclo no qual o único beneficiado é aquele que cometeu os abusos (MUNIZ 2012).
Por esses motivos, resta ao Direito Penal, ante a falência e inaplicabilidade prática das demais esferas jurídicas, amparar essas vítimas assegurando-lhes os seus direitos a ter uma assistência médica digna e humanizada, devolvendo-lhe o protagonismo e o empoderamento do parto levado por uma cultura incisivamente machista e institucionalizada implantada ao longo dos anos, como abordado anteriormente.
Dessa forma, percebe-se que a criminalização da violência obstétrica trata - se de um tema complexo por envolver diversos interesses jurídicos em choque direto, e pelas limitações ofertadas pelo próprio ordenamento jurídico pátrio, conforme detalhadamente abordar-se-á a seguir (MUNIZ 2012).
Em vista dos argumentos apresentados, visa atribuir como crime tais atitudes, vale salientar que no atual ordenamento jurídico não há existência de Leis ou projetos que criminalizam a conduta médica, isto pode ocorrer pelo fato de no Código Penal não tipificar a conduta destes profissionais de saúde que cometem esse tipo de violência.
5 CONCLUSÃO
A mulher sempre foi colocada em um ambiente violento, sofria de repetidas vitimizações e suas consequências, principalmente no início, quando recorreu ao Estado para a solução do problema.
Como se vê, dada a realidade familiar e coletiva, essa situação é frequente e não resolvida. Este artigo destaca a discriminação e o silêncio da sociedade em relação às mulheres vítimas de violência sexual, psicológica e física e o quanto elas são responsabilizadas pela violência que vivenciam.
Portanto, para desconstruir tais parâmetros sociais, é dever das instituições quebrar esses padrões de desigualdade para consolidar o respeito à diferença e ao gênero. Em um breve panorama, o foco principal está na responsabilidade do Estado em promover e facilitar mudanças nas atitudes discriminatórias, ao invés de naturalizá-las em relação ao sexo feminino.
Assim, tanto a violência quanto a discriminação contra as mulheres devem ser responsabilizadas, pois viola os direitos humanos quando as mulheres são tratadas como meros objetos/coisas.
O protagonismo deve ser restituído à mulher, que é fundamental. Tal problemática só poderá ser resolvida a partir do momento em que for devolvido à mulher o pleno controle do seu destino e o pleno controle do seu parto. Além de punir os agressores é necessário um investimento com seriedade na política nacional de humanização do parto o que só pode ocorrer se respeitado um tripé central.
Com isso, a muito o que se discutir e debater a respeito dos procedimentos médicos adotados nos trabalhos de parto em todos os hospitais e maternidades do país, pois trata-se de um tema inesgotável e, principalmente um tema de saúde pública. Ademais, são vidas humanas de direitos e garantias fundamentais protegidas pela Constituição Federal que não podem ser submetidas a qualquer situação desumana, degradante e desrespeitosa por parte daqueles que possuem o dever ético-profissional de cuidar e zelar pela vida do ser humano.
Nesse sentido, não se pode olvidar que a inexistência de uma lei específica que assegure sanções concretas em face daqueles que pratiquem a violência obstétrica provoque na mulher um estado de insegurança que, por fatores naturais, já se encontra sob grande vulnerabilidade em razão do parto. Por motivos óbvios os profissionais, que integram a rede de assistência ao parto, sempre justificarão seus atos afirmando que apenas estão fazendo o seu trabalho contando, na grande maioria das vezes, com o apoio dos hospitais e maternidades onde prestam seus serviços.
Diante do exposto, apesar dessas inovações, ainda há a necessidade de que o Estado tome ações mais concretas para aprimorar esses mecanismos ou o instrumento criado pela legislação supracitada, seja na formação de profissionais prestadores de serviços ou na introdução de novas unidades especializadas, como a criação de varas especializadas nos fóruns. Além disso, ao relatar e apontar o papel da sociedade, ressalta-se que ela precisa ser aprimorada para se ajustar adequadamente à realidade atual.
REFERÊNCIAS
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NOTA:
[1] Docente do Curso de Direito, Centro Universitario de Santa fé do sul/SP, UNIFUNEC E- mail:[email protected].
Discente do Curso de Direito, Centro Universitário de Santa Fé do Sul/SP, UNIFUNEC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AMARAL, Aryane Paula Queiroz. Violência obstétrica: negligência e penalidade dos profissionais de saúde Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 ago 2023, 04:31. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/62733/violncia-obsttrica-negligncia-e-penalidade-dos-profissionais-de-sade. Acesso em: 23 nov 2024.
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