RESUMO: O presente trabalho tem como finalidade analisar as mudanças ocasionadas pela reforma previdenciária no contexto do ordenamento jurídico brasileiro, decorrente da PEC nº 06/2019, que posteriormente foi convertida na Lei nº 13.846/2019, a qual trouxe inúmeras alterações nas regras para aquisição e manutenção de benefícios aos segurados do Instituto Nacional da Seguridade Social. No tocante à modificação do cenário social e econômico do país, o artigo trará inúmeros apontamentos e críticas exemplificadas desfavoráveis a reforma previdenciária, tendo em vista os grandes obstáculos oriundos da reforma da previdência para o acesso aos benefícios.
Palavras-chave: Reforma previdenciária; Desigualdade Social; Impactos.
1.INTRODUÇÃO
No cenário atual, é notório como a expectativa de vida da população brasileira teve um grande crescimento, o que resultou em uma população predominantemente idosa. Como efeito desse crescimento, acabou-se gerando um déficit enorme nas contribuições previdenciárias, visto que, era esperado ter um grupo jovem trabalhando e contribuindo efetivamente, na mesma proporção da população idosa do país, para o INSS (autarquia previdenciária), e assim manter o giro de contribuições e benefícios concedidos, o que não tem ocorrido de forma eficaz, visto que conforme dados do IBGE, em 2019, as aposentadorias e as pensões representavam 20,5% dos rendimentos da população brasileira, sendo o trabalho a principal fonte de renda do país, respondendo por 72,5% do total em 2019.
No entanto, é claro, que apesar do avanço na expectativa de vida, não tem sido garantida uma qualidade de vida favorável para os idosos, que cada vez mais demonstram o quanto se faz necessário e essencial a prestação do benefício da aposentadoria, para garantir-lhes o básico para viver, ademais, de acordo com o artigo 8º da Lei 10.741/2003, o envelhecimento como direito personalíssimo é essencial para resguardar a dignidade das pessoas idosas e garantir igualdade.
Entre os direitos fundamentais assegurados na Constituição Federal, encontram-se os direitos sociais elencados no artigo 6º, ramo ao qual pertence a seguridade social. A última é composta pela saúde, assistência e previdência social e corresponde ao conjunto integrado de ações para garantir a operacionalização dessas esferas, e por mais importância que tenha a previdência social para a garantia da existência digna, a reforma previdenciária foi apresentada pela PEC nº 06/2019 e promulgada pela emenda nº 103 de 2019, alterando o sistema da previdência social, estabelecendo novas regras de transição e disposições transitórias.
Com as alterações que foram realizadas no texto constitucional, devido a reforma previdenciária, há que se considerar que a população sofrerá fortes impactos financeiros, principalmente a população idosa, que por vezes precisa garantir a sua sobrevivência por meio de um salário-mínimo mensal.
Portanto, o presente trabalho fará uma análise crítica acerca da desigualdade social que ficará ainda mais evidente no cotidiano das pessoas, e sobre a grande instabilidade financeira que será amplificada pela reforma previdenciária, onde os impactos serão devastadores, apontando uma revisão estrutural econômica acerca do sistema capitalista e a aplicabilidade dos princípios fundamentais vigentes no ordenamento jurídico brasileiro.
2.A SEGURIDADE SOCIAL NO BRASIL
A previdência surgiu em 1824, quando houve a primeira previsão constitucional neste sentido, consagrando como dispositivos na então Carta Imperial, os socorros públicos aos indivíduos vulneráveis, que necessitavam de assistencialismo e saúde pública, surgindo então, posteriormente, o chamado “Mongeral” – Montepio Geral da Economia dos Servidores do Estado, de caráter privado, e tinham como objetivo assegurar tutela securitária para uma determinada categoria. Após, foi inserido na Constituição de 1891 novo dispositivo, com regras claras em defesa da seguridade social aos funcionários que estavam a serviço da nação, dando surgimento a primeira regra no que diz respeito a aposentadoria por invalidez. (IBRAHIM, 2006)
No ano de 1911, foi promulgado um decreto, de nº 9.284/1911 para desenvolver então a Caixa de Pensão do Operário da Casa da Moeda e em consonância, tem-se o Decreto 3.274/1919, que regularizou as obrigações dos acidentes de trabalho, iniciando, dessa forma, uma tentativa de proporcionar a dignidade humana para os cidadãos. Com o desenvolvimento desse tipo de direito previdenciário, ficou claro que não se tinha a finalidade de trazer uma indenização para o trabalho prestado, mas sim de alívio mínimo as necessidades sociais básicas (JÚNIOR, 2005).
Ainda, de acordo com Santos (2017), a história do sistema previdenciário no Brasil pode ser dividida em três fases, sendo iniciado na década de 1920 e ficando caracterizado pelo sistema de aposentadoria e Fundos de Pensão (CAP's), e sua criação, que se deu no âmbito de empresas públicas e privadas.
Já a segunda fase teve início no final da década de 1920, sendo mais desenvolvida durante as décadas de 1930 e 1940 com a fundação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPS), que estavam vinculados às categorias profissionais.
Em 1996 foi iniciada a terceira fase do sistema previdenciário no Brasil, tendo como principal característica a extinção de vários IAP's e CAP’s e sua centralização em um único público para a organização de pensões. Já o sistema de CAP's, que ficava restrito ao grande público privado e às empresas, em 1937, contavam com cerca de 200 entidades em funcionamento, e dessa forma, as contribuições estavam chegando de três fontes, por meio dos empregados, dos empregadores e pelo governo federal.
O CAP's era um sistema de pensões, que tinha como ideia principal ser totalmente capitalizado, e os benefícios deveriam ser baseados nos retornos dos investimentos, ademais, os CAP's, além da aposentadoria por tempo de serviço, havia o fornecimento dos seguintes serviços aos seus membros: serviços médicos e hospitalares, assistência farmacêutica, empréstimos para aquisição de casa própria, assistência funeral e pensão para herdeiros. A precariedade do plano financeiro dos CAP's, devido ao número reduzido de segurados e recursos insuficientes para cumprir suas obrigações levou a extinção do sistema, ficando as IAP’s e CAP’s unificadas no Instituto Nacional de Previdência Social.
Posteriormente, em 1988, com advento da Carta Magna promulgada, a seguridade social passa a incorporar as esferas da saúde, da previdência social e da assistência social, esta última até então reduzida e controlada pelos órgãos privados e políticas estatais. O direito à saúde, uma vez conectado à lógica contributiva, é estabelecido como universal e, da mesma forma, a assistência social é dirigida àqueles que dela necessitem. Por outro lado, a previdência social no Brasil mantém seu status contributivo, e é assegurada aos empregados que detém a qualidade de contribuinte, sendo este modelo previdenciário influenciado pelo bismarckiano, uma vez que é oriundo do direito do trabalho, garantindo acesso restrito aos “segurados” e, por vezes, às suas famílias, visto que quem está devidamente inserido no mercado formal de trabalho, tendo como principais características a contribuição prévia para seu acesso e os benefícios com valor proporcional ao contribuído, perfaz a qualidade de segurado da então previdência social, tendo direito à seguridade social ofertada (Boschetti, 2009).
O Brasil possui dois regimes principais de previdência social, ambos organizados em regime de repartição simples, o RGPS (Regime Geral da Previdência Social), que cobre trabalhadores da iniciativa privada, enquanto os RPPS (Regime Próprio de Previdência Social) atendem servidores públicos da União, do Distrito Federal e dos estados, inclusive militares e magistrados. Municípios podem fazer a opção por terem regimes próprios ou por se filiarem ao regime geral (Caetano 2016). Esses Regimes de previdência nunca foram considerados bons para minimizar a desigualdade social existente no país, mas de certa forma, o texto da lei previdenciária 8.213/1991 era mais inclusivo e assertivo em seus requisitos de concessão de benefícios.
Portanto, acerca das reformas da previdência, em consonância com Teixeira (2019), aumentaram as idades de aposentadoria, prolongaram os períodos de contribuição e, muitas vezes, incorporaram mecanismos automáticos (fatores de sustentabilidade) com a finalidade de adequar os sistemas em um caminho mais sustentável. As reformas realizadas também visavam melhorar a justiça, cujo objeto era a correção de diversos problemas no momento da concessão de um benefício, visto que eram proporcionados grandes benefícios aos trabalhadores que contribuíam pouco e levaram muitos a reivindicar benefícios antecipadamente. De forma concomitante, grande parte das reformas protegeram as pensões para aqueles que possuíam rendimentos mais baixos, enfraquecendo a ligação entre contribuições e benefícios, mas infelizmente a nova reforma sancionada não condiz com esse objetivo, como será abordado no decorrer do trabalho.
3.AS MUDANÇAS OCASIONADAS PELA REFORMA
Inicialmente cabe destacar que o sistema previdenciário brasileiro possui dois regimes principais de previdência social, ambos organizados em regime de repartição simples, o RGPS que abrange os trabalhadores da iniciativa privada, e os RPPS, que atendem servidores públicos da União, do Distrito Federal, dos estados, inclusive militares e magistrados e em alguns casos, os Municípios, visto que podem optar pela criação de regimes próprios ou por se filiarem ao regime geral. (Caetano 2016).
De acordo com Cunha (2019) a reforma da Previdência no Brasil foi uma proposta do governo brasileiro para alterar a Constituição para a reforma do sistema de seguridade social do país. Ao mudar a constituição do país, ele teve que ser aprovado nas duas casas do Congresso Nacional por maioria absoluta. A reforma foi criada para combater o gigantesco déficit do sistema previdenciário, de mais de R$ 194 bilhões em 2018, e o rápido envelhecimento da população brasileira.
O texto original foi entregue pelo Presidente da República Jair Bolsonaro ao Presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia em 20 de fevereiro de 2019 para iniciar o rito jurídico. A proposta de reforma foi aprovada pelo Senado Federal em 22 de outubro de 2019, tornando-se lei e entrando em vigor automaticamente.
Até a reforma ser aprovada em 2019, outros governos tentaram aprovar suas propostas. Na história mais recente do Brasil, o país vem debatendo a reforma previdenciária a cada dez anos, em alguns casos as propostas foram simplesmente arquivadas como extremamente impopulares, em outros foram feitas minirreformas, mas com efeitos nulos de longo prazo.
Para ilustrar de forma mais compreensiva, devem ser observados os tipos de aposentadoria de cada regime, iniciando pelo RGPS, que possui dois tipos de aposentadoria regular: a) por idade, a partir dos 65/60 anos (homens/mulheres), para quem cumpriu tempo mínimo de contribuição de 15 anos; e b) por tempo de contribuição, para quem contribuiu durante 35/30 anos (homens/mulheres), sem exigência de idade mínima. Ademais, a Constituição de 1988 também instituiu critérios específicos para os trabalhadores rurais (agricultores familiares e pescadores artesanais, em condições específicas), que tem direito apenas à aposentadoria por idade, mas podem requerer a aposentadoria com cinco anos a menos e tem contribuição não individualizada, sobre a ocasional comercialização da produção.
A PEC nº 287/2016 foi a mais ampla e inclusiva proposta de reforma previdenciária apresentada entre as demais, tinha como objetivo reduzir o crescimento das despesas do RGPS e acelerar a convergência entre os RPPS e o regime geral. Seu texto original foi alterado pelo substituto do relator da comissão especial e, posteriormente, pela emenda substitutiva global da Câmara dos Deputados.
A redação original da PEC nº 287 continha em seu texto legal, previsão para que os segurados especiais (agricultores familiares e pescadores artesanais) realizassem contribuições individuais para a previdência social, com alíquota reduzida. A idade de aposentadoria seria de 65 anos para ambos os sexos, todavia a emenda substitutiva global suprimiu essas alterações. Em relação aos segurados urbanos, a redação original da reforma propôs a extinção da aposentadoria por tempo de contribuição. O texto original previa a idade mínima de 65 anos para homens e mulheres, igualmente, e o aumento do tempo mínimo de contribuição de 15 para 25 anos, ainda, que os cálculos dos benefícios também seriam alterados: respeitada a vinculação entre o piso previdenciário e o salário mínimo, o benefício corresponderia à média ajustada dos salários de contribuição multiplicada por uma porcentagem que seria equivalente a 51%, mais 1 ponto percentual por ano de contribuição, sujeito ao limite de 100%. A aposentadoria especial do professor, de igual forma, seria extinta. A idade mínima subiria um ano sempre que houvesse aumento equivalente da expectativa de sobrevida aos 65 anos.
O texto da emenda aglutinativa global reintroduziu as diferenças nas idades de aposentadorias urbanas para homens e mulheres, mas em patamar inferior ao de hoje (passando a ser de três anos, isto é, 65/62 anos), e estabeleceu a idade de 60 anos para a aposentadoria do professor (ambos os sexos). O tempo mínimo de contribuição, no caso do RGPS, voltou a ser de 15 anos (regra vigente). Para os RPPS, a exigência de 25 anos de contribuição, presente na redação original, foi mantida. A exigência de maior tempo de contribuição para servidores faz sentido, já que não são passíveis de demissão e necessariamente contribuem todos os meses.
A fórmula de benefícios foi alterada em relação à redação original. No caso do RGPS, ficou respeitado o piso previdenciário, e o valor do benefício para aqueles com 15 anos de contribuição será de 60% da média dos salários de contribuição. A partir desse cálculo, todo ano adicional de contribuição aumenta essa porcentagem de acordo com faixas de tempo, atingindo 100% aos 40 anos de contribuição, já no caso dos RPPS, o valor da aposentadoria será de 70% da média dos salários de contribuição para aqueles que contribuíram 25 anos (tempo mínimo nesses regimes), atingindo 100% também aos 40 anos de contribuição.
No que tange às pensões por morte, segundo o texto original, teriam valor de 50% da aposentadoria de origem (no caso de segurados não aposentados, da aposentadoria por invalidez que o segurado receberia naquela data), mais 10% por dependente, limitado a 100%. A vinculação entre o valor mínimo das pensões e o valor do salário mínimo deixaria de existir. Finalmente, estaria vedada a acumulação entre aposentadoria e pensão, preservado o direito de optar pelo benefício de maior valor. O texto da emenda aglutinativa retomou a vinculação entre o valor mínimo das pensões e o salário mínimo, e permitiu o acúmulo de aposentadorias e pensões até o valor de 2 salários mínimos.
Na redação original, os benefícios assistenciais teriam seu valor desvinculado do salário mínimo, como por exemplo no caso do BPC pago ao idoso, a idade mínima saltaria de 65 para 70 anos, idade que seria acrescida de um ano a cada elevação de um ano na expectativa de sobrevida aos 65 anos. O texto da emenda aglutinativa aboliu qualquer alteração no BPC. Dessa forma, o benefício assistencial continuará a ser pago aos 65 anos e manterá o valor de 1 salário mínimo.
E, enfim, ambas as propostas (texto original e emenda aglutinativa) previram a vinculação dos parlamentares ao RGPS, com aplicação imediata aos novos mandatos.
Com o objetivo de reduzir o número de indivíduos dependentes da assistência governamental, manter os sistemas de previdência acessíveis e ajudar os beneficiários se tornarem autossuficientes. Liberais e conservadores clássicos, geralmente argumentam que o bem-estar e outros serviços financiados por impostos reduzem os incentivos ao trabalho, exacerbam o problema do carona e intensificam a pobreza. Por outro lado, os socialistas geralmente criticam a reforma da previdência porque geralmente minimiza a rede de segurança pública e fortalece o sistema econômico capitalista. A reforma da previdência é constantemente debatida por causa das opiniões divergentes sobre o equilíbrio determinado do governo entre fornecer benefícios de bem-estar garantidos e promover a autossuficiência. (MARQUES 2018 p.22).
Para Silva (2017), primeiramente, é preciso destacar que o sistema previdenciário público no Brasil é o responsável por transformar a pobreza na velhice um problema residual. Existem correções importantes que devem ser realizadas, especialmente no que diz respeito às pensões dos funcionários do serviço público, como os militares, todavia no cenário atual, uma mudança radical para um modelo de capitalização pode ter efeitos distributivos importantes, incluindo o aumento da pobreza.
Cunha (2019) menciona que além disso, se faz necessário compreender o déficit fiscal brasileiro no cenário das maiores crises da história recente do país, onde as medidas de austeridade tiveram um papel importante. A seguridade social não pode ser responsabilizada pela queda acentuada das receitas devido à crise, ou ao aumento do desemprego e à informalidade, existem muitos outros fatores a se considerar, por este motivo a restauração de um cenário normal de crescimento e aumento do emprego são importantes para um ajuste fiscal saudável, sendo necessário pensar no impacto das medidas de ajuste fiscal sobre o crescimento, além do seu impacto distributivo. No presente contexto, uma reforma previdenciária equilibrada e inclinada para a minimização de privilégios pode garantir importante contribuição fiscal no médio prazo, porém, só reduzir os privilégios não é a solução de curto prazo mais sensata para a economia brasileira.
Para Cassar (2017) o mercado quer que o brasileiro trabalhe infinitamente mais, por salários baixos e quando chegue seu momento de gozar de sossego, por ter trabalhado uma vida inteira, ganhe menos com os planos de previdência do governo. Para os políticos que aprovaram a reforma previdenciária, o pensamento deve ser que escaparam de uma recessão prolongada, todavia o maior problema nunca foi dos aposentados que recebem um salário mínimo, a crise econômica se dá devido as aposentadorias mais altas, que beneficiam justamente quem sempre ganhou mais.
4. REFLEXOS DA REFORMA DA PREVIDÊNCIA NA DESIGUALDADE SOCIAL
A previdência social é um dos instrumentos mais relevantes na garantia da existência digna e integra mecanismo de redução da desigualdade social. Logo, ignorar sua importância implica incorrer em retrocesso, que nessa altura, é inadmissível, violando a justificativa ética e normativa do Estado brasileiro, sendo importante destacar, ainda, que a previdência é o que faz a economia girar na maioria dos municípios brasileiros, sendo a política pública de maior peso para o combate à miséria e a principal responsável pela redistribuição de renda no país.
Como forma de reconhecer isso, em uma das votações do texto da emenda pela Câmara dos Deputados, a respeito do corte de gastos proposto pelo Governo Federal como “justificativa” para a aprovação da reforma, o Deputado Ivan Valente do PSOL-SP afirmou que:
“Quando você tira 1 trilhão do RGPS, você tira da economia. Não há consumo, o comercio vai mal, a indústria vai mal, é um ciclo desvirtuoso, é criminoso fazer uma reforma para agradar o mercado financeiro!”
Na visão de Teixeira (2019) levando em consideração as reflexões anteriores, fica evidente que há uma questão moral nessa situação, de 'como a sociedade deve recompensar seus empregados?' e a resposta para esta questão, deve estar alinhada com três princípios, quais são:
1. Garantir proteção com cobertura adequada, sem deixar ninguém para trás.
2. Garantindo um nível de suficiência dos benefícios concedidos.
3. Moldar um sistema financeiramente sustentável.
Quando se ignora qualquer um dos princípios citados acima, acontece um desequilíbrio em toda sociedade, em última análise, o objetivo de conceder proteção social aos mais necessitados se esvai.
É importante destacar que a atual reforma, em suas duas versões, está voltada à redução das despesas previdenciárias e eventuais impactos distributivos serão consequência do número de pessoas atingidas, da magnitude da redução de rendimentos e de sua posição na distribuição de renda.
Todavia, a ideia de urgência para efetivação de um conjunto de reformas, tais como a trabalhista e a previdenciária, ao contrário do afirmado pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes, não era da sociedade brasileira, mas sim do grande capital financeiro que pressionava diariamente o governo federal, e essa pressão revela uma crise no sistema capitalista baseado na financeirização desenfreada que impacta diretamente o mercado de trabalho, na medida em que, para se compensar a queda nas taxas de lucro, intensifica a exploração do trabalho.
Acerca do tema, Nilo Beiro declara que a reforma é uma fraude previdenciária:
Regras uniformes, que desconsideram as particularidades da vida de homens e mulheres, de pessoas ricas e pobres, daquelas que trabalham na cidade e no campo, não geram igualdade. Pelo contrário, geram injustiça e agravam a desigualdade social que assola o país. Desigualdade esta que, por mandamento constitucional, deve ser reduzida, como, aliás, reconhece o Ministro da Economia na exposição de motivos da PEC nº 06/2019 ao afirmar que "rico se aposentará na idade do pobre" como sinônimo de justiça, isso é um trocadilho ou um engodo?
Em consonância, Ibrahim (2018), explica que a desigualdade de remunerações vigente entre as categorias e os demais brasileiros não é provocada pela previdência social, todavia é evidente dizer que se uma pessoa, ao ter remunerações elevadas ao longo da vida, poderá contribuir muito mais, e com isso, assegurar aposentadorias maiores, sendo uma consequência da desigualdade social desde o trabalho, perdurando até o momento de se aposentar.
Ainda, cabe frisar que os impactos dos trabalhos não formalizados e que possuem baixos salários, vão reduzir as contribuições à previdência, aumentar o adoecimento dos trabalhadores e a demanda por auxílio doença, e quando isso acontecer, essa demanda será reprimida pela Medida Provisória nº 8716, que visa combater fraudes mediante incentivos financeiros a médicos peritos e técnicos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para enrijecer os controles sobre benefícios, dificultando ainda mais o acesso ao benefício.
A Reforma da previdência não trouxe nenhuma regra que tornasse o sistema previdenciário sustentável em longo prazo, os resultados não serão imediatos, e tampouco essas regras durarão. O mercado financeiro foi atendido com a economia de quase 1 trilhão de reais, e em resumo, a fórmula que foi utilizada é a mesma usada nas reformas anteriores: aumentar a alíquota de contribuição e a idade para aposentadoria e reduzir o valor do benefício. E, para solucionar ou amenizar o quadro econômico brasileiro, a Reforma, na realidade, aprofunda ainda mais a crise existente e suprime do texto constitucional direitos sociais fundamentais da classe trabalhadora.
Um dos principais impactos na desigualdade social que a reforma causa, é quando aumenta a idade de aposentadoria por idade de homens e mulheres para 65 e 60 anos, respectivamente, e fazer com que os servidores públicos tenham que trabalhar 40 anos para receber sua pensão integral, acrescentando 10 anos para as mulheres e 5 para os homens pela legislação em vigor, e analisando essa mudança, pode-se dizer que os trabalhadores nem mesmo poderão usufruir da aposentadoria nas regiões mais pobres, visto que a expectativa de vida nesses lugares não ultrapassa os 65 anos.
Para Franco (2019), além da desigualdade social que a reforma ocasiona, ainda há que se falar na desigualdade de gênero que é gerada quando se aumenta a idade mínima de aposentadoria das mulheres, pois em nenhum momento o legislador considera a jornada dupla - até tripla – que o sexo feminino enfrenta, pois para a maioria das mulheres brasileiras, não existe apenas jornada de trabalho fora de casa, há a jornada de trabalho como dona de casa, mãe, esposa, entre tantas outras funções que apenas as mulheres executam. Como regra geral, a idade mínima das mulheres aumentou de 60 para 62 anos. Segundo o IBGE, em 2018, as mulheres trabalhadoras gastavam em média 8,2 horas semanais a mais do que os homens no trabalho doméstico.
Ainda, nas categorias de professores, uma classe que é tão desmerecida, que sofre com salários baixos, enfrenta violência de alunos e familiares de alunos em sala de aula, agora tem seu direito à aposentadoria ainda mais distante, visto que reforma ocorrida na Previdência Social aumenta em 7 anos a idade mínima das mulheres e em 5 a dos homens, é importante frisar que a reforma da previdência era necessária depois de tantos anos sem ser reformulada, porém, pelas especificidades da profissão, os professores deveriam ter obtido um reconhecimento maior, pois quando chegar o momento de se aposentarem, dificilmente estarão em condições sadias, fisicamente e psicologicamente, devido ao desgaste da profissão.
Para ilustrar a profundidade do problema e da desigualdade social que a reforma causa, cabe analisar que dentro de São Paulo - a cidade mais rica do Brasil, capital do seu estado mais rico - a idade média de morte na Cidade Tiradentes, um bairro pobre, é de 57,3 anos, enquanto em Moema, uma das mais ricas, é 80,57 (Rede Nossa São Paulo, 2019). A distância física entre os bairros é inferior a 30 km. Além do evidente absurdo da defasagem de mais de 23 anos, esses números mostram que a maioria da população de Cidade de Tiradentes não conseguirá se aposentar, mesmo que tenham trabalhado desde a infância. Essas perspectivas são ainda mais dramáticas quando se analisa cidades pobres em regiões pobres.
Uma reforma justa e mais inclusiva, ampliaria a base de financiamento e se esforçaria para proteger a população marginalizada do país, aumentando a abrangência aos benefícios e serviços oferecidos pela Seguridade Social, todavia, a Reforma aprovada tem viés puramente econômico, que favorece de forma massiva a elite brasileira, e retira a responsabilidade do Estado quanto às aposentadorias dos servidores públicos, pretendendo erradicar os direitos sociais da população brasileira, suprimindo direitos sociais e se esvaindo do pacto constitucional, que estava pautado em patamares internacionais de dignidade mínima e cedendo capital financeiro em desfavor da classe trabalhadora empobrecida e fragilizada do país.
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo, demonstra que a reforma previdenciária retira direitos sociais e concentra renda no Brasil, que é um dos países mais desiguais do mundo. E para elucidar a desigualdade, a reforma trouxe em uma de suas regras a elevação do tempo mínimo de contribuição de 15 para 25 anos, o que retirará o acesso à previdência pública de grande parte da população que trabalha parte da sua vida no mercado informal.
Salienta-se que as reformas não visam recuperar a economia, mas transformar o Estado brasileiro, impedindo a promoção de políticas sociais e de forma consequente inibe o crescimento financeiro de uma parcela da população.
O Brasil está atravessando um período de crescente autoritarismo, se parecendo muito com o neoliberalismo, e a reforma da previdência pública se insere nesse contexto. Um governo ilegítimo, que apresenta um conjunto de reformas não apenas impopulares ou prejudiciais à grande parte da sociedade, mas antidemocráticas, pois desmonta o pacto social firmado na Constituição de 1988. Esse compilado de reformas atende às demandas de uma minoria da população, cujos interesses são defendidos pela mídia e por um pequeno grupo de economistas, que desejam fortalecer um sistema capitalista de forma desenfreada, buscando criar falsos consensos, tentando persuadir as pessoas que isso seria a solução para a crise financeira do país.
As desigualdades sociais devem ser suscitadas para o centro do debate não apenas para garantir que o sistema seja mais sustentável, mas também para lembrar a base fundamental do regime de pensões de velhice: a garantia do bem-estar das pessoas que atingiram a velhice após uma vida inteira de trabalho.
Diante de tantas incertezas, de medidas que agravam as condições de vida e sem garantias de benefícios gerais para a população, a reforma aprovada pelo governo enfrenta muitas resistências na sociedade, principalmente para a condição de saúde dos brasileiros, pois os malefícios são óbvios, com riscos de agravamento das condições de vida de idosos e beneficiários da previdência, de mulheres em especial.
Portanto, o principal caminho, se não o único caminho, para alcançar um sistema de pensões justo e inclusivo é criá-lo sob a perspectiva dos direitos comuns e fundamentais, visto que ao ampliar o número de idosos que não serão segurados do Estado, resultará em um aumento drástico da dependência deles para com o governo, uma “passiva social” com dois caminhos prováveis: ou se tornará à força um “passivo financeiro”, e o Estado terá que moldar programas de assistência para poder garantir a dignidade para essas pessoas, ou haverá uma “convulsão social” e terão que reformular novamente a seguridade social.
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Bacharel em Direito pelo Centro Universitário da Grande Dourados. Pós-graduada em Direitos Humanos pela Faculdade CERS. Assessora jurídica na Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso do Sul.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERNANDES, Cinthia de Oliveira. Reflexos da reforma da previdência na desigualdade social Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 set 2023, 04:21. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/63018/reflexos-da-reforma-da-previdncia-na-desigualdade-social. Acesso em: 23 nov 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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