EDUARDO CURY
(orientador)
RESUMO: O escopo do presente estudo será de analisar as consequências da irregularidade imobiliária no Brasil, frente a dificuldade dos promitentes possuidores, compradores e adquirentes de propriedades em registrar, assim, efetuando o ingresso ao fólio real. Inicialmente, abordou-se esclarecimentos quanto as faculdades inerentes à propriedade, quais sejam, o uso, gozo, disposição e reinvindicação. Em sequência, especializou-se as serventias cartorárias atuantes no campo obrigacional das transações imobiliárias, denominadas por Cartório/Tabelião de Notas e respectivo Cartório de Registro de Imóveis, bem como, esclarecendo suas respectivas características, ao passo que, ainda que milenar, encontram-se em plena confusão ao serem mencionadas aos usuários. Em sequência, em virtude ao enorme prejuízo que se instala no mercado, apresentou-se o procedimento da adjudicação compulsória, com apontamentos positivos e negativos, com o fim de regularização e expedição da carta de adjudicação, após a sentença, tornando-se título apto à registro. E ao findar, apresentou-se o novo procedimento, que permite que a adjudicação ocorra de forma extrajudicial. A metodologia utilizada fora por método dedutivo, que ao fim, com a nova legislação, entende-se que a forma de regularização imobiliária tem novos horizontes.
Palavras-chave: Imóveis. Irregularidade. Direitos Reais. Adjudicação Compulsória.
ABSTRACT: The scope of this study will be to analyze the consequences of real estate irregularity in Brazil, in view of the difficulty of promising owners, buyers and acquirers of properties in registering, thus, effecting the entry to the royal folio. Initially, clarifications were addressed regarding the faculties inherent to property, namely, use, enjoyment, disposition and claim. In sequence, the notary offices acting in the obligatory field of real estate transactions were specialized, called Notary/Notary Public and respective Real Estate Registry Office, as well as, clarifying their respective characteristics, while, although millenary, they are found if in full confusion when mentioned to users. In sequence, due to the enormous damage that is installed in the market, the compulsory adjudication procedure was presented, with positive and negative notes, with the purpose of regularizing and issuing the letter of adjudication, after the sentence, becoming a suitable title to registration. And at the end, the new procedure was presented, which allows the adjudication to take place extrajudicially. The methodology used was a deductive method, which in the end, with the new legislation, it is understood that the form of real estate regularization has new horizons.
Keywords: Properties. Irregularity. Real rights. Compulsory Award.
1 INTRODUÇÃO
Muito se fala que em virtude do grande número de processos, o judiciário se tornou lento, a considerar os procedimentos que são iniciados sem que se haja tempo mínimo para finalização, contribuindo assim, para a irregularidade imobiliária, bem como, a dificuldade para tantos, em direcionarem a justiça.
Contudo, é notório que, ainda com a existência da Lei de Registros Públicos (lei 6.015/73) e respectiva lei nº 11.441 de 04 de janeiro de 2007, que alterou o Código de Processo Civil, ao passo de permitir que divórcios, separações e partilhas pudessem ser realizados pela via administrativa, pouco se conhece e utiliza-se para início e finalização destes procedimentos.
Não sendo o suficiente, há por parte dos civis, bem como, operadores do direito, grande equívoco quanto a competência das serventias existentes, a considerar que muitos compreendem ocorrer somente um tipo de prestação de serviços, qual seja, a via judicial.
Isto porque, no tocante a celeridade da via administrativa, os procedimentos de regularização imobiliária, tornar-se-ão objetos de apreciação de especialistas, ao passo que, o que antes era finalizado em todas as etapas após anos, hoje, pode ocorrer em semanas.
Ainda, frente a grande quantia de imóveis irregulares no Brasil, a chamada adjudicação compulsória, passou a permitir que, possuidores, sem título definitivo de propriedade, diante ao procedimento judiciário tenham em mãos, ao êxito da demanda, título hábil a registro, tornando-se assim, proprietários de seus respectivos imóveis.
Contudo, conforme já mencionado, para possibilidade de tal regularização, somente há data de início, quando da distribuição da ação, isto porque, é necessário que ocorra o processo de conhecimento pela justiça cível comum, assim, pouco se fala de registro, anterior a um ano.
Entretanto, com o advento da Lei nº 14.382 desde ano vigente, tornou-se possível que o procedimento de adjudicação compulsória, ocorra de forma extrajudicial, ou seja, diretamente no cartório de notas, havendo especulações inclusive, no sentido de a forma procedimental estar atrelada a usucapião.
Com isto, em tópicos próprios, será discorrido, o direito real da propriedade, a competência de cada uma das serventias, procedimento de adjudicação compulsória realizado no judiciário, com seus prós e contras, finalizando com a análise minuciosa do novo procedimento, que passara a integrar a via administrativa, iniciando com a prenotação junto ao Cartório de Notas e posterior qualificação do Registro de Imóveis pertinente, com atenção as peculiaridades casuísticas.
2 O DIREITO REAL DA PROPRIEDADE
O ser humano nasce, cresce, na maioria das vezes se especializa, trabalha, casa ou convive em união estável, constrói família, morre e durante todo este processo reside em um lar, as vezes mais que um, uma casa, um sítio ou fazenda, apartamento.
Contudo, diante a transição que ocorre durante as fases da vida deste indivíduo, não necessariamente houve a aquisição da propriedade do imóvel pela forma tradicional, ou seja, mediante a lavratura de escritura pública de compra e venda e posterior registro, tornando-se público a quem é devido a propriedade de determinado bem, o chamado “erga omnes”.
É de conhecimento público, que muitos imóveis se encontram em estado de irregularidade no Brasil, isto porque, é necessário a compreensão de imediato, da premissa apresentada no bordão popular: somente é dono, quem registra.
Considerando a afirmação supracitada, é possível que se compreenda que, qualquer tipo de aquisição imobiliária, que não resulte em registro na matrícula de determinado imóvel, encontra-se em estado de irregularidade imobiliária.
Neste diapasão, em primeiro momento, necessário se faz a compreensão do direito real, este que, conforme palavras do ilustre doutrinador Junior (2022, p. 3):
Assim, o direito real, ou direito das coisas, é definido como o conjunto de normas destinadas a regular as relações jurídicas concernentes a bens corpóreos (materiais) ou incorpóreos (imateriais) suscetíveis de apropriação pelo homem e, bem assim, dotados de conteúdo econômico relevante e significativo.
Ainda, segundo Venosa (2003, p. 21):
O direito real é exercido e recai diretamente sobre a coisa, sobre um objeto basicamente corpóreo, embora não se afaste a noção de realidade sobre bens imateriais, enquanto o direito obrigacional tem como objeto relações humanas. Sob esse aspecto, embora essa noção deva ser aprimorada, afirma-se ser o direito real absoluto, exclusivo, exercitável erga omnes. Por outro lado, o direito obrigacional é relativo. A prestação é o objeto do direito pessoal ou obrigacional, somente podendo ser exigida do devedor. O direito real caracteriza-se pela inerência ou aderência do titular à coisa.
Adiante, este direito, encontra-se previsto no artigo 1.225 do Código Civil (CC), no qual o título básico, é o direito da propriedade, também denominado direito real por excelência. Em saudosa explanação, Tartuce (2022, p. 152):
Assim, a propriedade é o direito que alguém possui em relação a um bem determinado. Trata-se de um direito fundamental, protegido no art. 5.º, inc. XXII, da Constituição Federal, mas que deve sempre atender a uma função social, em prol de toda a coletividade. A propriedade é preenchida a partir dos atributos que constam do Código Civil de 2002 (art. 1.228), sem perder de vista outros direitos, sobretudo aqueles com substrato constitucional.
Contudo, há que se mencionar quanto as quatro faculdades inerentes a propriedade, quais sejam o gozo, o uso, a disposição e a reivindicação desta.
Assim, compreende-se por gozo, a faculdade de retirar desta propriedade, frutos da coisa, cabendo a estes, serem naturais, industriais, bem como civis – costumeiramente mais comuns, haja vista, o direito a locação, obtendo para si, os alugueis oriundos -.
Ainda, o uso, que passa a ser limitado às regras previstas em legislações especiais, bem como ao próprio Código Civil, ao direcionar-se ao direito de vizinhança, bem como, ao que prevê o direito administrativo no que se refere as desapropriações existentes.
A disposição encontra-se como a terceira faculdade, vinculada a manifestação de vontade em transmissão, cabendo a esta mediante inter vivos, nas modalidades de venda e compra, doação e afins, bem como, manifestação de última vontade (testamento). Mister se faz mencionar que, pode que o negócio jurídico ocorrer de maneira gratuita ou onerosa.
Por fim, a reivindicação, que permite que o proprietário reivindique a coisa de quem a possua injustamente ou a detenha, mediante procedimento judiciário, sendo a forma mais comum, ação reivindicatória.
Neste trilhar compreende-se que, para que esteja resguardado o imóvel a qual habita-se, necessário que se possua a propriedade para fim definitivo (o que não se aplica, quando se direciona a bem alugado), não sendo exclusivamente, adquirido pela via judicial.
3 DAS SERVENTIAS CARTORÁRIAS E RESPECTIVAS COMPETÊNCIAS
Em seguimento ao supramencionado, necessário se faz a compreensão que, quando da aquisição de determinado bem imóvel que não resulte pelo costumeiro – escritura de venda e compra -, há o encontro do interessado, também chamado por usuário às serventias cartorárias, com o fim de resguardo de seus direitos.
Ocorre que, a considerar o tipo de transação imobiliária realizada, bem como, por não haver em grande parte da sociedade, o conhecimento básico necessário para assimilar o procedimento adequado e preciso, acabam por julgar que ainda que existam mais de um tipo de serventia, ambas, detém de a mesma competência.
Assim, com o intuito de melhor compreensão, a priori, preciso se faz a distinção entre a prestação de serviços públicos tão comum e pouco compreendida.
Partindo da premissa que será elaborado o instrumento público, denominado por Escritura Pública, a competência para tal ato, depreende-se do Cartório ou Tabelião de Notas, serventia esta, por lavrar o título, bem como, analisar respectivos documentos pertinentes, para que ocorra a transmissão em campo obrigacional.
Neste ato, caberá ainda, a assinatura dos respectivos transmissores, adquirentes e do próprio Tabelião ou Cartorário, bem como, pagamento dos emolumentos e custas, cujo valor computa-se mediante enquadramento a faixa correspondente, disponível pelo Colégio Notarial do Brasil.
Ou seja, no Cartório e/ou Tabelião de Notas, é a serventia responsável pelo nascimento formal da transação imobiliária, sendo possível, lavrar qualquer tipo de Escritura Pública, desde a negócios de compra venda, doação, permutas, doações, bem como, compromissos de venda e compra – este que possui desconto -, ainda, elaboração de ata notarial, para fins de usucapião, como também, para certificar determinados fatos, lavratura de testamentos públicos, bem como procurações, em conformidade ao que dispõe a lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994.
Ainda, esta Serventia é responsável pelo reconhecimento de firma e autenticações, que nas palavras do Cartório Gaúcho (2020. p. [não paginado]), correspondem:
Reconhecimento de firma é o ato pelo qual o tabelião ou escrevente autorizado certifica que a assinatura constante em um documento corresponde ao padrão gráfico depositado em cartório. O reconhecimento de firma pode ser feito de duas maneiras: por semelhança ou por autenticidade.
Por semelhança, é feita a comparação entre a assinatura que consta no documento e as assinaturas constantes na ficha de firma do interessado. O reconhecimento de firma por semelhança atesta que a assinatura constante no documento é semelhante à assinatura existente do cartão de firma arquivado no cartório.
Já o reconhecimento de firma por autenticidade o interessado deve comparecer pessoalmente no cartório, munido de seus documentos de identidade, e assinar o documento e o Livro de Termo de Comparecimento na presença do tabelião ou escrevente. Ao fazer o reconhecimento de firma por autenticidade o Tabelião estará atestando que o interessado veio à sua presença, foi identificado e assinou o documento.
Reconhecimento de firma este, habitualmente utilizado nos contratos de gaveta, como são denominados os instrumentos particulares que não se encontram aptos para registro junto ao Cartório de Registro de Imóveis, aos quais, assinam vendedores, compradores, além das testemunhas, embora a lei não preveja tal necessidade.
Adiante, encontra-se a serventia, talvez de maior importância, denominada como Cartório de Registro de Imóveis (CRI), esta quem, a grosso modo, irá qualificar o título – transação realizada -, bem como, todos os documentos anexos, ainda, com fulcro no artigo 1º, da lei 8.935: “destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.” (BRASIL, 1994, não paginado)
Assim, é de competência deste, alinhado aos princípios da segurança jurídica, independência jurídica do registrador, inscrição, da publicidade e da continuidade, resguardar a proteção do indivíduo e seus bens, nos termos da lei, bem como, indiretamente, assegurar os interesses de toda a sociedade, ainda, de quem almeja o objeto de registro, ou, aqueles que operam crédito.
Por assim dizer, compreende-se o princípio da segurança jurídica:
Quanto ao registro imobiliário, a segurança jurídica, especificamente, entretanto, opera mesmo antes da garantia terminativa, influenciando na via formativa em cada ato ou estádio do processo de inscrição – securitas in itinere secundum leges -, sem prejuízo de conferir o efeito geral de garantia próprio do gênero da segurança jurídica. (DIP, 2017, p. 27)
Nestes termos, por meio do princípio retromencionado, é possível a compreensão de que, ao se tomar pela coisa um objeto, este será o primordial, mas alinhado a ele, em segundo plano diretamente, criar-se-á um liame à alguma pessoa, abrangendo por assim, imóveis, títulos jurídicos e indivíduos, o que justifica assim, as exigências tabulares emitidas mediante notas devolutivas e/ou exigências expedidas, resguardadas pela especialidade objetiva.
Ainda, o princípio da continuidade, que se baseia na premissa de que só caberá disposição por parte do indivíduo, daquilo que o pertença, bem como, a publicidade, que assegura, que todos os atos praticados, sejam de conhecimento de quem quer que tenha interesse, mediante emissão de certidão.
Não menos importante, a inscrição, que dará ao título forma expressa junto a matrícula do bem, isto porque, mediante este, somente após tal ato, é que se concretizará a transação efetuada.
Em virtude a complexidade do Cartório de Registro de Imóveis, houve a elaboração da lei dos Registros Públicos – 6.015/73 -, bem como, estando alinhada as Normas Extrajudiciais da Corregedoria Geral da Justiça – Tomo II, no caso do estado de São Paulo.
Oportunamente, a título de maior clareza, em tempo de prenotação junto a serventia retromencionada, encontrar-se-á o setor de protocolo, responsável pela entrada de títulos, emissão de certidões – sejam físicas ou virtuais mediante a solicitação efetuada à Central dos Registradores -, ainda, exame e cálculos, informando aos usuários, os possíveis valores que serão auferidos para averbações e respectivos registros.
Outrora, o que se subtrai é que, em virtude a competência específica de cada uma das Serventias mencionadas, bem como, imperioso dizer que, não é de conhecimento popular a necessidade de operar o registro, qualquer que seja a transação que tenha objeto imóvel.
Justifica-se tal informação, ao passo de estar o Brasil, com grande parte de seus imóveis irregulares, assim, computando grande prejuízo, ao passo que há desvalorização nas transações, bem como, não há recolhimento dos impostos pertinentes.
4 DA ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA
Diante a todo exposto, bem como, notório que, além dos procedimentos específicos para que se opere o registro das transações imobiliárias, vinculados aos altos valores correspondentes as custas e emolumentos auferidos pelas serventias cartorárias, presumível que constantemente há crescimento na irregularidade dos imóveis.
Contudo, há neste cenário, aqueles que se preocupam em resguardar seu patrimônio afim de ter acesso direto ao fólio real (matrícula do imóvel), e que não se encontram irregulares em virtude de inventários sem finalização.
Ao passo da procura de tais indivíduos afim de regularizar, não recentemente, passara a integrar de forma comum ao judiciário, a figura da adjudicação compulsória, pouco explorada pelos leigos, posto que, costumeiramente, perdura por longos anos para finalização e posterior registro.
Tal instituto, tornou-se viável, em virtude ao Decreto Lei nº 58 de 10 de novembro de 1937, que nascera, haja vista ao crescente número de parcelamento de solo que se alastrava em todo o país, assim, resguardando àqueles que optavam pela aquisição de forma parcelada dos imóveis, como também demais peculiaridades.
Isto porque, conforme se analisa o texto legal retromencionado, destaca-se a possibilidade do arrependimento por uma das partes, anterior à assinatura do instrumento público de transmissão definitiva, ou seja, a outorga da Escritura Pública.
Por tal, tornou-se comum, que os loteadores, mediante a minuta de instrumento de compromisso de venda e compra, passassem a enriquecer-se de forma ilícita, ao passo que, recebiam durante anos os valores correspondentes ao parcelamento, contudo, no dado momento da quitação, declaravam o arrependimento, visto que observavam a valorização de mercado dos imóveis e buscavam pelo lucro decorrente de tal.
Assim, com o fim de resguardar os compromissários compradores, após alterações legislativas, a adjudicação compulsória nascera, atualmente com escopo do artigo 1.418 do Código Civil vigente, voltado a executar a transferência obrigatória de um bem imóvel, desde de que cumpridas determinadas condições, ou seja, cabendo ao interessado comprovar que de fato houve a quitação do imóvel objeto da demanda, bem como, atentar-se, se, há algum tipo de constrição na matrícula, haja vista que, é dever do compromissário vendedor assegurar que o bem esteja livre e desembaraçado de quaisquer ônus. Ônus estes, que impeçam o registro da nova transmissão, ou seja, o acesso ao fólio real por quem adquiriu o bem.
São exemplos de tais constrições, as chamadas averbações de bloqueio – ato judicial – ou indisponibilidades de bens, que busca impedir a dilapidação de patrimônio, quando da existência de demanda judicial que discuta sobre o bem em questão, ou, que impeçam a alienação do imóvel, com o objetivo de impedir a satisfação do crédito aos credores.
Ou ainda, averbações que acabam por retirar a boa-fé do terceiro adquirente, isto porque, ensejam em riscos de perda futura, como penhoras, ou ainda, anotações premonitórias, voltadas a informar a todos, a existência de processos em andamento.
Não mesmo importante, ainda, com o advento da lei 13.097, de 19 de janeiro de 2015, tornou-se ainda mais essencial que tais constrições sejam averbadas junto as matrículas, uma vez que, em tese, somente torna-se passível do resguardo do terceiro de boa-fé, o que se encontra anotado no fólio real, neste passo:
Em suma, o princípio da concentração dos atos na matrícula significa que tudo o que refletir sobre o imóvel deve, necessariamente, estar inscrito (registrado/averbado) em sua respectiva matrícula. Em outras palavras, apenas é protegido juridicamente aquilo que está devidamente informado na matrícula imobiliária do imóvel, de forma que qualquer situação que não esteja ali descrita, não poderá ser oposta por ninguém. Embora tenha sido expressamente contemplado apenas na Lei 13097/2015, tal princípio já era aplicado e reconhecido pela doutrina e jurisprudência, inclusive sendo objeto de entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, através da Súmula nº 375: O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente. Neste ponto, é de se dizer que o âmago do princípio é que se dê publicidade a todas as informações relevantes que orbitam o imóvel e o direito de propriedade, justamente para conferir credibilidade e segurança jurídica às transações imobiliárias e a todos os fatos descritos no registro cartorário. (OLIVEIRA, 2022, não paginado)
Em outras palavras, mediante o texto legal retromencionado, ainda que objeto de divergência doutrinária, mesmo que existam ações em trâmite, não sendo estas, averbadas na matrícula do imóvel ao tempo da transmissão e posterior registro, o imóvel encontrar-se-á livre de ônus, não cabendo ao credor, a busca pelo mesmo.
Assim, diante a tais cuidados que o compromissário comprador deve atentar-se, dado o início ao procedimento judicial, diante a sentença deste procedimento, é obtida a carta de adjudicação, que substitui a lavratura de Escritura Pública do bem em questão.
Tal procedimento é utilizado em casos de compromissos de venda e compra, que, obtém como requisito inicial, que os compromitentes vendedores se recusem a outorgarem a Escritura Pública de venda e compra, sem que haja justificativa plausível para tal, como também, há em andamento, extinção de condomínio combinado com o pedido da carta de adjudicação.
Assim, tal procedimento, refere-se à possibilidade regularizar, quando não resta outras alternativas.
5 DA ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA EXTRAJUDICIAL
Atrelada a necessidade de busca pela desjudicialização, ao passo que constam milhares de centenas de processos no âmbito jurídico que crescem diariamente, como também, com a quantia exorbitante de imóveis irregulares em solo brasileiro, tornou-se possível, mediante o implemento da lei 14.382 de 2022, que o procedimento retromencionado, ocorra de forma extrajudicial.
Ainda em sede de análise prática, o novo texto legal, que altera a Lei de Registros Públicos - nº 6.015/73, acresce o artigo 216-B, solidificando a possibilidade de que ocorra a qualificação e posteriormente, junto ao cartório de registro de imóveis competente, o registro de aquisição, que até então, se daria, tão somente mediante o consentimento na escritura pública, do outorgante vendedor.
O procedimento que ainda causa grande receio diante aos tabeliões/cartórios de notas, bem como, aos próprios oficiais de registro de imóveis, baseia-se no rito determinado para a usucapião extrajudicial, por ora, resguardado pelo provimento 65 da Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ), aos 14 de dezembro de 2017, bem como, pelas normas de serviços cartórios extrajudiciais tomo ii, do estado de São Paulo, isto porque, buscará de antemão, a lavratura de ata notarial como meio de prova.
Não obstante, não prejudica que ocorra pelo rito judicial, cabendo a parte, a faculdade para que o procedimento ocorra, assim sendo, em conformidade a Lei nº 14.382, de 27 de junho de 2022, que dispõe sobre o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (SERP) e altera as Lei dos Registros Públicos nº 6.015 de 31 de dezembro de 1973:
Art. 216-B. Sem prejuízo da via jurisdicional, a adjudicação compulsória de imóvel objeto de promessa de venda ou de cessão poderá ser efetivada extrajudicialmente no serviço de registro de imóveis da situação do imóvel, nos termos deste artigo.
§ 1º São legitimados a requerer a adjudicação o promitente comprador ou qualquer dos seus cessionários ou promitentes cessionários, ou seus sucessores, bem como o promitente vendedor, representados por advogado, e o pedido deverá ser instruído com os seguintes documentos:
I - instrumento de promessa de compra e venda ou de cessão ou de sucessão, quando for o caso;
II - prova do inadimplemento, caracterizado pela não celebração do título de transmissão da propriedade plena no prazo de 15 (quinze) dias, contado da entrega de notificação extrajudicial pelo oficial do registro de imóveis da situação do imóvel, que poderá delegar a diligência ao oficial do registro de títulos e documentos;
IV - certidões dos distribuidores forenses da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente que demonstrem a inexistência de litígio envolvendo o contrato de promessa de compra e venda do imóvel objeto da adjudicação;
V - comprovante de pagamento do respectivo Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI);
VI - procuração com poderes específicos.
§ 3º À vista dos documentos a que se refere o § 1º deste artigo, o oficial do registro de imóveis da circunscrição onde se situa o imóvel procederá ao registro do domínio em nome do promitente comprador, servindo de título a respectiva promessa de compra e venda ou de cessão ou o instrumento que comprove a sucessão. (BRASIL, 2022, não paginado)
Conforme exposto acima, o que se abstrai que aparentemente não enseja em grande preocupação, mas mero receio por partes dos cartórios, por ser um procedimento recente, bem como, acarretando grande responsabilidade ao oficial de registro de imóveis, haja vista, ser este, o responsável pela qualificação positiva, que ensejará na transmissão do bem e consolidação da propriedade ao compromissário comprador.
Contudo, ainda que busque por regularizar os imóveis, interessante se faz mencionar que, em alguns casos, ainda com a prova de quitação em mãos, o procedimento não será viável de imediato.
Não é segredo, que em se tratando da compra mediante instrumento de compromissos, é possível que ocorra a averbação deste, com o intuito de resguardo ao direito real que surge, extrapolando assim, o direito pessoal. Isto porque, passa a dispor da característica “erga omnes”.
Por tal motivo, surge então, a linha tênue para a qualificação, ao passo que, em havendo algum tipo de ônus na matrícula do imóvel, caberá a qualificação minuciosa, com o fim de buscar pelo registro ou não.
A considerar o supramencionado, para fins de bloqueio ou indisponibilidade, somente com a devida baixa, junto ao registro de imóveis, o bem torna-se livre para que ocorra o início do procedimento em análise, a considerar o que já fora abordado anteriormente, ou seja, não pode ser objeto de transmissão até o momento.
Contudo, o mesmo não ocorre em sede de penhora, ao passo que será analisado as respectivas datas: penhora e averbação do compromisso de venda e compra, uma vez que, tendo a segunda, acesso ao fólio real anterior a data da constrição, prevalecerá, a transmissão, o que não ocorre, sendo o contrário.
Não obstante, ao direcionar o olhar para a qualificação do procedimento junto ao registro de imóveis, atentar-se-á que o texto legal apresentara até o breve momento de estudo, brechas passíveis de interpretações variáveis, isto porque, a considerar que o pressuposto para o ensejo da presente regularização, seja a recusa do compromissário vendedor na outorga da escritura pública, caso o vendedor consinta no ato do envio da notificação de forma positiva, em tese, não pode se proceder com o registro.
O ato positivo supramencionado, neste caso, corresponde no dever do oficial em indeferir o registro sob a óbice da adjudicação compulsória, isto porque, se encontra-se em acordo a transmissão, por qual motivo, o compromissário vendedor não consente no instrumento público?
Por tal, com a existência do consenso, caberá a lavratura de escritura pública, ou, a depender dos valores do imóvel, instrumento particular passível de registro, nos termos do artigo 108, do Código Civil vigente.
Neste sentido, sábio entendimento:
Isto porque, vale lembrar, o instituto da adjudicação compulsória tem o propósito de demandar do Estado-Juiz uma declaração de vontade substituta, suprindo a obrigação não cumprida pelo vendedor. Se no procedimento administrativo de adjudicação compulsória essa obrigação de fazer não é resistida, não há que se falar em substituição de algo que existe e está disponível. (PEREIRA, CORREA, DEPIERI, 2022, não paginado)
Possível ainda, que haja por parte do compromissário vendedor, a recusa ao procedimento de forma fundamentada, ou seja, com a apresentação de discordância, o que de imediato deverá ser interpretado com óbice ao registro, cabendo então, ao registrador, declarar a qualificação como negativa, devendo ocorrer o envio do procedimento para a instrução judicial.
Neste trilhar, necessária a compreensão de que, em se tratando de procedimentos extrajudiciais, intrínseco a este, o consenso ou não existência de resistência a pretensão, em meras palavras, para que haja então, a qualificação positiva, qual deverá ser o posicionamento do compromissário vendedor?
Isto porque, apresentando concordância à notificação, o procedimento deverá ser encerrado, da mesma forma que acarretará caso seja apresentado impugnação, o que se presume, que permanecer de forma inerte, acarretaria em registro.
Contudo, o silêncio na lei civil, é interpretado como concordância, em ressalva quando se trata da perda de propriedade.
Em saudosa explanação e concordância ao supramencionado:
Vale lembrar que o silêncio como consenso na perda da propriedade já possui guarida no procedimento da usucapião extrajudicial, porém com uma grande diferença: o tempo para a prescrição aquisitiva. Numa hipótese de contrato de compra e venda com prova do pagamento (justo título), o adquirente precisa esperar dez anos para conseguir extrajudicialmente pleitear a propriedade. Se na adjudicação o silêncio ganhar a mesma força, estaria o legislador criando uma nova hipótese de usucapião, sem necessidade de nenhum lapso temporal. (PEREIRA, CORREA, DEPIERI, 2022, não paginado)
Com isso, improvável que o legislador tenha com objetivo, findar com o instituto da usucapião ordinária, ao passo que, é que o que se presume, quando o for objeto o justo título oriundo de promessa de venda e compra quitada.
Por tais detalhes, observa-se que ainda que possua apenas alguns incisos, o artigo 216-B, tratará aos servidores públicos, grande motivo de estudo, para que torne-se então, procedimento viável aos usuários, dotado de extrema segurança jurídica.
6 CONCLUSÃO
Desde os primórdios, é costumeiro que o homem, em sentido próprio, busque, ao longo dos anos, assegurar que sua vida tenha moradia, contudo, diante ao avanço da sociedade, o que antes era de preocupação somente masculina, passara a abranger o sexo oposto, ao passo que, ambos buscam por melhores condições, e em todos uma vontade máxima: a propriedade propriamente dita, em suas quatro faculdades.
Em seguida, desde de sempre, há nos planos de vida, a busca pela casa própria, ou ainda, os investimentos tidos como bons, em aquisição de imóveis, sejam lotes/casas para moradia, ou para fins de locação.
Neste cenário, há por parte do brasileiro, grande movimentação que resguarda as transações imobiliárias, contudo, em virtude a premissa dos acordos e compromissos firmados no passado “de boca”, ainda no século XXI, pouco se compreende, a respeito do brocardo popular: somente é dono quem registra.
Assim, passa a ser de compreensão, bem como, explanado no decorrer deste estudo, que as Serventias cartorárias possuem competências específicas e individuais, isto porque, em quanto o Cartório/Tabelião de Notas, é responsável pela lavratura dos instrumentos públicos, como também, reconhecimento e autenticação de firmas, somente o Cartório de Registro de Imóveis, é quem assegurará ao indivíduo acesso ao fólio real, mediante o registro e posterior publicidade da transação efetivada.
Contudo, em sede de conhecimento popular, não limitando-se somente a falha por parte dos usuários ao grave risco de manterem-se irregulares, sem o registro, há ainda, o choque quando da busca por regularização, diante a tabela de custas e emolumentos disponibilizada pelo Colégio Notarial do Brasil – Notas – e à Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (ARISP) – CRI -, em virtude aos altos valores que serão auferidos, especialmente, por no segundo caso, não ocorrer a possibilidade de parcelamento.
Neste trilhar, depara-se com aqueles que de fato não possuem discernimento aos riscos inerentes a irregularidade, àqueles que ainda que compreendam, não dispõe de condições financeiras para regularizarem, bem como, àqueles que ainda que sabendo, permanecem inertes a regularizar, e, em um baixo percentual, daqueles que procuram por resguardar os direitos que possuem, efetivando assim, o registro e preocupando-se em não permitir que quaisquer ônus, sejam averbados e ou registrados, junto a matrícula de seus imóveis.
Assim, diante ao caos instalado, o que se encontra é um país, com alta movimentação de transação no campo imobiliário, contudo, com baixa regularização, o que, de forma direta corrobora para a baixa na arrecadação de impostos, bem como, à desvalorização de tais imóveis.
Neste sentido, com o intuito de resguardar a parcela que busca pela regularização de seu imóvel, o judiciário, adota o procedimento denominado por adjudicação compulsória.
A adjudicação compulsória, surge então, como uma luz ao final do túnel àqueles que após todas as tentativas possibilidades, não conseguem efetuar a lavratura da escritura pública, haja vista a resistência da parte contrária.
Ao que se estuda, é certo que, em virtude a objeção existente por parte da população quando é mencionado a necessidade de recorrer a via judicial para solucionar problemas, atrelado ao conhecimento comum, de que, somente existirá como data o início, resguardada no protocolo de distribuição.
Contudo, também surge por meio deste procedimento, a carta de adjudicação, expedida após a sentença, pelo magistrado, que substitui a necessidade de outorga de escritura pública, bem como, que, em sede da gratuidade da justiça, que pode ocorrer no caso concreto, há ainda, a economia no registro, uma vez que, tal benefício se estenderá.
Neste diapasão, o que se abstrai do presente estudo, é que, em sede de regularização imobiliária, existir a possibilidade de resguardar os direitos adquiridos ao longo dos anos, permitindo que o interessado ingresse ao fólio real, é garantir que a propriedade se torne plena, ainda com as adversidades, bem como, pouco conhecimento quanto a competência das serventias e ainda o custo elevado para registro.
Não obstante, garantir que haja o registro, é garantir que haja a publicidade de um direito já existente, cabendo ao judiciário, tão somente resguardar a celeridade para a finalização de tal procedimento.
Ademais, o implemento agora, por meio da via administrativa, a regularização ganhara novos horizontes, isto porque é de conhecimento popular a celeridade procedimental.
Ocorre que, em virtude a recente entrada em vigor, há no meio, imensa insegurança jurídica para fins de incentivo a tal medida, isto, conforme supramencionado, por não estabelecer por ora, qual deverá ser o posicionamento do compromissário vendedor, para que enseja em registro.
Claro restou-se que, em caso de notificação com anuência, o procedimento deverá ser encerrado, o mesmo ocorrendo em caso de haver a impugnação a este, posto que aqui, caberá a instrução judicial.
Contudo, nos remete ainda, na hipótese de manter o compromissário vendedor de forma inerte, nos mesmos termos, que assegura o registro, para fins da usucapião ordinária extrajudicial. Ocorre, conforme é sabido, não é intenção do legislador, criar por meio deste, nova modalidade da usucapião.
Por assim dizer, o que se presume é que, não há até o presente momento, clareza que se permita assegurar o imediato incentivo ao procedimento.
Atrelado a este entendimento, é de se mencionar ainda que, assim como ocorrera com a usucapião extrajudicial, necessário se faz, que seja criado pelo CNJ, provimento capaz de elucidar e resguardar de maior forma, a fase procedimental – pós prenotação ao registro de imóveis pertinente - estruturando sob forma de tranquilizar e tornar-se viável aos usuários.
Por tal, a via administrativa é sem dúvidas, um caminho de excelência dada a celeridade processual que a resguarda, e após dado o norte necessário para o implemento deste procedimento, trará ao país, grande ferramenta capaz de corroborar de forma significativa a regularização imobiliária.
REFERÊNCIAS
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Bacharelando em Direito pelo Centro Universitário de Santa Fé do Sul - UNIFUNEC
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RI, Caroline Stela Soares Dal. A irregularidade imobiliária x adjudicação compulsória extrajudicial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 set 2023, 04:27. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/63071/a-irregularidade-imobiliria-x-adjudicao-compulsria-extrajudicial. Acesso em: 23 nov 2024.
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