Resumo: O objetivo deste trabalho é realizar uma análise pormenorizada do crime de lesão corporal, previsto no artigo 129 do Código Penal brasileiro, apresentando suas características, bem como discussões doutrinárias e jurisprudenciais.
Palavras-Chave: Dos Crimes Contra a Pessoa. Da Lesão Corporal. Objeto Jurídico. Características.
1. Introdução
O crime de lesão corporal está inserido no Título I do Código Penal, que trata dos Crimes contra a Pessoa. Quanto ao seu tipo fundamental, encontra-se previsto no art. 129, caput, do CP, que assim o define:
“Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano.”
A previsão contida no citado artigo é classificada como lesão corporal leve, considerando que, a depender do resultado da conduta delitiva, o crime poderá receber uma reprimenda maior, ensejando, assim, de acordo com a previsão legal, a sua caracterização como crime qualificado, seja de natureza grave, gravíssima ou seguida de morte.
2. Desenvolvimento
2.1. Do Conceito
O crime de lesão corporal é conceituado pela doutrina como sendo a ofensa humana direcionada à integridade corporal ou à saúde de outra pessoa, alterando, assim, a normalidade funcional do corpo humano.
A doutrina entende que depende da produção de algum dano no corpo da vítima, interno ou externo, englobando qualquer alteração prejudicial à saúde, inclusive problemas psíquicos. É prescindível a produção de dores ou a irradiação de sangue do organismo do ofendido. E a dor, por si só, não caracteriza lesão corporal.
2.2. Do Objeto Material, Núcleo do Tipo, Sujeitos, Elemento Subjetivo e Classificação
O objeto material do crime é a pessoa humana que suporta a conduta criminosa.
O núcleo do tipo é o verbo “ofender”, compreendido como prejudicar alguém no tocante à sua integridade corporal ou à sua saúde. Este crime pode ser praticado por ação ou omissão, quando, neste caso, estiver presente o dever de agir para evitar o resultado.
Quando ao seu elemento subjetivo, o crime pode ser cometido, a depender da espécie, tanto na forma dolosa, quando há a intenção de agir ou quando o agente assume o risco de produzir o resultado; bem como na forma culposa, conforme previsão expressa do art. 129, §6º, do CP, nas situações em que o agente comete o crime por negligência, imprudência ou imperícia.
Ademais, ainda é possível que o crime ocorra na forma preterdolosa, na modalidade “lesão corporal seguida de morte”, uma vez que há a lesão a título de dolo e a morte é uma conseqüência não desejada pelo agente, ocorrendo de forma culposa.
Inclusive, assim, a doutrina, classifica o referido tipo penal:
“A lesão corporal é crime comum (pode ser praticado por qualquer pessoa); material (a consumação depende da produção do resultado naturalístico); de dano (exige a efetiva lesão do bem jurídico); unilateral, unissubjetivo ou de concurso eventual (cometido em regra por um único agente, mas admite o concurso de pessoas); comissivo ou omissivo; instantâneo (consuma-se em um momento determinado, sem continuidade no tempo); de forma livre (admite qualquer meio de execução); e, em regra, plurissubsistente (a conduta e divisível em vários atos).”
2.3. Das Espécies de Lesão Corporal
2.3.1. Da Lesão Corporal Leve
A lesão corporal leve, prevista no art. 129, caput, do CP, ocorre de forma dolosa, ingressando neste conceito, por exclusão, todas as condutas que não se enquadrem nas demais hipóteses previstas na legislação, uma vez que a presença de elementos especializantes poderá fazer com que o crime receba outra classificação. A pena, neste caso, é de detenção de três meses a um ano, sendo classificada como uma infração penal de menor potencial ofensivo, admitindo, portanto, transação penal e suspensão condicional do processo.
Nesta espécie, é possível, conforme §5º do mesmo artigo, que o juiz substitua a pena de detenção por multa se o crime ocorrer na forma privilegiada ou se as lesões forem recíprocas.
Outrossim, também se classifica como lesão leve aquela que ocorre quando praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, com pena de detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.
Quanto a esta última hipótese, há de se destacar que, em virtude de recente alteração legislativa, ocorrida no ano de 2021, que acresceu ao art. 129, o §13, se a lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, a pena será de reclusão de um a quatro anos. Logo, esta espécie de lesão, classificada como leve, receberá um tratamento com maior reprovação, se comparada à situação em que a vítima seja um homem.
2.3.2. Da Lesão Corporal Grave
A lesão corporal grave encontra-se prevista no art. 129, §1º, do CP, uma vez que a lei prevê determinados resultados que assim configurarão esta espécie de lesão.
Segundo o citado artigo, quando a lesão corporal resultar em incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias; perigo de vida; debilidade permanente de membro, sentido ou função; ou aceleração de parto, terá como pena a reclusão de um a cinco anos.
Especificando as hipóteses acima previstas, entende-se como “incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias”, aquela que representa qualquer atividade, seja física ou mental, tais como andar, ler ou praticar esportes, exigindo-se, para a sua configuração, o exame de corpo de delito logo após o citado prazo, visando a comprovar a duração da incapacidade.
Já em relação ao “perigo de vida”, refere-se à possibilidade grave e concreta de a vítima morrer por conta das lesões, entendendo, inclusive, os Tribunais Superiores, que deve ser reconhecida a qualificadora segundo critérios objetivos, não bastando o risco potencial.
Em relação à necessidade de laudo pericial para a sua constatação, já se posicionou a Suprema Corte:
Habeas corpus. 2. Tentativa de homicídio. Desclassificação da conduta pelo Tribunal do Júri para lesão corporal grave. 3. Condenação. Pedido de afastamento da qualificadora do perigo de vida (art. 129, § 1º, II, do CP) em razão da ausência do laudo pericial, que poderia apontar o grau das lesões sofridas. 4. Desaparecimento da vítima. Comprovação da gravidade das lesões sofridas mediante prova testemunhal e laudo médico. 5. A ausência do laudo pericial não impede seja reconhecida a materialidade do delito de lesão corporal de natureza grave por outros meios. 6. Ordem denegada. (HC 114567, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 16/10/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-219 DIVULG 06-11-2012 PUBLIC 07-11-2012).
Quanto à “debilidade permanente de membro, sentido ou função”, esta consiste na diminuição ou enfraquecimento da capacidade funcional, tais como a perda de parte dos dedos ou redução da visão. Por fim, como última hipótese de lesão corporal grave, temos aquela que ocasiona a “aceleração de parto”, a qual se caracteriza como a ocorrência de parto prematuro que ocorre quando o feto nasce antes do período normal estipulado pela medicina.
Como já citado, a previsão legal de pena é de reclusão de um a cinco anos. Logo, observa-se que o maior desvalor da conduta, por conta dos resultados alcançados, enseja uma maior reprovação do tipo penal, sendo entendido como um crime de médio potencial ofensivo, cabendo, entretanto, em virtude da pena mínima cominada ao delito, a possibilidade de suspensão condicional do processo.
Destaca-se, ainda, que a doutrina majoritária entende que o resultado decorrente da lesão grave, pode ser tanto doloso quanto culposo, logo, este crime é classificado como um crime qualificado pelo resultado. Além disso, as qualificadoras citadas são de natureza objetiva, comunicando-se aos demais agentes quando o crime é cometido em concurso de pessoas, desde que entre na esfera de conhecimento dos agentes.
2.3.3. Da Lesão Corporal Gravíssima
A lesão corporal gravíssima encontra-se prevista no art. 129, §2º, do CP, uma vez que a lei prevê determinados resultados que assim configuram esta espécie de lesão. Destaca-se que a citada classificação não é realizada pelo legislador, mas, sim, fruto de construção doutrinária, visando a diferenciá-la das hipóteses de lesão grave.
Segundo o citado artigo, quando a lesão corporal resultar em incapacidade permanente para o trabalho; enfermidade incurável; perda ou inutilização do membro, sentido ou função; deformidade permanente; ou aborto, a pena será de reclusão, de dois a oito anos.
Quanto à primeira hipótese, a “incapacidade permanente para o trabalho” se configura como a incapacidade para o exercício de qualquer tipo de atividade laborativa, de forma parcial, não se confundindo com qualquer ocupação habitual, configuradora da lesão grave acima citada.
Neste ponto, assim entende a doutrina:
“Registre-se que a diretriz predominante é no sentido de não se limitar a incapacidade permanente à função específica desempenhada pela vitima. Essa interpretação, porém, circunscreve excessivamente a esfera de aplicação da qualificadora, visto que sempre será possível, em tese, que o sujeito passivo se dedique a atividade diversa daquela que exercia. Daí a conveniência de se ampliar o âmbito de aplicação da qualificadora, para que compreenda também a incapacidade parcial ou relativa, concernente ao trabalho especifico a que se dedicava o ofendido.”
Já a “enfermidade incurável” é a alteração prejudicial da saúde que não pode ser combatida pelos recursos da medicina, mesmo que, conforme entende a jurisprudência, a cura venha a surgir em momento posterior à condenação definitiva do agente.
Quanto à “perda ou inutilização do membro, sentido ou função”, diferentemente da hipótese de “debilidade”, configura-se pela destruição ou privação do membro, sentido ou função, a exemplo da completa supressão da possibilidade de ouvir ou enxergar.
A doutrina, quanto a este ponto, leciona que “na hipótese de órgãos duplos (exemplos: rins e olhos), a perda de um deles caracteriza lesão grave pela debilidade permanente, enquanto a perda de ambos configura lesão gravíssima pela perda ou inutilização”.
Já em relação à “deformidade permanente”, consiste no dano duradouro de alguma parte do corpo da vítima que não pode ser retificado por si próprio ao longo do tempo.
Nesta hipótese, destaca-se recente decisão do Superior Tribunal de Justiça:
A deformidade permanente apta a caracterizar a qualificadora no inciso IV do §2º do art. 129 do Código Penal, segundo parte da doutrina, precisa representar lesão estética de certa monta, capaz de produzir desgosto, desconforto a quem vê ou humilhação ao portador, não sendo qualquer dano estético ou físico. STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1895015/TO, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 17/08/2021.
Por fim, quanto à hipótese causadora do “aborto”, entende a doutrina que a morte do feto deve ocorrer de forma culposa, uma vez que, se for proposital, estará configurado o crime de aborto em concurso formal com a lesão corporal.
Neste ponto, chama-se atenção ao posicionamento de que o autor deve ter conhecimento do estado de gravidez da vítima, pois, caso contrário, estaria configurada a responsabilidade penal objetiva, vedada pelo Direito Penal. Outrossim, em caso de desconhecimento, estará configurado o erro de tipo, com exclusão do dolo e, por conseqüência, da qualificadora.
Como citado, nestas hipóteses do §2º, a pena será de reclusão de dois a oito anos. Logo, se observa que pelo maior desvalor da conduta, que supera as modalidades de lesões do tipo grave, enseja uma ainda maior reprovação do tipo penal, sendo assim entendido como um crime de elevador potencial ofensivo.
2.3.4. Da Lesão Corporal Seguida de Morte
A lesão corporal seguida de morte encontra-se prevista no art. 129, §3º, do CP, sendo assim definida:
“Se da lesão resultar a morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo, a pena será de reclusão, de quatro a doze anos.”
Observa-se, de forma expressa, o afastamento da possibilidade de que o resultado agravador ocorra a título de dolo, sendo, portanto, esta modalidade de lesão classificada como preterdolosa, uma vez que o agente comete o crime de forma dolosa ao lesionar a vítima e a morte é resultante de uma conduta culposa.
A doutrina também costuma denominá-la de homicídio preterintencional, pois o legislador foi explícito ao exigir dolo no antecedente e culpa no resultado agravador. Logo, havendo o resultado morte a título de dolo, o crime será de homicídio doloso, estando sujeito, portanto, ao julgamento perante o Tribunal do Júri.
2.3.5. Das Causas de Aumento de Pena
Ressalta-se, ainda, que, conforme previsão do art. 129, §10, nos casos de lesão grave, gravíssima ou seguida de morte, no contexto de violência doméstica, em face de vítima homem, a pena será aumentada em 1/3, bem como que se a lesão for praticada contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal de 1988, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição, a pena é aumentada de um a dois terços.
2.3.6. Do Perdão Judicial
O perdão judicial é aplicável nas situações em que as conseqüências da infração atingem o agente de forma tão grave que a sanção penal se mostre desnecessária.
Neste caso, conforme art. 129, §8º, do CP, comprovando-se tal situação no caso concreto, esta causa extintiva da punibilidade terá o réu direito subjetivo à sua aplicação.
Neste ponto, explicita a doutrina:
O art. 129, §8, do Código Penal, determina a incidência do perdão judicial ao crime de lesão corporal culposa. Os requisitos são os mesmos do homicídio. O juiz pode deixar de aplicar a pena quando as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.
2.3.7. Da Ação Penal
Quanto à espécie de ação penal, no que se refere à lesão leve, é classificada como pública condicionada à representação do ofendido, tendo em vista a previsão contida no art. 88 da Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei nº 9.099/95), ao passo que as demais espécies são promovidas por meio da ação penal pública incondicionada, cabendo, em todas as hipóteses narradas, o oferecimento da denúncia por parte do Ministério Público.
Neste ponto, ressalta-se o entendimento do STJ, cristalizado na Súmula 542, o qual informa que “a ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada”.
Logo, tendo em vista a não aplicação da Lei dos Juizados Especiais Criminais aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, entende-se que a ação, independentemente da pena prevista, deve ser pública incondicionada, visando, assim, a atender ao comando constitucional de que cabe ao Estado prestar a assistência à família, criando mecanismos que visam coibir a violência no âmbito de suas relações.
3. Da Conclusão
Desta forma, conclui-se que o crime de lesão corporal apresenta diversos aspectos a serem analisados, sendo objeto constante de discussões doutrinária e jurisprudencial, especialmente por conta do seu alto nível de incidência, requerendo, desta forma, uma resposta estatal sempre necessária e eficiente para a proteção da sociedade.
Referências:
MASSON, Cleber. Direito penal: parte especial (arts. 121 a 212). 16. ed. - Rio de Janeiro: Método, 2023.
PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro. São Paulo: RT, 2008. v.2.
Nível Superior em Direito. Advogado. Servidor Público Federal .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Rodrigo de. Uma análise do crime de lesão corporal à luz dos entendimentos doutrinário e jurisprudencial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 nov 2023, 04:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/63814/uma-anlise-do-crime-de-leso-corporal-luz-dos-entendimentos-doutrinrio-e-jurisprudencial. Acesso em: 22 nov 2024.
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