RESUMO: No seguinte trabalho será discutida acerca da eficiência do modelo de solução de conflitos adotado no ordenamento jurídico brasileiro, sendo abordados de forma crítica a efetivação dos meios de hetero e autocomposição a serem aplicados no campo do Direito Brasileiro, bem como, serão abordados aspectos em que melhorias poderão ser feitas com vista ao aprimoramento da situação existente.
PALAVRAS CHAVE: heterocomposição – autocomposição – mediação – conciliação
ABSTRACT: In the following paper will be discussed the efficiency of the model of conflict resolution adopted in the Brazilian legal system, being critically approached the effectiveness of the means of hetero and self composition to be applied in the field of Brazilian Law, as well as, will be approached aspects in which improvements can be made with a view to improving the existing situation.
KEY WORDS: heterocomposition – selfcomposition – mediation – conciliation
1. INTRODUÇÃO
O cenário jurídico do país é rotineiramente alvo de diversas críticas feitas pelos mais variados meios de comunicação, bem como dos próprios cidadãos, que por muitas vezes afirmam que os processos são demasiadamente morosos, e isto reflete uma realidade válida, dito que no Relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) “Justiça em Números” do ano de 2020 fora atestado que tramitam perante o judiciário brasileiro o número de aproximadamente 77,1 milhões de processos, bem como que nos tribunais estaduais do país, o tempo médio para que seja proferida uma sentença de primeiro grau da Justiça Comum Estadual é de 3 anos e 6 meses.
Neste diapasão, no seguinte artigo vai ser discutida esta realidade absurda do judiciário, sendo abordada a variação histórica dos meios de solução de conflitos utilizados, bem como a aplicabilidade, ou falta desta, de certos dispositivos normativos pátrios que visam a aplicação de meios de autocomposição como forma de dar celeridade a tramitação dos processos e, ainda, a visão de aspectos que podem ser aprimorados para que a prestação do serviço jurisdicional seja mais adequada.
Outrossim, será apresentado que apesar de todas as codificações defensoras desta solução informal de conflitos, ainda paira na realidade fática brasileira uma cultura que prega por sua rejeição em face do sistema jurídico litigioso propriamente dito.
2. DESENVOLVIMENTO
Como já é sabido a humanidade adotou diferentes meios de solução de conflitos durante o passar dos anos. Em primeiro momento, utilizava-se o modelo da autodefesa ou autotutela em que o indivíduo valendo-se de sua força ou perspicácia buscava receber aquilo que ao seu entender lhe era de direito. Posteriormente, principalmente com o surgimento do Estado Moderno, foi monopolizado o poder de solucionar os conflitos nas “mãos” daquele, de forma tal que deveria um ser imparcial (juiz) fazendo uso das normas e leis criadas solucionar o conflito de interesses marcado por uma pretensão protegida pelo Direito, ou seja, passou-se a adotar um meio de heterocomposição propriamente dito, já que a solução era proposta por terceiro, que em nada estava relacionado com a situação fática, devendo esta vincular as partes.
Todavia, foi se visto que a utilização deste meio em maneira única não seria eficiente, dito que acarretaria em um excesso de demandas a serem solucionadas pelo Estado, o que, por sua vez, faria com que esta acabasse por demandar um tempo desarrazoado em face de certas situações que apresentar-se-iam simplórias, neste sentido, traz-se:
A sociedade contemporânea vive a judicializaçao dos conflitos, que enseja dois vieses diferentes, num primeiro momento a confiança no cidadão no sistema judiciário, numa segunda análise o grande número de demandas ameaça o funcionamento do judiciário de forma eficaz, (GALVÃO e GALVÃO FILHO, 2015, p. 15,).
Por esta razão, começou um movimento de difusão de utilização de meios de autocomposição, tais quais a mediação (em que o mediador vai auxiliar as partes a resolverem o conflito, tendo estas mesmo criado a solução, devendo este meio ser usado, preferencialmente, quando existir um vínculo anterior entre as partes), a conciliação (em que o conciliador, ouvindo as partes, vai propor soluções que visem abranger os interesses de ambos os polos da relação, podendo estas serem aceitas ou rejeitadas, ademais, deve ser usada, preferencialmente, quando não houver vínculo anterior entre as partes) e a arbitragem (na qual as partes elegem uma pessoa ou entidade privada para buscar a solução do litígio, esta irá tentar auxiliar que as partes entrem em acordo, todavia, caso isto não seja possível, irá proferir a sentença arbitral que, por sua vez, não é recorrível a apresenta-se como título executivo extrajudicial).
No Brasil, a situação não foi diferente, e o abarrotamento do sistema judiciário com ações, com a necessidade de cumprimento da garantia fundamente prevista no inciso LXXVIII, do artigo 5º da CF/88, tal qual a duração razoável do processo, bem como o grau de inimizade via de regra gerado entre as partes em razão da ação judicial, fez com que fosse buscada a difusão da autocomposição. Sendo, neste sentido, notória a resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que aduz, entre outros aspectos, que;
Art. 1º Fica instituída a Política Judiciária Nacional de tratamento dos conflitos de interesses, tendente a assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade. (Redação dada pela Emenda nº 1, de 31.01.13)
Parágrafo único. Aos órgãos judiciários incumbe, nos termos do art. 334 do Novo Código de Processo Civil combinado com o art. 27 da Lei de Mediação, antes da solução adjudicada mediante sentença, oferecer outros mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão. (Redação dada pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
Art. 7º Os tribunais deverão criar, no prazo de 30 dias, Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Núcleos), coordenados por magistrados e compostos por magistrados da ativa ou aposentados e servidores, preferencialmente atuantes na área, com as seguintes atribuições, entre outras: (Redação dada pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
IV - instalar Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania que concentrarão a realização das sessões de conciliação e mediação que estejam a cargo de conciliadores e mediadores, dos órgãos por eles abrangidos;
Traz-se, ainda, que outros dispositivos normativos determinam a utilização dos meios de autocomposição supramencionados, tal qual o CPC/15 que, buscando dar celeridade ao processo para assim “desafogar” o judiciário implementa em várias de suas passagens a necessidade de busca da solução informal de conflitos, destes destacam-se o artigo 334 que determina que se não for caso da improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de audiência em até 30 dias, ou seja, o mencionado artigo vai colocar como obrigação do magistrado a realização de audiência em que seja visada a solução informal, antes mesmo, inclusive, da apresentação da contestação, havendo, ainda, segundo o §8º deste artigo, a instituição de multa de até 2% do valor da causa ou do que se busca ganhar com ela, na hipótese de ausência injustificada de uma das partes. Outro importante aspecto é o constante no artigo 165, que buscando dar aplicabilidade efetiva à resolução do CNJ supracitada, define que:
Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.
Outrossim, a norma processualista supracitada em acordo com as disposições do Código Civil de 2002, que o antecedeu em 13 anos, em relação ao Direito de Família, que, em razão da própria natureza do que está a ser solucionado, visa gerar decisões em que seja ao máximo evitados conflitos entre as partes, dito que estes podem acarretar imensuráveis prejuízos em eventual filho advindo da relação, definiu que em ação de divórcio ou separação judicial (em que há uma discussão doutrinária acerca de sua revogação tácita em razão da Emenda Constitucional 66) a parte ré será intimada para comparecimento em audiência de mediação e conciliação, bem como que esta poderá se dividir em quantas sessões sejam necessárias para, assim, ser viabilizada uma solução consensual (arts.695 e 696 do CPC/15).
Razões para a apreciação destes modelos são inúmeras, pode citar-se a celeridade para obtenção de uma resolução, a menor onerosidade, a consecução do “desafogar” do processo judiciário, a criação de uma solução que tem um teor de maior durabilidade, dito que foi formulada em acordo e conforme os interesses das próprias partes da relação jurídica, e estas, ainda, possibilitam uma menor deterioração da relação dos envolvidos, ao passo que a propositura de uma ação judicial tem um teor muito mais agressivo.
Destacando a importância destes meios alternativos, a ministra Ellen Gracie apontou no evento “Poder Judiciário e Arbitragem: diálogo necessário” realizado no ano de 2011 que:
Os métodos alternativos de solução de litígio são melhores do que a solução judicial, que é imposta com a força do Estado, e que padece de uma série de percalços, como a longa duração do processo, como ocorre no Brasil e em outros países. [...] possibilitam a presença de árbitros altamente especializados que trazem a sua expertise, portanto podem oferecer soluções muito mais adequadas do que o próprio Poder Judiciário faria.
Apesar de todas as disposições e vantagens da aplicação supramencionadas dos meios alternativos de solução dos litígios, esta situação ainda está longe de ser plenamente aplicada no Direito Brasileiro. Neste sentido, afirma Flávio Tartuce em relação a realização da audiência de mediação e conciliação na ação de divórcio:
Todavia, infelizmente, a maioria dos Tribunais de Justiça ainda não criou ou não investiu, de forma satisfatória, nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, o que tem afastado a efetivação dos institutos da mediação e da conciliação. No último ano, muitas foram as decisões judiciais que chegaram ao nosso conhecimento, declinando a mediação e a conciliação, por falta de estrutura, o que representa uma infeliz realidade. Esperamos que esse panorama se modifique nos próximos anos, e que o Estado realmente invista no incremento de tais práticas, para que os institutos modifiquem a cultura hoje existente, aplicando-se a louvável regra do Novo CPC. (TARTUCE, 2017. p, 836)
Ademais, em diversas situações, a utilização do método da mediação ou da conciliação é impossibilitado em razão de ser enraizada no pensamento dos operadores do Direito a questão de que o processo deve ser visto como sob um sistema adversarial, ou seja, em que as partes são adversárias uma das outras e que somente uma pode “ganhar”, bem como pelo fato de que em diversas situações estes meios alternativos são vistos como “perda de tempo” ou são impostos pelo juiz, o que, por sua vez, já desestimula as partes a celebrarem acordos. Ademais, existe, ainda, a questão que por vezes o magistrado não tem a capacitação devida para realização destes meios de solução.
Neste sentido, constatou, através de pesquisa de campo, o doutor Klever Paulo Leal Filpo em sua obra “Os juízes não aderiram à Mediação” que das 14 Varas de Família existentes na capital do estado do Rio de Janeiro, a grande maioria dos casos enviados ao Centro de Mediação eram somente procedente de uma das Varas, tendo sido, inclusive, a ele afirmado por um advogado que de 2009 até 2013 nunca tinha visto ser sugerido por qualquer juiz o uso da mediação.
Esta situação, todavia, não é somente existente na capital do Rio de Janeiro, de forma tal que o Relatório de Números do CNJ do ano de 2020 atesta que somente 12,5% das sentenças e decisões proferidas pelo Poder Judiciário no ano de 2019 eram homologatórias de acordos firmados, o que apresenta-se, inegavelmente, como um percentual muito pequeno, até em razão da grande difusão dos meios alternativos de solução dos conflitos.
Ademais, o resultado é ainda menos encorajador ao analisar-se o percentual referente à Justiça Comum Estadual, em que seguem a extensa maioria das ações judiciais, neste o resultado foi de apenas 11,3%.
Diante do narrado, o resultado não podia ser diferente do que encontra-se na realidade do Judiciário brasileiro, em que na Justiça Comum Estadual há de ser esperado em média 3 anos e 6 meses para a prolação da sentença de primeiro grau, ao qual é cabível recurso, ainda, e em que constam tramitando aproximadamente 77,1 milhões de processos, segundo o relatório Justiça em Números de 2020.
Outrossim, apesar de todos os fatos abordados, há de ser atestado que ao final do ano de 2016, fora comprovado que ingressaram com mais aproximadamente 29,4 milhões de processos neste ano, tendo 29,4 milhões sido baixados no mesmo período, o que apresentou um aumento de 2,7% em relação ao ano anterior. Tal fato mostra que, apesar de a realidade do Judiciário brasileiro encontrar-se em uma situação caótica, o ano anterior apresentou uma melhora, que, com a aplicação correta dos dispositivos previstos nos dispositivos normativos, pode ser ainda mais significativo.
3.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como fora supracitado, o Poder Judiciário brasileiro está sob uma realidade de completa sobrecarga, de uma forma que resta incontroversa a necessidade premente de mudança na forma em que é abordada a resolução de conflitos, na qual seja ofertada um maior aproveitamento das técnicas alternativas de solução, pois, estas, como fora supramencionado, possibilitam um resultado muito mais célere e possivelmente duradouro, dentre outros benefícios.
Ademais, para que seja possibilitado o crescimento na influência daquelas, é imprescindível que seja abandonada aquela cultura do “arbitral system”, não sendo o processo judicial visto como uma batalha em que somente uma das partes pode ser vencedora, este deve ser analisado como uma existência de interesses conflitantes em que busca-se um acordo, uma resolução que possa atender ambas as partes. Outrossim, há de ser modificada a ideia pela qual tratam-se as formas alternativas de solução de conflitos como medidas inócuas, e, para que isto seja possível, é de extrema importância que os magistrados busquem especializar-se nestes conceitos e passem a difundi-los de forma mais veemente.
Cita-se, ainda, que os membros do judiciário, todavia, estão apresentando-se gradualmente como mais adeptos a estas ideais, e este fato somente tende a ser acentuado, principalmente em razão da intensa atividade do CNJ, bem como através dos diversos dispositivos normativos que apontam a utilização daqueles.
4.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil Volume único. 7ª Edição. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017.
MINISTRA ELLEN DESTACA MÉTODOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE LITÍGIOS. PORTAL STF. Disponível em < http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178330> Acesso em: 19 de agosto de 2021.
FILPO, Klever Paulo Leal. OS JUÍZES NÃO ADERIRAM À MEDIAÇÃO. Lex Humana, v. 6, n. 2, dez. 2014. ISSN 2175-0947. Disponível em: <http://seer.ucp.br/seer/index.php?journal=LexHumana&page=article&op=view&path%5B%5D=565. Acesso em: 19 de agosto de 2021>.
MIZUTA, Alessandra; COSTA, Sebastião Patrício Mendes da: Direito de Acesso À Justiça, Efetividade e Jurisdição: Sistemas Informais de Justiça como Concretização dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio da ONU. CONPEDI, 2015.
SALES, Lília Maia de Morais; SOUSA, Mariana Almeida de: A Mediação e os ADR’s (Alternative Dispute Resolutions) – A Experiência Norteamericana. Revista Novos Estudos Jurídicos - Eletrônica, Vol. 19 - n. 2 - mai-ago 2014.
FERNANDES, Pedro. Meios consensuais de resolução de conflitos no novo Código de Processo Civil: a conciliação e a mediação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5196, 22 set. 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/59938>. Acesso em: 19 ago. 2021.
CIPRIANI, Taciane Andreghetto; OLIVEIRA, Sonia de. A Mediação e a Conciliação no Novo CPC: A Celeridade da Justiça. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 2, Vol. 13. pp 417-427 Janeiro de 2017 ISSN:2448-0959.
________. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Diário Oficial da União. Brasília, 2015. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/CCIVil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 19 de agosto de 2021.
Justiça em Números 2017: ano-base 2016/Conselho Nacional de Justiça - Brasília: CNJ, 2017.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências. Resolução n. 125, de 29 de novembro de 2010. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2579> Acesso em: 19 de agosto de 2021.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARBOSA, Matheus Arco Verde. (In)eficiência do modelo brasileiro de solução de conflitos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 nov 2023, 04:21. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/63820/in-eficincia-do-modelo-brasileiro-de-soluo-de-conflitos. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Por: PRISCILA GOULART GARRASTAZU XAVIER
Precisa estar logado para fazer comentários.