JUAREZ ARNALDO FERNANDES
(coautor)[1]
RESUMO: O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp nº 1.937.989/SP, estabeleceu importante precedente relativo ao direito concorrencial. Estabeleceu-se a caracterização de prática de concorrência desleal a utilização de links patrocinados em mecanismos de buscas vinculando-se a promoção do próprio negócio através da utilização de palavras-chave de marca de outros concorrentes. Neste estudo, propomos um distinguishing especificamente no que se refere às marcas evocativas.
PALAVRAS-CHAVE: Links Patrocinados; Google AdWords; Marcas Evocativas; Distinguishing; Concorrência Desleal.
INTRODUÇÃO
O direito marcário e concorrencial é sempre permeado por inúmeras dúvidas. Afinal, como se verá, vigora em nosso ordenamento jurídico o princípio da livre concorrência. Assim, passa a ser função do intérprete estabelecer a tênue linha entre a livre concorrência e a concorrência desleal, cuja separação nem sempre é tão simples quanto se pode imaginar.
Neste estudo, abordamos de forma específica a promoção ou divulgação do próprio negócio através de ferramenta em mecanismos de buscas na internet, como o Google Adwords (links patrocinados), a doutrina que circunda o tema e os impactos na jurisprudência. Ao final, propomos um distinguishing de forma a compatibilizar ambos os conceitos.
DESENVOLVIMENTO
O princípio da livre concorrência, em nosso ordenamento jurídico, é um conceito relativamente novo, introduzido pela Constituição Federal de 1988 ao estabelecer, dentre os “princípios gerais da atividade econômica”, a “livre concorrência” em seu inciso IV, promovendo significativo avanço em relação à Constituição de 1967, que apenas previa, em linhas gerais, a “repressão ao abuso do poder econômico” (art. 157, inciso VI), que encontra semelhança no art. 173, §4º, da Constituição Federal de 1988.
Estabeleceu-se, assim, o direito de ingresso em um mercado justo e coeso, marcado pelo equilíbrio concorrencial, mantendo-se por igual as ‘regras do jogo’ mercadológico. Em outras palavras, a Carta Magna garante que qualquer prática de ato ou fato, efetuado por outro empresário, tendente a desrespeitar ou prejudicar a livre e desembaraçada exploração da atividade econômica, seja devidamente punida.
Ao discorrer sobre o tema, André Santa Cruz[1], esclarece que “existem duas maneiras pelas quais o Estado se propõe a concretizar esse princípio: coibição das práticas de concorrência desleal, inclusive tipificando-as como crimes, e repressão ao abuso de poder econômico, caracterizando-os como infração contra a ordem econômica”.
Quando se fala em tipificação de atos de concorrência desleal, a Lei n. 9.279/96 exerce importante papel ao disciplinar condutas que caracterizam prática de concorrência desleal (vide art. 195). Entretanto, a compreensão de que se trata de rol taxativo é equivocada.
O art. 209 da Lei n. 9.279/96 expressamente estabelece a ressalva, “ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei (...)”. Nota-se, de simples exame do dispositivo legal, a clara opção do legislador, prestigiando a proteção constitucional da livre concorrência, estabelecendo rol exemplificativo.
E não poderia ser de outra forma. A complexidade das relações jurídica-empresariais, a constante evolução da tecnologia e do mercado e a criação de inúmeras ferramentas de captação de clientela trazem à luz o dinamismo das relações concorrenciais.
É justamente nesse sentido que entramos no objeto do presente artigo. O Superior Tribunal de Justiça[2], ao examinar Recurso Especial que tratava de inserção de links patrocinados (AdWords) em provedores de busca mediante utilização de palavra-chave relacionadas ao concorrente para promoção de negócios próprios, entendeu que o ato configura concorrência desleal. Assentou a Corte que “Utilizar a marca de um concorrente como palavra-chave para direcionar o consumidor do produto ou serviço para o link do concorrente usurpador é capaz de causar confusão quanto aos produtos oferecidos ou a atividade exercida pelos concorrentes. Ainda, a prática desleal conduz a processo de diluição da marca no mercado e prejuízo à função publicitária, pela redução de visibilidade”.
Com efeito, a marca é conceituada como um “sinal distintivo visualmente perceptível, não compreendido nas proibições legais”, exegese do art. 122 da Lei n. 9.279/96. Ao comentar sobre a finalidade da marca, André Santa Cruz[3] ensina que “A finalidade precípua da marca, portanto, é diferenciar/distinguir o produto ou serviço dos seus ‘concorrentes’ no mercado.”, servindo a dois propósitos: defesa do empresário e proteção dos consumidores.
Parece-nos evidente, de um ponto de vista lógico-jurídico, que a utilização de marca de concorrente para alavancar a própria clientela, mediante a utilização de links patrocinados em provedores de buscas, é atitude que viola gravemente o princípio constitucional da livre concorrência, tratando-se de prática desleal.
Entretanto, propomos a realização de um distinguishing em relação ao REsp n. 1.937.989/SP sobre matéria não tratada pela Corte Superior, especificamente em relação às marcas evocativas.
Marcas evocativas, conforme lição doutrinária[4], são “marcas ‘fracas’, formadas por expressões de pouca originalidade ou baixo potencial criativo, bem como expressões que designem o componente principal do produto”. Neste patamar, o Superior Tribunal de Justiça[5] estabeleceu que marcas fracas ou evocativas “constituem expressão de uso comum, de pouca originalidade, [e] atraem a mitigação da regra de exclusividade decorrente do registro, admitindo-se a sua utilização por terceiros de boa-fé”.
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça possui didática jurisprudência sobre o tema:
A distintividade é condição fundamental para o registro de uma marca, razão pela qual a Lei 9.279/96 enumera vários sinais não registráveis, tais como aqueles de uso comum, genérico, vulgar ou meramente descritivos, porquanto desprovidos de um mínimo diferenciador que justifique sua apropriação a título exclusivo (artigo 124). As marcas registráveis podem apresentar diversos graus de distintividade. Assim, fala-se em marcas de fantasia, marcas arbitrárias e marcas evocativas (também chamadas de sugestivas ou fracas). Em razão do baixo grau de distintividade da marca evocativa – aquela constituída por expressão que lembra ou sugere finalidade, natureza ou outras características do produto ou serviço desenvolvido pelo titular –, a regra da exclusividade do registro é mitigada e seu titular deverá suportar o ônus da convivência com outras marcas semelhantes, desde que não se constate, por óbvio, a possibilidade de confusão no público consumidor. Precedentes”
(REsp 1336164/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 07/11/2019, DJe 19/12/2019).
Exemplificativamente, podemos relembrar o clássico embate travado entre as farmacêuticas responsáveis pelos produtos VITAWIN e VITACIN, quando ao apreciar o REsp n. 1.845.508/RJ, de Relatoria do Eminente Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, a Corte entendeu que a marca VITAWIN é “altamente sugestiva dos produtos a que se refere (suplementos multivitamínicos), sendo quase idêntica ao nome genérico em inglês ‘vitamin’ (...) eventual semelhança fonética e gráfica entre as marcas em questão que não se mostra relevante para fins de proteção da marca anterior, uma vez que ambas são evocativas dos produtos a que se referem”.
No presente exemplo, a utilização de links patrocinados em provedores de buscas com as palavras-chaves VITA, VITAMIN, VITACIN ou VITAWIN para alavancar a procura/demanda pelo determinado produto a que se refere não encontraria óbice no princípio constitucional da livre concorrência, uma vez que as marcas são sugestivas dos produtos a que se referem. Na conclusão do Superior Tribunal de Justiça, não há possibilidade de confusão ou de associação indevida, “sobretudo considerando a diferença ideológica existente entre as marcas em questão”.
Outro exemplo, em análise abstrata, se refere à marca Chocolates Brasil Cacau, onde se pratica a utilização de três expressões comuns e genéricas, sendo - uma sugestiva do produto (Chocolate), outra indicativa da região geográfica de atuação (Brasil) e a última indicativa do principal ingrediente de fabricação do produto (Cacau), ou seja, a utilização de palavras-chave BRASIL CACAU, CACAU, CHOCOLATES BRASIL ou qualquer outra combinação similar não seria suficiente para ocasionar ato de prática desleal.
Dentro do contexto apresentado, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já teve a oportunidade de decidir no mesmo sentido[6] ao apreciar Apelação Cível, ocasião em que se debatia a necessidade de proteção da marca e do domínio “decoradornet”. Assentou a Corte Paulista que a marca e o domínio “são de uso comum, evocativas do serviço prestado pela coautora (planejamento de decoração de interiores pela internet)” e que “ao efetuar busca na plataforma ‘Google’ com as expressões ‘decorar’ e ‘net’ o internauta pode ser direcionado a qualquer site que preste o mesmo tipo de serviço, sem que haja concorrência desleal”.
CONCLUSÃO
Em conclusão, tratando-se de marca evocativa, fraca, com poucos traços de originalidade e composta por expressões comuns ou genéricas, a contratação de links patrocinados (AdWords) mediante a utilização de palavras-chave que remetam genericamente ao tipo de serviço/produto comercializado não implica em concorrência desleal, efetuando-se distinguishing em relação ao REsp n. 1.937.989/SP com a finalidade de prestigiar o livre mercado, princípio constitucional da ordem econômica.
REFERÊNCIAS
[1] CRUZ, André Santa. Manual de Direito Empresarial – Volume único – 13. Ed., rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Juspodvm, 2024, p. 88.
[2] REsp n. 1.937.989/SP
[3] Ibidem, p. 286.
[4] Ibidem, p. 290.
[5] REsp n. 1.315.621/SP
[6] TJSP - Apelação nº 1081401-97.2020.8.26.0100
[1] Especialista em Direito Constitucional e Tributário, em Empresas e Recuperação de Empresas, em Finanças Corporativas, MBA em Gestão Empresarial e Planejamento Tributário, Pós-graduando em Direito Penal Econômico pela PUC Minas, Contador, Perito Contábil Judicial no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná e no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com atuação no Paraná. e-mail: [email protected]
Graduado em Direito pela Universidade Norte do Paraná, Especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Estado do Paraná – EMAP, Pós-graduando em Advocacia Empresarial pela PUC Minas, Assessor de Magistrado no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BAPTISTA, Adriano Henrique. Links patrocinados e marcas evocativas: distinguishing Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 ago 2024, 04:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/66061/links-patrocinados-e-marcas-evocativas-distinguishing. Acesso em: 23 nov 2024.
Por: PATRICIA GONZAGA DE SIQUEIRA
Por: Eduarda Vitorino Ferreira Costa
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: Alan Carlos Moises
Por: FREDERICO GERALDO CLEMENTINO
Precisa estar logado para fazer comentários.