RESUMO: Este artigo explora a interface entre a Criminologia e o Ministério Público, destacando as contribuições teóricas e práticas dessa colaboração para o sistema de justiça criminal no Brasil. A Criminologia oferece uma compreensão detalhada das causas do crime, do comportamento do criminoso e da vítima, bem como das formas de controle social. Ao integrar esses conhecimentos com a atuação do Ministério Público, é possível desenvolver estratégias mais eficazes para a prevenção e repressão do crime. O artigo discute a importância do conhecimento criminológico para os promotores de justiça, as principais teorias criminológicas aplicáveis e apresenta métodos práticos, como o perfilamento criminal e as avaliações de risco. Também enfatiza a necessidade de regulamentação da profissão de criminólogo, conforme proposto pelo Projeto de Lei 927/2024, para fortalecer essa integração e promover uma justiça mais eficiente e humanizada.
Palavras-chave: Criminologia, Ministério Público, Prevenção ao Crime, Perfilamento Criminal. Avaliação de Risco.
ABSTRACT: This article explores the interface between Criminology and the Public Prosecutor's Office, highlighting the theoretical and practical contributions of this collaboration to the criminal justice system in Brazil. Criminology offers a detailed understanding of the causes of crime, the behavior of criminals and victims, as well as forms of social control. By integrating this knowledge with the actions of the Public Prosecutor's Office, it is possible to develop more effective strategies for crime prevention and repression. The article discusses the importance of criminological knowledge for prosecutors, the main applicable criminological theories, and presents practical methods such as criminal profiling and risk assessments. It also emphasizes the need for the regulation of the criminologist profession, as proposed by Bill 927/2024, to strengthen this integration and promote a more efficient and humanized justice system.
Keywords: Criminology. Publica Prosecutor’s Office. Crime Prevention. Criminal Profiling. Risk Assessment.
1. INTRODUÇÃO
A integração entre a Criminologia e o Ministério Público é crucial para desenvolver estratégias eficazes no combate ao crime e na administração da justiça. A Criminologia oferece uma compreensão detalhada das causas do crime, do comportamento de criminosos e vítimas, e das formas de controle social, enquanto o Ministério Público assegura a aplicação da lei e a manutenção da ordem pública. O criminólogo desempenha um papel relevante, combinando o conhecimento jurídico do Ministério Público com a análise científica da criminologia.
O Brasil há muito tempo enfrenta desafios significativos em termos de criminalidade, com altas taxas de homicídios, violência doméstica, crimes organizados e patrimoniais. A Criminologia pode fornecer insights valiosos sobre esses fenômenos, ajudando na formulação de políticas públicas mais eficazes, diferente dos modelos convencionais. Embora a Criminologia e o Ministério Público tenham funções distintas, suas interseções podem ser interessantes para a eficácia e melhora do sistema de justiça.
A Criminologia oferece teorias e métodos que podem aprimorar a atuação do Ministério Público, tornando as investigações mais eficientes baseadas no empirismo, análises estatísticas e perfilhamento criminal, por exemplo, o que auxiliaria ainda mais as ações do órgão de acusação. No entanto, ainda há uma lacuna significativa para que de fato o saber criminológico possa ser aplicado na prática do Ministério Público.
2. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A CRIMINOLOGIA
2.1 Definição e Função do Ministério Público
Com o advento da Constituição da República de 1988 (CR/88), o Ministério Público (MP) ganhou uma discricionariedade e autonomia ainda maiores para a tutela dos direitos fundamentais, tendo não só atribuições precipuamente criminais, mas também civis e de direitos coletivos.
Na seara criminal, ao Parquet[1], foi conferida a titularidade da ação penal pública, uma de suas atribuições mais desafiadoras, através da peça inicial acusatória, conhecida por denúncia. Entretanto, a atuação ministerial no processo penal não se resume a de órgão de acusação, visto que o legislador ordinário estabeleceu, também, a função de fiscal da execução da lei[2].
Outrossim, o artigo 129 trouxe à baila as funções institucionais do Ministério Público, de notória relevância e essenciais para o funcionamento do Estado Democrático de Direito. Abaixo seguem as principais:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;
V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;
VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;
VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;
Essas mesmas atribuições também foram positivadas na Lei 8.625/93, Legislação Orgânica do Ministério Público, em seu artigo 25:
Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:
I - propor ação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais, em face à Constituição Estadual;
II - promover a representação de inconstitucionalidade para efeito de intervenção do Estado nos Municípios;
III - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:
(...)
Além do mais, na seara penal, o Ministério Público dispõe de alguns mecanismos para o seu exercício na justiça. No instituto normativo previsto no artigo 76, da Lei 9.099/95, Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, está presente a transação penal, de muita utilidade prática, no dia a dia forense, na aplicação dos crimes de menor potencial ofensivo.
Segundo Albernaz (2013), a transação penal, em linhas gerais, consiste num acordo realizado entre o Ministério Público e o autuado, no qual o primeiro propõe uma imediata aplicação de pena pecuniária ou restritiva de direitos ao segundo.
Caso a sanção penal seja aceita pelo autor dos fatos, devidamente assistido por um defensor, o magistrado homologará o acordo por sentença, impondo-lhe a reprimenda ajustada[3].
Essa medida negocial apresentada foi um avanço que o ordenamento jurídico teve com a instituição dos juizados, uma vez que o instituto da transação penal pode desde logo, extinguir o processo após o cumprimento da obrigação, não necessitando de uma persecução penal para os casos de sua aplicação.
Noutro giro, com a instituição do Pacote Anticrime, Lei 13.964/19, surgiu a figura do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP). Inspirado nos meios alternativos de solução de conflito americanos, esse instituto tem contribuído na eficiência da justiça, nos crimes que possuem penas mínimas inferiores a quatro anos, e que também são praticados na ausência de violência.
Seguindo os ensinamentos de Lima (2019, p. 200):
“Cuida-se de negócio jurídico de natureza extrajudicial, necessariamente homologado pelo juízo competente, celebrado entre o Ministério Público e o autor do fato delituoso – devidamente assistido por seu defensor –, que confessa formal e circunstanciadamente a prática do delito, sujeitando-se ao cumprimento de certas condições não privativas de liberdade, em troca do compromisso com o Parquet de promover o arquivamento do feito, caso a avença seja integralmente cumprida.”
Dessa forma, o ANPP representa um avanço significativo no sistema de justiça criminal brasileiro ao permitir uma resolução mais célere e menos onerosa dos conflitos penais, proporcionando ao infrator a possibilidade de reparar o dano causado sem necessariamente passar pelo processo penal convencional.
Por outro lado, ainda nas atribuições criminais do MP, destaca-se a atuação na execução penal, ao fiscalizar a correta aplicação das penas e também de garantir que os direitos dos apenados sejam respeitados. Atuando como o guardião da legalidade, o Ministério Público contribui para a manutenção da ordem e da justiça dentro do sistema penitenciário.
2.2 Visões Gerais da Criminologia
A Criminologia é a ciência que estuda o fenômeno criminal em diversas vertentes, focando no comportamento criminoso e na vítima, utilizando abordagens teóricas e empíricas. Busca compreender o crime considerando o criminoso, a vítima e o contexto biográfico, social, temporal, cultural e circunstancial do ato. Também examina os meios de controle social (formal e informal) e seu contexto sociocultural e espacial (NUNES; SANI, 2021).
Shecaira (2020) ressalta a complexidade dos estudos criminológicos e sublinha que o estudo do crime e das ciências criminais permeia diversas áreas acadêmicas, incluindo o Direito Penal. Ele esclarece que, ao contrário do direito penal, que avalia, organiza e orienta a realidade com base em critérios axiológicos, a criminologia tem como objetivo entender e explicar a realidade criminal (SHECAIRA, 2020, p. 44).
Nos últimos tempos, a criminologia ampliou seu foco para abarcar os impactos das soluções penais e o papel das instituições formais de controle na resposta ao crime. Compreender o fenômeno criminal em suas variadas causas (biológicas, psicológicas, sociais e econômicas) é essencial para qualquer abordagem ao crime. Além disso, os efeitos das penas e a atuação das instâncias formais de controle do crime tornaram-se elementos significativos e objeto de estudo na criminologia.
Conclui-se que a criminologia, ao estudar o aspecto criminal em suas diversas facetas, oferece uma compreensão profunda e multidimensional do crime. Ao integrar análises sobre o comportamento da vítima, bem como os contextos biográficos, sociais, culturais e circunstanciais, a criminologia fornece insights valiosos para o desenvolvimento de políticas públicas eficazes. A ampliação do foco para incluir os efeitos das soluções penais e a atuação das instâncias formais de controle reforça a importância dessa ciência na construção de uma justiça mais equitativa e informada.
Assim, a criminologia não apenas esclarece as causas e dinâmicas do crime, mas também contribui para a formulação de respostas mais humanas e eficientes dentro do sistema de justiça criminal.
3. CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS DA CRIMINOLOGIA PARA O MINISTÉRIO PÚBLICO, A IMPORTÂNCIA DO SABER CRIMINOLÓGICO PARA O MINISTÉRIO PÚBLICO E AS PRINCIPAIS TEORIAS CRIMINOLÓGICAS APLICÁVEIS
O conhecimento criminológico é fundamental para que os membros do Ministério Público compreendam melhor o comportamento criminoso e a aplicação da lei penal. Aqueles que estudam Criminologia podem aprimorar suas investigações e processos judiciais, resultando em uma justiça mais eficiente e equitativa. De acordo com Calhau (2014), a compreensão aprofundada da criminologia permite ao membro do Ministério Público adquirir um conhecimento concreto da realidade ao seu redor, proporcionando acesso a informações e pesquisas que revelam a eficácia ou falhas na aplicação da lei penal.
A formação contínua em Criminologia fornece aos promotores ferramentas atualizadas para enfrentar crimes complexos, como os organizados e cibernéticos. Incorporar conhecimentos criminológicos permite ao Ministério Público elaborar estratégias mais eficazes de prevenção e repressão ao crime, baseadas em evidências científicas e metodologias avançadas.
Há o que se falar, também nas diversas teorias criminológicas que podem ser utilizadas pelos criminólogos em contribuição para a atuação do Ministério Público, para entender melhor o crime e desenvolver estratégias eficazes.
Inicialmente, tem-se a Teoria da Prevenção Situacional que propõe que a implementação de medidas preventivas pode reduzir a criminalidade ao dificultar a execução de delitos. Esta teoria enfatiza a importância de modificações no ambiente físico e social para prevenir a ocorrência de crimes.
Para (Clarke, 1997, p. 4):
A prevenção situacional compreende medidas de redução das oportunidades para a prática de crimes, e: (1) são direcionadas para formas de crime altamente específicas; (2) envolvem a gestão, design ou, até, a manipulação do ambiente circundante da forma mais concreta e permanente possível; (3) aumentam os níveis de esforço e de risco necessários para a prática de crime e reduzem as possibilidades de recompensa, tal como estas são percebidas por um vasto leque de infratores.
A aplicação da teoria da prevenção situacional pelo Ministério Público pode reduzir a criminalidade ao aumentar o esforço e o risco para os infratores e reduzir as recompensas percebidas. Criminólogos podem usar dados criminais para identificar padrões e áreas de alto risco, orientando o Ministério Público na alocação de recursos e operações específicas. Além disso, podem recomendar e fiscalizar as agências governamentais na promoção de reabilitação para infratores, além de instituir programas de educação comunitária. Essas ações aumentam a vigilância e a percepção de risco, desencorajando atividades criminosas, ainda que as mais simples, e tornando a prevenção mais efetiva.
Em outra análise, a teoria da desorganização social, enfatiza a relação entre a desordem social e a taxa de criminalidade. Segundo a teoria, comunidades com altos níveis de desorganização social, como pobreza, mobilidade residencial elevada e falta de coesão social, tendem a ter maiores taxas de criminalidade.
Consoante o apontado, os delitos surgem de uma desintegração e fraca organização das unidades familiares, provocada por uma disfunção cultural decorrente de um desequilíbrio social. (CERQUEIRA; LOBÃO, 2003).
De acordo com a Teoria da Desorganização Social, o Ministério Público pode adotar medidas para mitigar a criminalidade, como a transação penal para delitos menores, promovendo a reintegração dos infratores. O acordo de não persecução penal (ANPP) também pode ser usado para crimes sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a quatro anos, permitindo ao infrator reparar o dano, prestar serviços à comunidade ou cumprir outras condições estabelecidas. A aplicação dessas medidas alternativas à prisão fortalece a coesão social e reduz a reincidência. Assim, o Ministério Público contribui para um ambiente mais seguro e organizado, alinhando-se aos princípios da Teoria da Desorganização Social para reduzir as taxas de criminalidade.
Por outro lado, os especialistas em criminologia desempenham um papel crucial no fortalecimento dessas medidas. Esses profissionais podem fornecer análises detalhadas sobre as áreas mais afetadas pela desorganização social, permitindo ao Ministério Público direcionar suas ações de forma mais eficaz. Além disso, também podem ajudar na elaboração e avaliação de programas de reintegração social, garantindo que sejam baseados em evidências e atendam às necessidades específicas da comunidade. Ao promover programas educacionais e de suporte às famílias, os criminólogos também fortalecem a coesão social, atacando a raiz das causas da criminalidade.
Portanto, o conhecimento e a aplicação das teorias criminológicas pelo Ministério Público, em conjunto com a expertise dos profissionais de criminologia, são essenciais para aprimorar a eficácia no combate ao crime. As teorias da Prevenção Situacional e da Desorganização Social, entre outras, oferecem bases sólidas para a implementação de estratégias preventivas e repressivas. A utilização de ferramentas como a transação penal e o acordo de não persecução penal (ANPP), aliadas às análises e recomendações dos criminólogos, demonstra a importância da integração entre saber criminológico e prática judicial, permitindo uma abordagem mais humanizada e eficiente na administração da justiça. Assim, ao incorporar esses conhecimentos teóricos e práticos, o Ministério Público não só contribui para a redução da criminalidade, mas também promove uma justiça mais equitativa e adaptada às complexidades do comportamento criminoso.
4. CONTRIBUIÇÕES PRÁTICAS DA CRIMINOLOGIA PARA O MINISTÉRIO PÚBLICO
A Criminologia oferece uma variedade de métodos e técnicas que podem ser utilizadas dentro do Ministério Público, proporcionando ferramentas valiosas para a análise e prevenção do crime. Com uma abordagem prática, essas técnicas incluem a utilização de perfis criminais, análise de padrões de comportamento, e avaliação de riscos, permitindo uma análise mais profunda dos investigados e realizar uma atuação eficaz.
A interpretação de dados criminais, por meio de técnicas estatísticas e analíticas, é utilizada para identificar padrões de crime e prever tendências futuras. Esta abordagem permite ao Ministério Público atuar de maneira mais estratégica e proativa, focando em áreas e tipos de crime de maior incidência.
Trabalhar com informações originárias de muitas organizações acaba por permitir desenvolver análises de fluxo do sistema criminal. Assim, é possível realizar diagnósticos sobre o tratamento diferenciado pelas organizações aos diversos tipos de crime[4].
Para Maia (2022), é necessário fazer mais do que se tem feito, se de fato quisermos avançar para um paradigma de intervenção, fundado na definição de modelos preventivos de violência e do delito.
Em busca de estabelecer comparações no tempo e no espaço, é necessário haver estruturas que possam coletar medir e descrever informações de entidades oficiais. Isso requer uma base substancial de dados, que permita análises diacrônicas e prospectivas, que são fundamentais para criar cenários aplicáveis a diferentes espaços de violência e criminalidade[5].
Apresenta-se agora, outra ferramenta importante no auxílio a instituição do Ministério Público e também a figura do Criminólogo: o perfilamento criminal. Segundo a acadêmica, seria a técnica através da qual, se prevê as possíveis características de um criminoso através de comportamentos exibidos na prática de um crime[6].
Segundo Rodrigues (2010), os perfis são elaborados com base em um processo detalhado de análise criminal, que combina minuciosamente as competências técnicas e investigativas do criminalista com a expertise aprofundada do especialista em comportamento humano. Este processo sinérgico permite uma compreensão abrangente e multifacetada das dinâmicas criminais, associando métodos analíticos rigorosos à interpretação psicológica dos comportamentos observados.
A cooperação entre criminólogos e o Ministério Público é essencial para a efetividade do perfilamento criminal. Os profissionais da criminologia trazem um conhecimento especializado sobre comportamento humano e técnicas analíticas que são fundamentais para a criação de perfis precisos. Em conjunto com o Ministério Público, podem utilizar essas informações para identificar características comportamentais e psicológicas de criminosos, auxiliando na resolução de casos complexos e na prevenção de futuros crimes. Esta parceria permite uma abordagem mais científica e fundamentada na análise criminal, combinando a expertise investigativa do Ministério Público com a compreensão profunda das dinâmicas criminais fornecida pelos cientistas criminais. Dessa forma, o perfilamento criminal se torna uma ferramenta poderosa não apenas para a resolução de crimes, mas também para a elaboração de estratégias preventivas eficazes, reforçando a segurança pública e a justiça.
Por fim, citamos o último mecanismo apresentado, que também seria de grande valia no dia a dia forense e nas atividades do Ministério Público: as avaliações de risco.
Souza (2018) afirma que a avaliação do risco de reincidência criminal é um processo que determina a probabilidade de um indivíduo voltar a cometer um crime. Ela enfatiza que esse conceito não é dicotômico, mas sim um continuum[7] que varia de risco reduzido a elevado, sendo realizado a partir da análise de fatores de risco que, conforme a literatura contribui para a reincidência.
Conforme Andrews e Bonta (2010), as avaliações atuariais de risco podem ser divididas em fatores de risco estáticos, como variáveis de histórico criminal e abuso de drogas, e fatores de risco dinâmicos, conhecidos como necessidades criminogênicas, que podem mudar ao longo do tempo. Por exemplo, um indivíduo pode perder ou encontrar um emprego, ou desenvolver amizades com criminosos, que podem ser substituídas por amizades prosociais. Apesar de alguns estudiosos acreditarem que apenas os fatores de risco estáticos são suficientes para prever a reincidência, há evidências que sugerem que a combinação de fatores estáticos e dinâmicos melhora a precisão das previsões.
A colaboração com especialistas em criminologia é essencial para a aplicação eficaz das avaliações de risco pelo Ministério Público. Esses profissionais podem fornecer análises detalhadas de fatores de risco estáticos e dinâmicos, auxiliando promotores a identificar indivíduos com maior probabilidade de reincidência. Por exemplo, ao avaliar casos, podem recomendar intervenções específicas, como programas de tratamento para dependência química ou iniciativas de capacitação profissional. Essa parceria permite decisões mais informadas, promovendo a reintegração social dos infratores e reduzindo a reincidência, contribuindo para um sistema de justiça mais eficiente e humano. Assim, a integração entre criminologia e Ministério Público fortalece a resposta às complexidades do comportamento criminoso.
4.1 Discussão sobre a Implementação Prática
A aplicação prática desses métodos demonstra que a análise de dados criminais e o perfilamento criminal podem direcionar os recursos do Ministério Público de maneira mais eficaz e proativa, concentrando-se nas áreas e tipos de crime de maior incidência. A adoção de técnicas avançadas de análise de dados e perfilamento criminal, aliada ao desenvolvimento contínuo e especializado, tem mostrado benefícios significativos em termos de eficiência e eficácia na aplicação da justiça. Essas técnicas melhoram a coordenação entre diferentes agências de justiça e segurança, promovendo uma abordagem mais integrada e estratégica.
4.2 Desafios e Oportunidades na Integração
Embora a profissão de criminólogo ainda não esteja regulamentada, a integração das práticas criminológicas no Ministério Público apresenta várias oportunidades promissoras. A adoção dessas abordagens pode enriquecer significativamente o trabalho dos promotores de justiça, fornecendo ferramentas avançadas para análise e prevenção do crime. Investir em programas de capacitação contínua sobre métodos e teorias criminológicas facilitará essa integração, promovendo uma abordagem mais científica e informada na administração da justiça.
Cursos especializados em análise de dados e perfilamento criminal podem aumentar a eficácia das atividades do Ministério Público, proporcionando uma compreensão mais profunda das dinâmicas criminais. A colaboração entre criminólogos e promotores de justiça promove uma troca valiosa de conhecimento e práticas, beneficiando todo o sistema de justiça. Grupos de trabalho conjuntos podem desenvolver e implementar estratégias baseadas em evidências, contribuindo para uma justiça mais eficaz e justa.
A regulamentação da profissão de criminólogo, conforme proposto pelo Projeto de Lei 927/2024, representa uma oportunidade crucial para fortalecer essa integração, garantindo que o Ministério Público tenha acesso a expertise necessária para enfrentar os desafios do crime de maneira mais eficiente e humanizada.
5. A IMPORTÂNCIA DO CRIMINÓLOGO NO MINISTÉRIO PÚBLICO
O Projeto de Lei 927/2024 propõe a regulamentação da profissão de criminólogo no Brasil, destacando a importância desse profissional no contexto do sistema de justiça criminal. O perito em criminologia é definido como o profissional que estuda e analisa o fenômeno criminal, presta apoio às instituições de controle social, elabora propostas de políticas públicas de prevenção e repressão ao crime, entre outras atribuições. A inclusão de cientistas criminais no Ministério Público pode melhorar a investigação e a elaboração de políticas públicas mais eficazes, promovendo uma abordagem científica e informada na administração da justiça. Suas atribuições incluem a análise criminológica, o estudo dos fenômenos criminológicos, a assistência técnica em investigações, o apoio na produção de prova pericial e a formulação de políticas públicas de prevenção ao crime.
A inclusão de criminólogos no Ministério Público não só aprimora a investigação e a formulação de políticas públicas, mas também fortalece a aplicação da justiça de maneira mais científica e humanizada. Por meio de suas análises detalhadas e compreensão das dinâmicas criminais, esses profissionais auxiliam na identificação de padrões de comportamento e na elaboração de estratégias de prevenção e repressão mais eficazes. A colaboração entre criminólogos e promotores de justiça possibilita uma abordagem integrada e baseada em evidências, contribuindo significativamente para a redução da criminalidade e para a promoção de um sistema de justiça mais equitativo e eficiente. Assim, a regulamentação da profissão de criminólogo, conforme proposto pelo Projeto de Lei 927/2024, representa um avanço crucial para a justiça criminal no Brasil, trazendo benefícios tangíveis para a sociedade como um todo.
6. CONCLUSÃO
A integração entre Criminologia e Ministério Público é uma estratégia crucial para a modernização e eficácia do sistema de justiça criminal no Brasil. Este artigo destacou como a Criminologia, com suas diversas teorias e métodos podem oferecer insights valiosos para a compreensão e prevenção do crime, auxiliando o Ministério Público na elaboração de políticas públicas mais eficazes e na condução de investigações mais precisas.
O Ministério Público, com sua responsabilidade de garantir a aplicação da lei e a manutenção da ordem pública, beneficia-se enormemente da colaboração com criminólogos. Estes profissionais trazem uma perspectiva científica e empírica para a análise do comportamento criminoso, da vítima e das dinâmicas sociais que envolvem o crime. A utilização de ferramentas como a análise de dados criminais, o perfilamento criminal e as avaliações de risco, conduzidas por criminólogos, permite ao Ministério Público atuar de maneira mais estratégica e informada.
As contribuições teóricas e práticas da Criminologia, incluindo as teorias da Prevenção Situacional e da Desorganização Social, proporcionam uma base sólida para a implementação de medidas preventivas e repressivas eficazes. Além disso, a regulamentação da profissão de criminólogo, conforme proposto pelo Projeto de Lei 927/2024, representa um passo significativo para fortalecer essa integração, garantindo que o Ministério Público disponha de toda a expertise necessária para enfrentar os desafios da criminalidade contemporânea de maneira eficiente e humanizada.
Por fim, a colaboração entre cientistas criminais e promotores de justiça promove uma abordagem integrada e baseada em evidências, contribuindo para a redução da criminalidade e para a construção de um sistema de justiça mais equitativo e adaptado às complexidades do comportamento criminoso. Essa parceria não apenas aprimora a administração da justiça, mas também traz benefícios tangíveis para a sociedade como um todo, promovendo um ambiente mais seguro e justo.
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[1] Expressão francesa a qual designa o Ministério Público.
[2] ABREU, Fernando. Manual de Processo Penal. 2ªed.São Paulo.Editora Juspodivm, 2024, p. 960.
[3] ALBERNAZ, Paula Umbelino de Souza. Questões atuais sobre o instituto da transação penal e sua (in)constitucionalidade. 2013. 27 f. Monografia (Especialização) - Curso de Direito, Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013. Disponível em: https://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/2semestre2013/trabalhos_22013/PaulaUmbelinodeSAlbernaz.pdf. Acesso em: 4 ago. 2024.
[4] DURANTE, Marcelo Ottoni. Sistema Nacional de Estatísticas de Segurança Pública e Justiça Criminal. Disponível em: https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/sua-seguranca/seguranca-publica/analise-e-pesquisa/download/estudos/sjcvolume2/sistema_nacional_estatiticas_seguranca_publica_justica_criminal.pdf. Acesso em: 2 ago. 2024.
[5] MAIA, Rui Leandro. “Medidas e Dimensões do Crime”. In NUNES, Laura M.; SANI, Ana. Manual de Criminologia e Vitimologia. Lisboa: Pactor, 2021, p.5-13.
[6] KOCSIS, Richard. N. Criminal profiling: Principles and practice. Totowa, NJ: Humana Press, 2006.
[7] Um grupo de elementos que se transfere de um para outro de maneira contínua, sem pausas ou interrupções.
Bacharel em Direito pela Faculdade Metodista Granbery, Especialista em Ciências Penais e Segurança Pública, Especialista em Atividade Policial, ambos pelo Instituto de Ensino Rogério Greco, Pós Graduando em Direito Penal e Processo Penal, Mestrando em Criminologia pela Universidade Fernando Pessoa (UFP), com linha de pesquisa em Criminal Law. Estagiário de Pós-Graduação no Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEDRO PASSINI MENDONçA, . A interface entre a criminologia e o Ministério Público: contribuições teóricas e práticas para o sistema de justiça criminal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 ago 2024, 04:31. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/66221/a-interface-entre-a-criminologia-e-o-ministrio-pblico-contribuies-tericas-e-prticas-para-o-sistema-de-justia-criminal. Acesso em: 10 set 2024.
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