RESUMO: Este artigo discute as espécies de responsabilidade civil do Estado, abarcando as teorias do risco administrativo, teoria da culpa administrativa e do risco integral, assim como a diferenciação feita pela doutrina majoritária em relação aos atos por ação e por omissão. Correlaciona-se, também, a jurisprudência dos Tribunais Superiores que foram decididas com base nos casos concretos, impondo a responsabilização do Estado em razão do seu dever de agir e proteger os cidadãos. Dessa forma, explana-se de forma concisa e detalhada a nova abordagem das decisões judiciais referente a responsabilidade civil do Estado, levando-se em conta a dinamicidade da sociedade.
PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade civil do Estado, Teoria do Risco Administrativo Responsabilidade Objetiva, Excludentes de responsabilidade, Responsabilidade Subjetiva, Omissão, Teoria da Culpa Administrativa, Dever de Agir.
ABSTRACT: This article discusses the types of civil liability of the State, covering the theories of administrative risk and integral risk, as well as the distinction made by the majority doctrine in relation to acts by action and by omission. It also correlates the jurisprudence of the Superior Courts that were decided based on specific cases. In this way, it explains in a concise and detailed manner the new approach of judicial decisions regarding the civil liability of the State, taking into account the dynamic nature of society.
KEYWORDS: Civil liability of the State, Theory of Administrative Risk, Objective Liability, Exclusions of liability, Subjective Liability, Omission, Theory of Administrative Fault, Duty to Act.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA; 2.1 TEORIA DA IRRESPONSABILIDADE; 2.2 TEORIA CIVILISTA DA CULPA; 2.3. TEORIA SUBJETIVA DA RESPONSABILIDADE – TEORIA DA CULPA ANÔNIMA OU TEORIA DA CULPA DO SERVIÇO; 2.4. TEORIA OBEJTIVA DA RESPONSABILIDADE – TEORIA DO RISCO ADMNISTRATIVO; 2.5. TEORIA DO RISCO INTEGRAL; 3. CONTEXTO LEGAL E FUNFAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL; 4. A RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO ESTADO NAS HIPÓTESES DE OMISSÃO; 5. JULGADOS DOS TRIBUNAIS SUPERIORES COM BASE EM CASOS CONCRETOS; 6. CONCLUSÃO; 8. REFERÊNCIAS.
1.INTRODUÇÃO
Hoje, o Estado é tratado como sujeito responsável pelos seus atos. A responsabilidade civil do Estado tem regras mais rigorosas que a responsabilidade privada. No Brasil, a legislação atual impõe a reponsabilidade civil do Estado de forma objetiva, como regra geral, sendo o estado responsabilizado pelos atos cometidos pelos agentes públicos quando atuarem em nome da administração pública, independentemente da comprovação de dolo ou culpa. Este artigo propõe uma análise detalhada das espécies de responsabilidade civil do Estado, assim como a evolução das jurisprudências dos Tribunais Superiores.
2.EVOLUÇÃO HISTÓRICA
2.1TEORIA DA IRRESPONSABILIDADE
A teoria da irresponsabilidade foi adotada na época dos Estados absolutos e repousava fundamentalmente na ideia de soberania. Vigorava, nessa época, a ideia de que o Monarca não errava (“the king can do not wrong”).
Maria Sylvia Di Pietro (p. 1760) aduz que:
Essa teoria logo começou a ser combatida, por sua evidente injustiça; se o Estado deve tutelar o direito, não pode deixar de responder quando, por sua ação ou omissão, causar danos a terceiros, mesmo porque, sendo pessoa jurídica, é titular de direitos e obrigações.
2.2 TEORIA CIVILISTA DA CULPA
A evolução foi gradativa. E o marco inicial responsável por agilizar essa revolução refere-se ao caso da menina Agnès Blanco, que foi atropelada enquanto brincava. Seu pai acionou a justiça aduzindo que o Estado possuía responsabilidade.
Ana Cláudia Campos (p. 780) dispôs que:
O leading case (primeiro caso) de responsabilização do Estado ocorreu na França, ficando conhecido como caso “Blanco”. Nesse caso, uma menina, Agnès Blanco, enquanto brincava nas ruas da cidade de Bordeaux, foi atropelada por um vagão da Companhia Nacional de Manufatura e Fumo e acabou falecendo. Seu pai, inconformado, ingressou com uma ação de indenização alegando que o Estado era sim responsável pelo incidente. Em 8 de fevereiro de 1873, foi proferida decisão favorável ao pai da criança, gerando, dessa forma, a responsabilização do Estado.
2.3 TEORIA SUBJETIVA DA RESPONSABILIDADE – TEORIA DA CULPA ANÔNIMA OU TEORIA DA CULPA ADMINISTRATIVA
Aqui a responsabilidade é mais geral e não apenas nos casos pontuais. Para comprovar a responsabilidade subjetiva a vítima tem de comprovar a conduta do Estado – comissiva ou omissiva - (motorista atropelou), dano (ferimentos) (sob pena de haver enriquecimento ilícito), nexo causal (os ferimentos foram causados pelo atropelamento) e culpa ou dolo.
Ana Cláudia Campos (p. 782) afirma que:
Ainda sob o aspecto da responsabilidade subjetiva, mas sob uma ótica mais moderna, passou-se a adotar a teoria da culpa anônima, ou seja, ainda se faz imprescindível a demonstração de quatro elementos: a) ato (conduta); b) dano; c) nexo causal; d) comprovação de comportamento doloso ou ao menos culposo. Entretanto, não há mais necessidade de demonstrar a culpa de um agente específico, bastando, para tanto, a comprovação de que o serviço não funcionou, funcionou mal ou foi executado de forma atrasada.
2.4 TEORIA OBEJTIVA DA RESPONSABILIDADE – TEORIA DO RISCO ADMNISTRATIVO
Na atualidade, como regra geral, essa é a teoria utilizada para que o Estado seja responsabilizado civilmente, na qual o particular lesado, para ter direito a receber uma indenização, precisará provar apenas três elementos: a) ato (conduta); b) dano; c) nexo causal, sendo prescindível, ou seja, desnecessária, a comprovação de conduta dolosa ou culposa por parte do agente público ou do Estado.
Maria Sylvia Di Pietro impõe que (p. 1764):
É chamada teoria da responsabilidade objetiva, precisamente por prescindir da apreciação dos elementos subjetivos (culpa ou dolo); é também chamada teoria do risco, porque parte da ideia de que a atuação estatal envolve um risco de dano, que lhe é inerente.
O Código Civil de 2002 acolheu expressamente a teoria da responsabilidade objetiva, o parágrafo único do artigo 927 dispões que “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
2.5 TEORIA DO RISCO INTEGRAL
Essa teoria, adota de forma excepcional no ordenamento brasileiro, aduz que o Estado sempre será responsável, não admitindo qualquer hipótese de exclusão de responsabilidade.
As únicas três hipóteses em que essa teoria será aplicada são: acidentes por dano nuclear, atos terroristas e danos ambientais.
3.CONTEXTO LEGAL E FUNFAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL
Historicamente, como pôde perceber, a responsabilidade do Estado evoluiu de uma perspectiva limitada para uma abordagem mais ampla, especialmente após a Constituição de 1988, que ampliou os direitos dos cidadãos e consolidou a proteção contra abusos de poder. Esse instituto possui um grande papel no equilíbrio da Democracia, evitando arbitrariedades e que condutas levianas se perpetuem amparadas na teoria da irresponsabilidade do Estado.
A responsabilidade civil estatal configura-se pela atribuição ao Estado de um dano causado a terceiros em razão da conduta de agente público agindo nesta qualidade. No Brasil, encontra-se regulada na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, §6º, que estabelece que a administração pública deve responder pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros:
Art. 37 (...)
(…)
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Essa responsabilização pode ocorrer de duas formas: objetivamente ou subjetivamente. Via de regra, será de maneira objetiva, com base na teoria do risco administrativo, não sendo necessária a comprovação de dolo ou culpa, devendo apenas ficar demonstrada a conduta, o dano e o nexo causal entre eles. O viés objetivo da responsabilidade aplica-se quando há uma ação estatal ou uma omissão própria, específica, isto é, quando o Estado tinha o dever de agir. Por outro lado, quando ocorrer uma omissão imprópria, genérica, incidirá a responsabilidade subjetiva, que exige a comprovação de dolo ou culpa, baseada na teoria da responsabilidade subjetiva ou teoria da culpa civil.
Existem inúmeras situações que podem ensejar uma obrigação de reparar danos. No que concerne à atividade administrativa, a maioria delas envolve a teoria do risco administrativo, abrangendo condutas comissivas ou omissivas específicas. Quando o dano derivar de uma omissão estatal genérica haverá a incidência da teoria da responsabilidade subjetiva. Além dessas duas possibilidades, ainda há uma terceira teoria, explicada acima, que é utilizada para os danos ambientais, terroristas ou nucleares, tratando-se de uma situação especial exigindo um rigor maior.
Deve-se alertar para as circunstâncias que excluem a responsabilidade civil do Estado, são elas: culpa exclusiva da vítima, culpa exclusiva de terceiro ou caso fortuito e força maior. A culpa exclusiva da vítima decorre de ação em que a vítima provoca o dano. Da mesma forma, a culpa exclusiva de terceiro, na qual um terceiro é o causador do dano. Já a situação de caso fortuito e força maior diz respeito a danos gerados por eventos que fogem ao controle do homem médio, geralmente associados a fenômenos naturais.
Maria Sylvia Di Pietro afirma que (p. 1774):
Quando houver culpa da vítima, há que se distinguir se é sua culpa exclusiva ou concorrente com a do Poder Público; no primeiro caso, o Estado não responde; no segundo, atenua-se a responsabilidade, que se reparte com a da vítima. Essa solução, que já era defendida e aplicada pela jurisprudência, está hoje consagrada no Código Civil, cujo artigo 945 determina que “se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.
As causas de excludente de responsabilidade constituem ônus de prova do poder público e são admitidas na teoria do risco administrativo e na teoria da responsabilidade subjetiva. Por sua vez, a teoria do risco integral repele qualquer excludente, impondo um regramento mais rigoroso.
Destaca-se que as teorias incidentes nas situações ensejadoras de reparação de dano pelo Estado configuram uma dupla garantia, uma vez que o lesado possui a garantia de mover uma ação contra o ente, e, por sua vez, o agente público possui a garantia de não ser acionado judicialmente diretamente pelo lesão. A teoria da dupla garantia prevê que a pessoa que sofreu o dano poderá acionar judicialmente apenas a Administração Pública, não podendo ingressar com ação contra o agente público. Dessa forma, garante-se que o agente só será processado pelo próprio ente público, numa ação regressiva, para este reaver o prejuízo arcado, desde que demonstre o dolo ou a culpa do agente.
Recurso extraordinário. Administrativo. Responsabilidade objetiva do Estado: § 6.º do art. 37 da Magna Carta. Ilegitimidade passiva ad causam. Agente público (ex-prefeito). Prática de ato próprio da função. Decreto de intervenção. O § 6.º do art. 37 da Magna Carta autoriza a proposição de que somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns. Esse mesmo dispositivo constitucional consagra, ainda, dupla garantia: uma, em favor do particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado que preste serviço público, dado que bem maior, praticamente certa, a possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido. Outra garantia, no entanto, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional se vincular. Recurso extraordinário a que se nega provimento (STF, 1.ª Turma, RE 327904/SP, 15.08.2006).
Em resumo, a responsabilidade civil do Estado é regida por princípios constitucionais, normas infraconstitucionais e pela interpretação jurisprudencial, buscando garantir a proteção dos direitos dos cidadãos e a reparação de danos injustamente sofridos em decorrência da ação estatal.
4. A RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO ESTADO NAS HIPÓTESES DE OMISSÃO
A regra, com relação ao Estado, é a responsabilidade objetiva fundada no risco administrativo. Resta, todavia, espaço para a responsabilidade subjetiva nos casos em que o dano não é causado pela atividade estatal, nem pelos seus agentes, mas por fenômenos da natureza – chuvas torrenciais, tempestades, inundações – ou por fato da própria vítima ou de terceiros, tais como assaltos, furtos acidentes na via pública etc.
No caso da responsabilidade por omissão, a doutrina e a jurisprudência majoritariamente adotam a teoria da culpa administrativa, que exige a comprovação de três elementos essenciais: dever de agir (o Estado deve ter a obrigação legal de agir), omissão (o Estado falha em cumprir seu dever de agir) e nexo de causalidade (é necessário demonstrar que a omissão do Estado foi a causa direta e determinante do dano sofrido pelo particular).
Celso Antônio Bandeira de Mello (p. 871-872), sustenta que:
É subjetiva a responsabilidade da Administração sempre que o dano decorrer de uma omissão do Estado. Pondera que nos casos de omissão, o Estado não agiu, não sendo, portanto, o causador do dano, pelo que só estaria obrigado a indenizar os prejuízos resultantes de eventos que teria o dever de impedir.
Assim, não responde o Estado objetivamente por tais fatos, repita-se, porque não foram causados por sua atividade; poderá, entretanto, responder subjetivamente com base na culpa anônima ou falta do serviço, se por omissão (genérica) concorreu para não evitar o resultado quando tinha o dever legal de impedi-lo.
Celso Antônio Bandeira de Mello (p. 344) afirma que: “dessa forma, só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar o evento lesivo”.
No caso de omissão estatal, é preciso distinguir a omissão específica da genérica, distinção essa hodiernamente reconhecida pela melhor e mais atualizada doutrina. A responsabilidade do Estado será subjetiva no caso de omissão genérica e objetiva, no caso de omissão específica, pois aí há dever individualizado de agir.
Haverá omissão específica quando o Estado estiver na condição de garante (ou de guardião) e por omissão sua cria situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo; a omissão estatal se erige em causa adequada de não se evitar o dano.
São exemplos de omissão específica: morte de detento em rebelião em presídio; paciente que dá entrada na emergência de hospital público, onde fica internada, não sendo realizados os exames determinados pelo médico, vindo a falecer no dia seguinte; acidente com aluno nas dependências de escola pública; dentre outros.
Já a omissão genérica: se alguém for vítima de um crime em uma área onde há pouca presença policial; um acidente ocorre em uma estrada ou via pública que não foi alvo de manutenção, mas onde não havia uma obrigação específica e imediata de reparo; de o Estado não cria normas específicas para regular atividades emergentes, como novas tecnologias, e ocorrem danos em decorrência dessa lacuna regulatória, a omissão pode ser considerada genérica; dentre outros.
5.JULGADOS DOS TRIBUNAIS SUPERIORES COM BASE EM CASOS CONCRETOS
Em algumas situações, o Estado torna-se garantidor da vida e da integridade física de algumas pessoas. Como analisamos, nos casos de omissão a responsabilidade do Estado é do tipo subjetiva. Entretanto, quando o Poder Público atua como garantidor, sua responsabilidade, mesmo nos casos de omissão, será objetiva, ou seja, não precisará o lesionado comprovar dolo ou culpa.
Não restam dúvidas de que o Estado é garantidor da vida e integridade física das pessoas que se encontram presas pelo cometimento de algum delito. Sendo assim, em virtude dessa relação de custódia, deverá o Poder Público ser responsabilizado de forma objetiva pelos danos que essas pessoas sofrerem em decorrência de uma omissão estatal. Assim, é dever do Estado assegurar a existência de padrões mínimos de humanidade nos presídios. Logo, não poderá o Poder Público alegar a teoria da reserva do possível para se furtar ao dever de adequar os estabelecimentos prisionais.
Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão Geral. Constitucional. Responsabilidade civil do Estado. Art. 37, § 6.º. 2. Violação a direitos fundamentais causadora de danos pessoais a detentos em estabelecimentos carcerários. Indenização. Cabimento. O dever de ressarcir danos, inclusive morais, efetivamente causados por ato de agentes estatais ou pela inadequação dos serviços públicos decorre diretamente do art. 37, § 6.º, da Constituição, disposição normativa autoaplicável. Ocorrendo o dano e estabelecido o nexo causal com a atuação da Administração ou de seus agentes, nasce a responsabilidade civil do Estado. 3. “Princípio da reserva do possível”. Inaplicabilidade. O Estado é responsável pela guarda e segurança das pessoas submetidas a encarceramento, enquanto permanecerem detidas. É seu dever mantê-las em condições carcerárias com mínimos padrões de humanidade estabelecidos em lei, bem como, se for o caso, ressarcir danos que daí decorrerem. (...) 7. Fixada a tese: “Considerando que é dever do Estado, imposto pelo sistema normativo, manter em seus presídios os padrões mínimos de humanidade previstos no ordenamento jurídico, é de sua responsabilidade, nos termos do art. 37, § 6.º, da Constituição, a obrigação de ressarcir os danos, inclusive morais, comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de encarceramento”. 8. Recurso extraordinário provido para restabelecer a condenação do Estado ao pagamento de R$ 2.000,00 (dois mil reais) ao autor, para reparação de danos extrapatrimoniais, nos termos do acórdão proferido no julgamento da apelação (STF, Tribunal Pleno, RE 580252/MS, 16.02.2017).
Apesar de o Poder Público ter o dever de garantir a vida e integridade física do preso, em algumas situações rompe-se o nexo causal entre a omissão estatal e o dano sofrido. Com isso, não terá o Estado a obrigação de indenizar.
É o caso, por exemplo, de um detento que sofre um enfarto fulminante ou ainda de um preso que não demonstre qualquer fragilidade emocional e que de forma surpreendente comete suicídio. Nesses casos, a morte era imprevisível, ou seja, poderia ter ocorrido tanto dentro do sistema carcerário quanto fora. Sendo assim, não teria como o Estado evitar o resultado danoso. Logo, esta falta de previsibilidade rompe o nexo causal e faz que não exista o dever estatal de indenizar.
Recurso extraordinário. Repercussão geral. Responsabilidade civil do Estado por morte de detento. Artigos 5.º, XLIX, e 37, § 6.º, da Constituição Federal. 1. A responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6.º, subsume-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto paras as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral. 2. A omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso. 3. É dever do Estado e direito subjetivo do preso que a execução da pena se dê de forma humanizada, garantindo-se os direitos fundamentais do detento, e o de ter preservada a sua incolumidade física e moral (artigo 5.º, inciso XLIX, da Constituição Federal). 4. O dever constitucional de proteção ao detento somente se considera violado quando possível a atuação estatal no sentido de garantir os seus direitos fundamentais, pressuposto inafastável para a configuração da responsabilidade civil objetiva estatal, na forma do artigo 37, § 6.º, da Constituição Federal. 5. Ad impossibilia nemo tenetur, por isso que nos casos em que não é possível ao Estado agir para evitar a morte do detento (que ocorreria mesmo que o preso estivesse em liberdade), rompe-se o nexo de causalidade, afastando-se a responsabilidade do Poder Público, sob pena de adotar-se contra legem e a opinio doctorum a teoria do risco integral, ao arrepio do texto constitucional. 6. A morte do detento pode ocorrer por várias causas, como, v. g., homicídio, suicídio, acidente ou morte natural, sendo que nem sempre será possível ao Estado evitá-la, por mais que adote as precauções exigíveis. (STF, Tribunal Pleno, RE 841526/RS, 30.03.2016).
Diferentemente ocorre quando há indícios ou fatos capazes de atestar que os agentes públicos da delegacia ou do presídio sabiam da possibilidade de um preso pudesse cometer suicídios, uma vez que o fato seria previsível, atraindo, dessa forma, a responsabilidade do Estado, devendo a família ser indenizada, com base na responsabilidade objetiva.
Processual civil. Administrativo. Suicídio. Detento. Cadeia pública. Prisão preventiva. Roubo. Responsabilidade objetiva do estado. Dano material. Pretensão de reexame de provas. Súmula 7/STJ. 1. Trata-se de pedido de indenização por dano material e moral contra o Estado de São Paulo em decorrência de suposto suicídio de detento por auto enforcamento, ocorrido em cela da Delegacia de Investigações Gerais da cidade de Marília/SP. 2. O Superior Tribunal de Justiça sedimentou o entendimento de que a responsabilidade civil do Estado pela morte de detento em delegacia, presídio ou cadeia pública é objetiva, pois é dever do estado prestar vigilância e segurança aos presos sob sua custódia, portanto mostra-se equivocada a interpretação realizada pelo egrégio Tribunal bandeirante. 3. A melhor exegese da norma jurídica em comento é no sentido de que o nexo causal se estabelece entre o fato de o detento estar preso, sob proteção do Estado, e o seu subsequente falecimento. Não há necessidade de se inquirir sobre a existência de meios, pela Administração Pública, para evitar o ocorrido e, muito menos, se indagar sobre a negligência na custódia dos encarcerados. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido (STJ, 2.ª Turma, REsp 1671569/ SP, 27.06.2017).
Nesse mesmo sentido é o entendimento do Supremo Tribunal Federal entende quando ocorrer morte de cidadão decorrente de bala perdida em operação policial, aduzindo que o Estado terá responsabilidade, independentemente de a perícia ter sido inconclusiva com relação à origem do disparo, se foi dos policiais ou dos possíveis traficantes de drogas alvo da operação policial. Assim, o Estado responderá de forma objetiva, não havendo o que se falar em rompimento do nexo causal.
O Supremo Tribunal Federal, no dia 11 de abril de 2024, no plenário físico, julgou a tese de repercussão geral (Tema 1.237):
Em operações de segurança pública, à luz da teoria do risco administrativo, será objetiva a responsabilidade civil do Estado quando não for possível afastá-la pelo conjunto probatório, recaindo sobre ele o ônus de comprovar possíveis causas de exclusão.
Tese fixada pelo STF: (i) O Estado é responsável, na esfera cível por morte ou ferimento decorrente de operações de segurança pública, nos termos da Teoria do Risco Administrativo; (ii) É ônus probatório do ente federativo demonstrar eventuais excludentes de responsabilidade civil; (iii) A perícia inconclusiva sobre a origem de disparo fatal durante operações policiais e militares não é suficiente por si só, para afastar a responsabilidade civil do Estado por constituir elemento indiciário. STF. Plenário. ARE 1.385.315/RJ, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 11/04/2024 (Repercussão Geral – Tema 1237) (Info 1132).
Ademais, o Estado também responderá de forma objetiva, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal, em caso de profissional da imprensa sofrer danos durante cobertura jornalística de manifestação pública.
O Estado responde de forma objetiva pelos danos causados a profissional de imprensa ferido por policiais, durante cobertura jornalística de manifestação pública em que ocorra tumulto ou conflito, desde que o jornalista não haja descumprido ostensiva e clara advertência quanto ao acesso a áreas definidas como de grave risco à sua integridade física, caso em que poderá ser aplicada a excludente da responsabilidade por culpa exclusiva da vítima. Tese fixada pelo STF: “É objetiva a Responsabilidade Civil do Estado em relação a profissional da imprensa ferido por agentes policiais durante cobertura jornalística, em manifestações em que haja tumulto ou conflitos entre policiais e manifestantes. Cabe a excludente da responsabilidade da culpa exclusiva da vítima, nas hipóteses em que o profissional de imprensa descumprir ostensiva e clara advertência sobre acesso a áreas delimitadas, em que haja grave risco à sua integridade física. STF. Plenário. RE 1209429/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgado em 10/6/2021 (Repercussão Geral – Tema 1055) (Info 1021).
6.CONCLUSÃO
A responsabilidade civil do Estado é uma área dinâmica do direito que evoluiu significativamente ao longo dos anos. Desde a teoria subjetiva até as abordagens objetivas e por risco, a responsabilidade estatal tem se adaptado às necessidades de justiça e proteção dos direitos dos cidadãos. A compreensão das teorias e práticas atuais é essencial para garantir que o Estado cumpra suas obrigações de maneira justa e eficiente. O futuro da responsabilidade civil do Estado dependerá da capacidade do sistema jurídico de se adaptar às novas realidades sociais e tecnológicas, mantendo a proteção dos direitos individuais como um princípio central, cumprindo o fundamento republicano da dignidade da pessoa humana previsto no art. 1º, III, da Constituição Federal.
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Advogada pós-graduada em tribunal do júri, direito do consumidor e direito de família.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, LOHANA MELO. Uma nova abordagem da responsabilidade civil do Estado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 ago 2024, 04:53. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/66231/uma-nova-abordagem-da-responsabilidade-civil-do-estado. Acesso em: 02 dez 2024.
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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