RESUMO: A inserção da prática aliada ao ensino é imprescindível para o engrandecimento deste último, pois o exercício prático dos conteúdos estudados permite ao estudante visualizar de forma conjuntural o elemento segmentadamente apreendidos. As atividades práticas desenvolvidas em sala de aula são de forma contumaz sabotadas pela arrogância do mestre, e esvaziadas pela inércia dos alunos. Neste sentido, a inserção da prática em cadeiras totalmente teóricas, pode apresentar um grande progresso para a relação aluno-professor, oportunizando momentos de plena interação e comunicabilidade entre os dois. A ausência de vivências práticas ou a escassez desta na faculdade traz uma série de problemas na formação educacional dos alunos de Direito, dentre eles pretende-se tratar da prática como formadora da ética-profissional ainda na faculdade. Observa-se dicotomia composta de um lado pelas atividades práticas ideais ocorridas em sala de aula. E do outro lado, a realidade do mundo jurídico, fora da sala de aula, onde supostamente a prática simplesmente ocorre muitas vezes a revelia do direito positivo e/ou do ideal ético de nossa sociedade. A realidade fora de sala de aula acontece à revelia das leis e dos princípios éticos por estar em jogo inúmeras vezes os interesses pessoais e políticos. No entanto, seria uma grande inocência pensar que não ocorre o mesmo na sala de aula, ou que esta não está sujeita aos mesmos elementos da segunda realidade. A práxis desassociada da ética terminaria por nos tornar cada vez mais dependentes de estruturas ditas tecnicamente perfeitas.
Palavras-chave: Prática. Ético-profissional. Conhecimento. Jurídico. Ensinagem.
INTRODUÇÃO
Os cursos de Direito no Brasil estão fortemente ligados a uma cultura bacharelesca, restrita, na maioria das vezes, ao ensino por meio apenas de aulas expositivas, e mantendo inclusive resquícios organizacionais da influência militar ocorrida durante sua gênese, uma vez que entra anos e sai ano os alunos continuam enfileirados como um pelotão passivo frente a autoridade do professor, acostumado a exercer o seu poder fora da sala de aula como juiz, promotor, ou advogado, acaba por influenciar o seu comportamento em sala de aula.
Com isso, falar em ensino jurídico sem entregar atenção ao espaço no qual ele se constituiu, e que se impregna e lapida a formação acadêmica por meio, quase exclusivamente, das interações que se estabelecem entre o corpo docente e o corpo discente (o velho esquema giz, lousa e saliva...), representa um distanciamento da questão – as conseqüências da relação entre ensino do Direito, linguagem e poder impede a construção de uma perspectiva crítica e de emancipação. O quadro se complica com a lembrança de que a cultura bacharelesca, à qual o Direito se conecta como um fornecedor de quadros para a administração de diversas instâncias do Estado, desde o Brasil Império, imprime uma relação quase indissociável com o poder em suas diversas formas, exigindo, portanto, um esforço de compreensão maior.(Alves, 2007, pg. 213).
Esse autoritarismo, comportamento típico, do professor de um modo geral, não exclusivo do professor jurista, implica em uma série de problemas ligados às atividades de ensino. Rompe o canal de comunicação necessário a relação professor/aprendiz.
As atividades práticas desenvolvidas em sala de aula são de forma contumaz sabotadas pela arrogância do mestre, e esvaziadas pela inércia dos alunos.
É necessário que esta relação se desenvolva da maneira mais saudável o possível, importante é que se estabeleça um canal de comunicação entre as partes envolvidas nos processos de ensinagem, em que o estudante se sinta à vontade para se expressar e até mesmo questionar não só o professor mas os conteúdos ensinados.
Neste sentido, a inserção da prática em cadeiras totalmente teóricas, pode apresentar um grande progresso para a relação aluno-professor, oportunizando momentos de plena interação e comunicabilidade entre os dois.
A ausência de vivências práticas ou a escassez desta na faculdade traz uma série de problemas na formação educacional dos alunos de Direito, dentre eles pretende-se tratar da prática como formadora da ética-profissional ainda na faculdade.
METODOLOGIA
A pesquisa desenvolvida tem caráter bibliográfico e é resultante de um trabalho desenvolvido na monitoria da disciplina de Direito Comercial III, no Curso de Direito da Unifor, para o Desenvolvimento de processo simulado pelos alunos da cadeira. O objetivo geral é analisar o papel da prática profissional inserida em disciplinas teóricas do direito na construção do conhecimento, desenvolvimento do ensino jurídico e da ética dos futuros profissionais do ramo.
RESULTADO E DISCUSSÃO
O ensino jurídico no Brasil é basicamente teórico, isto é, limita-se a utilizar-se apenas de estratégias de ensino de cunho teórico como aulas expositivas, seminários, pesquisa bibliográfica dentre tantas outras.
A inserção da prática aliada ao ensino é imprescindível para o engrandecimento deste último, pois o exercício prático dos conteúdos estudados permite ao estudante visualizar de forma conjuntural o elemento segmentadamente apreendidos.
É como se a prática, o exercício de determinada teoria permitisse ao teórico encaixar as peças de um quebre-cabeças, podendo conseqüentemente ter uma visão do todo, e entendendo efetivamente a funcionalidade de cada peça, aprendendo como conjugá-las.
Desta forma, a prática não pode ser utilizada por meio da imposição de atividades engessadas com moldes ou fôrmas. Na verdade deve ela ser investigadora das inúmeras possibilidades por meio das quais as teses ensinadas em sala de aula podem ou não se realizarem.
Para que isto ocorra também é necessário que o professor garanta liberdade ao pensamento dos aprendizes, permitindo que este expressem e construam as atividades práticas por meio de suas próprias ideias e opiniões.
A estas mesmas conclusões e impressões chegou Elizete Lanzoni Alves:
A prática jurídica representa um dos pontos de fundamental importância na formação discente. Infelizmente, o que deveria ser efetivamente prática jurídica se transforma em aulas teóricas expositivas com alguns exemplos práticos e mascarada como prática jurídica. A prática jurídica, num primeiro momento poderá ser simulada, com solução de teses especialmente preparadas com fundamento em casos do cotidiano dos profissionais do direito, o que envolve não somente a prática da advocacia. No desenvolvimento desse trabalho o professor exerce um papel fundamental como orientador sem, no entanto, tolher a criatividade e iniciativa do acadêmico. A orientação pressupõe o diálogo, o estudo, a pesquisa jurisprudencial, doutrinária, ou até mesmo a solução inovadora sobre algum caso pouco comum ou inédito. Num segundo momento deve abranger o atendimento jurídico ao público, mediação, arbitragem, conciliação. (2007, pgs. 248 e 249)
Não pode, portanto, o orientador se prestar ao papel de dizer “o como fazer e construir” determinada prática sujeita a diversas possibilidades resolutivas, entenda-se aqui esse como fazer no sentido não orientativo, e sim impositivo.
Neste sentido Lyra Filho: “O professor autêntico limita-se a equacionar os problemas emergentes, oferecer informações atualizadas e discutir as propostas que lhe parecem cabíveis; mas não impõe o seu ponto de vista. Ao contrário, estimula o espírito crítico, ajudando cada um a descobrir seu próprio rumo.” (1981, p. 3-4).
O lecionador não só pode como deve regrar as atividades e orientar os aprendizes no intuito de facilitar as práticas empreendidas, e tornar possível a sua realização.
O mestre pode apresentar teses ou teorias, indicar material de estudos, bibliografia, mas nunca impô-las como únicas fontes para a realização da prática ou de busca das soluções para os problemas apresentados em sala.
A prática está diretamente ligada ao exercício profissional, portanto, as atividades a sala de aula, assim como as práticas a que os aprendizes são levados fora da classe potencializam a formação ético-profissional.
A ausência do contato com a prática nos primeiros anos de formação acadêmica pode trazes uma série de consequências negativas à formação dos profissionais.
Inertes a realidade do seu meio, aos advogados e bacharéis de direito recém-formados não saber se portar diante de sua vida profissional é uma realidade constante, reação comum principalmente àqueles que não se exporam a atividades práticas já na academia.
Dos profissionais da área jurídica, assim como em qualquer outra área do conhecimento humano, se espera o desenvolvimento técnico dos conteúdos necessários para constituir a defesa de seu cliente ou dos direitos que o seu cargo de promotor, defensor ou procurador são por lei guardiães, ou julgar bem, em plena conformidade com a boa técnica processual, garantindo principalmente tudo aquilo preceituado em nossa constituição, como os princípios do contraditório e da ampla defesa, dentre outros princípios tão importantes para a efetivação da democracia em nosso país.
Mas mais do que a apreender a boa técnica jurídica, espera-se do profissional jurídico a boa conduta, um comportamento ético-profissional digno, nesse sentido vale mencionar OSCAR D’ALVA (1998, pg. 09): “A Ética Profissional, portanto será iniciada a partir de uma introspecção, de um “conhece-te a ti mesmo”, a partir do qual o sujeito profissional se auto-analisa como conhecedor dos preceitos teóricos de seu ofício e depois como correto praticante de sua profissão.”
Sendo assim, torna-se completamente notório que esse desenvolvimento ético-profissional só se dará a partir do necessário exercício prático da profissão, é com a prática que o profissional constrói a sua índole, materializa o seu eu subjetivo, concretiza seus ideais, é somente por meio da prática que o sujeito é de verdade, tendo que confrontar seus pensamentos com os obstáculos apresentados pela realidade material.
O segundo momento do exercício ético-profissional dar-se-á a partir da prática laboral propriamente dita. Nasce da relação concreta problematizada entre o profissional e o seu cliente. A teoria e a prática científica unem-se no caso concreto trazido pelo paciente à consideração de seu orientador. Há uma relação intersubjetiva. Expectativas. Aflições. Dúvidas. Emoções. Desgastes mútuos. Conflitos. Esperanças e gratificações. (OSCAR D’ALVA, 1998, pg. 10)
Explica-se muito bem, nas palavras do professor Lyra Filho, a necessidade de se aplicar a prática já nos primeiros anos de ensino jurídico:
Os juristas, duma forma geral, estão atrasados de um século, na teoria e prática da interpretação e ainda pensam que um texto a interpretar um documento unívoco, dentro de um sistema autônomo (o ordenamento jurídico dito pleno e hermético) e que só cabe determinar-lhe o sentido exato, seja pelo desentranhamento dos conceitos, seja pela busca da finalidade – isto é, acertando o que dizer ou para que dizer a norma abordada.
Isto é ignorar totalmente que o discurso da norma, tanto quanto o discurso do intérprete e do aplicador, estão inseridos num contexto que os condiciona; abrem feixes de função plurívoca e proporcionam leituras diversas. O procedimento interpretativo é material e criativo, não simplesmente verificativo e substancialmente vinculado a um só modelo supostamente ínsito na dicção da lei. (1984, p.18 e 19).
Observa-se uma dicotomia composta de um lado pelas atividades práticas ideais ocorridas em sala de aula em que se simula uma suposta realidade de como a prática ”deveria ser” ou “pode ser”. E a realidade do mundo jurídico, fora da sala de aula, onde supostamente a prática simplesmente ocorre muitas vezes a revelia do direito positivo e/ou do ideal ético de nossa sociedade.
A realidade fora de sala de aula acontece à revelia das leis e dos princípios éticos por estar em jogo inúmeras vezes os interesses pessoais e políticos. No entanto, seria uma grande inocência pensar que não ocorre o mesmo na sala de aula, ou que esta não está sujeita aos mesmos elementos da segunda realidade.
Também não é possível acreditar que neutralizando o conhecimento dos valores e anseios da alma humana, aí inclusos bons e maus valores e desejos, será a melhor saída, vez que se por um lado em tese livraria o a atividade profissional e o conhecimento de más intenções, o que não acreditamos, por outro a práxis desassociada da ética terminaria por nos tornar cada vez mais dependentes de estruturas ditas tecnicamente perfeitas, permitindo apenas um sentido do vetor dinâmico das relações de transformação entre a teoria e a prática:
A práxis deixa de ser “ética” e se faz única e exclusivamente técnica, o que significa dizer que toda a organização social é, hoje, entendida como essencialmente aética. O triunfo exclusivo da racionalidade tecnológica significa uma atrofia fundamental da dimensão ética da vida. A esfera do prático se identifica agora com a esfera do técnico; trata-se da mais radical cientificarão da vida humana, que se traduz no ideal da tecnificação plena, o que iria significar que os mecanismos de regulação da vida dos homens poderiam garantir a realização e a consecução de determinados fins sistêmicos, que conduzem a um processo de autoconservação, o que significa dizer a eliminação do homem. Quanto menos o homem pensa, menos exerce sua capacidade de reflexão crítica, tanto melhor o sistema funciona, conserva e se reproduz. (Oliveira, 1995, pg. 90)
A experiência na vida ética se traduz em demonstrar que ao processo de autoconstrução do ser é essencial um processo interativo. Assim o homem só conquista seu ser na medida em que é capaz, a partir da fronteira de sua individualidade, expandir seus limites através do contato com os outros e da prática de seus ideais.
CONCLUSÃO
O ensino jurídico no Brasil é basicamente teórico, isto é, limita-se a utilizar-se apenas de estratégias de ensino de cunho teórico como aulas expositivas, seminários, pesquisa bibliográfica dentre tantas outras.
Porém a inserção da prática aliada ao ensino é imprescindível para o engrandecimento deste último, e o exercício prático dos conteúdos estudados permite ao estudante visualizar de forma conjuntural os elementos segmentadamente apreendidos e ao mesmo tempo compreender o papel social de sua futura profissão, assim como a necessidade de manutenção do ideal ético para o alcance deste papel.
REFERÊNCIAS
Alves, Elizete Lanzoni. Ensino Jurídico como Fonte do Direito: Uma abordagem Crítica sobre o Espaço Universitário. In: CARLINI, Angélica; CERQUEIRA, Daniel Torres de; ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo (orgs.). 180 Anos de Ensino Jurídico no Brasil. Campinas, SP: Millenium editora, 2007.
ANASTASIOU, Léa das Graças Camargos; ALVES, Leonir Pessate (orgs.). Processos de Ensinagem na Universidade: Pressupostos para as estratégias de trabalho em aula. SC: UNIVILLE, 2004.
CARLINI, Angélica; CERQUEIRA, Daniel Torres de; ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo (orgs.). 180 Anos de Ensino Jurídico no Brasil. Campinas, SP: Millenium editora, 2007.
LYRA FILHO, Roberto. Problemas Atuais do Ensino Jurídico. Brasília: Obreira, 1981. pgs 3 e 4.
LYRA FILHO, Roberto. Por que Estudar Direito Hoje? Brasília: Nair, 1984. p.18 e 19
OLIVEIRA, Manfredo Araújo de Oliveira. Ética e Práxis Histórica. São Paulo: Editora Ática, 1995.
SOUSA FILHO, Oscar d’Alva e. Fundamentos Lógicos e Axiológicos da Ética Profissional e O Problema Ético nas Profissões que Buscam a Realização do Direito e da Justiça. Fortaleza, CE: EDIÇÕES OAB-CE, 1998.
UNIFOR - Universidade de Fortaleza e Escrivão da Polícia Civil do Ceará
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FRANCISCO CRISTIANO FEIJÃO JÚNIOR, . A prática como meio de desenvolvimento ético-profissional em sala de aula Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 set 2024, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/66415/a-prtica-como-meio-de-desenvolvimento-tico-profissional-em-sala-de-aula. Acesso em: 23 nov 2024.
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