"A justiça fiscal não é apenas uma questão de arrecadação, mas de dignidade e cidadania. Um sistema tributário mais justo é um caminho para um país mais igualitário e democrático." Luís Roberto Barroso, Ministro do Supremo Tribunal Federal.
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar a implementação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) à luz do princípio da neutralidade tributária, bem como as mudanças na forma de cobrança pelos Estados. A reforma tributária brasileira, em discussão há anos, busca simplificar o sistema tributário e aumentar sua eficiência, reduzindo as distorções econômicas causadas pela complexidade atual. O estudo parte da premissa de que o IBS pode promover maior neutralidade ao evitar que os impostos interfiram nas decisões econômicas dos agentes, permitindo um ambiente mais eficiente e competitivo. A metodologia utilizada consiste na análise de propostas legislativas sobre o IBS, revisão bibliográfica sobre o princípio da neutralidade e estudo comparativo com sistemas tributários de outros países que já adotaram modelos semelhantes. Os resultados indicam que a aplicação do IBS poderá contribuir para uma arrecadação mais transparente e menos suscetível a manipulações, ao mesmo tempo que apresenta desafios para a autonomia fiscal dos Estados. A conclusão destaca que a transição para o IBS deve ser cuidadosamente planejada para garantir que os princípios de neutralidade sejam respeitados, evitando desequilíbrios econômicos entre as diferentes regiões e promovendo um sistema tributário mais justo e eficiente.
Palavras-chave: Reforma Tributária, Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), Neutralidade Tributária, Autonomia Fiscal, Sistema Tributário Brasileiro.
Abstract: This study aims to analyze the implementation of the Goods and Services Tax (IBS) in light of the principle of tax neutrality, as well as changes in the way it is collected by the states. The Brazilian tax reform, under discussion for years, seeks to simplify the tax system and increase its efficiency, reducing economic distortions caused by the current complexity. The study is based on the premise that the IBS can promote greater neutrality by preventing taxes from interfering with the economic decisions of agents, allowing for a more efficient and competitive environment. The methodology used consists of the analysis of legislative proposals on the IBS, a bibliographic review on the principle of neutrality, and a comparative study with tax systems in other countries that have already adopted similar models. The results indicate that the application of the IBS may contribute to a more transparent and less manipulation-prone collection, while also presenting challenges to the fiscal autonomy of the states. The conclusion emphasizes that the transition to the IBS must be carefully planned to ensure that the principles of neutrality are respected, avoiding economic imbalances between different regions and promoting a fairer and more efficient tax system.
Keywords: Tax Reform, Goods and Services Tax (IBS), Tax Neutrality, Fiscal Autonomy, Brazilian Tax System.
INTRODUÇÂO
1.1 Contextualização e justificativa
A reforma fiscal no Brasil tem sido um dos assuntos mais discutidos na esfera política e econômica nos últimos anos, sobretudo por causa da complexidade do sistema tributário vigente e suas consequências para o crescimento econômico e a equidade fiscal. A implementação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) é uma das propostas mais emblemáticas, pois tem como objetivo substituir diversos impostos federais, estaduais e municipais, sugerindo uma estrutura mais simplificada e eficaz. O IBS, inspirado em modelos globais como o IVA, visa assegurar a neutralidade fiscal, isto é, que o sistema fiscal não influencie nas decisões econômicas dos participantes, mantendo a competitividade e prevenindo distorções no mercado.
A principal dificuldade do sistema fiscal brasileiro reside na sua complexidade, resultando em ineficiência, custos elevados de conformidade e distorções no comportamento dos agentes econômicos. Esta situação afeta diretamente a competitividade nacional, prejudica as empresas, particularmente as de pequeno e médio porte, e complica a execução de políticas públicas mais equitativas. A ideia do IBS surge com o objetivo de simplificar o sistema, mantendo simultaneamente o respeito aos princípios constitucionais do sistema fiscal, tais como a capacidade contributiva e a legalidade. Contudo, a execução deste tributo suscita questões legais, particularmente em relação à redistribuição das competências fiscais entre os Estados, à imparcialidade na cobrança e à preservação da autonomia financeira dos entes federativos.
Este artigo explicará um pouco sobre o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), criado com a Reforma Tributária, e explicará sobre o princípio da neutralidade, previsto no artigo 156-A da Constituição Federal que explicita:
Art. 156-A. Lei complementar instituirá imposto sobre bens e serviços de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
§ 1º O imposto previsto no caput será informado pelo princípio da neutralidade e atenderá ao seguinte: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
I - incidirá sobre operações com bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou com serviços; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
II - incidirá também sobre a importação de bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou de serviços realizada por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja sujeito passivo habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
III - não incidirá sobre as exportações, assegurados ao exportador a manutenção e o aproveitamento dos créditos relativos às operações nas quais seja adquirente de bem material ou imaterial, inclusive direitos, ou serviço, observado o disposto no § 5º, III; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
IV - terá legislação única e uniforme em todo o território nacional, ressalvado o disposto no inciso V; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
V - cada ente federativo fixará sua alíquota própria por lei específica; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
VI - a alíquota fixada pelo ente federativo na forma do inciso V será a mesma para todas as operações com bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou com serviços, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Constituição; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
VII - será cobrado pelo somatório das alíquotas do Estado e do Município de destino da operação; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
VIII - será não cumulativo, compensando-se o imposto devido pelo contribuinte com o montante cobrado sobre todas as operações nas quais seja adquirente de bem material ou imaterial, inclusive direito, ou de serviço, excetuadas exclusivamente as consideradas de uso ou consumo pessoal especificadas em lei complementar e as hipóteses previstas nesta Constituição; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
IX - não integrará sua própria base de cálculo nem a dos tributos previstos nos arts. 153, VIII, e 195, I, "b", IV e V, e da contribuição para o Programa de Integração Social de que trata o art. 239; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
X - não será objeto de concessão de incentivos e benefícios financeiros ou fiscais relativos ao imposto ou de regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação, excetuadas as hipóteses previstas nesta Constituição; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
XI - não incidirá nas prestações de serviço de comunicação nas modalidades de radiodifusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
XII - resolução do Senado Federal fixará alíquota de referência do imposto para cada esfera federativa, nos termos de lei complementar, que será aplicada se outra não houver sido estabelecida pelo próprio ente federativo; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
XIII - sempre que possível, terá seu valor informado, de forma específica, no respectivo documento fiscal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
FUNDAMENTOS TEÓRICOS
2.1 O Sistema Tributário Brasileiro e suas Complexidades
O sistema tributário brasileiro, caracterizado por sua complexidade e a sobreposição de tributos federais, estaduais e municipais, tem sido alvo de críticas constantes. A multiplicidade de impostos e contribuições, além das diferentes formas de cobrança e arrecadação, gera dificuldades para os contribuintes e aumenta os custos administrativos, resultando em um cenário de ineficiência econômica. A reforma tributária, portanto, busca simplificar esse sistema, tendo inclusive entre seus princípios agora expressamente previstos na Constituição Federal o princípio da simplicidade, proporcionando maior transparência, justiça fiscal e eficiência. Entre as principais propostas aprovadas está a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) que foi aprovada através de emenda constitucional, porém ainda está pendente de regulamentação, sendo este um imposto único que substituirá uma série de tributos, como o ICMS e o ISS, trazendo uma nova abordagem na arrecadação e na distribuição de receitas.
O IBS surge com o intuito de solucionar problemas estruturais do sistema tributário brasileiro, promovendo a neutralidade tributária, um princípio que busca evitar que o sistema de impostos interfira nas decisões econômicas dos agentes, garantindo que a escolha de consumo e produção seja feita com base em critérios de eficiência, sem distorções causadas pela carga tributária. No entanto, a transição para um novo modelo traz consigo desafios jurídicos significativos, principalmente no que se refere à autonomia fiscal dos Estados e à redistribuição de receitas.
2.2 O Princípio da Neutralidade Tributária
O princípio da neutralidade tributária é fundamental para entender a proposta do IBS. Ele defende que o sistema tributário não deve interferir nas decisões econômicas dos indivíduos e empresas. Ao eliminar as distorções que surgem com a cumulatividade dos tributos atuais, como o ICMS e o ISS, o IBS busca criar um sistema mais justo, onde o tributo incide apenas sobre o valor agregado em cada etapa da cadeia produtiva. Com isso, o imposto sobre bens e serviços seria transparente e evitaria o efeito cascata, garantindo que a decisão de consumir ou produzir seja tomada com base em fatores econômicos reais, sem que os impostos distorçam esse processo.
A neutralidade também implica que as empresas não sejam favorecidas nem prejudicadas pela carga tributária, permitindo uma competição mais saudável e justa no mercado. Isso é especialmente relevante para o ambiente de negócios brasileiro, onde a complexidade tributária atual muitas vezes cria desigualdades entre as empresas, especialmente entre as de diferentes estados e regiões.
2.3. O Imposto sobre Bens e Serviços (IBS): Propostas e Modelos
A proposta de criação do IBS envolve a substituição de diversos tributos existentes, como o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e o ISS (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza), por um único imposto que incide sobre o valor agregado nas transações de bens e serviços. O IBS seria um imposto não cumulativo, ou seja, permitiria a compensação de créditos de impostos pagos em etapas anteriores da cadeia produtiva, evitando a cobrança em cascata.
Modelos internacionais, como o IVA (Imposto sobre Valor Agregado), aplicado em diversos países, servem de referência para a implementação do IBS no Brasil. O IVA, assim como o IBS, é um imposto indireto que visa a simplificação do sistema tributário e a redução das distorções econômicas. A experiência de países como a França e a Alemanha, que adotaram esse modelo, oferece importantes lições sobre a adaptação do imposto a diferentes contextos jurídicos e econômicos.
No Brasil, a proposta de implementação do IBS através de sua regulamentação que ainda está pendente na casa do Congresso Nacional encontra resistência, principalmente dos Estados, que temem a perda de autonomia fiscal e a redução das receitas provenientes dos tributos atualmente cobrados. A criação do IBS exigirá, portanto, um grande esforço de harmonização entre os entes federativos e uma reformulação das normas constitucionais que regulam a competência tributária.
O IBS, será a soma das alíquotas fixadas pelo Estado e pelo Município, que serão instituídas pelo respectivo ente federativo. Não havendo o ente federativo instituído a respectiva alíquota, será aplicada a alíquota de referência elaborada por resolução do Senado Federal.
COMITÊ GESTOR:
O Comitê Gestor que está em tramitação no Congresso Nacional, por meio do Projeto de Lei Complementar 108/2024, institui o Comitê em epígrafe, que será gerido pelos Estados, Distrito Federal e Municípios. O Comitê será fundamental na condenação da administração do referido imposto, sendo formado por representantes dos Estados e Municípios efetuando a arrecadação e distribuição do tributo, não podendo exercer função legislativa. Outrossim muito ainda se debate sobre a participação das Procuradorias Estaduais e Municipais no referido Comitê, já que no presente texto que ainda está em tramitação, é pouca a participação das Procuradorias em epígrafe no referido Comitê, violando o art. 132 da Constituição Federal, que atribui às procuradorias a representação judicial e a consultoria jurídica dos entes federados, algo que não está sendo respeitado no texto em trâmite da instituição do Comitê, que prevê que a Advocacia Pública Estadual, está sub-representada em relação à administração fazendária.
Destaca-se o art. 108 do referido projeto, que diz: “A instância de uniformização da jurisprudência será composta, em meio virtual, pela Câmara Superior do IBS, integrada, de forma colegiada e paritária, exclusivamente por servidores de carreira do Estado e dos seus respectivos municípios, ou do Distrito Federal, com competência para a realização do lançamento tributário ou julgamento tributário”.
2.4 A Autonomia Fiscal dos Estados e a Redistribuição de Receitas
Uma das principais questões jurídicas geradas pela proposta do IBS refere-se à autonomia fiscal dos Estados. Atualmente, os Estados têm a competência para instituir e arrecadar tributos como o ICMS, uma das principais fontes de receita para a maioria dos Estados. O IBS pode afetar essa autonomia, já que a arrecadação do novo imposto será compartilhada entre os entes federativos, com uma redistribuição das receitas. A dúvida que surge é se a proposta atende aos princípios constitucionais que garantem a autonomia dos Estados e o equilíbrio federativo.
A proposta de distribuição das receitas do IBS entre os Estados e os Municípios visa corrigir desigualdades regionais, mas também gera inseguranças quanto à efetiva compensação das perdas de receita que os Estados irão enfrentar com a substituição do ICMS e outros tributos estaduais. A redistribuição das receitas, portanto, será um ponto central na implementação do IBS, exigindo uma análise detalhada sobre como garantir que os Estados menores e mais dependentes de receitas próprias não sejam prejudicados.
Além disso a harmonização das alíquotas é crucial para a manutenção da neutralidade tributária e para evitar a competição desleal entre os Estados.
2.5 Os Desafios Jurídicos da Implementação do IBS
A implementação do IBS não se dá sem desafios jurídicos consideráveis. A primeira grande questão é a compatibilidade dessa reforma com a Constituição Federal de 1988, que estabelece as competências tributárias de cada ente federativo. A criação de um imposto único que centraliza a arrecadação e redistribui as receitas exige uma reinterpretação das normas constitucionais, o que pode resultar em litígios no Supremo Tribunal Federal (STF).
Ademais, a mudança no sistema tributário pode gerar insegurança jurídica, especialmente no que diz respeito à transição entre os sistemas atuais e o novo modelo. A adaptação das empresas ao IBS, além da reestruturação dos órgãos arrecadadores, requer uma regulamentação bem estruturada, para garantir que não haja perdas de arrecadação e que a implementação ocorra de maneira gradual, sem prejudicar a economia e os contribuintes.
O desenvolvimento do IBS, no contexto da reforma tributária brasileira, está intrinsecamente ligado a um debate jurídico complexo. A transição para um sistema mais eficiente e neutro, no entanto, exige uma análise cuidadosa das implicações constitucionais, fiscais e jurídicas. A criação do IBS representa uma mudança significativa na estrutura tributária do Brasil, mas depende de um processo de harmonização entre os entes federativos e de um estudo detalhado sobre os impactos na autonomia dos Estados e na redistribuição das receitas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Duque, Felipe. Reforma Tributária Comentada e Esquematizada. São Paulo: Editora Juspodivm, 2024.
Alexandre, Ricardo; Costa Arruda, Tatiane. Reforma Tributária EC/132/2023 - A Nova Tributação do Consumo no Brasil. São Paulo: Editora Juspodivm, 2024.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Centro Gráfico, 1988.
https://anape.org.br/publicacoes/artigos/participacao-de-procuradores-no-comite-gestor-do-ibs-tem-de-ser-igualitaria
Estudante de Direito, estagiário do Ministério Público do Trabalho, foi estagiário na Procuradoria Geral do Estado de Pernambuco, aprovado e convocado no estágio do Tribunal Regional do Trabalho da 6 Região, aprovado e em processo de convocação para o estágio da Advocacia Geral da União (AGU).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Luiz Guilherme Miranda de. Reforma Tributária: O IBS em efetivação ao princípio da neutralidade e a alteração da forma de cobrança pelos Estados Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 jan 2025, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/67522/reforma-tributria-o-ibs-em-efetivao-ao-princpio-da-neutralidade-e-a-alterao-da-forma-de-cobrana-pelos-estados. Acesso em: 10 jan 2025.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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