Resumo: O presente artigo analisa o papel das cortes regionais de direitos humanos na proteção dos direitos fundamentais em nível supranacional, destacando suas estruturas, atribuições e desafios. Criadas no contexto pós-Segunda Guerra Mundial, essas instituições – a Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH), a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e o Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos (TADHP) – foram concebidas para assegurar que os Estados signatários cumpram suas obrigações em relação às convenções de direitos humanos. Contudo, apesar de sua importância, essas cortes enfrentam dificuldades que comprometem a plena eficácia de suas decisões. O artigo discute aspectos históricos e jurídicos de cada corte, abordando os mecanismos de funcionamento, o alcance de suas decisões e as limitações decorrentes da falta de instrumentos coercitivos para a implementação de suas sentenças. Além disso, são apresentados casos concretos, como Hirst v. United Kingdom (CEDH), Barrios Altos v. Peru (CIDH) e Tanganyika Law Society v. Tanzania (TADHP), que evidenciam a resistência política de alguns Estados em cumprir as determinações. Por fim, o estudo conclui que, embora desempenhem um papel essencial na promoção dos direitos humanos, as cortes regionais necessitam de aprimoramentos estruturais e maior cooperação internacional para superar as barreiras à execução de suas decisões, fortalecendo, assim, os sistemas de proteção regional.
Palavras-Chave: Direitos humanos; Cortes regionais de direitos humanos; Eficácia das sentenças das cortes regionais;
Abstract: This article examines the role of regional human rights courts in protecting fundamental rights at a supranational level, highlighting their structures, functions, and challenges. Established in the post-World War II context, these institutions—the European Court of Human Rights (ECHR), the Inter-American Court of Human Rights (IACHR), and the African Court on Human and Peoples’ Rights (AfCHPR)—were designed to ensure that signatory states fulfill their obligations under human rights conventions. However, despite their importance, these courts face challenges that hinder the full effectiveness of their rulings. The article discusses the historical and legal aspects of each court, focusing on their operational mechanisms, the scope of their decisions, and the limitations arising from the lack of enforcement tools to guarantee compliance. Additionally, it presents specific cases, such as Hirst v. United Kingdom (ECHR), Barrios Altos v. Peru (IACHR), and Tanganyika Law Society v. Tanzania (AfCHPR), which illustrate the political resistance of some states to implement the courts' rulings. Finally, the study concludes that, although these courts play a crucial role in promoting human rights, they require structural improvements and greater international cooperation to overcome barriers to the enforcement of their decisions, thereby strengthening regional protection systems.
Key-Words: Human rights; Regional human rights courts; Effectiveness of regional courts' rulings.
Sumário: Introdução. 2. Panorama geral das cortes regionais de direitos humanos. 2.1 Corte Europeia de Direitos Humanos(CEDH). 2.2 Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). 2.3 Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos(TADHP). 3 Casos concretos de resistência de implementação das decisões das cortes regionais. 3.1 Caso Hirst v. United Kingdom – Direito ao Voto de Presos (2005). 3.2 Caso Barrios Altos v. Peru – Impunidade em Crimes de Direitos Humanos (2001). 3.3 Caso Tanganyika Law Society and Others v. Tanzania – Direitos Políticos (2013). Considerações finais. Bibliografia.
INTRODUÇÃO
Os direitos humanos representam um dos pilares fundamentais das sociedades democráticas modernas, sendo sua proteção e promoção essenciais para garantir a dignidade e a igualdade entre os indivíduos. Após os horrores da Segunda Guerra Mundial, a comunidade internacional reconheceu a necessidade de mecanismos robustos para prevenir violações e responsabilizar Estados por abusos. Nesse contexto, surgiram as cortes regionais de direitos humanos: a Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH), a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e o Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos (TADHP).
Essas instituições foram criadas com o objetivo de atuar como instâncias supranacionais de controle, oferecendo às vítimas de violações graves um caminho para buscar justiça quando os sistemas nacionais se mostram insuficientes ou ineficazes. No entanto, apesar de sua relevância, o funcionamento dessas cortes enfrenta desafios significativos, incluindo limitações estruturais, resistência política e falhas na execução de suas decisões.
O presente artigo tem como objetivo examinar o panorama geral dessas três cortes regionais, analisando suas estruturas, atribuições e limitações. Além disso, apresenta casos emblemáticos que demonstram a resistência de alguns Estados em implementar as decisões proferidas, o que compromete a efetividade dos sistemas de proteção regional. A partir dessa análise, busca-se compreender os avanços e entraves no fortalecimento dos direitos humanos em diferentes contextos geopolíticos, destacando a necessidade de mecanismos mais robustos para garantir o cumprimento das obrigações internacionais.
2 PANORAMA GERAL DAS CORTES REGIONAIS DE DIREITOS HUMANOS
Criadas depois da Segunda Guerra Mundial, as três cortes regionais de direitos humanos possuem significativa função na proteção dos direitos humanos, funcionando como instâncias supranacionais a fim de responsabilizar os Estados signatários das convenções que criaram a cortes por violações graves. No entanto, sua eficiência depende de aspectos jurídicos e estruturais que, frequentemente, apresentam lacunas que impactam a efetividade de suas decisões, conforme se verá a partir da explanação de cada uma das cortes.
2.1 Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH)
A CEDH foi criada dentro Convenção Europeia de Direitos Humanos, adotada pelo Conselho da Europa em 1950, em um contexto de reconstrução pós-Segunda Guerra Mundial. O documento em questão apresentou direitos e liberdades fundamentais, como a proibição da tortura e o direito à vida, além de prever a criação de uma corte a fim de fazer aos Estados-membros cumprir com suas obrigações dentro do pactuado.
Seu funcionamento efetivo iniciou-se em 1959, com sede em Estrasburgo, França. A fim de haver representatividade regional, ela é composta por um juiz de cada Estado-membro do Conselho da Europa. Nas suas atribuições estão inclusas a análise de queixas individuais e de outros estados, desde que os recursos internos tenham sido esgotados. A CEDH também emite pareceres consultivos a pedido de Estados ou do Comitê de Ministros do Conselho da Europa. Suas decisões são juridicamente vinculativas, cabendo ao Comitê de Ministros supervisionar sua execução. Contudo, sua eficácia é frequentemente desafiada pela sobrecarga de casos e pela resistência de alguns Estados à implementação de suas sentenças, primordialmente pelo fato do artigo 46 da convenção europeia apenas mencionar que os signatários deverão respeitas as sentenças da corte, mas sem apresentar qualquer mecanismo para a execução de seus julgados (BESSON, 2015).
2.2 Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
A CIDH foi instituída pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), adotada em 1969 no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA). A convenção, em seus artigos 33 e 52, estabeleceu a criação da Corte Interamericana, compondo um sistema regional de proteção dos direitos humanos.
A corte foi instalada em 1979, com sede em San José, Costa Rica. É composta por sete juízes independentes, eleitos pelos Estados partes da convenção. A CIDH atua em casos contenciosos apresentados pela Comissão Interamericana ou pelos Estados, podendo também emitir pareceres consultivos sobre a interpretação dos tratados. Suas decisões incluem reparações às vítimas e recomendações de mudanças estruturais nos Estados condenados. Contudo, a corte enfrenta desafios relacionados ao cumprimento desigual de suas decisões, muitas vezes devido à falta de mecanismos coercitivos e à resistência política de certos Estados (CAVALLARO; BREWER, 2008). Pesa ainda o fato de que no artigo 68 da convenção estabelece que os signatários se comprometem a cumprir as decisões da corte, mas não apresenta nenhum mecanismo para efetivar sua execução.
2.3 Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos(TADHP)
O TADHP foi criado dentro do Protocolo à Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos, adotado em 1998 pela então Organização da Unidade Africana, atualmente denominada União Africana. Tal protocolo ampliou o escopo da Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos, de 1981, ao prescrever a criação de um tribunal para julgamento dos Estados signatários a fim de dar ênfase na proteção continental dos direitos humanos.
Apesar de sua criação ter se dado ainda em 1998, o tribunal foi efetivamente instalado apenas em 2006, com sede em Arusha, Tanzânia. Composto por 11 juízes, o TADHP complementa o trabalho da Comissão Africana, analisando casos de violações graves. Ele pode receber petições de Estados, organizações não governamentais e da Comissão Afriacana, desde que o Estado em questão tenha reconhecido sua jurisdição. O Tribunal também possui competência para emissão de pareceres consultivos sobre questões relacionadas aos direitos humanos na África. No entanto, sua eficácia é limitada pela baixa adesão dos Estados africanos e pela resistência política ao cumprimento de suas decisões (MUTUA, 2008). Tal eficácia é limitada pelo artigo 30 do Protocolo, que consta que é apenas os Estados signatários devem garantir o cumprimento da sentença, não tendo qualquer dispositivo coercitivo para tanto.
3 CASOS CONCRETOS DE RESISTÊNCIA DE IMPLEMENTAÇÃO DAS DECISÕES DAS CORTE REGIONAIS
3.1 Caso Hirst v. United Kingdom – Direito ao Voto de Presos (2005)
No caso Hirst v. United Kingdom (No. 2), a CEDH determinou que a proibição geral do direito ao voto para presos, prevista na legislação britânica, violava o artigo 3º do Protocolo nº 1 da Convenção Europeia de Direitos Humanos. Apesar da decisão, o Reino Unido demorou mais de uma década para implementar mudanças significativas. A resistência foi motivada por debates internos sobre soberania e oposição de setores políticos à extensão desse direito.
3.2 Caso Barrios Altos v. Peru – Impunidade em Crimes de Direitos Humanos (2001)
Em Barrios Altos v. Peru, a CIDH declarou que as leis de anistia promulgadas no país eram incompatíveis com a Convenção Americana, por impedirem a investigação e punição de graves violações de direitos humanos cometidas durante o governo de Alberto Fujimori. Inicialmente, o Peru resistiu à implementação da decisão, alegando questões de estabilidade política. Apenas após pressões internacionais e processos internos, como o julgamento de Fujimori, é que medidas concretas começaram a ser adotadas.
3.3 Caso Tanganyika Law Society and Others v. Tanzania – Direitos Políticos (2013)
Neste caso, o TADHP considerou que as restrições à candidatura de candidatos independentes em eleições nacionais na Tanzânia violavam os direitos políticos garantidos pela Carta Africana. O governo tanzaniano rejeitou a decisão, afirmando que a questão era de soberania e que as mudanças exigiriam reformas constitucionais complexas. Até hoje, as reformas necessárias não foram implementadas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As cortes regionais de direitos humanos desempenham papel essencial na promoção e proteção de direitos humanos em suas respectivas regiões, representando instâncias supranacionais que responsabilizam Estados por violações significativas. Entretanto, como o presente estudo demonstrou, há desafios estruturais e jurídicos que impactam sua eficácia.
A análise do funcionamento da Corte Europeia, da Corte Interamericana e do Tribunal Africano revelou limitações comuns, como a ausência de mecanismos coercitivos para garantir o cumprimento das decisões e a resistência política de alguns Estados em implementá-las. Essas dificuldades evidenciam a necessidade de fortalecer os sistemas regionais, seja por meio de reformas jurídicas que garantam maior efetividade às sentenças, seja por meio de estratégias que promovam a cooperação e o compromisso político dos Estados.
Casos emblemáticos, como Hirst v. United Kingdom, Barrios Altos v. Peru e Tanganyika Law Society v. Tanzania, ilustram como a resistência estatal pode atrasar ou até inviabilizar a reparação das violações de direitos humanos, reforçando a importância de mobilizar a sociedade civil e a comunidade internacional para pressionar por mudanças.
Assim, enquanto as cortes regionais continuam a ser indispensáveis no combate às violações de direitos humanos, seu aprimoramento depende de esforços coordenados entre atores estatais e não estatais. Apenas com sistemas regionais mais robustos será possível assegurar maior justiça e efetividade às vítimas de violações, contribuindo para o fortalecimento dos direitos humanos em escala global.
BIBLIOGRAFIA
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BESSON, Samantha. The European Court of Human Rights: Between Subsidiarity and Universality. Cambridge: Cambridge University Press, 2015.
CAVALLARO, James; BREWER, Stephanie. Reevaluating Regional Human Rights Litigation in the Twenty-First Century: The Case of the Inter-American Court. American Journal of International Law, v. 102, n. 4, p. 768-827, 2008.
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MUTUA, Makau. Human Rights: A Political and Cultural Critique. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2008.
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PROTOCOLO À CARTA AFRICANA DOS DIREITOS HUMANOS E DOS POVOS RELATIVO À CRIAÇÃO DE UM TRIBUNAL AFRICANO DOS DIREITOS HUMANOS E DOS POVOS. Adotado em 10 de junho de 1998. Disponível em: https://au.int/en/treaties/protocol-african-charter-human-and-peoples-rights-establishment-african-court-human-and-peoples. Acesso em: 24 nov. 2024.
Mestrando em Função Social do Direito pela Faculdade Autônoma de Direito(FADISP). Especialista em Direito Público pelo Centro Universitário Claretiano. Bacharel em Direito pela Universidade Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: STAFUSA, André Eduardo Peres. As dificuldades das Cortes Regionais de direitos humanos na execução de seus julgados Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 fev 2025, 04:29. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/67751/as-dificuldades-das-cortes-regionais-de-direitos-humanos-na-execuo-de-seus-julgados. Acesso em: 04 fev 2025.
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