Resumo: O presente artigo versa a respeito da dicotomia entre o liberalismo, dando este a origem ao Estado de Direito, versus o princípio da igualdade. Discutir-se-á se, de fato, é possível conciliar liberalismo e igualdade no Estado Democrático de Direito contemporâneo.
Palavras Chave: liberalismo; igualdade; Estado de Direito.
O liberalismo é uma ideologia política surgida no século XVIII, tendo seu auge na Revolução Francesa. Esta, dando o grito antiabsolutista e pró-liberdade e igualdade (formal), teve como base o liberalismo como ideologia.
Em primeiro lugar, tentemos definir o liberalismo, tendo em vista que nada é exato nas ciências humanas, havendo diversas concepções de enxergar a realidade política. Liberalismo, ao entender do presente autor, será a definição dada por Norberto Bobbio[1]. Bobbio, primeiro, chega ao âmago ou a essência desta doutrina política: o individualismo e o organicismo. Por aquele se entende que cada ser humano é singular e que a sociedade não é formada por um coletivo, mas por indivíduos, como bem pontua Benjamin Constant[2] ao comparar a liberdade na democracia grega tendo em vista a democracia moderna, à sua época, do Estado de Direito. Por organicismo, entende-se que a sociedade, nos termos de Rousseau[3] – grande pensador que influenciou a revolução francesa –, formada pelo contrato social. Este, na verdade e na visão do presente autor, é uma metáfora para um acordo que une: individualismo com organicismo. Este sobre a associação dos indivíduos, juntado o individualismo, que por meio do consenso formam o Estado, anteriormente a sociedade civil regida pelos princípios liberais, vide autonomia da vontade.
Diante disso, o liberalismo é a doutrina política (ou ideologia) que influenciou a Revolução Francesa. A Revolução de 1789 derrubou a monarquia absolutista de Luís XVI, ancorado no regime, ainda, feudal. Isso deu espaço para a ascensão da burguesia ao poder, pregando ela ideais de liberdade política, de crença, de pensamento, de ir e vir, dentre outras; a igualdade perante a lei, chamada de igualdade formal no constitucionalismo contemporâneo; e a fraternidade – lemas estes da Revolução na França. Além disso, inaugurou a revolução os Direitos Humanos Fundamentais, com a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (1789). Tal declaração instituiu o que a doutrina constitucionalista denomina de Direitos Fundamentais de 1ª Geração ou Dimensão[4]. Tais direitos, nos termos de Pedro Lenza, são chamados de direitos de liberdade, englobando as liberdades políticas, de ir e vir, de crenças e de pensamento, assim como as de expressão.
No entanto, a democracia surge de outra maneira, em uma época mais longínqua: na antiga Grécia. A democracia grega, como definida por Benjamin Constant[5], é uma extensão, acresta o presente autor a frente, do coletivismo, ideologia definida por Hayek[6] como a prevalência do coletivo sobre o individual. Constant diz que os gregos democratas possuíam outro tipo de liberdade: a participar da vida pública ou política (nas palavras de Aristóteles[7], “O homem é um animal político”, ou seja, naturalmente convive em sociedade, à época nas pólis gregas, as cidades-estado). Não havia, nesta época, a liberdade que Constant chama de liberdade dos modernos, denominada pelos constitucionalistas, segundo Pedro Lenza[8], como liberdades negativas, em que o cidadão se protege do Estado por meio da legalidade e da Constituição. Então, a liberdade dos modernos é ancorada no individualismo ideológico, enquanto a democracia grega na ideologia coletivista.
Retomando o ponto bobbiano, acredita o presente autor que liberalismo e democracia são conciliáveis, em algum aspecto de forma necessária, todavia não é a regra. Há diversas correntes referentes ao liberalismo e à democracia. Ver-se-ão algumas delas.
O liberalismo é uma conexão necessária com a democracia. Bobbio, em Liberalismo e Democracia, dita o seguinte argumento: a democracia teve como condição de sucesso no Ocidente o liberalismo como sua ideologia. De fato, Bobbio apresenta um sólido argumento, tendo em vista que as ideias do Estado de Direito, com uma Constituição que limite os poderes do soberano ou governante por meio dos Direitos Humanos e Fundamentais é obra de Revolução Francesa de 1789, bem como de autores como Locke, Voltaire, Rousseau e Constant, citando alguns exemplos. A ideia central do Estado liberal democrata é a da limitação do poder por uma Constituição, via princípio da legalidade (no Brasil localizado nos arts. 5°, II e 37, caput da Constituição de 1988 – CF/88), positivando os Direitos Fundamentais de primeira dimensão para garantir a liberdade.
A segunda corrente trata o liberalismo com uma conexão possível com a democracia, sendo reflexões bobbianas também. O liberalismo e democracia podem coexistir nesse aspectos, tendo em vista que há Estados liberais democratas. Todavia, deve-se atentar que há Estados democratas, mas não liberais; Estados liberais, entretanto não democratas; e Estados nem democratas e nem liberais, mas tirânicos, autoritários ou totalitários, conforme Bobbio[9]. Nessa corrente, outrossim, é possível notar que a democracia não necessariamente está ligada ao liberalismo, podendo coexistir com ele, entretanto sem depender dele.
A terceira e última corrente é a de que o liberalismo e a democracia são inconciliáveis. Os socialistas democráticos dizem, sob essa ótica, que há uma antítese nas duas ideologias: liberdade versus igualdade. Ambas, para as correntes antiliberais, são antitéticas, não podem coexistir conjuntamente. Para que se tenha maior igualdade, no sentido substancial e não somente formal, a liberdade reduzir-se-á e vice-versa. Quanto maior a desigualdade socioeconômica, por exemplo (para essa corrente), menor será o nível de igualdade, apesar de amplo nível de liberdade.
Ante as explanações, deve-se reconhecer que a segunda corrente é a mais lúcida, concisa e verdadeira, porquanto há uma multiplicidade de Estados no Ocidente e também no Oriente, globalmente a fim de ser mais inclusivo. Diversos cientistas políticos e filósofos da política buscaram explicar o fenômeno das formas de governo e de Estado, como Aristóteles[10], que as dividia em boas (democracia, aristocracia e monarquia) e más (demagogia, oligarquia e tirania). Dessa maneira, há uma multiplicidade de formas de justificar as formas de governo e de Estado. Todavia, reconhece-se que a primeira corrente tem um quê de correto, visto que, realmente, o liberalismo foi a força motriz para o advento dos Estados Democráticos de Direito contemporâneos, sendo uma conexão, no passado (frise-se), necessária, mas hoje não se deve seguir isso à risca.
Conclui-se, então, que a democracia, no passado – retornando à Revolução na França de 1789 –, possuía uma conexão necessária com o liberalismo, porquanto este foi a base e a força motriz para a implantação do regime democrático. Contudo, deve-se reconhecer que, atualmente, tal conexão não é mister para uma democracia saudável, havendo sociais-democracias, democracias populares, democracias demagógicas e democracias liberais.
[1] BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. 1ª ed. São Paulo: Editora Edipro, 2017.
[2] CONSTANT, Benjamin. A liberdade dos antigos comparada à dos modernos. 1ª ed. São Paulo: Editora Edipro, 2019.
[3] ROUSSEAU, Jean Jacques. O contrato social: princípios do Direito político. 1ª ed. São Paulo: Editora Edipro, 2018.
[4] LENZA, Pedro. Curso de Direito Constitucional Esquematizado. 25ª ed. São Paulo: Editora Sairavajur, 2021; SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 45ª ed. Bahia: Editora Juspodivm, 2024; MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 19ª ed. São Paulo: Editora Saraivajur, 2024.
[5] Ob. Cit.
[6] HAYEK, Friederich. O caminho da servidão. 6ª ed. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2010.
[7] ARISTÓTELES. Política. 1ª ed. São Paulo: Editora Edipro, 2019.
[8] Ob. Cit.
[9] BOBBIO, Norberto. A Teoria das Formas de Governo. 1ª ed. São Paulo: Editora Edipro, 2017.
[10] Ob. Cit.
Graduando em Direito UNIFAGOC, estagiário do Procon Municipal de Ubá (MG) desde 17/06/2024, escritor de artigos científicos da área jurídica.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GARCIA, Erick Labanca. Uma teoria do liberalismo e da democracia: uma (re)conciliação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 mar 2025, 04:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/68040/uma-teoria-do-liberalismo-e-da-democracia-uma-re-conciliao. Acesso em: 14 mar 2025.
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