O direito financeiro apartou-se do direito administrativo, conquistando sua autonomia didática e científica ao regular o orçamento público e a responsabilidade fiscal. Se de um lado o direito tributário cuida da arrecadação, o direito financeiro cuida do gasto público. Antes esse gasto era tido como uma discricionariedade dos gestores públicos, mas hoje está coberto de limitações. E do seio do direito financeiro despontou o direito monetário, que busca regular a política de estabilidade da moeda, evitando a deterioração do poder de compra e a escalada inflacionária.
De fato, tanto a Lei de Responsabilidade Fiscal quanto o CTN não tratam sobre emissão de moeda. O art. 164 da CF dispõe que a emissão de moeda é tarefa exclusiva do Banco Central. Já o §1° do mesmo artigo veda ao BC conceder empréstimos ao tesouro nacional, seja diretamente ou por meios indiretos. O §2° dispõe que o BC poderá comprar e vender títulos do Tesouro Nacional para regular a oferta de moeda ou a taxa de juros. Essa regulação constitucional é complementada pelo art. 34 da LRF, que dispõe que o BC não emitirá títulos da dívida pública a partir de 04/05/2002. Com isso, o art. 11, V, da Lei nº 4.595/64 foi tacitamente revogado.
Apesar de não constar expressamente, o objetivo maior desses dispositivos é o controle da inflação. De fato, com a redemocratização, os governos eleitos se depararam com um cenário de hiperinflação decorrente de um elevado endividamento externo. Em seu pico, em março de 1990, a taxa anualizada chegou a 6.000%.
Dentre outras disposições, a Lei 4.595/1964 regula as atribuições do Banco Central, e a Lei 5.895/73 regulamenta a atuação da Casa da Moeda para emissão de papel moeda, tarefa antes atribuída à SUMOC do Banco do Brasil. No Congresso Nacional, o Projeto de Lei nº 4.068/2020 busca extinguir a circulação de papel moeda, enquanto o PLP nº 214/2020 estabelece critérios para a emissão de papel moeda. Essas leis e projetos não atingem o cerne do problema da responsabilidade monetária do governo, cuja base é a estabilidade da moeda e o controle da inflação, carecendo de um novo marco legal.
Em 15/03/2025, o Brasil completou 40 anos de redemocratização, que ocorreu em 15/03/1985. Daí até 1993, o país adotou cinco divisas diferentes: cruzeiro, cruzado, cruzado novo, cruzeiro e cruzeiro real; e seis planos econômicos: cruzado 1, cruzado 2, Bresser, Verão, Collor 1 e Collor 2. Mas nenhum deles conseguiu domar a hiperinflação, até que em 1994 surgiu o plano real na gestão do presidente Itamar Franco, que finalmente conseguiu controlar os preços.
Durante o período compreendido entre a redemocratização em 1985 e a promulgação da CF/1988 o STF já dava sinais de viragem jurisprudencial sob a presidência dos ministros Moreira Alves e Rafael Mayer, com uma guinada democrática mesmo sob a égide da constituição anterior. Mas foi no ano de 1989 que esse processo viu seu ápice, com o ajuizamento das primeiras ações tipicamente constitucionais contra a inflação e os planos econômicos.
Apesar dos esforços para domar a inflação em 1994, ela retomou a trajetória ascendente vinte anos depois, desta vez em decorrência do elevado endividamento interno, e não por razões circunstanciais.
De fato, é natural que a inflação oscile por questões momentâneas. Como exemplo, a gripe aviária dizimou dezenas de milhões de frangos, resultando na elevação do preço dos ovos, uma fonte de proteína antes acessível para as classes mais baixas. Nos EUA, o preço da unidade chegou a mais de um dólar em março de 2025.
Contudo, assim como na hiperinflação, a atual escalada inflacionária advém de causas estruturais. De fato, o Tesouro Nacional divulgou recentemente que a Dívida Pública Federal (DPF) nominal totalizou R$ 7,3 trilhões em 2024, 12,2% a mais que em 2023. Segundo o Plano Anual de Financiamento (PAF) do Tesouro, a DPF pode crescer mais 16% em 2025, fechando o ano em R$ 8,5 trilhões, fazendo com que o estoque da dívida praticamente dobre em relação a 2019, quando chegou a R$ 4,3 trilhões.
Em termos relativos, a Dívida Bruta do Governo Geral saltou de um patamar de 57% do PIB em janeiro de 2015 para 75% em janeiro de 2025, um aumento de quase 20 pontos percentuais em uma década, com estimativa de fechar o ano em 80% do PIB. Caso essa tendência não seja revertida com superávits, a IFI do Senado calculou que a dívida chegará a 100% do PIB já em 2030.
Mas não só o volume da DPF preocupa, como também seu perfil, já que houve um crescimento de títulos flutuantes (pós-fixados) desde 2023, que podem compor até 52% do estoque da dívida ao final de 2025.
Esse endividamento recente tem impacto direto na inflação, exigindo uma política contracionista pelo BC, mantendo os juros elevados. De fato, a meta atual de inflação de 3% é irrealista, havendo risco de uma disparada para 10% entre 2025/2026, tal como ocorreu entre 2014/2015, tendo em vista o ingresso do país no nebuloso período conhecido como “dominância fiscal”, quando nem mesmo os juros altos conseguem conter a inflação. Não se trata de um processo isolado, já que os juros altos são uma tendência mundial, inclusive em países desenvolvidos, como EUA e Japão.
Para piorar o cenário, o governo desprezou uma lição básica da economia, de que ciclos de alta na atividade econômica, com crescimento acima do potencial do país, não combinam com aumento de gastos públicos, decorrendo daí uma espiral inflacionária. Esse processo é comparável a jogar gasolina numa fogueira.
De fato, a série histórica mostra um aumento descomunal no gasto público, inclusive com juros. Em 2024, o gasto com juros chegou a 8,05% do PIB, o maior da série histórica. Esse gasto maior que a arrecadação gerou uma “Necessidade Líquida de Financiamento do Governo Geral” de 8,2% do PIB, segundo divulgado pelo Tesouro Nacional.
Para contornar esse desequilíbrio, o aumento da arrecadação não é uma opção. De fato, a carga tributária brasileira bateu 34% em 2024, muito acima da média da América Latina, de 21,5%, e superior ao México (16%), Colômbia (19%) e Argentina (29%). Isso mostra que a carga chegou ao patamar máximo para um país emergente, o que faz com que a elevação das alíquotas resulte em menor arrecadação, segundo a Curva de Laffer. A busca do equilíbrio só é possível com reformas fiscais, tanto que no orçamento de 2025 estão previstos cortes de quase 40 bilhões de reais, principalmente em investimentos e programas sociais.
Uma antiga lição econômica diz que a oferta de dinheiro em circulação deve espalhar o produto. Com isso, se houver excesso, irá causar inflação. Para controlar a liquidez na economia, o BC compra títulos do Tesouro, injetando dinheiro no mercado. E quando vende títulos, retira dinheiro da economia. No Brasil, a STN emite os títulos públicos, que são comercializados na B3 e em bancos e corretoras habilitadas, pagando os juros da SELIC.
O investidor nonagenário Warren Edward Buffett compara a impressão de dinheiro a veneno de rato na economia. A impressão de dinheiro em excesso para financiar o déficit do governo é uma medida perniciosa que deve ser tipificada como crime de responsabilidade.
Podemos comparar essa lição básica com a primeira lei da reflexão de espelhos, que diz que o raio incidente e o raio refletido são coplanares. Muitas pessoas só tomam consciência desta lei básica quando têm o carro ou moto avariados por ônibus coletivos. Da mesma forma, a consciência sobre os efeitos perversos da impressão de dinheiro para cobrir gastos pode vir tarde demais.
Logo, o Congresso Nacional deve aprovar um marco legal para governança monetária, à semelhança do marco da governança fiscal. Não para engessar o governo, mas para evitar aventuras populistas na política monetária. Esse marco deve prever válvulas de escape que concedam margem para enfrentar as oscilações econômicas doméstica e internacional. Podem servir de exemplo as alterações na LRF que lhe conferiram certo grau de flexibilidade.
De fato, o Novo Arcabouço Fiscal, oriundo da aprovação do PLP 93/2023, criou um arcabouço flexível, sem uma âncora fiscal rígida vinculada ao teto de gastos. De igual maneira, é urgente inserir na CF um mecanismo monetário que proíba as condutas mais nefastas para a economia neste campo. Como exemplo, uma PEC pode inserir o §4° ao art. 164 da CF dispondo sobre essa vedação, conferindo juridicidade ao princípio da responsabilidade monetária.
O art. 34 da LRF está inserido na subseção II - Das Vedações, do Capítulo VII - Da Dívida e do Endividamento, mas pode ser encarado sob a perspectiva de uma receita fictícia. No início de 2025, o Ministério do Planejamento e Orçamento divulgou que o Novo Arcabouço Fiscal atualmente em vigor resultará inevitavelmente em inflação elevada e em crescimento insustentável da dívida pública a partir de 2027.
De fato, a PEC da Transição aprovada no final de 2022 aumentou em cerca de R$ 150 bilhões os gastos correntes do governo, com impactos que se estenderam nos anos seguintes. Podemos comparar esse cenário com a situação na Argentina.
Após as medidas de contenção de gastos do governo argentino em 2024, a população passou a ganhar mais em dólar. De fato, o dólar “blue”, do mercado paralelo, que na prática é a cotação aplicada para pessoa física, parou de subir. A alta acumulada em 2024 foi de apenas 3%, enquanto a massa salarial no país aumentou 145% no mesmo período, em decorrência da política de gatilhos salariais. Para o padrão de compra na Argentina não houve grandes alterações, já que os gatilhos também atingiram os preços em pesos. Mas no exterior tudo ficou pela metade do preço, o que fez com que muitos argentinos acorressem ao Brasil para fazer compras.
De fato, vinte anos depois de o Brasil controlar a hiperinflação, foi a vez da Argentina fazer o mesmo. A inflação no país bateu a casa de 25,5% a.m em dezembro de 2023, chegando ao final de 2024 a 2% a.m. após uma série de medidas do governo, com a tendência de fechar o ano de 2025 abaixo de 1% a.m.
A hiperinflação na Argentina teve muitas causas, a principal delas a forma como seguidos governos financiaram o excesso de gastos públicos. Ao invés de equilibrar o orçamento, com redução de despesas ou aumento de receitas, os déficits eram contornados com a impressão de mais dinheiro pelo Banco Central.
De fato, o BCRA criava mais moeda para emprestar ao governo, mediante a aquisição de títulos do Tesouro. O excesso de dinheiro novo sem a devida correspondência na quantidade de produtos e serviços na economia fez com que os preços disparassem ano a ano. Além disso, o dinheiro novo servia a uma casta privilegiada, que o recebia primeiro, podendo gastá-lo antes que os preços aumentassem, segundo o efeito Cantillon.
Em suma, o governo recorria à famigerada "La Maquinita" para cobrir os rombos no orçamento, mediante a emissão dos chamados "Adelantos Transitórios". Em paralelo, o Banco Central do país emitia "títulos mágicos", que eram usados para absorver parte do excesso de moeda em circulação. Com isso, o governo usava os pesos emitidos pelo BCRA para fazer face ao aumento dos gastos públicos, pagando salários, subsídios e investimentos, e depois o BCRA absorvia parte dos pesos de volta com a venda de títulos aos bancos, pagando uma taxa de juros elevada.
Recorrer aos títulos mágicos do BCRA acobertou a inflação por um curto período, mas criou uma dívida explosiva no Banco Central, com exigência de juros cada vez maiores, dada a deterioração da capacidade de pagamento. Essa medida causa na inflação um efeito semelhante a uma bola de neve, que no caso da Argentina se transformou rapidamente numa avalanche que devastou a economia do país.
No caso do Brasil, o art. 34 da LRF proíbe a emissão de títulos pelo Banco Central. Da mesmo forma que a realidade brasileira, o aumento da arrecadação também não era uma opção na Argentina, que já ostenta uma carga tributária muito elevada para os padrões emergentes. A saída foi a diminuição dos gastos públicos.
A diretoria do FMI já havia determinado a redução dos repassses monetários do BCRA ao tesouro argentino, com metas de 1% do PIB em 2022, 0,6% do PIB em 2023 e 0% do PIB em 2024, mas o governo seguiu incrementando a base monetária e acelerando o processo inflacionário.
Apenas em 2024, com a posse do novo governo argentino, houve a proibição de o BCRA financiar o tesouro nacional mediante a emissão de títulos, que tinham diversas denominações, como Lebacs, Leliqs e Pases, todos extintos. A redução no gasto público foi suficiente para gerar superávit primário, o primeiro do país desde 2010. De fato, em 2023 a Argentina teve déficit primário de 2,9% do PIB, ao passo que em 2024 a arrecadação superou as despesas públicas em 1,8% do PIB.
Considerando os gastos com juros, a arrecadação foi 0,3% maior, formando também superávit nominal. Além disso, o estoque de títulos públicos em poder dos bancos foi pago com dinheiro velho, já em circulação, decorrente da arrecadação de impostos e superávits, sem a necessidade de recorrer à impressão de novos pesos.
O governo também lançou os títulos BOPREAL designados em dólar, para suprir a necessidade dos importadores de bens e serviços por moeda estrangeira, a fim de quitarem suas dívidas comerciais.
Antes destas medidas, quando a Argentina vivia um verdadeiro caos na política monetária, o Brasil foi solicitado a fornecer pesos aos portenhos. De fato, com a popularização dos pagamentos eletrônicos no Brasil, como o pix, houve redução na impressão de papel moeda nacional, criando uma capacidade ociosa nas impressoras da Casa da Moeda.
Essa capacidade foi recrutada para a impressão das notas de 200 reais, que se mostraram irrealistas (com perdão do trocadilho). De fato, o BC, por intermédio da Casa da Moeda, emitiu 450 milhões destas notas em 2020 para fazer frente ao pagamento do auxílio emergencial. No entanto, com a popularização dos pagamentos eletrônicos essas notas não chegaram a 2% das moedas em circulação, havendo apenas 144 milhões de unidades em uso.
Com isso, desde 2020 as impressoras da Casa da Moeda foram desviadas para a impressão de pesos argentinos, que chegaram a 600 milhões de notas fabricadas em 2022. Além do Brasil, a China e países da Europa também forneceram pesos para a Argentina. Até 2023, antes de a hiperinflação ser contida, eram comuns máquinas de contar dinheiro nas lojas e hotéis argentinos.
A redução no gasto público na Argentina não veio sem sacrifício. Como o governo era um dos principais empregadores e consumidores da economia argentina, o corte teve forte impacto no PIB do país, que sofreu retração em 2024.
O Brasil caminha para um ajuste semelhante, que para ser perene deve vir acompanhado de um marco legal monetário. Como exemplo, o art. 42 da LRF, que trata dos restos a pagar, proíbe os gestores públicos de contrair obrigações nos últimos dois quadrimestres do mandato sem a correspondente quantia em caixa para fazer frente à dívida. Mas essa vedação tem um alcance reduzido, de curto prazo. A LRF também possui diversos limites prudenciais e de alerta para controle de gastos, a cargo dos tribunais de contas. No que toca ao controle monetário, porém, essa tarefa fica a cargo da autoridade monetária, no caso o Banco Central, que se tornou independente com a LC 179/2021. A PEC 65/2023 busca constitucionalizar essa autonomia.
A estabilidade da moeda não se resume às medidas no setor público, devendo ser conjugadas com o setor privado. Nesse sentido, a Lei nº 14.905/2024 regulamentou a correção monetária e os juros aplicados nas obrigações dispostas no Código Civil, conferindo segurança jurídica às relações privadas. O art. 389 prevê o pagamento das perdas e danos, juros, atualização monetária e honorários. O que a lei denomina de atualização monetária deve ser entendido como correção monetária, que apenas atualiza o valor da moeda, sem incluir os juros.
Essa interpretação pode ser alcançada pelo método hermenêutico filológico, que Savigny incluía no método histórico, em oposição ao gramatical, já que está atrelado às alterações de sentido dos termos jurídicos ao longo do tempo. De fato, a análise comparativa revela que a simples atualização do valor da moeda é designada historicamente como correção monetária, tal como prevista na Lei nº 6.899/1981, que estabeleceu a correção das dívidas judiciais.
Igualmente, a súmula nº 148 do STJ, aprovada em 1995, estabeleceu que os débitos previdenciários também devem ser “corrigidos monetariamente”. Já a súmula nº 362 do STJ estipulou o marco temporal para a fluência da “correção monetária” na indenização por dano moral. Por fim, as súmulas 43 (aprovada em 14/05/1992) e 54 (aprovada em 24/09/1992) estabeleceram os marcos temporais para fluência da correção monetária e dos juros moratórios, respectivamente.
Conclui-se que a correção monetária não inclui juros, sejam eles compensatórios ou moratórios. Segundo a nova disposição do art. 389, parágrafo único, do Código Civil, se não for convencionado um índice específico na obrigação, a atualização monetária (leia-se correção monetária) será feita pelo IPCA, divulgado pelo IBGE. Já quanto aos juros, o art. 406, §1º, do Código Civil, inserido pela lei sobredita, determina que, se nada for convencionado, aplica-se a taxa SELIC, deduzido o IPCA. Essa dedução se justifica porque a fórmula de cálculo da SELIC já engloba juros e correção monetária. Assim, a taxa de juros será o resultado desta dedução.
Em suma, não há que confundir atualização do débito (inclui correção monetária e juros) com atualização monetária (sinônimo de correção monetária na Lei nº 14.905/2024). Logo, a aplicação da SELIC integral configura uma atualização do débito, que já inclui correção e juros, e não atualização monetária. Com a nova regulação, a aplicação da SELIC juntamente com o IPCA configuraria enriquecimento sem causa, ao passo que a aplicação de juros após a atualização pela SELIC configura anatocismo (juros sobre juros). Essa alteração é importante para a estabilidade da moeda, estando diretamente vinculada ao princípio da responsabilidade monetária.
De uma maneira geral, o combate à inflação não pode ser feito unicamente por meio de uma política monetária restritiva, mantendo-se os juros legais indefinidamente na casa de dois dígitos, e gerando um endividamento público explosivo. É preciso forçar uma reversão na tendência fiscal, a fim de domar as expectativas de inflação e conter a desvalorização da moeda.
A Lei nº 10.028/2000, que criou os crimes contra as finanças públicas, é anterior à LRF, e tipificou oito condutas entre os arts. 359-A e 359-H do Código Penal. Antes, essas condutas eram enquadradas no tipo genérico do art. 315 do CP. Elas configuram crimes de responsabilidade impróprios, pois resultam em pena de prisão.
Já a Lei nº 1.079/50 e o DL 201/67 preveem crimes de responsabilidade próprios, de natureza político-administrativa. A Lei nº 10.028/2000 também incluiu os incisos XVI a XXII no art. 1º deste e os itens 5 a 12 no art. 10 daquela (os itens são representados por algarismos algébricos, segundo a parte final do art. 10, IV, da LC 95/98).
A Lei nº 10.028/2000 ainda estendeu os crimes de responsabilidade próprios ao presidente do STF, PGR e AGU (arts. 39-A e 40-A da Lei nº 1.079/50). De fato, os crimes de responsabilidade do Presidente da República, que estão previstos no art. 85 da CF/88, buscam punir a violação à lei orçamentária e à probidade administrativa, dentre outros bens caros às instituições democráticas.
Com isso, propugnamos a criação de uma conduta típica de crime de responsabilidade próprio por violação à probidade monetária, prevendo-se em paralelo um tipo omissivo próprio do PRG em caso de conivência. A Lei nº 1.079/50 não prevê condutas praticadas pelo presidente do Congresso Nacional, já que é o órgão competente para o julgamento dos crimes de responsabilidade. Mas entendemos pertinente a extensão da responsabilidade omissiva própria também aos presidentes do Congresso Nacional e do STF em caso de conivência com a gestão temerária da política monetária por parte do chefe do Poder Executivo.
Sobre o tema, confira-se a visão de Fábio Giambiagi e Ana Cláudia Além:
“A política fiscal pode se manifestar diretamente, através da variação dos gastos públicos em consumo e investimento, ou indiretamente, pela redução das alíquotas de impostos, que eleva a renda disponível do setor privado. Por exemplo, em uma situação recessiva, o governo pode promover um crescimento de seus gastos em consumo e/ou investimento e com isso incentivar um aumento da demanda agregada, tendo como resultado um maior nível de emprego e da renda da economia. Alternativamente, o governo pode reduzir as alíquotas de impostos, aumentando, desta forma, o multiplicador de renda da economia. No caso da existência de um alto nível de inflação, por sua vez, decorrente de um excesso de demanda agregada na economia, o governo pode agir de forma inversa ao caso anterior, promovendo uma redução da demanda agregada, através da diminuição dos seus gastos e/ou do aumento das alíquotas dos impostos que reduziria a renda disponível e, consequentemente, o nível de consumo da economia. Dependendo da situação, o governo pode preferir agir sobre a demanda agregada da economia através da política monetária. Em casos de recessão ou desaceleração do crescimento econômico, o governo pode promover uma redução das taxas de juros, estimulando desta forma o aumento dos investimentos e, consequentemente, o crescimento da demanda agregada e da renda nacional. Alternativamente, em uma situação de excesso de demanda com impactos inflacionários, o governo pode aumentar as taxas de juros, reduzindo, desta maneira, a demanda agregada da economia. Para se atingir as prioridades da política econômica, o mais comum, na prática, é uma ação combinada das políticas fiscal e monetária por parte do governo.” (Finanças Públicas: Teoria e Prática no Brasil, editora Atlas, 5° edição, 2016).
Por sua vez, no escólio de Harrison Leite:
“A maioria dos Bancos Centrais do mundo tem essa autonomia e essa independência, mas depende do Parlamento a formulação da política monetária, de modo a solucionar eventuais embates entre o Executivo e o Banco Central. Trata-se de uma autarquia com atribuição exclusiva para emitir moeda, tarefa de elevada tecnicidade, visando a evitar abusos em matéria monetária. Não é o quarto poder ou órgão constitucional, pois não foi criado pela CF/88 e não elabora com autonomia a política financeira. Pelo art. 84, XIV, da CF/88, compete ao Presidente da República nomear, após aprovação do Senado Federal, o presidente e os diretores do banco central. Essa nomeação compromete, de certo modo, a sua independência, aliado ao fato de se submeter a normas aprovadas pelo Congresso Nacional, muitas vezes, sem o preparo evidente que o trato das questões monetárias demanda. Suas principais funções são: a) Emissão de Moeda: não se incluem entre a moeda os bilhetes e os títulos de crédito. Compreende o poder de cunhar. O art. 48, XIV dá ao Congresso o poder de dispor sobre moeda e seus limites de emissão, e o inciso II do mesmo artigo confere o poder de dispor sobre emissões de curso forçado. Por sua vez, o art. 21, VII confere à União a competência para emitir moeda. No que diz respeito à cunhagem da moeda, a exclusividade é da Casa da Moeda, empresa pública federal de atividade industrial criada pela Lei n. 5.895/73. b) Compra e Venda de Títulos do Tesouro Nacional (art. 164, § 2º), operações de open market, com o objetivo de regular a oferta da moeda ou a taxa de juros". Nessa hipótese, quando há necessidade de menos dinheiro em circulação, o BACEN vende títulos, e faz o inverso, caso queira aumentar o volume de dinheiro em circulação. O que o BACEN não pode é financiar o déficit público com essas operações. É bom registrar que a LRF vedou o BACEN de emitir títulos da dívida pública a partir de 2 (dois) anos após a sua publicação (art. 34, da LRF). No exercício dessas atividades, o Banco Central exerce importante papel no controle do endividamento do setor público, tendo em vista que, tanto o controle da moeda quanto a fiscalização do crédito e a compra e venda de títulos acabam por influenciar diretamente no aumento, redução ou manutenção da dívida pública.” (Manual de Direito Financeiro, editora Juspodivm, 9° edição, 2020).
De seu turno, Maurício Dias Leister assina o Texto para Discussão n° 26/2016 da STN, com o provocativo título "O Banco Central Deveria Emitir Títulos Públicos?”, onde expõe:
“A emissão de títulos por um Banco Central (BC) é assunto diretamente relacionado com gestão de liquidez, relacionamento com a autoridade fiscal, desenvolvimento do mercado financeiro e endividamento público. Portanto, percebe-se que a resposta à pergunta tema do artigo não é trivial. E disso não se segue que um BC emitir títulos próprios seja indiferente. Esse trabalho irá mostrar sob quais condições e contexto a emissão de títulos do BC não se mostra a opção mais conveniente em oposição à alternativa de uso exclusivo de títulos do Tesouro Nacional (TN). Para um melhor entendimento do debate é importante ter clara a resposta para a seguinte pergunta: por que um BC precisa de títulos? A necessidade mais imediata de títulos na carteira de um BC reside na gestão do nível de liquidez em uma economia. Como ficará claro ao longo deste trabalho, a gestão de liquidez é função inerente à autoridade monetária. Outros instrumentos constantes no balanço de um BC, além dos títulos, podem influenciar a liquidez em mercado, entre estes a compra e venda de reservas internacionais. Ocorre que, em geral, esses outros instrumentos, embora afetem a liquidez, não são geridos com este objetivo. As compras e vendas de reservas internacionais, por exemplo, são geridas seguindo os objetivos colocados para a política cambial e não para a gestão de liquidez. Dito de outra forma, o instrumento clássico utilizado com objetivo primário de gestão de liquidez são os títulos, e estes serão o alvo deste trabalho. Tais títulos podem ser operacionalizados para a gestão de liquidez em arranjos diversos: operações definitivas de compra e venda de títulos e operações compromissadas lastreadas em títulos são exemplos comuns. Estes títulos, em geral, são emitidos por entidades públicas, TN e/ou BC. E por que a liquidez precisa ser constantemente balanceada? Caso a liquidez não seja equilibrada, a taxa de juros do mercado bancário tenderia a se situar acima ou abaixo da taxa de juros estipulada pela meta do BC, a depender se o sistema financeiro se encontra em escassez ou excesso de liquidez. Ou seja, se a gestão de liquidez não for realizada de forma a manter a taxa de juros de mercado alinhada com a taxa meta que o próprio BC determina, a política monetária se mostrará ineficaz na perseguição da estabilidade de preços, entre outras distorções…”
Por fim, na licão de Marcus Abraham:
“Além destas atribuições previstas na Constituição Federal, identificamos nos arts. 10 e 11 da Lei 4.595/1964 as seguintes atribuições do Banco Central a) realizar operações de redesconto e empréstimo a instituições financeiras e bancárias; b) efetuar o controle dos capitais estrangeiros; c) exercer a fiscalização das instituições financeiras e aplicar as penalidades previstas; d) conceder autorização às instituições financeiras; e) exercer permanente vigilância nos mercados financeiros e de capitais. A LRF vedou ao Banco Central do Brasil emitir títulos da dívida pública a partir de dois anos após a sua publicação (art. 34 da LRF). A partir de maio de 2002, o BCB não mais emite títulos de sua responsabilidade para fins de política monetária. Desde então, o BCB tem utilizado, em suas operações de mercado aberto, exclusivamente títulos de emissão do Tesouro Nacional. Em novembro de 2006, o BCB resgatou os últimos títulos da dívida pública emitidos pela instituição que estavam circulando no mercado financeiro. Segundo o art. 34 ora em análise, como mais uma medida de gestão fiscal responsável da LRE, vedou-se ao Banco Central do Brasil financiar o Tesouro Nacional emitindo títulos da dívida pública a partir de dois anos após a sua publicação. Portanto, desde maio de 2002, o BCB não mais emite títulos de sua responsabilidade para fins de política monetária. A partir de então, o BCB passou a utilizar, em suas operações de mercado aberto, exclusivamente títulos de emissão do Tesouro Nacional. E, em novembro de 2006, o BCB resgatou os últimos títulos da dívida pública emitidos pela instituição que estavam circulando no mercado financeiro. A propósito, não podemos deixar de lembrar que a Constituição Federal, no seu art. 164, § 1º, já vedava ao Banco Central conceder, direta ou indiretamente, empréstimos ao Tesouro Nacional e a qualquer órgão ou entidade que não seja instituição financeira, sendo que poderá comprar e vender títulos de emissão do Tesouro Nacional, com o objetivo de regular a oferta de moeda ou a taxa de juros (§ 2º).” (Lei de Responsabilidade Fiscal Comentada, editora Forense, 2° edição, 2017).
Em conclusão, o BC tem aplicado o remédio amargo da elevação da taxa de juros para diminuir o consumo e conter a inflação. Mas de nada adiantará se o governo continuar a trajetória ascendente de endividamento público através da emissão de títulos para cobrir o déficit crescente.
Isso mostra a urgência em aprovar um marco legal que contenha essa postura extremamente prejudicial à população, principalmente à gerações futuras. De fato, o Brasil passou a ostentar os maiores juros reais do mundo em 2025, ultrapassando a Argentina. E não há como recorrer ao corte artificial na taxa de juros, como fez recentemente o governo turco, pois essa maquiagem monetária cobra seu preço.
Esse marco legal irá conferir concretude e juridicidade ao princípio da responsabilidade monetária. É consenso que há no Brasil um excesso de intervenções legais que muitas vezes causam um engessamento. Essa postura legislativa pode ser exemplificada pelo ilógico art. 13 da Portaria CVS nº 05/2013 da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, que assim dispõe: “Durante a manipulação dos alimentos é vetado: falar, cantar, assobiar, tossir, espirrar, cuspir sobre os produtos; mascar goma, palito, fósforo ou similares; chupar balas, comer ou experimentar alimentos com as mãos; tocar o corpo, colocar o dedo no nariz, ouvido, assoar o nariz, mexer no cabelo ou pentear-se; enxugar o suor com as mãos, panos ou qualquer peça da vestimenta; fumar; tocar maçanetas, celulares ou em qualquer outro objeto alheio à atividade; fazer uso de utensílios e equipamentos sujos; manipular dinheiro e praticar outros atos que possam contaminar o alimento.”
Contudo, não só as intervenções legais exorbitantes causam enormes custos à economia do país, mas também as omissões legais. Afinal, por questões culturais, muitas vezes é preciso uma lei no Brasil para dizer o óbvio, especialmente quando a estabilidade da economia nacional está em jogo. Desta forma, o marco legal da probidade monetária deve proteger a população contra medidas esdrúxulas, que geram inflação descontrolada e corroem o poder de compra, sem engessar a condução da economia diante de suas oscilações naturais.
Oficial de Justiça do TRT 7° Região. Advogado formado na Faculdade Luciano Feijão - FLF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COELHO, LEONARDO RODRIGUES ARRUDA. A juridicidade do princípio da probidade monetária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 abr 2025, 04:54. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/68342/a-juridicidade-do-princpio-da-probidade-monetria. Acesso em: 16 abr 2025.
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