PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RONDÔNIA
Tribunal de Justiça
Câmara Criminal
Data de distribuição :10/04/2007
Data de julgamento :14/06/2007
100.501.2005.000399-8 Apelação Criminal
Origem : 50120050003998 Porto Velho/RO (2ª Vara Criminal)
Apelante : Marcos Augusto Grácio
Advogado : Benedito Antônio Alves (OAB/RO 947)
Advogado : Cleber Jair Amaral (OAB/RO 2.856)
Advogado : Edival Grangeiro de Almeida (OAB/RO 2.611)
Apelado : Ministério Público do Estado de Rondônia
Relator : Desembargador Cássio Rodolfo Sbarzi Guedes
RELATÓRIO
Marcos Augusto Grácio, interpôs apelação criminal, por não se conformar com a sentença proferida pelo Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Porto Velho que o condenou a 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de detenção, em regime inicial semi-aberto, e multa de 45 (quarenta e cinco) dias-multa, por infração ao art. 12 da Lei n. 10.826/03.
O apelante requer, em suas razões recursais, a sua absolvição, alegando que o fato descrito na denúncia é atípico, pois foram anistiados todos àqueles acusados da prática de uma das condutas descritas no art. 12 da Lei n. 10.826/03, possuindo estes o prazo de 180 (cento e oitenta) dias, a partir do regulamento da lei, para regularizar a situação. Sendo assim estaria isento de responsabilidade penal, em decorrência da aplicação da vacatio legis, arts. 30 e 32 do Estatuto do Desarmamento.
Requer seja dado provimento ao recurso, para que seja absolvido, alegando não ter a propriedade das munições, e a atipicidade da conduta por ele praticada.
O Ministério Público de primeiro grau, em contra-razões de fls. 201/205, pleiteia o não-provimento do recurso.
O parecer da Procuradoria de Justiça, fls. 212/216, é no sentido de dar provimento do apelo.
É relatório.
VOTO
DESEMBARGADOR CÁSSIO RODOLFO SBARZI GUEDES
Segundo a denúncia, no dia 14 de novembro de 2003, em cumprimento a mandado de busca e apreensão no alojamento em que se encontrava o réu, foi apreendida uma caixa de munição de uso permitido com 44 cartuchos de bala de fogo, calibre 22 e uma unidade de cartucho de calibre 25.
O réu no interrogatório de fls. 77/78, confirmou as buscas em seu alojamento no entanto nega a posse das munições apreendidas na ocasião, alegando que um policial tirou a caixa de munição do bolso e disse que tinha encontrado no alojamento. Afirma ainda que recebia em seu alojamento várias pessoas em razão de continuar prestando serviços à Secretaria de Segurança.
Os depoimentos, colhidos nos autos fls. 105, 107/108, 109/110, são de policial, delegado e escrivão da Polícia. A jurisprudência é patente no entendimento de que depoimento de policial que efetua a prisão é valorado como qualquer outro, ou seja merece a normal credibilidade dos testemunhos em geral, e a presunção é de idoneidade dessas testemunhas, não havendo nenhuma razão concreta de suspeição. Por isso suas afirmações servem para informar o convencimento do julgador.
Ao analisar os depoimentos referidos no parágrafo anterior tem-se que todos se dirigem ao um mesmo ponto quanto ao local onde foi encontrada a munição.
Desse modo, as alegações do apelante não se revelam suficientes para elidir os fundamentos da condenação, visto ser a versão apresentada pela defesa fato isolado nos autos, restando contrária com os demais elementos dos colhidos na instrução.
Assim, em que pese as alegações da tese defensiva, de que o apelante não era possuidor das munições, conclui-se pelo conjunto probatório que o apelante praticou a conduta criminosa.
Oportuno nesse momento destacar que a conduta do apelante cuida-se de crime de mera conduta, de perigo abstrato, que se consuma com a simples posse ou manutenção sob guarda do objeto material. É inexigível a ocorrência de perigo concreto, uma vez que a norma visa proteger à incolumidade pública.
No entanto, quanto à irresignação do apelante, ao argumento de que sua conduta não pode constituir infração penal, pois ocorreu dentro da vacatio legis indireta prevista pelos arts. 30 e 32 da Lei n. 10.826/03, deve ser analisada à luz da interpretação sistemática, assistindo razão ao apelante assim, vejamos:
O magistrado ao condenar o apelante pela posse de munições, entendeu que o período da vacatio legis, prevista no estatuto do desarmamento e ampliada pela Medida Provisória n. 229/2004, alcança apenas a posse de armas de fogo, não tendo tal instituto aplicação na posse de munição.
Nesse aspecto, reside o inconformismo da defesa, alegando que "quem pode o mais pode o menos", ou seja, se o período de vacatio legis é aplicado à posse de arma de fogo, também deve ser estendida à posse de munição.
Com razão a defesa.
O apelante foi condenado por manter em seu alojamento munições de uso permitido, sendo que sua conduta esta prevista, no art. 12 do estatuto do desarmamento.
Destarte o dispositivo do estatuto do desarmamento que trata da abolitio criminis temporalis (arts. 30, 31 e 32 da Lei n. 10.826/03), não faz referência à posse de munições, abrange apenas o possuidores e proprietários de arma de fogo.
Assim, o Juiz, com base em uma interpretação restritiva, entendeu que a vacatio legis aplica-se apenas aos possuidores de armas de fogo. Entretanto, entendo que a razão está com os defensores da corrente mais ampla, que estende a aplicação da vacatio legis a quem também está na posse de munições de arma de fogo, prestigiando, assim, a tese defensiva de "quem pode o mais, pode o menos".
Nesse sentido, a jurisprudência:
STJ: Criminal. RHC. Tráfico de entorpecentes. Posse de munição permitida. Nulidade da busca e apreensão. Inocorrência. Desclassificação para posse de entorpecente para uso próprio. Impropriedade do writ. liberdade provisória. Indeferimento. Ausência de concreta fundamentação. Necessidade da prisão não demonstrada. Relaxamento do flagrante. Pleito prejudicado. Posse de munição. Estatuto do desarmamento. Trancamento do inquérito. Atipicidade da conduta. Recurso parcialmente provido.
[...]
A Lei 10.826/03, ao estabelecer o prazo de 180 dias para que os possuidores e proprietários de armas de fogo sem registro regularizassem ou entregassem as mesmas à Polícia Federal, criou uma situação peculiar, pois durante esse período a conduta de possuir munição ou arma de fogo deixou de ser considerada típica.
IX. Deve ser concedida a liberdade provisória à paciente, determinando-se a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver presa, mediante as condições a serem estabelecidas pelo Juiz de 1º grau, sem prejuízo de que venha a ser decretada a prisão preventiva, com base em fundamentação concreta, bem como trancado o inquérito policial ou a ação penal, caso já tenha sido instaurada, com relação ao crime previsto no art. 12 da Lei 10.826/03.
X. Recurso parcialmente provido, nos termos do voto do Relator. (grifo nosso).
A Câmara Criminal deste Tribunal também já decidiu nos autos da Apelação n. 05. 002962-4 pela atipicidade da conduta nos seguintes termos:
Estatuto do desarmamento. Posse de munição de uso restrito e de uso permitido. Apreensão no período do vacatio legis. Atipicidade da conduta. Absolvição.
O período da vacatio legis, previsto no estatuto de desarmamento e ampliado pela Medida Provisória n. 229/2004, tem aplicação não apenas a quem está na posse de arma de fogo, como também, a quem tem a posse de munições.
Admissível, portanto, no presente caso, a concessão de anistia prevista nos arts. 30 a 32 do ED.
Pelo exposto, em sendo atípica a conduta do apelante que tinha posse de munição descrita na inicial durante o prazo da vacatio legis, a absolvição é medida que se impõe, nos termos do art. 386, inc. III, do CPP (não constituir o fato infração penal). Assim, por todos os pontos e evidencias que a lei possui vigência plena, uma vez que a conduta deixou de ser considerada típica, ao ser estipulado o prazo de 180 (cento e oitenta) dias para entrega de armas de fogo, concluo pela inexistência do crime previsto no art. 12 da Lei de Desarmamento, e diante do explanado, dou provimento ao recurso para absolver Marcos Augusto Grácio das imputações contra ele aduzidas.
É como voto.
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RONDÔNIA
Tribunal de Justiça
Câmara Criminal
Data de distribuição :10/04/2007
Data de julgamento :14/06/2007
100.501.2005.000399-8 Apelação Criminal
Origem : 50120050003998 Porto Velho/RO (2ª Vara Criminal)
Apelante : Marcos Augusto Grácio
Advogado : Benedito Antônio Alves (OAB/RO 947)
Advogado : Cleber Jair Amaral (OAB/RO 2.856)
Advogado : Edival Grangeiro de Almeida (OAB/RO 2.611)
Apelado : Ministério Público do Estado de Rondônia
Relator : Desembargador Cássio Rodolfo Sbarzi Guedes
EMENTA
Estatuto do Desarmamento. Posse de munição de arma de fogo de uso permitido. Munição apreendida no interior da cela. Lapso temporal de cento e oitenta dias. Atipicidade da conduta.
Em virtude da situação ímpar criada com a promulgação do Estatuto do Desarmamento, o fato de o réu possuir munição de arma de fogo no interior da cela, no prazo estipulado no estatuto do desarmamento, não é punível, por ser considerado atípico.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores da Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, em, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
Os Desembargadores Valter de Oliveira e Zelite Andrade Carneiro acompanharam o voto do Relator.
Porto Velho, 14 de junho de 2007.
DESEMBARGADOR VALTER DE OLIVEIRA
PRESIDENTE
DESEMBARGADOR CÁSSIO RODOLFO SBARZI GUEDES
RELATOR
STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL, o autor
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