Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça passou a entender que a aprovação do candidato em concurso público dentro das vagas previstas no edital tem como efeito o surgimento de um direito subjetivo à nomeação para o cargo público pretendido. Já os advogados públicos enfrentam uma situação não tão nova: o governo federal descumpriu um acordo datado do ano passado, que previa aumento em seus subsídios.
Os dois assuntos têm um ponto essencial em comum: a necessidade da Administração Pública de cumprir seus acordos, de efetivamente realizar aqueles atos que deu a entender que faria. Mais ainda: a promessa de tais atos obriga à sua realização quando, revestidos de seriedade, fizeram com que os administrados acreditassem sinceramente nisso e investissem tempo e dinheiro na expectativa da realização do ato.
No caso dos candidatos aprovados, houve um sério investimento, não só de tempo e dinheiro, mas de toda uma vida. Aquele que participa de um concurso público acreditou na expectativa criada pela Administração Pública. E a aprovação só é obtida a custa de muito sacrifício. Esse fato não pode ser desprezado pelo Direito.
Os advogados públicos, ano passado, iniciaram uma greve ano passado, que foi interrompida em decorrência de uma proposta de aumento feita pelo governo. Os prazos previstos para a edição da medida provisória que aumentaria o subsídio foram seguidamente descumpridos. Até que a prorrogação da CPMF foi reprovada no Senado Federal. A partir daí, surgiu o “pretexto perfeito” para negar o cumprimento do acordo. Porém, em nenhum momento, a renovação do tributo foi colocada como requisito para o aumento. Além disso, é regra básica de contabilidade não contar com uma receita que pode desaparecer no ano seguinte – trata-se do famoso princípio da prudência.
Nos dois casos, tem-se uma regra elementar de bom-senso: todos podem exigir o cumprimento das expectativas a que foram levados mediante o comportamento da Administração Pública. No Direito Civil, essa regra já se encontra há muito consolidada no ditado latino: venire contra factum proprio, ou seja, ninguém pode comportar-se de modo contraditório com um comportamento anterior. Ora, se isso vale para o indivíduo, mais ainda é pertinente para os agentes públicos, submetidos ao princípio constitucional da moralidade.
Entender que o Estado pode mudar de opinião ao sabor do vento é considerar que a mentira torna-se normal e que nenhuma expectativa criada pelo governo poder ser reconhecida como legítima. A conseqüência disso é a absoluta ausência de confiança nos governantes, situação da qual não estamos muito longe.
Oxalá que a decisão do STJ espalhe sua lógica benigna por várias outras áreas, fazendo com que a verdade valha cada vez mais como um valor a ser seguido, como bem relembra o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal (Decreto 1.711/94):
“VIII - Toda pessoa tem direito à verdade. O servidor não pode omiti-la ou falseá-la, ainda que contrária aos interesses da própria pessoa interessada ou da Administração Pública. Nenhum Estado pode crescer ou estabilizar-se sobre o poder corruptivo do hábito do erro, da opressão, ou da mentira, que sempre aniquilam até mesmo a dignidade humana quanto mais a de uma Nação.”
Precisa estar logado para fazer comentários.