A pichação fez mais uma vítima em Porto Alegre. Dessa vez aconteceu na madrugada do dia 22 de dezembro último, quando um jovem pichador, Ismael, de 19 anos, caiu do sexto andar de um prédio no centro. Mesmo sendo um local movimentado, em frente ao Pronto Socorro Municipal, ninguém viu Ismael, que já estava há mais de quatro horas no local. O jovem tem 11 passagens pela polícia por pichação, arriscando-se sempre ao subir em locais cada vez mais altos. O resgate, realizado pelos bombeiros e pela Brigada Militar, demorou mais de uma hora. Ismael ou Mael, como assina nas paredes mais altas da cidade, esteve em sala de cirurgia no Pronto Socorro no último dia 22, e ainda não se sabe o estado dele, apenas que é grave. No mês passado, outro menino, chamado Gabriel Camilo, de 20 anos, caiu de uma altura de 30 metros e não sobreviveu.
Caíram os meninos; e meninos caem todos os dias no abismo social que existe em nossa cidade, em nosso estado e em nosso país. Quando caem de suas famílias, de suas escolas, de suas próprias vidas, são recrutados para a pichação, para o tráfico ou para furtos e roubos. Caem nas ruas já repletas de jovens igualmente caídos que, sem rumo, sem mente e sem corpo – todos corroídos pelo craque - exibem-se torpes nas ruas de Porto Alegre aos montões. Nunca pensei que um dia pudesse me referir assim “aos montões”, ao invés de utilizar a palavra grupo para seres humanos. Não existe mais grupo, e sim hordas de meninos e meninas que passarão o Natal nas ruas desfilando entorpecidos à espera de um milagre. Sim, somente um milagre para que se salvem, pois solitários, sem governos e sem tutelas, desfilam já tão caídos que não mais se levantarão.
Quem derrubou Ismael e Camilo das fachadas de nossa pouca democracia, de nossa incompetência institucional e de nosso descaso com os jovens? Por que eles puderam subir para autografar e marcar com sangue nosso status social que, talvez, não possuam? Por que Ismael, um dos mais atrevidos pichadores da cidade, com 11 ocorrências policiais, ainda pôde, livremente, escalar um prédio? Por que a mão forte do Estado somente o resgatou ensanguentado do chão e não o resgatou antes de se machucar gravemente quando viu, por mais de 10 vezes, sua tendência e disponibilidade ao ilícito? Por que o estado só socorreu Camilo, na Av. Assis Brasil, caído de 30 metros quando também pichava um prédio alto e, depois de agonizar por alguns dias, morreu? Onde estávamos nós e o Estado que não vimos Ismael com tantas ocorrências policiais?
Nem uma, nem duas e nem três, mas 11. Onze vezes presente em frente a policiais, delegados e juízes e ninguém o impediu de cair. Ficou quatro horas dentro do prédio, esperando o melhor momento para pichá-lo em frente a uma das avenidas mais movimentadas da cidade e, novamente, pergunto: quem derrubou Ismael? Ele, sua família ou nós, administradores democratas do século 21? Responsabilidade das famílias? Talvez, mas, certamente, responsabilidade do Estado que, ao não cuidar dos meninos que caem, também não se habilita para cuidar dos bandidos que matam e roubam, dos drogados e traficantes e, ainda, dos “bafões” dos motoristas irresponsáveis e dos alcoólatras.
Pergunto, novamente: Quem derrubou Ismael e Camilo?
Alice Prati
Restauradora e autora do projeto e livro “SOS Monumento”
[email protected]
www.galeriadorestauro.com.br
Precisa estar logado para fazer comentários.