Já tivemos oportunidade de analisar a posição lastimável do Brasil perante o Direito Internacional e nas relações com outros países. Ainda recentemente, nosso governo interferiu ilicitamente na vida de Honduras, por causa da deposição de seu presidente. Em seguida, interferiu no relacionamento do Irã com outros países. Vamos agora examinar a atuação do Brasil no que tange às Ilhas Malvinas, um problema de somenos importância, mas que pode ser explorado e potencializado conforme as circunstâncias políticas momentâneas.
Vejamos o que representam as Ilhas Malvinas: são pequenas ilhas situadas no sul do Oceano Atlântico, a mais ou menos 480 km, da costa argentina. Possui pouco mais de 3.000 habitantes, com dois médicos e dois dentistas. Seu status jurídico é o de colônia da Inglaterra há dois séculos, sendo diminuta sua importância econômica em contraste com sua posição estratégica: é um porto de abastecimento da frota mercante britânica e presta também serviços a navios de outros países. Sua população é quase totalmente de origem britânica. Entretanto, tão inexpressivas ilhotas estão causando conflitos e mortes, levando agora o Brasil no turbilhão das controvérsias.
São más as condições de vida: são muito ventosas e frias, com alta precipitação pluviométrica e constante umidade, como se fosse a região amazônica. Cria ovelha para muitas serventias, uma vez que o gado bovino não se adapta ao clima da região. Sua única exploração econômica é o porto, cobrando por seus serviços para o abastecimento dos navios.
É um tanto complexo o regime jurídico a que essas ilhas estão submetidas, a tal ponto de se poder dizer que o Brasil tenha direitos sobre elas. Abandonadas num canto do mundo, elas podiam ser consideradas uma res nullius (coisa de ninguém). Piratas franceses de Saint Malo parecem ter sido os primeiros a se instalarem nelas, tanto que lhe deram o nome de maloines, donde se originou Malvinas. Os britânicos, porém, as chamam Falkland Islands. Após vários anos, os franceses as cederam à Espanha e esta, pouco depois, as cedeu à Inglaterra.
O atual Presidente do Brasil alegou, no início do ano de 2010, que as ilhas estão a 14.000 km da Inglaterra, enquanto elas estão a 500 km da Argentina, que, pela distância deve pertencer ao continente americano, e, portanto, da Argentina, jogando mais lenha na fogueira. Animada pelo apoio do Brasil e pela intensa publicidade que a política externa deu às pretensões portenhas, a Presidente argentina incrementou sua campanha em prol da ocupação das Malvinas, preparando o caminho para a repetição do conflito de 1982, conhecido como a Guerra das Malvinas. Temos então que rememorar esse triste evento, para poder analisar as consequências que a indébita intromissão do Governo brasileiro possa acarretar.
A Argentina estava estremecida e conturbada antes de 1982 pelos desmandos e desatinos da ferrenha ditadura militar que se instalou com vários golpes de estado. A interferência militar no governo era tradicional. O Palácio do Governo, a Casa Rosada, fica numa praça, na qual também se encontra o Ministério da Guerra; ao seu lado estão o Ministério da Marinha e do Ministério da Aeronáutica. Fica junto ainda o Estado Maior das Forças Armadas e outros órgãos militares. Para que um fardado adentre o Palácio do Governo, basta atravessar a rua.
A política econômica do Governo redundara em fracasso e o descontentamento popular se manifestava. Os militares se contrapunham às manifestações populares com desfiles e aparatos bélicos, discursos, ameaçadores e violentas repressões policiais. Entretanto, a inflação, a baixa produtividade, o desemprego, a alta do custo de vida tinham vida galopante. Todos esses fatores desgastaram por demais a imagem dos dirigentes militares da nação, no plano interno e externo.
Planejaram então a fórmula salvadora do prestígio ofuscado; reacender o nacionalismo piegas, o orgulho e a credibilidade argentina. Incitaram a população a reclamar a posse das Ilhas Malvinas e foram se preparando para se apossarem de umas ilhotas que nenhuma utilidade lhe poderia trazer. Por um decreto alargaram os limites das águas territoriais, de 12 milhas marítimas e a zona contígua de 200 milhas marítimas (370 km.), a fim de que elas atingissem as ilhas apesar da combalida situação financeira do país, investiram pesado em armamentos, com aviões mirage e mísseis exocet. Assim preparados, invadiram as ilhas e as ocuparam militarmente, certos de que a Inglaterra não iria se incomodar por umas ilhotas de pouca serventia.
A ridícula ação militar proporcionou ao governo argentino comemorações de todo tipo, esquecendo-se a população de suas agruras e levando seus dirigentes ao altar. As consequências da ação desses militares, caracterizados pela grosseria, petulância e truculência, logo se fizeram notar. O Presidente argentino, Gal. Leopoldo Galtieri, vestido de capacete com estrelas e uniforme de guerra vai às Malvinas acompanhado de repórteres, fotógrafos e jornalistas, empossando o Gal. Menendez, um índio arrogante, como comandante militar e governador das ilhas. Ambos se desmancharam em declarações e discursos, em que a palavra “muerte” era a tônica. Gualtieri e Menendez foram erigidos no trono dos heróis nacionais.
Parecia que as festividades iriam durar, mas circunstâncias políticas e psicológicas modificaram o panorama. O Governo inglês, liderado pela Primeira Ministra Margaret Thatcher, estava com prestígio em baixa e ameaçado de queda, com possibilidade de cair. Para salvar-se, a Primeira Ministra britânica acolheu o exemplo do gal. Galtieri: mostrou-se ofendida com a agressão argentina e apontou o orgulho e a soberania inglesa como ameaçados, conclamando a nação para a defesa da pátria, que tinha sido invadida. Montou às pressas a força tarefa de libertação das Ilhas Falklands, que se dirigiu ao sul do Atlântico.
Formou ainda um batalhão de soldados do Nepal, conhecidos como glucas, fanáticos, ferozes e disciplinados, colocados a serviço da Coroa britânica e eles realizaram grandes estragos nas forças argentinas.
A armada argentina foi toda mobilizada, com o Gal. Belgrano à frente, que foi afundado nos primeiros combates. O pequeno aeroporto foi dinamitado, mas os ingleses tinham os aviões Harrier, que faziam pouso vertical e pousaram num campo de futebol, descarregando soldados no interior das ilhas. Os soldados argentinos eram, em sua maioria, jovens recrutas e sem experiência e preparo para a guerra, munidos de armas antigas e superadas; recebiam comida do continente, geralmente congeladas, mas não tinham como esquentá-las, de tal maneira que tinham que comer macarrão congelado e outras massas duras e geladas. Quando a frota inglesa atacou a ilha, os soldados ingleses, que foram trazidos pelos aviões Harrier, atacaram-nos pela retaguarda.
Ao verem as coisas pretas, o Presidente argentino refugiou-se no interior do país e o Gal. Menendez entregou-se aos ingleses, sendo conduzido preso à Inglaterra . A Primeira Ministra britânica impediu a França de enviar os técnicos de treinamento para ensinar o manejo dos mísseis exocet e os manuais de treinamento. Mesmo assim, um deles afundou um navio inglês. A derrota argentina foi trágica: o governo foi derrubado, o Gal. Galtieri reformado e submetido a processo, os expedicionários voltaram e foram recebidos a pedradas. A economia argentina entrou em colapso e até hoje, passados 27 anos, sofre ainda os efeitos do fracasso.
No ardor da paixão nacional, os argentinos se esqueceram de que a Inglaterra era seu maior parceiro nas transações internacionais, fator de sua prosperidade, principalmente com a exportação da carne. Além disso, a Inglaterra é influente membro da UE-União Européia e tem convênio com vários países europeus, além do próprio tratado da UE. Os países membros tiveram que romper relações econômicas com a Argentina, que perdeu sua participação no mercado mundial. Os EUA, segundo maior parceiro, esfriou-se com a Argentina, que ficou isolada. O Governo do Brasil, sabiamente, permaneceu à parte, o contrário do que faz nosso Governo atual.
Dessa crise, o Chile do Gal. Pinochet se aproveitou. Em silêncio aproximou-se da Inglaterra e lhe deu apoio logístico e lhe garantiu suprimento de alimentos, combustível de outros, liquidando suas dívidas externas. Mais além, substituiu a Argentina na exportação de carne e grãos, multiplicando seu PIB e fazendo com que seu nível de vida se torna-se o maior entre as nações sulamericanas.
Voltemos ao nosso assunto. A derrota de 1982 e as terríveis consequências delas, parecem esquecidas e a Presidente atual está disposta a repetir os erros do passado, desenterrando um fantasma que possa minorar o mau conceito de seu Governo, com a efetiva participação do Presidente do Brasil. Falando, porém, em termos de Direito Internacional, qual será o fundamento das pretensões argentino-brasileiras? As águas territoriais de um país vão até 12 milhas marítimas além da costa, ou 22 km. As Malvinas estão muito além desse limite. Entretanto, em casos especiais, como por exemplo, de segurança nacional, pode ser considerada como zona contígua ou plataforma continental a faixa de 200 milhas marítimas, ou seja, 370 km, e as Malvinas estão distante deste limite. É o que estabelece a Convenção da ONU sobre o Direito do Mar.
O Brasil reconheceu essa convenção e a confirmou pela Lei 8.617/93. Ao surgir o problema do pré-sal, o Governo brasileiro procurou se resguardar contra a cobiça estrangeira, considerando a zona contígua com de 370 km além da costa. Entretanto, considera as Malvinas como zona contígua, a 480 da costa argentina.
Se não vemos fundamentos jurídicos para as pretensões argentinas, vemos, entretanto para o Brasil. O Tratado das Tordesilhas, firmado entre Portugal e Espanha, em 1494, dizia que as terras da América seriam de Portugal se estivessem até o limite de 370 milhas além da Ilha de Cabo Verde e se estivessem após seriam da Espanha. Como sucessores de Portugal na América, teríamos o direito de reclamar essas ilhas para nós, não a Argentina. A Presidenta da Argentina despreza os entendimentos que normalizaram as relações entre Argentina e Inglaterra, os EUA e a UE e ameaça voltar aos tempos de beligerância.
E o que pretende o Presidente do Brasil? Lutar pela posse das ilhotas pela Argentina? Imagina que possa haver reações da Inglaterra, UE e EUA? Não será de admirar essa jogada internacional tão leviana, pois nosso país já demonstrou essa leviandade ao interferir nos problemas de Honduras e do Irã. E o que espera ganhar?
Bacharel, mestre e doutor em direito pela Universidade de São Paulo - Advogado e professor de direito - Autor das obras de Direito Internacional: DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO e DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO, publicados pela EDITORA ÍCONE. E-mail: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROQUE, Sebastião José. Interferência nas Ilhas Malvinas é outro escorregão da politica externa do Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 jan 2012, 07:48. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/1116/interferencia-nas-ilhas-malvinas-e-outro-escorregao-da-politica-externa-do-brasil. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Valdinei Cordeiro Coimbra
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Benigno Núñez Novo
Precisa estar logado para fazer comentários.