A remoção de um indivíduo de um país para outro pode se dar de duas formas. A extradição ou a expulsão, que são institutos distintos e de conceitos distintos no direito internacional e no direito interno de muitos países. Assim, após a distinção entre os dois institutos, trataremos da expulsão e o seu entendimento no Superior Tribunal de Justiça.
A Extradição tem como objetivo a entrega de um indivíduo a outro país para que este seja julgado ou, se já condenado, possa cumprir sua pena. Portanto, trata-se de um processo pelo qual o país solicita a outro país.
Geralmente a extradição está relacionada a crimes graves e é baseada em tratados bilaterais ou multilaterais entre países, portanto, exige um procedimento jurídico complexo, em que o país solicitante deve fornecer evidências ou garantias de que o indivíduo enfrentará um julgamento justo.
Daí que a extradição possui limitações, pois pode ser negada por várias razões, como possibilidade de o indivíduo enfrentar pena de morte no país solicitante (se o país solicitado se opõe a essa pena) ou a falta de garantias de um julgamento justo.
Já a expulsão que é o tema deste paper, é o ato de um país remover um estrangeiro de seu território por razões administrativas ou por violações das leis de imigração. Está prevista no artigo 54 da Lei de Migração (Lei 13.445/2017), portanto é a medida administrativa de retirada compulsória de migrante ou visitante do território nacional, conjugada com o impedimento de reingresso por prazo determinado.
Neste sentido, possui como razão o fato de estar relacionada a infrações como permanência irregular, comportamento considerado perigoso para a ordem pública, entre outras.
Diferentemente da extradição, a expulsão não necessariamente envolve um processo judicial, embora em muitos países existem mecanismos de revisão ou apelação, no entanto, assim como na extradição, a expulsão pode ser limitada por razões humanitárias ou de direitos humanos, como o risco de perseguição ou tortura no país de origem.
Nas palavras do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Og Fernandes, ao julgar o HC 452.975, trata-se de um "ato discricionário praticado pelo Poder Executivo, ao qual incumbe a análise de conveniência, necessidade, utilidade e oportunidade da permanência de estrangeiro que cometa crime em território nacional, caracterizando verdadeiro poder inerente à soberania do Estado".
Contudo, o magistrado acrescentou no mesmo voto que a matéria poderá ser submetida à apreciação do Poder Judiciário, o qual se limitará a examinar o cumprimento formal dos requisitos e a inexistência de entraves à expulsão. A ementa do referido Habeas Corpus ficou assim vazada:
ADMINISTRATIVO. INTERNACIONAL. HABEAS CORPUS. EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO. HIPÓTESES EXCLUDENTES DE EXPULSÃO. COMPROVAÇÃO. FILHO BRASILEIRO. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA E SOCIOAFETIVA DO GENITOR. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA E ADOLESCENTE. ORDEM DEFERIDA. 1. A expulsão é ato discricionário praticado pelo Poder Executivo, ao qual incumbe a análise da conveniência, necessidade, utilidade e oportunidade da permanência de estrangeiro que cometa crime em território nacional, caracterizando verdadeiro poder inerente à soberania do Estado. Contudo, a matéria poderá ser submetida à apreciação do Poder Judiciário, que ficará limitado ao exame do cumprimento formal dos requisitos e à inexistência de entraves à expulsão. 2. Nos termos do art. 55, II, a e b, da Lei n. 13.445/2017, não se realizará a expulsão quando o estrangeiro tiver filho brasileiro que esteja sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva, assim como quando tiver cônjuge ou companheiro residente no Brasil. 3. No caso, a documentação acostada aos autos comprova que o paciente possui filho brasileiro, nascido em 3/2/2019, o qual se encontra sob sua guarda, dependência econômica e socioafetiva. Da mesma forma, há elementos probatórios, os quais indicam que o paciente convive em regime de união estável com pessoa residente no Brasil. 4. Muito embora a portaria de expulsão tenha sido editada em 21/6/2017, anteriormente, portanto, à formação de família no Brasil pelo paciente, o certo é que não se pode exigir, para a configuração das hipóteses legais de inexpulsabilidade, a contemporaneidade dessas mesmas causas em relação aos fatos que deram ensejo ao ato expulsório. 5. Além disso, deve-se aplicar o princípio da prioridade absoluta no atendimento dos direitos e interesses da criança e do adolescente, previsto no art. 227 da CF/1988, em cujo rol se encontra o direito à convivência familiar, o que justifica, no presente caso, uma solução que privilegie a permanência da genitora em território brasileiro, em consonância com a doutrina da proteção integral insculpida no art. 1º do ECA. Precedentes. 6. Habeas Corpus deferido para invalidar a portaria de expulsão. (STJ - HC: 452975 DF 2018/0131630-8, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 12/02/2020, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 10/03/2020)
O motivo que pode levar à adoção da medida é a condenação, com sentença transitada em julgado, por alguns crimes previstos no Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional ou por crime comum doloso, passível de pena privativa de liberdade, previsto na legislação brasileira – consideradas a gravidade do fato e as possibilidades de ressocialização em território nacional.
Levantamento do Ministério da Justiça e Segurança Pública indica que o crime mais frequente – responsável por mais de 90% das expulsões de estrangeiros – é o tráfico internacional de drogas, seguido de furto e roubo. Ainda de acordo com a pasta, nos últimos dez anos, foram decretadas 7.382 expulsões, sendo 684 apenas em 2022.
1.PROTEÇÃO À FAMÍLIA É OBSERVADA NAS HIPÓTESES QUE IMPEDEM A EXPULSÃO
Até 2017, as regras de expulsão eram previstas no Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/1980), segundo o qual a medida seria aplicada a quem atentasse contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a tranquilidade ou a moralidade pública e a economia popular, ou que se mostrasse de alguma forma inconveniente ou nocivo aos interesses nacionais.
A revogação do estatuto e a sua substituição pela Lei de Migração decorreram da necessidade de ajustar o tratamento do tema aos preceitos constitucionais.
No julgamento do HC 285.608, por exemplo, o ministro Herman Benjamin explicou que as excludentes da expulsão previstas no regramento atual "têm por finalidade resguardar a família, base da sociedade, instituição em relação à qual o Estado deve conferir especial proteção (artigo 226 da Constituição Federal de 1988)". Para ele, o normativo "busca evitar a retirada compulsória de estrangeiro do território nacional em detrimento dos vínculos afetivos e da dependência econômica do núcleo familiar".
ADMINISTRATIVO. ESTRANGEIRO. EXPULSÃO. FILHOS MENORES NASCIDOS E RESIDENTES NO EXTERIOR. NECESSIDADE DE REGISTRO EM REPARTIÇÃO DIPLOMÁTICA OU CONSULAR COMPETENTE E RESIDÊNCIA NO BRASIL. ART. 95 DO ADCT. NÃO CONFIGURADA NACIONALIDADE BRASILEIRA. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA DE DEPENDÊNCIA ECONÔMICA E DE SUBSISTÊNCIA DE VÍNCULO MATRIMONIAL OU DE UNIÃO ESTÁVEL COM BRASILEIRA. 1. Trata-se de Habeas Corpus impetrado em favor de Aiwan Mohamed Gavaar Gulzar, holandês que cumpre, no Brasil, pena privativa de liberdade de oito anos e oito meses de reclusão, após condenação pela prática do delito de tráfico internacional de substâncias entorpecentes (art. 12 da Lei 6.368/1978), sob o fundamento de que possui cônjuge e prole brasileiros que dele dependem economicamente (art. 75, II, a e b, da Lei 6.815/1980). 2. Em síntese, a prova documental existente não revela a presença de nulidade no processo administrativo. Também não procede a afirmação de que a pendência do processo de expulsão tem provocado prejuízos à progressão de regime. Ao indeferir o benefício, o juízo da Execução Penal deixou clara a adoção da premissa de que a situação irregular do estrangeiro, por si só, não constitui óbice ao acolhimento do pleito, mas que o fazia por circunstâncias subjetivas do caso concreto. 3. Não se encontram caracterizadas as hipóteses do art. 75 da Lei 6.815/1980, norma que tem por finalidade resguardar a família, base da sociedade, instituição em relação à qual o Estado deve conferir especial proteção (art. 226 da CF/1988). Seu comando busca evitar a retirada compulsória de estrangeiro do território nacional, em detrimento dos vínculos afetivos e da dependência econômica do núcleo familiar. 4. In casu, os dois filhos do paciente nasceram na Holanda, em 2001 e 2003, e residem atualmente com a mãe brasileira, na França - onde se procederam aos registros de nascimento no Consulado-Geral do Brasil em Paris (fls. 11-12 e 197) -, não havendo sequer indícios mínimos de dependência econômica. 5. Em tal hipótese, a nacionalidade brasileira dos menores depende do registro na repartição brasileira competente e do posterior estabelecimento de residência no Brasil, conforme previsto no art. 95 do ADCT, na redação dada pela EC 54/2007. 6. Recentemente, a Primeira Seção do STJ julgou improcedente Habeas Corpus, em situação na qual os filhos do estrangeiro residiam no exterior ( HC 269.860/SP, Rel. Ministro Ari Pargendler, Primeira Seção, DJe 17.12.2013). Ainda que, na hipótese dos autos, os filhos fossem brasileiros, a residência deles em outro país associada à falta de dependência econômica em relação ao expulsando são suficientes para obstar a incidência do art. 75, II, b, da Lei 6.815/1980. 7. Em que pese a afirmação de que persiste o vínculo conjugal com brasileira, a comprovação acerca da veracidade desse fato, no caso concreto, depende de dilação probatória, o que é incompatível com o rito do Habeas Corpus. Não se verifica prova documental inequívoca quanto à manutenção da união estável, com força suficiente para abalar os elementos coligidos em sentido contrário no processo administrativo. 8. Habeas Corpus denegado. (STJ - HC: 285608 DF 2013/0420538-9, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 12/03/2014, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 19/03/2014)
Nesse sentido, a Lei de Migração estabeleceu, no artigo 55, que não será expulso o estrangeiro que tiver filho brasileiro sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva, nem o que tiver cônjuge ou companheiro residente no Brasil.
2.JURISPRUDÊNCIA PROTEGE O DIREITO CONSTITUCIONAL DE PRESERVAÇÃO DA FAMÍLIA
A atualização legislativa definiu, no artigo 54, parágrafo 3º, que a expulsão em caso de crime comum não prejudicará a progressão de regime, o cumprimento da pena, a suspensão condicional do processo, a comutação da pena ou a concessão de pena alternativa, de indulto coletivo ou individual, de anistia ou de quaisquer benefícios concedidos em igualdade de condições ao nacional brasileiro.
Além de discussões relacionadas à progressão do regime, a seleção de julgados apresentada a seguir mostra o posicionamento do STJ diante de temas como o direito constitucional de preservação da família e a possibilidade de expulsão de estrangeiro refugiado.
Os casos analisados ainda confirmam alguns dos dados apresentados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, ou seja, a maioria dos pedidos de expulsão se relaciona à prática de delitos de tráfico de drogas, sendo que o principal argumento para o pedido de permanência é a existência de família no Brasil.
3.FILHO NASCIDO APÓS PORTARIA DE EXPULSÃO ASSEGURA PERMANÊNCIA DE ESTRANGEIRO
As hipóteses do artigo 55 da Lei de Migração – circunstâncias que impedem a expulsão – não precisam ser contemporâneas ao fato que motivaria a medida. Assim, um estrangeiro que resida no Brasil não pode ser expulso caso preencha algum dos requisitos desse dispositivo legal só após os fatos que levaram o governo a editar a portaria de expulsão.
Baseada nesse entendimento, a Primeira Seção do STJ concedeu habeas corpus (HC 452.975) a um cidadão da Tanzânia para invalidar a portaria que determinou sua expulsão do Brasil, em razão de ter sido condenado a sete anos de prisão e multa por tráfico de drogas.
O ministro Og Fernandes – relator – disse ter sido comprovado no processo que o tanzaniano tinha filho brasileiro sob a sua guarda, havendo dependência econômica e socioafetiva. Ele também destacou que, de acordo com a Lei 13.445/2017, um estrangeiro nessas condições não pode ser expulso.
"Muito embora a portaria de expulsão tenha sido editada em 21 de junho de 2017, anteriormente, portanto, à formação de família no Brasil, o certo é que não se pode exigir para a configuração das hipóteses legais de inexpulsabilidade a contemporaneidade dessas mesmas causas em relação aos fatos que deram ensejo ao ato expulsório", explicou o ministro.
4.ESTRANGEIRO CONDENADO DEVE COMPROVAR DEPENDÊNCIA DOS FILHOS
A Primeira Seção entendeu que é necessária a efetiva comprovação, no momento da impetração de habeas corpus, da dependência econômica e da convivência socioafetiva com a prole brasileira para evitar a expulsão do estrangeiro. Assim, o colegiado negou o pedido de uma uruguaia que teve a expulsão determinada em razão de condenação por tráfico (HC 250.026).
A defesa apontou que ela já teria uma filha brasileira antes mesmo de sua prisão em flagrante e que estaria ajudando a sustentar outra filha, solteira, e o filho desta, seu neto – o qual nasceu posteriormente.
De acordo com o relator, ministro Benedito Gonçalves, a jurisprudência do STJ flexibilizou a interpretação quanto à expulsão prevista na Lei 6.815/1980 – em vigor na época do julgamento do caso –, para manter no país o estrangeiro com filho brasileiro, mesmo que nascido após a condenação penal e o decreto expulsório, no intuito de tutelar a família, a criança e o adolescente.
"Todavia, o acolhimento desse preceito não é absoluto e impõe ao impetrante que efetivamente comprove, no momento da impetração, a dependência econômica e a convivência socioafetiva com a prole brasileira, a fim de que o melhor interesse do menor seja atendido", ponderou.
O ministro ainda observou que os documentos juntados não demonstraram a dependência afetiva e financeira da filha e do neto, situação que afasta as hipóteses capazes de impedir a expulsão. A ementa desse julgamento ficou assim redigida:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. LIMINAR EM HABEAS CORPUS. MEDIDA DE CARÁTER EXCEPCIONAL. EXPULSÃO DE ALIENÍGENA DO TERRITÓRIO NACIONAL. FILHA E NETO BRASILEIROS. INEXISTÊNCIA DE FUMUS BONI IURIS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DEPENDÊNCIA FINANCEIRA OU AFETIVA. REQUISITOS CUMULATIVOS. INDEFERIMENTO DO PLEITO. STJ - HC: 250026 MS 2012/0158064-0, Relator: Ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de Publicação: DJ 06/08/2012
5.DECRETO DE EXPULSÃO NÃO IMPEDE PROGRESSÃO DE REGIME NO BRASIL
Em 2014, ao julgar o HC 274.249, a Sexta Turma reafirmou o entendimento da corte de que é irrelevante, na análise do pedido de progressão do regime de cumprimento da pena, a existência de decreto de expulsão contra o estrangeiro.
Na origem do caso, uma mulher foi condenada a sete anos de reclusão por tráfico de drogas, em regime fechado, tendo o juízo da execução indeferido o pedido de progressão ao regime semiaberto por se tratar de estrangeira em situação irregular no Brasil e com decreto de expulsão pendente.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negou provimento a agravo em execução por entender, entre outras razões, que ela não preenchia os requisitos para reanálise do regime, pois estaria formalmente impedida de exercer atividade profissional.
A relatora, então desembargadora convocada Marilza Maynard, lembrou que o STJ pacificou o entendimento de que o simples fato de o estrangeiro estar em situação irregular no país não inviabiliza os benefícios da execução penal. Vejamos a ementa do julgado:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. DESCABIMENTO. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL. ESTRANGEIRO. SITUAÇÃO IRREGULAR NO PAÍS. DECRETO DE EXPULSÃO PENDENTE. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. - Este Superior Tribunal de Justiça, na esteira do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, tem amoldado o cabimento do remédio heróico, adotando orientação no sentido de não mais admitir habeas corpus substitutivo de recurso ordinário/especial. Contudo, a luz dos princípios constitucionais, sobretudo o do devido processo legal e da ampla defesa, tem-se analisado as questões suscitadas na exordial a fim de se verificar a existência de constrangimento ilegal para, se for o caso, deferir-se a ordem de ofício. - O Superior Tribunal de Justiça entende que o simples fato de o estrangeiro encontrar-se em situação irregular no país não é motivo idôneo para inviabilizar os benefícios da execução penal. - É irrelevante a existência de decreto de expulsão em desfavor do estrangeiro para fins de progressão de regime, tendo em vista que a expulsão poderá ocorrer, conforme o interesse nacional, após o cumprimento da pena, ou mesmo antes deste, nos temos do art. 67 da Lei n. 6.815/1980. - Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para cassar o acórdão impugnado e determinar que o Juízo da Execução analise o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício, afastado o óbice relativo à condição de estrangeiro em situação irregular e com decreto de expulsão pendente. (STJ - HC: 274249 SP 2013/0237750-9, Relator: Ministra MARILZA MAYNARD (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/SE), Data de Julgamento: 04/02/2014, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/02/2014)
6.PROGRESSÃO DE REGIME E LIVRAMENTO CONDICIONAL SÃO FORMAS DE CUMPRIR PENA
Ao citar precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e da Sexta Turma do STJ, a relatora destacou o HC 186.490, no qual a ministra Maria Thereza de Assis Moura observou que, a despeito de a expulsão do estrangeiro infrator ter deixado de ser uma espécie de sanção penal, a matéria não se afastou do terreno penal, condicionando-se, na maioria das vezes, ao cumprimento total da pena.
"Entretanto, referida condição, a meu ver, não implica sua permanência em regime integralmente fechado. Até porque a progressão de regime e o livramento condicional são formas de cumprimento da pena", afirmou a ministra.
A Quinta Turma também reverteu decisão do TJSP sobre o mesmo tema, no julgamento do HC 324.231, de relatoria do ministro Reynaldo Soares da Fonseca. A corte estadual havia restabelecido o regime fechado para uma estrangeira por vislumbrar na progressão a frustração de um possível decreto de expulsão, que poderia ser publicado a qualquer momento, vejamos:
EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. ESTRANGEIRO. PROGRESSÃO DE REGIME. INDEFERIMENTO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer. 2. Esta Corte Superior consolidou entendimento no sentido de que a situação irregular do estrangeiro no País não é circunstância, por si só, capaz de afastar o princípio da igualdade entre nacionais e estrangeiros, razão pela qual a existência de processo ou mesmo decreto de expulsão em desfavor do estrangeiro não impede a concessão dos benefícios da progressão de regime ou do livramento condicional, tendo em vista que a expulsão poderá ocorrer, conforme o interesse nacional, após o cumprimento da pena, ou mesmo antes disto. 3. Na espécie, o Tribunal de origem, em sede de agravo em execução do Ministério Público, restabeleceu o regime fechado, tendo em vista o fato de a paciente ser estrangeira em situação irregular no País. Caracterizada, portanto flagrante ilegalidade, ensejadora da concessão do writ de ofício. 4. Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para que seja restabelecida a decisão do Juízo da Vara de Execuções Penais, que deferiu à ora paciente o direito à progressão de regime prisional, adotando-se, todavia, providências acautelatórias, como, por exemplo, monitoramento eletrônico. (HC 324.231/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 03/09/2015, DJe 10/09/2015)
Segundo o Ministro Reynaldo Soares da Fonseca “existência de processou, ou mesmo decreto de expulsão, em desfavor do estrangeiro não impede a concessão dos benefícios da progressão de regime ou livramento condicional, tendo em vista que a expulsão poderá ocorrer, conforme o interesse nacional, após o cumprimento da pena, ou mesmo antes disso”.
7.DECLARAÇÃO DE MÃE DEMONSTRA DEPENDÊNCIA ENTRE FILHO E PAI ESTRANGEIRO
Ao julgar o HC 666.247, a Primeira Seção entendeu que uma declaração fornecida pela mãe, afirmando a existência de relação socioafetiva entre pai e filho, possui a juridicidade necessária para evitar a expulsão do genitor estrangeiro do Brasil.
O entendimento levou o colegiado a revogar portaria do Ministério da Justiça e Segurança Pública, publicada em janeiro de 2018, que determinou a expulsão de um nigeriano condenado a cinco anos, em regime fechado, por tráfico de drogas.
A expulsão seria executada ao final do cumprimento da pena, mas a mãe entrou com o pedido de habeas corpus em nome do filho, com cinco anos à época, para impedir que o pai fosse enviado de volta ao seu país de origem.
Segundo o relator, ministro Sérgio Kukina, a única prova no processo demonstrando o vínculo entre pai e filho era a declaração da mãe, segundo a qual o nigeriano sempre deu apoio afetivo e material à criança.
Para Kukina, a declaração, por si só, não atesta que o requisito da dependência econômica esteja preenchido, diante da falta de outros elementos probatórios mínimos capazes de demonstrar a forma como o estrangeiro teria dado assistência material ao filho, levando-se em conta seu encarceramento há mais de três anos.
Entretanto, o relator observou que exigir outros meios para confirmar o vínculo socioafetivo seria praticamente impor ao preso a produção de uma prova impossível.
"Tenho que a declaração fornecida pela mãe no sentido de que remanesce viva a relação socioafetiva entre pai e filho reveste-se da necessária juridicidade para comprovação de tal requisito legal", concluiu o ministro.
Assim, ficou vazada a ementa do julgado:
ADMINISTRATIVO. HABEAS CORPUS CÍVEL. EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO VISITANTE. PACIENTE GENITOR DE FILHO BRASILEIRO DE TENRA IDADE. DEPENDÊNCIA SOCIOAFETIVA COMPROVADA. INVIABILIDADE DA EXPULSÃO. APLICAÇÃO DO ART. 55, II, A, DA NOVA LEI DE MIGRAÇÃO (LEI Nº 13.445/2017). PRINCÍPIO DA PRIORIDADE ABSOLUTA NO ATENDIMENTO DOS DIREITOS E INTERESSES DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ART. 227 DA CF). DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL (ART. 1º DO ECA). CONCESSÃO DO REMÉDIO HEROICO. 1. Na forma da jurisprudência, não se viabiliza a expulsão de estrangeiro visitante ou migrante do território nacional quando comprovado tratar-se de pai de criança brasileira que se encontre sob sua dependência socioafetiva (art. 55, II, a, da Lei nº 13.445/2017). Precedentes: STF, RE 608.898, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO, TRIBUNAL PLENO, DJe 6/10/2020; STF, RHC 123.891-AgR, Rel. Ministra ROSA WEBER, PRIMEIRA TURMA, DJe 4/5/2021. 2. O princípio da prioridade absoluta no atendimento dos direitos e interesses da criança e do adolescente, em cujo rol se inscreve o direito à convivência familiar (art. 227 da CF), direciona, in casu, para solução que privilegie a permanência do genitor em território brasileiro, em harmonia, também, com a doutrina da proteção integral (art. 1º do ECA). 3. Habeas corpus concedido, com a consequente revogação da portaria de expulsão. Resta prejudicado o agravo interno. (STJ - HC: 666247 DF 2021/0145507-2, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Julgamento: 10/11/2021, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 18/11/2021)
8.FILHO NASCIDO NO BRASIL, POR SI SÓ, NÃO IMPEDE A EXPULSÃO
A simples existência de prole brasileira não garante a permanência do estrangeiro no território nacional. Essa foi a posição da Primeira Seção em julgamento de habeas corpus impetrado em favor de um estrangeiro expulso do país após condenação por tráfico.
De acordo com o processo, após o cumprimento da pena, o estrangeiro, natural da República de Camarões, foi submetido a processo administrativo que culminou na decisão de expulsão. No HC 418.116, a defesa informou que ele tinha uma filha no Brasil e apresentou certidão de nascimento da criança, declaração da mãe e comprovantes de depósitos bancários.
O relator, ministro Og Fernandes, entendeu que a documentação não era suficiente para comprovar a convivência entre o estrangeiro e sua filha, nem mesmo a alegada dependência econômica, pois os documentos bancários apontavam o nome do então companheiro da mãe da criança como beneficiário. Para o ministro, essa circunstância era insuficiente para comprovar que os valores tivessem sido efetivamente repassados à menor.
"Não se mostra crível a demonstração de dependência econômica através de quatro comprovantes de depósitos, sendo estes realizados em data posterior ao cumprimento do mandado de liberdade vigiada para fins de expulsão", declarou o relator.
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO APÓS O CUMPRIMENTO DA PENA E O DECRETO EXPULSÓRIO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DE EXCLUDENTE DE EXPULSABILIDADE. ART. 75, II, B, DA LEI N. 6.815/1980. INADMISSIBILIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA NA VIA ESTRITA DO WRIT. NECESSIDADE DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO DEMONSTRADO. ORDEM DENEGADA. 1. Constitui ônus do impetrante a demonstração da coação ilegal, mediante prova pré-constituída, porquanto a via estrita do habeas corpus não permite incursões em aspectos que demandam dilação probatória. 2. Do exame dos autos, verifica-se que o paciente, após cumprimento da pena por tráfico de entorpecentes, foi submetido a processo administrativo de expulsão, que culminou com sua expulsão em 2 de janeiro de 2009. 3. Na hipótese, o próprio paciente afirmou, em declaração perante a Polícia Federal, que não mantém contato nem com a ex-companheira nem com a filha menor desde a separação do casal ocorrida em 2012, além de ter afirmado não contribuir financeiramente para seu sustento. Inexiste, portanto, vínculo de dependência seja afetiva ou econômica entre ambos. 4. Na forma da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a simples existência de prole brasileira não garante a permanência do estrangeiro no território nacional se não houver prova pré-constituída de casamento ou união estável há mais de 5 anos (art. 75, II, a, da Lei 6.815/1980) nem de manutenção da guarda de filho menor ou de dependência econômica entre filho menor e o paciente (art. 75, II, b, da Lei 6.815/1980). Precedentes. 5. Ordem denegada. (STJ - HC: 418116 SP 2017/0249547-0, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 22/02/2018, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 28/02/2018)
Perceba que ao negar o habeas corpus, Og Fernandes considerou, ainda, o depoimento do estrangeiro, no qual declarou que não via a filha há seis anos e que também não a ajudava financeiramente.
9.MANTIDA EXPULSÃO DETERMINADA NO PERÍODO DE VACATIO LEGIS DA LEI DE MIGRAÇÃO
Ao analisar o HC 608.035, a Primeira Seção manteve a expulsão de um cidadão franco-marroquino determinada em agosto de 2017, quando o Estatuto do Estrangeiro já havia sido revogado e a Lei de Migração, que o substituiu, ainda estava no período de vacatio legis.
Segundo o colegiado, a portaria expulsória baixada pelo ministro da Justiça aplicou corretamente a nova lei, pois não foi comprovada a dependência econômica e a convivência socioafetiva entre o estrangeiro e sua filha, que nasceu após a prática do crime.
Na origem do caso, o estrangeiro teve a condenação por tráfico transnacional de entorpecentes transitada em julgado. Cumprida a pena, a medida de expulsão foi aplicada, a despeito de haver uma filha menor, brasileira nata, que supostamente – nas alegações da defesa – dependeria econômica e afetivamente do pai.
O relator, ministro Herman Benjamin, destacou que, além da edição da nova Lei de Migração, ocorreu alteração de entendimento do STF, o qual passou a considerar irrelevante a data da concepção de filhos brasileiros como fator exclusivo de impedimento à expulsão, desde que provadas a dependência econômica e a convivência socioafetiva entre o estrangeiro e sua prole (RE 608.898).
10.SUPERVENIÊNCIA DA LEI DE MIGRAÇÃO NÃO ALTERA DECISÃO SOBRE EXPULSÃO
Para o ministro, entretanto, esses requisitos não foram demonstrados, trazendo duas consequências ao caso: a primeira é que o comando do STF não teve o efeito pretendido pela defesa de anular a expulsão e conceder um salvo-conduto ao estrangeiro para voltar ao Brasil; a segunda é que a superveniência da Lei de Migração não implica, por si só, a modificação do ato impugnado, pois este foi praticado em consonância com os seus preceitos.
"Não houve neste processo, portanto, prova bastante de nenhuma das causas restritivas à medida de expulsão, e sim elementos de prova a demonstrar que o fato de a filha do paciente ter nascido posteriormente ao evento criminoso (que gerou a expulsão) não se revelou como a causa determinante e decisiva para a medida aplicada, mas como a ausência de comprovação da dependência econômica e socioafetiva entre o paciente e a prole brasileira", avaliou o relator.
“O que interessa para fins de causa de impedimento à expulsão, atualmente não é mais a data do crime, mas sim a relação de dependência econômica e convivência socioafetiva entre o estrangeiro e sua prole, que demandam comprovação caso a caso” (HC 608.035, Ministro Herman Bejamim).
11.REUNIÃO FAMILIAR NÃO IMPEDE MULTA POR EXTRAPOLAÇÃO DE PRAZO PARA PERMANECER NO PAÍS
Em abril de 2020, a Segunda Turma decidiu que o instituto da reunião familiar, embora impeça a expulsão do estrangeiro irregular com filhos brasileiros, não veda a aplicação da multa por extrapolação do prazo legal de permanência provisória no país.
O entendimento foi firmado no julgamento do REsp 1.570.388, em que o colegiado analisou a situação de um imigrante portador de registro provisório para permanecer no Brasil.
Na origem, a ação discutia a regularidade de multa por permanência no país além do prazo legal, seguido de determinação para saída do território nacional. Ao analisar o caso, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) apontou que a situação não tratava de expulsão, e sim de deportação proveniente de estada irregular em solo brasileiro, sendo aplicáveis ao julgamento as hipóteses de vedação à expulsão (casamento e filho).
Ao STJ, a União alegou que os autos demonstraram a intempestividade do comparecimento do estrangeiro à Polícia Federal para regularizar sua situação.
O relator, ministro Og Fernandes, destacou que, segundo a Lei 11.961/2009, a conversão do registro provisório em permanente deve ser feita 90 dias antes do vencimento da carteira de identidade do estrangeiro. Porém, ele ponderou que não houve irregularidade na permanência do investigado, pois o documento foi expedido em outubro de 2010, com validade de dois anos, e a notificação para multa e expulsão era de março de 2012.
De acordo com o ministro, o direito de reagrupamento familiar garante que o estrangeiro com família nacional não seja expulso, considerando-se as graves consequências psicossociais aos envolvidos no caso de distanciamento. No entanto – continuou Og Fernandes –, esse direito não inclui a dispensa da sanção pecuniária por irregularidades migratórias.
"A aplicação da multa administrativa em nada pode interferir na permanência do estrangeiro, ainda que irregular, com os membros de sua família em território nacional, nem implicar dificuldades de qualquer espécie para o processo de regularização", declarou o relator.
A ementa do referido Recurso Especial ficou assim redigida:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.570.388 - PB (2015/0303775-4) RELATOR : MINISTRO OG FERNANDES RECORRENTE : UNIÃO RECORRIDO : M P A O S ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO DECISÃO Vistos, etc. Trata-se de recurso especial interposto pela União, com fundamento na alínea a do inciso III do art. 105 da CF/1988, contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, assim ementado (e-STJ, fls. 317-318): CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ESTRANGEIRO. CASADO. FILHO. PERMANÊNCIA IRREGULAR. DEPORTAÇÃO. INCABIMENTO. I. Trata-se de remessa oficial e apelação de sentença que julgou parcialmente procedente o pedido, para anular o Auto de Infração e Notificação nº 011/201/DPF/PB e o Termo de Notificação nº 001/2012/DPF/PB, que, respectivamente, aplicou multa imposta no art. 25, II, da Lei nº 6.815/80, por ter o autor, estrangeiro (nigeriano), extrapolado o prazo legal de estada no país, e determinou a saída do território nacional. II. O Estatuto do Estrangeiro em vigor (Lei nº 6.815, de 19/08/1980), ao cuidar da expulsão do estrangeiro, medida de caráter evidentemente punitivo, cuja estada no território nacional não é desejada ou desejável, prevê, em seu artigo 75, II, alínea b, que o mesmo não será expulso quando tiver filho brasileiro que, comprovadamente, esteja sob sua guarda e dele dependa economicamente. IV. O referido dispositivo legal diz respeito apenas ao instituto da Expulsão, que é um processo pelo qual um país determina a saída do estrangeiro de seu território, em razão de um crime ali praticado ou comportamento nocivo aos interesses nacionais, ficando-lhe vedado o retorno ao pais de onde foi expulso. O caso não se trata de expulsão, mas de deportação proveniente de estada irregular em território brasileiro. Contudo, as hipóteses de vedação à expulsão podem ser utilizadas para o caso de deportação (casamento e filho). V. O autor é casado com brasileira e possui filho dependente economicamente. Inclusive, requereu a permanência definitiva estando em tramitação o respectivo processo administrativo, já tendo sido reconhecido nele, a autenticidade da certidão de casamento (fls. 231/249). VI. Com o objetivo precípuo de proteção à família, o STF editou a Súmula nº 01, nos seguintes termos: "É vedado a expulsão de estrangeiro casado com brasileira, ou que tenha filho brasileiro, dependente da economia paterna." VII. Remessa oficial e apelação improvidas. Os embargos de declaração foram parcialmente acolhidos para sanar omissão quanto ao afastamento da multa, nos termos seguintes (e-STJ, fl. 338): PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. ESTRANGEIRO. CASADO. FILHO. PERMANÊNCIA IRREGULAR. DEPORTAÇÃO. INCABIMENTO. REABERTURA DE DISCUSSÃO ACERCA DE MATÉRIA JÁ ANALISADA. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. I. O Código de Processo Civil, em seu artigo 535, condiciona o cabimento dos embargos de declaração à existência de omissão, contradição ou obscuridade no acórdão embargado, não se prestando este recurso à repetição de argumentação contra o julgamento de mérito da causa. II. Não se vislumbra o cabimento da aplicação da multa prevista no Auto de Infração em questão, por estada irregular de estrangeiro no território brasileiro, após esgotamento do prazo legal, sob pena de deportação, nos termos do artigo 125, inciso II, da Lei no 6.815/1980. O acórdão embargado reconheceu o direito do recorrido a permanecer no país, tendo em vista que se enquadrou nas hipóteses do Estatuto do Estrangeiro em vigor (art. 75, II, b), já que é casado com brasileira e possui filho dependente economicamente. Inclusive, requereu a permanência definitiva estando em tramitação o respectivo processo administrativo, já tendo sido reconhecido nele, a autenticidade da certidão de casamento. III. Com o objetivo precípuo de proteção à família, o STF editou a Súmula nº 01, nos seguintes termos: "E vedado a expulsão de estrangeiro casado com brasileira, ou que tenha filho brasileiro, dependente da economia paterna." IV. Embargos de declaração parcialmente providos, apenas para sanar a omissão quanto à multa aplicada no Auto de Infração. Alega a parte recorrente contrariedade ao art. 125, II, da Lei 6.815/1980. Defende, em síntese, ser culpa do recorrido a não apresentação tempestiva dos documentos exigidos para controle de imigração, sendo devido o pagamento da multa. Apresentadas contrarrazões (e-STJ, fls. 358-365), o recurso especial foi admitido na origem (e-STJ, fl. 367). Parecer pelo não conhecimento (e-STJ, fls. 375-379). É o relatório. Preliminarmente, observo que os autos encontram-se gravados por segredo de justiça injustificado, por não se tratar de quaisquer das hipóteses legais de sua incidência. Determino, portanto, o afastamento do sigilo, com correção da autuação. Passo à análise do recurso. A pretensão prospera. De fato, o acórdão reconheceu a impossibilidade de deportação do estrangeiro em razão do princípio da reunião familiar, instituto de caráter humanitário do direito internacional amplamente reconhecido e, hoje, positivado nas normas migratórias internas. Entretanto, tal direito não pode ser estendido para afastar a sanção pecuniária, que em nada diz respeito à unidade familiar. O impedimento à deportação, em atenção ao interesse estatal na proteção da família e promoção da dignidade da pessoa humana, não traz como consequência a legalização da situação do estrangeiro nem afasta outros efeitos administrativos e legais da prática da conduta vedada. É dizer: a exigência da multa sancionatória não trará qualquer consequência à unidade familiar do estrangeiro. Note-se que a legislação mais moderna sobre o tema manteve a sanção administrativa para a conduta em tela (art. 109, II, da Lei 13.445/2017) e, no que tange à unidade familiar, há previsão expressa de cobrança para a concessão de visto temporário ou prorrogação do prazo de estada baseada nessa razão. Ante o exposto, com fulcro no art. 932, V, do CPC/2015, c/c o art. 255, § 4º, III, do RISTJ, dou provimento ao recurso especial. Publique-se. Intimem-se. Brasília (DF), 30 de novembro de 2018. Ministro Og Fernandes Relator (STJ - REsp: 1570388 PB 2015/0303775-4, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Publicação: DJ 04/12/2018)
12.PERDA DA CONDIÇÃO DE REFUGIADO É REQUISITO PARA A EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO
No julgamento do HC 333.902, a Primeira Seção definiu que a expulsão de estrangeiro refugiado não pode ocorrer sem a regular perda dessa condição em prévio processo administrativo. Para o colegiado, apenas a publicação de portaria aplicando a medida é nula, ainda que o ato tenha seus efeitos suspensos para ser convalidado posteriormente.
O pedido que deu origem ao entendimento foi feito pela Defensoria Pública da União (DPU) em favor de um cidadão do Burundi. Ele foi condenado pelo crime de tráfico internacional de drogas e, um ano depois, o ministro da Justiça determinou sua expulsão, ficando a efetivação da medida condicionada ao cumprimento da pena no Brasil ou à liberação pelo Poder Judiciário.
O estrangeiro, no entanto, já era reconhecido como refugiado pelo Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), devido a conflitos em seu país, e mantinha essa condição até a impetração do habeas corpus. Assim, a ordem de habeas corpus foi concedida com a seguinte ementa:
CONSTITUCIONAL. INTERNACIONAL. HABEAS CORPUS. REFUGIADO. EXPULSÃO. VIOLAÇÃO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O ESTATUTO DOS REFUGIADOS. LEI 9.474/97. ORDEM CONCEDIDA. 1. Trata-se de Habeas Corpus contra decreto de expulsão impetrado por estrangeiro que cometeu crime após a concessão de refúgio, sendo condenado por sentença penal transitada em julgado. 2. A jurisprudência do STF e do STJ pacificou o entendimento de que, ao analisar o ato de expulsão, não poderá o Judiciário substituir-se à atuação da chefia do Executivo na avaliação da sua conveniência, necessidade, oportunidade e utilidade, devendo limitar-se à análise do cumprimento formal dos requisitos e à inexistência de óbices à expulsão. 3. A garantia do devido processo legal constitui direito fundamental assegurado pelo art. 5º, LV, da Constituição Federal aos brasileiros e estrangeiros residentes no país, também encontrando previsão expressa na Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados e na Lei 9.474/97, pelo que a conclusão de processo administrativo em que seja declarada a perda da condição de refugiado, assegurado o contraditório e a ampla defesa, deve ser reconhecida como limitação ao poder discricionário do Executivo para expulsar um estrangeiro que ostente a condição de refugiado. 4. Hipótese em que a portaria de expulsão foi editada sem que tivesse sido levada em consideração a condição de refugiado do paciente, tendo o próprio impetrado informado estar a medida de expulsão sobrestada, já que "enquanto o interessado detiver o status de refugiado, a expulsão não poderá ser efetivada, sendo condicionada à perda do refúgio, observados o devido processo legal e a ampla defesa" (e-STJ, fl. 58). 5. É nula a portaria de expulsão editada contra refugiado antes de instaurado regular processo administrativo de perda do refúgio, não podendo o ato ter seus efeitos suspensos para ser convalidado por procedimento administrativo posterior. Ordem concedida. (STJ - HC: 333902 DF 2015/0206886-1, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 14/10/2015, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 22/10/2015)
13.DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA DEVE NORTEAR DECISÕES REFERENTES A REFUGIADOS
O relator, ministro Humberto Martins, destacou que tanto a Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados quanto a Lei 9.474/1997 preveem a expulsão de refugiados por motivos de ordem pública, não cabendo ao Judiciário avaliar a pertinência da caracterização da condenação do paciente como motivo de ordem pública suficiente para justificar a medida.
"É de se ver, entretanto, que o conjunto de normas que tratam da matéria impõe alguns cuidados adicionais ao Executivo. O primeiro é o relativo à impossibilidade de que seja o paciente devolvido ao local onde sua vida, sua liberdade ou sua dignidade correm riscos", alertou.
De acordo com Humberto Martins, essa limitação tem amparo não apenas na convenção e na lei citada, mas na própria Constituição Federal, que elege a dignidade da pessoa humana como fundamento da República e dispõe que, em suas relações internacionais, o Brasil deverá se reger pela prevalência dos direitos humanos.
Concluiu o Ministro que “uma vez que a perda da condição de refugiado é condição para expulsão, tem-se que a portaria editada quando o paciente ainda mantinha tal condição deve ser declarada nula, não sendo suficiente a suspensão de sua execução, uma vez que à época de sua edição, havia um óbice formal que não pode ser convalidado por procedimento administrativo posterior” (HC 333.902).
14.STJ NÃO DEVE JULGAR ATO DE EXPULSÃO PRATICADO POR COORDENADOR DE PROCESSOS MIGRATÓRIOS
A Primeira Seção entendeu que o STJ não tem competência para analisar habeas corpus contra ato de expulsão praticado pelo coordenador de processos migratórios do Ministério da Justiça. A posição foi firmada em 2022, quando o colegiado negou provimento a agravo interno no HC 692.415.
No caso analisado, a defesa de uma colombiana condenada por tráfico privilegiado impetrou habeas corpus para invalidar a portaria que determinava sua expulsão do Brasil.
Para a relatora, ministra Assusete Magalhães, o STJ seria a corte adequada para julgar o processo caso a autoridade coatora fosse o ministro da Justiça. Nesse sentido, ela reiterou parecer do Ministério Público Federal (MPF) destacando que, na época da publicação impugnada, já vigorava a Portaria 432/2019 da Secretaria Nacional de Justiça, responsável por subdelegar ao coordenador de processos migratórios a prática do ato expulsório.
A ministra explicou que é possível a aplicação da Súmula 510/STF, segundo a qual, "praticado o ato por autoridade, no exercício de competência delegada, contra ela cabe o mandado de segurança ou a medida judicial".
"Assim, reconhecida a ilegitimidade passiva da autoridade impetrada, o Superior Tribunal de Justiça não possui competência para processar e julgar o presente habeas corpus, conforme previsto no artigo 105, I, "c", da Constituição Federal", concluiu a relatora, vejamos:
AGRAVO INTERNO NO HABEAS CORPUS. EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO. ATO PRATICADO PELO COORDENADOR DE PROCESSOS MIGRATÓRIOS. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA. INCOMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA PROCESSAR E JULGAR O FEITO. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. I. Agravo interno interposto contra decisão que indeferiu liminarmente o Habeas Corpus e determinou a imediata remessa dos autos à Seção Judiciária do Rio de Janeiro - juízo competente para a análise da pretensão aqui exposta - a fim de que proceda como achar de direito. II. O presente Habeas Corpus foi impetrado com objetivo de desconstituir a Portaria 1.118, de 26 de novembro de 2019, de lavra do Coordenador de Processos Migratórios do Ministério da Justiça, que decretara a expulsão do paciente do país. III. Nos termos do art. 105, I, c, da Constituição Federal, compete ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar, originariamente, "os habeas corpus, quando o coator ou paciente for qualquer das pessoas mencionadas na alínea 'a', ou quando o coator for tribunal sujeito à sua jurisdição, Ministro de Estado ou Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral". IV. Reconhecida a ilegitimidade passiva do Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública, o Superior Tribunal de Justiça não possui competência para processar e julgar o presente Habeas Corpus, conforme previsto no art. 105, I, c, da Constituição Federal. Nesse sentido, são as seguintes decisões, proferidas em casos similares ao dos autos: STJ, HC 624.216/DF, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, DJe de 20/11/2020; RCD no HC 551.763/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 05/02/2020; HC 554.419/DF, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJe de 04/02/2020; HC 551.763/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 13/12/2019. V. Agravo interno improvido. (STJ - AgInt no HC: 692415 RJ 2021/0290891-5, Relator: Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, Data de Julgamento: 15/02/2022, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 17/02/2022)
15. CONCLUSÃO
Em conclusão, enquanto a extradição tem uma natureza penal e é solicitada por outro país, a expulsão tem uma natureza administrativa e é decidida unilateralmente pelo país que expulsa o estrangeiro. Ambos os processos devem respeitar os direitos humanos e as garantias processuais do indivíduo em questão.
16. REFERÊNCIA:
Brasil. Superior Tribunal de Justiça. STJ - HC: 452975 DF 2018/0131630-8, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 12/02/2020, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 10/03/2020
Brasil. Superior Tribunal de Justiça. STJ - HC: 285608 DF 2013/0420538-9, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 12/03/2014, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 19/03/2014
Brasil. Superior Tribunal de Justiça. STJ - HC: 250026 MS 2012/0158064-0, Relator: Ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de Publicação: DJ 06/08/2012
Brasil. Superior Tribunal de Justiça. STJ - HC: 274249 SP 2013/0237750-9, Relator: Ministra MARILZA MAYNARD (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/SE), Data de Julgamento: 04/02/2014, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/02/2014
Brasil. Supremo Tribunal Federal. STF - HC: 186490 SC 0094524-02.2020.1.00.0000, Relator: CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 10/10/2020, Segunda Turma, Data de Publicação: 22/10/2020
Brasil. Superior Tribunal de Justiça. HC 324.231/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 03/09/2015, DJe 10/09/2015
Brasil. Superior Tribunal de Justiça. STJ - HC: 666247 DF 2021/0145507-2, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Julgamento: 10/11/2021, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 18/11/2021
Brasil. Superior Tribunal de Justiça. STJ - HC: 418116 SP 2017/0249547-0, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 22/02/2018, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 28/02/2018.
Brasil. Superior Tribunal de Justiça. STJ - HC: 608035 DF 2020/0214958-7, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 12/05/2021, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 01/07/2021
Brasil. Superior Tribunal de Justiça. STJ - REsp: 1570388 PB 2015/0303775-4, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Publicação: DJ 04/12/2018
Brasil. Superior Tribunal de Justiça. STJ - HC: 333902 DF 2015/0206886-1, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 14/10/2015, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 22/10/2015
Brasil. Superior Tribunal de Justiça. STJ - AgInt no HC: 692415 RJ 2021/0290891-5, Relator: Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, Data de Julgamento: 15/02/2022, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 17/02/2022
Mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada - Espanha. Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo UNICEUB. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo ICAT/UDF. Pós-graduado em Gestão Policial Judiciária pela ACP/PCDF-FORTIUM. Professor Universitário de Direito Penal e Orientação de Monografia. Advogado. Delegado de Polícia da PCDF (aposentado). Já exerceu os cargos de Coordenador da Polícia Legislativa da Câmara Legislativa do Distrito Federal (COPOL/CLDF), Advogado exercendo o cargo de Assessor de Procurador-Geral da CLDF. Chefe de Gabinete da Administração do Varjão-DF. Chefe da Assessoria para Assuntos Especiais da PCDF. Chefe da Assessoria Técnica da Cidade do Varjão - DF; Presidente da CPD/CGP/PCDF. Assessor Institucional da PCDF. Secretário Executivo da PCDF. Diretor da DRCCP/CGP/PCDF. Diretor-adjunto da Divisão de Sequestros. Chefe-adjunto da 1ª Delegacia de Polícia. Assessor do Departamento de Polícia Especializada - DPE/PCDF. Chefe-adjunto da DRR/PCDF. Analista Judiciário do TJDF. Agente de Polícia Civil do DF. Agente Penitenciário do DF. Policial Militar do DF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COIMBRA, Valdinei Cordeiro. A evolução da jurisprudência do STJ sobre expulsão de estrangeiros Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 set 2023, 04:55. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/3608/a-evoluo-da-jurisprudncia-do-stj-sobre-expulso-de-estrangeiros. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Benigno Núñez Novo
Precisa estar logado para fazer comentários.