“A Seat at the Top? A Historical Appraisal of Brazil’s Case for the UN Security Council”, escrito por Eugênio V. Garcia e Natalia B. R. Coelho, apresenta a difícil jornada atravessada pelo Brasil na sua busca em formular o direito internacional e enriquecer o debate político internacional nos órgãos de poder mundial, a Liga das Nações e sua sucessora, a Organização das Nações Unidas (ONU). Os autores, pesquisadores da Universidade de Brasília - UnB, adotam uma abordagem histórica no artigo que se intercala com críticas e apontamentos acerca das manobras adotadas e a percepção dos agentes estatais responsáveis por essas e a ótica da imprensa nacional sobre esses eventos.
O artigo tem como trunfo a análise realizada dentro do local de estudo, a ONU, em que o pesquisador e autor principal, Eugênio V. Garcia, vem atuando direta ou indiretamente na capacidade de membro da carreira diplomática brasileira, além de sintetizar sua obra prévia, “O Sexto Membro Permanente: O Brasil e a criação da ONU” publicado em 2012. Por outro lado, a coautora Natalia B. R. Coelho, pesquisadora do Instituto de Relações Internacionais da UnB e acadêmica visitante da Universidade John Hopkins, na Paul H. Nitze School of Advanced International Studies (SAIS), contribui com a perspectiva externa do objeto de estudo, tratando-o como estudo de caso, numa visão externa, apartada do cenário estudado, o que equilibra a análise e favorece a cientificidade da pesquisa.
A entrada do Brasil na Liga das Nações é o foco inicial dado pelos autores, que apontam a participação tímida do Brasil na I Guerra Mundial, ainda assim a única participação de um país da América do Sul, e que, na criação da Liga das Nações em 1919, com o Tratado de Versalhes, estabelece limites e regras para a organização de alcance internacional de inspiração dos Quatorze Pontos para a Paz, do Presidente dos EUA, Woodrow Wilson, o que guiaria uma nova forma de política e direito internacional (KISSINGER, 2001).
Com a sua concepção e instalação em 1920, o presidente Wilson aponta a participação Brasileira no conflito mundial, e o Brasil se torna representante no Conselho Executivo, hoje muito semelhante ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, que, como percebemos, atuariam como policiais do globo, equilibrando o sistema e evitando uma nova guerra, missão na qual fracassou.
Aliás, esta tentativa de impor limites e estabelecer uma instituição universal de Estados, visando mitigar as assimetrias de poder, normatizando o poder, depois estabelecendo categorias estatais, como ocorreria com o Conselho Executivo da Liga das Nações e, posteriormente, no Conselho de Segurança das Nações Unidas, como órgãos centrais de força, num exercício realista, dentro de um arcabouço liberal, qual seja, a Liga das Nações ou a Organização das Nações Unidas, que permitiriam substituir o uso descontrolado da força de uns pouco sobre muitos, como ocorrera antes do conflito mundial, assevera Eugênio V. Garcia em outra obra mais extensa dentro do escopo do Brasil nas Nações Unidas:
Na era do imperialismo, das conquistas coloniais e da diplomacia das canhoneiras, a ameaça e o uso da força contra povos “semibárbaros” ou “não civilizados” era uma prática comum, avalizada pelo espírito da época e amparada em normas e discursos justificadores. Nesse mundo dominado pelas assimetrias de poder, sem restrições legais à coerção militar unilateral e sem organizações multilaterais de caráter político, Estados pequenos ou potências médias, quando não assediados, invadidos ou ocupados, eram no mais das vezes relegados a um status secundário (Conselho de Segurança das Nações Unidas, 2013, p. 14).
A partir do ingresso brasileiro na Liga das Nações nos anos 1920, apontam os autores, o país ganha destaque superior ao que podia esperar, sendo membro de seu Conselho de países que chefiavam a paz, e fazendo representar toda a população das Américas, já que os Estados Unidos se viram impossibilitados de estar na organização de paz. A Liga, porém, se mostrou pouco eficaz e o país não viu atendida sua demanda de mais reconhecimento, pelo contrário, abandonou a Liga quando o governo brasileiro se considerou preterido por nações europeias (CERVO e BUENO, 2011), ao que os autores destacam uma possível incompreensão e erro interpretativo na estratégia brasileira, superestimando seu tamanho (p. 04).
Posteriormente, com a participação brasileira na II Guerra Mundial e a leitura realista do presidente Roosevelt sobre a incapacidade, à época, dos EUA assegurarem a segurança das Américas, o hemisfério ocidental, aventa a necessidade do Brasil ser membro do Conselho de Segurança da organização que se desenhava nas reuniões dos países aliados ainda durante a guerra, na busca de conceber uma nova ordem mundial. Não raro as razões estratégicas brasileiras iam ao encontro, frequentemente, das necessidades americanas, o que nos galgou a patamar de visibilidade em Washington.
A pesquisa não escapa à abordagem das reuniões que criaram tal organização, às quais o Brasil esteve presente e fora cogitado a participar como membro permanente, num quadro em que a França ficava ausente, porém que desagradava às potências europeias, em especial o Reino Unido e a URSS que temiam a alta representatividade das Américas no futuro Conselho de Segurança (BARRETO, 2001). Contudo, com a morte repentina de Roosevelt, a relevância brasileira rapidamente desapareceu em Washington D.C (p. 05). Permanecemos, assim, apenas com a aspiração de participarmos do jogo de interesses das nações, influindo nas regras internacionais com mais poder de autonomia (CERVO e BUENO, 2011).
Após décadas de Guerra Fria, em que o Brasil permaneceu mais distante dos temas multilaterais; na prevalência de uma aparente unilateralidade, o assunto voltou à tônica do processo de reforma das instituições globais, e o Brasil bem soube penetrar nas conversas e tratar do tema, lembrando às nações seu papel histórico, como nos discursos do presidente José Sarney e na eleição do país como membro temporário do Conselho de Segurança no biênio 1988-1989, destacam Garcia e Coelho (p. 06). Entretanto, a posição brasileira ainda parecia ser marcada por ambiguidades, pois o país não parecia mostrar que seu interesse era superior ao seu relacionamento com os vizinhos, buscando distanciamento de qualquer sinal de imperialismo ou hegemonia, o que poderia pesar de forma negativa em negociações futuras para a votação brasileira como membro permanente do Conselho de Segurança.
No século XXI o tema ganhou destaque com o enfraquecimento do unilateralismo norte-americano, visibilidade negativa que a ONU trazia e insatisfação dos povos com a maneira que os Estados possuidores de contingente de poder tratavam os Estados não possuidores do mesmo, ou de outras formas de proteção. Nesse diapasão, os Estados se veem na obrigação de alterar as regras do Direito Internacional, única forma possível de assegurar aos mais fracos que seus direitos não serão violados (PATRIOTA, 2010).
Ao mesmo tempo em que a movimentação internacional parece disposta a dialogar sobre a reforma dos meios de governança global e do Direito Internacional de paz e segurança internacionais, o Estado brasileiro se encontra em inflexão nas relações internacionais. Ainda assim, Garcia e Coelho (p. 11) consideram no artigo que a formulação de política externa com objetivo de alcançar a tão esperada inserção do país no jogo de potências, conforme o pensamento histórico do Itamaraty, apenas altera matizes, mas continuará a ser interesse de governos de esquerda ou direita no país, em razão do que percebemos ter se tornado uma política do Estado Nacional.
REFERÊNCIAS
BARRETO FILHO, Fernando Paulo de Mello. Os Sucessores do Barão, 1912-1964. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
CERVO, Amado Luiz; BUENO, Clodoaldo. História da Política Exterior do Brasil. 4ª. Ed. Revista e ampliada, Brasília: UnB, 2011.
GARCIA, Eugênio Vargas. Conselho de Segurança das Nações Unidas. Brasília: FUNAG, 2013.
___________.Sexto membro permanente: o Brasil e a criação da ONU. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.
___________.COELHO, Natalia B. R. A Seat at the Top? A Historical Appraisal of Brazil’s Case for the UN Security Council. SAGE Open. July-September 2018: 1–13. https://doi.org/10.1177/21582440188010.
KISSINGER, Henry. Does America need a foreign policy?: Toward a diplomacy for the 21st century. New York: Simon & Schuster, 2001.
PATRIOTA, Antônio de Aguiar. O Conselho de Segurança após a Guerra do Golfo: a articulação de um novo paradigma de segurança coletiva. 2ª ed, Brasília: FUNAG, 2010.
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