Se você não é religioso, não se assuste com este texto, ele parece, mas não o é. Por outro lado, se você é religioso, deixe de lado o paradigma da religião e foque em comentários que, embora sobre um texto bíblico, abordam não religião, mas princípios. Embora cristão, não vou falar dos ensinos religiosos de Jesus, mas de princípios que podem ser extraídos dos acontecimentos em que ele esteve envolvido e que se aplicam à vida cotidiana e, conseqüentemente, ao concurso público.
Primeiro, peço que leiam o texto abaixo, onde se escondem os 3 momentos da superação e do sucesso:
"De caminho para Jerusalém, passava Jesus pela divisa entre Samaria e Galiléia. Ao entrar numa aldeia, saíram-lhe ao encontro dez leprosos, que ficaram de longe e lhe gritaram, dizendo: Jesus, Mestre, compadece-te de nós! Ao vê-los, disse-lhes Jesus: Ide e mostrai-vos aos sacerdotes. Aconteceu que, indo eles, foram purificados. Um dos dez, vendo que fora curado, voltou, dando glória a Deus em alta voz, e prostrou-se com o rosto em terra aos pés de Jesus, agradecendo-lhe; e este era samaritano. Então, Jesus lhe perguntou: Não eram dez os que foram curados? Onde estão os nove? Não houve, porventura, quem voltasse para dar glória a Deus, senão este estrangeiro? E disse-lhe: Levanta-te e vai; a tua fé te salvou" (Lucas 11: 17-19; Versão: João Ferreira de Almeida, revista e atualizada – ARA – e NVI[1]).
Só para se entender, Jesus era judeu e, naquela época, os judeus e os samaritanos não se davam. Assim, ao andar na fronteira entre um território cheio de samaritanos (obviamente, a Samaria) e outro, de judeus (a Galiléia), havia muita chance de incidentes. O interessante é que Jesus resolveu chegar às margens de sua região. Sempre que alguém quer fazer algo novo, precisa se colocar à margem, no extremo de si mesmo. Normalmente muda, melhora ou cresce quem se coloca à margem, na fronteira, quem se arrisca um pouco. A Bíblia chega a dizer que "é dos valentes a riqueza", bem entendida a riqueza como algo com várias dimensões, sendo a menor delas o dinheiro. O bem estar, a saúde, a família, o equilíbrio, todos são formas de riqueza, para cuja obtenção é preciso coragem, valentia.
Estar no extremo é perigoso, arriscado, trabalhoso, cansativo, algo que nos expõe, mas a única forma de romper as nossas fronteiras internas, emocionais, pessoais e, em razão dessa passagem, de romper as fronteiras de nossa existência externa, material, profissional, empreendedora e transformadora da realidade.
Se não bastasse ir para um lugar de pessoas discriminadas, Jesus aceitou conversar com leprosos, que de longe lhe pediram socorro. A Lei e os cuidados sanitários proibiam que os leprosos se aproximassem de quem fosse são, por isso ficavam a distância. Não tendo temido as margens geográficas, interessante a atitude daquele rabi de ouvir quem estava à margem da sociedade.
Pois bem, os leprosos pediram que Jesus os curasse. Cura. Todos nós precisamos de alguma. O concurso "cura" uma série de problemas, desde o desemprego ou subemprego até a falta de auto-estima, desde a falta de dinheiro ou de estabilidade até a de realização profissional. A aprovação inclui qualidade de vida, sensação de realização e a chance de servir ao próximo.
A questão é se o que aconteceu naquele longe recanto do mundo ensina algo sobre como passar em concursos. E, a meu ver, ensina.
A resposta ao pedido de cura foi clara: "Vão, mostrem-se aos sacerdotes e peçam que examinem vocês. Essa era a forma como alguém cuja lepra tivesse regredido poderia voltar ao convívio social: mostrar-se ao sacerdote, o qual, verificando a cura, liberava a pessoa.
Reparem que Jesus não os curou quando pediram a cura. Aliás, aqueles leprosos podiam ter desejado a cura, mas se não a pedissem não teriam conseguido nada. O início do processo de mudança ou restauração é um desejo, mas um desejo concatenado. É querer, mas um querer que se manifesta. Só pensamento, só desejo, sem ações externas, nada conseguem.
Quando Jesus mandou que eles fossem até os sacerdotes, foi preciso fé, foi preciso confiança. E aqui se completa a primeira fase do sucesso em qualquer projeto, inclusive nos concursos: Desejo, vontade, confiança que, acreditando em algo, se movimenta. Eles queriam a cura, eles pediram a cura, eles procuraram alguém que tivesse algum caminho a indicar e, seguindo a orientação, eles, – acreditando nela – se puseram em marcha. Eles quiseram... e confiaram.
O primeiro passo para vencer é querer e confiar.
Então, eles se puseram em marcha. Mas, não bastava apenas confiar, não bastava apenas a fé, não bastava apenas o otimismo, a crença. A fé é apenas o primeiro passo, mas sozinha não muda o mundo. É preciso se pôr a andar, enfrentar a estrada. Quando os dez leprosos, acreditando em sua cura, se colocaram a andar aconteceu algo mágico: O movimento os curou. A versão NVI fala: “Enquanto eles iam, foram purificados.” A versão ARA diz: “Aconteceu que, indo eles, foram purificados.” A cura se operou na marcha, no caminho. Estou convencido de que a maior parte dos milagres e a totalidade das realizações humanas só se concretizam quando a pessoa ou um grupo de pessoas se coloca em movimento.
Outro caso claro ocorreu quando Moisés clamou por socorro a Deus e a resposta vinda dos céus foi "– Por que clamas a mim, Moisés? Diga ao povo de Israel que marche". Quando o povo marcha, então o mar se abre (Êxodo, cap. 14 e seguintes). Como já disse em outro texto meu, entre a escravidão e a terra que "mana leite e mel" sempre existem um mar e um deserto. E só chegam à "Terra Prometida" aqueles que se dispõem a confiar que um dia chegarão... e se põem a marchar. Os oceanos se intimidam diante de alguém que marcha em direção a eles; os problemas se derretem de medo daqueles que os enfrentam.
É a marcha que ensina, que dá experiência, que dá substância, que dá moral e merecimento. É a marcha que cura, é a marcha que conduz à vitória. Não há um momento de cura: a cura é um processo.
O segundo passo para vencer é marchar.
Por fim, após a soma da fé e da caminhada, os leprosos conseguiram o que desejaram. Estavam curados. Então, manifestando uma condição natural e miserável da Humanidade, de dez leprosos apenas um retorna para agradecer. Maquiavel chega a dizer que "as pessoas têm dificuldade em agradecer e facilidade em se vingarem por que gratidão é um dever e a vingança um prazer". Curiosamente, o único que voltou para agradecer era samaritano, exatamente aquele que era discriminado. Não há espaço aqui para elocubrar sobre por quais razões aqueles nove judeus curados não voltaram para agradecer, mas a perplexidade por isso é um registro a ser feito. Eu tenho reparado o quanto uma pessoa discriminada e sem oportunidades rende bem quanto alguém lhe abre uma porta. A gratidão é apenas uma das formas de concretização disso.
A este único que voltou para agradecer, Jesus diz: "Vai, tua fé te salvou". De repente, surge um novo degrau: todos os dez tiveram a cura da lepra, mas aquele único recebeu algo mais. A lepra não era o pior problema, embora o mais fácil de ser visto; a "salvação" foi apenas para quem agradeceu.
O terceiro passo do sucesso é a gratidão.
Talvez esse seja o mais difícil, pois sua exigência só se perfaz após o sucesso. Costumo dizer que as derrotas são melhores professoras que as vitórias, e que o triunfo é um ser muito mais difícil de se lidar do que o fracasso em algum projeto. Não são poucos aqueles que se deprimem, frustram e angustiam depois de terem vencido na vida. Não é fácil vencer, porque vencer muda os cenários, as perspectivas. Quem vence alcança suas metas... mas como viver sem elas? Acomodar-se? Criar novas? Viver escravo de novas metas, cada vez maiores?
O servidor público tem novos desafios já no primeiro dia depois de sua nomeação e posse. Novas preocupações também. E se não aprender a ser grato, provavelmente não será "salvo". Como falo no último capítulo do livro "A arte da guerra para provas e concursos", disponível gratuitamente em minha página (www.williamdouglas.com.br), a vitória nos concursos vai nos levar à "guerra dos espelhos silenciosos", que se dá quando, em algum momento, nos olhamos no espelho e nos indagamos quem somos, onde estamos, se somos felizes.
Quem quiser agradecer na seara dos concursos, seja um bom servidor. Assim como os dez leprosos tinham resolvido a lepra, quem passa já resolveu sua vida. Mas é preciso completar o ciclo para ser "salvo": é preciso agradecer, e não há melhor agradecimento do que ser um bom servidor, honesto, educado, cumpridor da sua parte. Não ache que basta passar e resolver a própria vida. Há leis espirituais que são inexoravelmente cumpridas. Não são leis religiosas, pois destas é possível livrar-se pela própria vontade. As leis espirituais são tão inexoráveis, ou mais, que as físicas. Entre elas temos a gratidão, a lei da atração, a lei do retorno, o princípio do vácuo etc.
Seria desonesto da minha parte falar sobre como se passar em provas e concursos e não alertar que depois da aprovação ainda existe um passo gigantesco a ser dado, não para a aprovação (curar a lepra), mas para a salvação da alma (não do ponto de vista religioso, mas emocional, pessoal e moral). Depois da aprovação, seja grato.
E como ser aprovado?
Bem, é preciso ter fé, querer, desejar com ações concretas... e colocar-se em marcha. Pois é indo pelo caminho que somos curados. Depois, curados do que é visível, nossos desafios são imateriais, e nessa hora o retorno, a gratidão e a devolução é o que nos salva de nós mesmos, o que nos liberta para uma nova dimensão.
Já foi dito que "é fácil comandar homens livres, que basta mostrar-lhes o caminho do dever". Eu diria que é fácil mudar o mundo com homens livres (ou seja, que querem, que marcham, que são gratos e devolvem o bem): basta deixá-los caminhar.
Juiz Federal, Titular da 4ª Vara Federal de Niterói - Rio de Janeiro; Professor Universitário; Mestre em Direito, pela Universidade Gama Filho - UGF; Pós-graduado em Políticas Públicas e Governo - EPPG/UFRJ; Bacharel em Direito, pela Universidade Federal Fluminense - UFF; Conferencista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro - EMERJ; Professor Honoris Causa da ESA - Escola Superior de Advocacia - OAB/RJ; Professor da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas - EPGE/FGV; Membro das Bancas Examinadoras de Direito Penal dos V, VI, VII e VIII Concursos Públicos para Delegado de Polícia/RJ, sendo Presidente em algumas delas; Conferencista em simpósios e seminários; Autor de vários livros. Site: www.williamdouglas.com.br<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DOUGLAS, William. Lepra e concurso público Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 nov 2008, 10:09. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/112/lepra-e-concurso-publico. Acesso em: 22 nov 2024.
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