Sumário: 1.Situação do dumping no contexto do Direito Empresarial – 2. O regulamento antidumping – 3. O Conceito de dumping – 4. O processo antidumping.
1. Situação do dumping no contexto do Direito Empresarial
Assunto que de tempos em tempos explode com violência é a disputa do mercado consumidor pelas empresas, uma procurando engolir a outra, utilizando-se de sortilégios vários como o dumping, do qual iremos falar. É uma questão restrita e específica, mas largamente situada no contexto do Direito Empresarial, ou, mais precisamente, do Direito da Propriedade Industrial, no qual o dumping se situa. Entretanto, seus efeitos se nos alargam vários campos do direito, até mesmo do direito público, constituindo tema relevante do Direito Econômico.
Normalmente, os choques entre empresas ganham proporções altas, às vezes internacionalmente, realçados pelo noticiário da imprensa. Há pouco tempo, uma grande corporação europeia pretendia dominar o mercado de bebidas no Brasil e usou dos costumeiros artifícios para conseguir seu intento. Após fazer o dumping das cervejas, propôs adquirir o controle de uma cervejeira do interior de São Paulo. O dono da empresa fez pé firme em mantê-la em seu poder.
Pode parecer coincidência, mas pouco depois o Ministério Público empreendeu ação contra essa empresa por sonegação de impostos. Por ordem judicial, várias dezenas de policiais, com vários carros brindados, uniformes de guerra, com capacetes, coletes à prova de balas, metralhadoras e outras armas, invadem a empresa e aprisionam seu dono, um ancião de 85 anos, algemam-no e o conduzem sob forte escolta policial. Houve intenso aparato publicitário, com vários repórteres, cinegrafistas, entrevistadores, seguida de ampla divulgação nos órgãos da imprensa escrita e falada.
2. O regulamento antidumping
Uma das formas de abuso do poder econômico por parte de uma empresa é a prática do dumping. É ainda manifestação de concorrência desleal, pois o dumping visa a desbaratar as empresas concorrentes do mercado consumidor disputado pela empresa agente do dumping. Note-se que o termo em questão faz parte hoje do vocabulário jurídico nacional, utilizado pela legislação que o restringe, com a grafia original; não se trata mais de uma expressão estrangeira.
Deve ter-se tornado problema bem sério, após a entrada no Brasil de produtos importados, tanto que provocou vivas discussões no final de 1944 e a promulgação da Lei Antidumping, com o Decreto 1.602, de 26.8.1995. O Brasil já oficializara o acordo do GATT – General Agreement on Taffis and Trade (atual OMC – Organização Mundial do Comércio), estabelecido pelo Tratado de Marraqueshe (Marrocos), aprovado pelo Decreto Legislativo 30, de 13.12.94 e promulgado pelo Decreto 1.335, de 30.12.94.
Como se sabe, um tratado internacional transforma-se em lei nacional graças à aprovação do Congresso Nacional por um decreto legislativo e promulgação por decreto do Poder Executivo. Foi o que aconteceu com o tratado que transformou o GATT na OMC e estabeleceu as regras internacionais atualmente em vigor para a repressão ao dumping. Nossa lei e esse tratado ratificam o anterior Acordo Antidumping, celebrado em reunião do GATT, transformado em lei nacional, ao ser aprovado pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo 20, e promulgado pelo Decreto 93.941/87 e Acordo de Subsídios e Direitos compensatórios, aprovado pelo Decreto legislativo 22 e promulgado pelo Decreto 93.962/87, hoje devidamente regulamentado pela Lei 9.019/95.
3. Conceito de dumping
O dumping é a prática de introduzir produtos de um país no mercado consumidor de outro país, por preço inferior ao seu valor normal. Esta definição foi introduzida em caráter menos absoluto no código antidumping em 1967 com a seguinte redação:
“Um produto deve ser considerado como caracterizador de um dumping, isto é, como introduzido no mercado de um país importador a preço inferior ao seu valor normal, se o preço de exportação desse produto, quando exportado de um país para outro, é inferior ao preço comparável, praticado no curso das operações comerciais normais, por um produto similar destinado ao consumo no país exportador.”
Vê-se, destarte, que o dumping foi a princípio considerado um fenômeno internacional, malgrado seja ele praticado silenciosamente também no plano nacional.
A prática do dumping tornou-se corriqueira para o Brasil, ao criar incentivos fiscais e linhas de crédito especiais para a exportação de produtos brasileiros. Em consequência, as empresas brasileiras lançaram-se à conquista dos mercados internacionais, oferecendo produtos a baixo custo, bem abaixo do preço cobrado no mercado interno. Inúmeras ameaças de retaliação, principalmente dos EUA, não fizeram o Governo brasileiro arredar pé dessa política econômica. Em 1994, porém, houve o reverso da medalha. Para poder exportar seus produtos, nosso país teve de abrir suas portas à importação. Essa abertura acarretou uma enxurrada de automóveis, tecidos, calçados, artigos para presentes e muitos outros artigos, cuja importação era antes proibida. Essa concorrência gerou protestos das empresas brasileiras. Fabricas de calçados do Rio Grande do Sul e de Franca, tecelagens de Americana-SP e outras fecharam ou reduziram drasticamente sua produção.
Ante a crise em que se debateram as empresas nacionais, o Brasil apressou a aplicação das normas preconizadas pela OMC, em que se transformou o GATT. Para tanto, transformou-as em lei nacional e, em seguida, apresentou o Decreto 1.602/95, regulamentando as normas disciplinadoras dos procedimentos administrativos, relativo à aplicação dos direitos previstos na Lei Antidumping, e depois a Lei 9.019/95. A nova legislação descurou, todavia o dumping interno, ou seja, o praticado por empresas produtoras de produtos no próprio mercado interno. Predomina na Lei o nítido sentido internacional, preocupando-se com a entrada no Brasil, de produtos oriundos de outros países, a preço abaixo dos que sejam adotados no mercado interno dos países exportadores desses produtos. A analogia, entretanto, autoriza-nos a apelar pela aplicação da Lei igualmente no plano interno.
A questão é juridicamente bem complexa quanto à sua natureza. Há o concurso de vários ramos do Direito. Sendo assunto tratado pela OMC, na pauta de suas prioridades, amolda-se no Direito Internacional, tanto Público como Privado. Ao afetar a economia interna de um país e provocar o surgimento de legislação nacional, torna-se tema de direito interno. Como o dumping é prática de empresas, situa-se no âmbito do Direito Empresarial. Volvendo ao moderno conceito de Direito Empresarial, adotado pelo mestre da Universidade de Roma, o preclaro comercialista Giuseppe Ferri, de que o Direito Empresarial cuida das atividades empresariais destinadas á satisfação do mercado consumidor, temos que situar a questão no âmbito deste direito. Refere-se às normas referentes às unidades de produção e distribuição de bens, no regime de livre iniciativa e intento lucrativo, vale dizer, as empresas, às atividades destas com vistas à conquista processa-se em afronta às normas legais, constituindo, pois crimes previstos no Código da Propriedade Industrial e Código Penal, catalogados como concorrência desleal.
Essa concorrência desleal é patente. Por que uma empresa vende seus produtos a preços abaixo do mercado? Só pode ser para desbaratar a concorrência e ver-se sozinha no mercado; poderá então impor seu preço. Naturalmente, a empresa agente do dumping deverá ter considerável poder econômico para bancar os preços baixos e usa esse poder para escorraçar as empresas concorrentes, assenhorear-se do mercado e impor os preços que lhe proporcionem pingues lucros. Utilizamos aqui a linguagem adotada pelo Código de Propriedade Industrial, classificando esse tipo de ação como “concorrência desleal”. Todavia, julgamo-la como concorrência ilícita, por ser condenada pela lei. Poder-se-ia até chamá-la de criminosa, uma vez que os atos que a compõem são classificados como crimes pelo Código de Propriedade Industrial e pelo Código Penal.
O artigo 4º do Decreto 1.602/95 dá-nos uma definição de dumping, não muito diferente da que nos tinha sido dada pelo antigo GATT:
“Para os efeitos deste decreto, considera-se prática de dumping a introdução de um bem no mercado doméstico, inclusive sobre as modalidades de drawback, a preço de exportação inferior ao valor nominal.”
Considera-se normal o preço efetivamente praticado para o produto similar nas operações mercantis, que o destinem a consumo interno no país exportador. Por exemplo, ingressaram no Brasil ventiladores chineses a preço de US$ 10,00, enquanto eles custavam na China US$ 18,00. Se porventura o produto exportado ao Brasil não for vendido no mercado interno do país exportador, será levado em conta o preço de produto similar. O termo “produto similar” será entendido como produto idêntico, igual sob todos os aspectos ao produto que se está examinando, ou, na ausência de tal produto, outro produto que, embora não exatamente igual sob todos os aspectos, apresente características muito próximas às do produto que se está considerando. Esse levantamento deverá ser feito no país exportador, mas caberá à empresa prejudicada pelo dumping encomendar essa pesquisa.
Se for difícil aferir o preço adotado no país de origem e exportação do produto entrado no Brasil, por ausência de similar, poderá ser pesquisado o preço da exportação para outros países. Poderão, porém, ser consideradas como operações mercantis anormais e desprezadas na determinação do valor normal as transações entre empresas coligadas ou associadas, ou que tenham celebrado entre si acordo compensatório, a menos que esses preços e custos sejam semelhantes aos de outras empresas não coligadas.
O preço de exportação será o preço efetivamente pago ou a pagar pelo produto, exportado ao Brasil, livre de impostos, reduções e descontos efetivamente concedidos e diretamente relacionados com as vendas. Será efetuada comparação justa entre o preço de exportação e o valor normal, no mesmo nível de comércio, normalmente o ex work (ou ex fabrica), vale dizer, quando o produto entre o valor normal e o preço de exportação.
A empresa que introduzir no mercado brasileiro produtos estrangeiros, a custo abaixo do normal, vale dizer, exercendo dumping, causará danos aos fornecedores nacionais e poderá ser acionada a reparar esses danos. Poderão ser danos materiais ou ameaça de danos materiais à indústria doméstica já estabelecida ou retardamento sensível na implementação de tal indústria.
A determinação do dano será baseada em provas positivas e exigirá exame objetivo do volume das importações sobre a indústria doméstica. É necessária a demonstração do nexo causal entre as importações objeto e do dano à indústria doméstica, devidamente comprovado. A “indústria doméstica” representa a totalidade dos produtores nacionais do produto similar ou como aqueles, dentre eles, cuja produção conjunta constitua parcela significativa da produção nacional do produto.
3. O processo antidumping
A empresa doméstica, ou seja, a indústria brasileira que se julgar prejudicada pela prática de dumping, poderá processar a empresa infratora com base na legislação antidumping brasileira, que, é bom repetir, está escorada nas normas internacionais da OMC. O processo será instaurado na Secretaria do Comércio Exterior – SECEX, órgão do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo. Será, portanto, um processo administrativo, para o qual a lei exige ampla comprovação e demonstração da existência do dumping, dos danos e do nexo causal entre as importações objeto de dumping e os danos alegados. Esse processo seguirá o rito estabelecido pela Lei e por roteiro elaborado pela SECEX.
A abertura do processo será requerida por petição da empresa prejudicada, dirigida à SECEX, contendo a completa qualificação da requerente e indicando o volume e o valor de sua produção nacional de produtos similares. Deve ser juntada a relação das demais empresas domésticas, que produzem artigos similares aos que seja objeto do dumping e o volume e valor da produção dessas empresas. Quanto aos produtos importados, objeto do dumping, necessitarão eles de completa descrição, com a indicação do país em que foram fabricados e de onde vierem, quem os exportou e quem os importou, qualificando e indicando bem essas empresas. Caso haja informações sigilosas, serão elas tratadas de acordo com sistema especial que garanta o segredo. Enfim, deverão ser dadas informações bem pormenorizadas sobre todos os dados referentes ao dumping.
A SECEX poderá pedir informações adicionais e, estando em termos, iniciará o processo, notificando os demais produtores domésticos para que se pronunciem. Se houver apoio de outras empresas, que representem a metade da produção nacional, o processo poderá ser considerado como sendo movido pela “indústria doméstica” ou em seu nome. Equivaleria a uma ação de litisconsórcio, de caráter público. As empresas consideradas partes interessadas neste processo são as produtoras domésticas de artigos similares, ou a entidade de classe que as representem, bem como os produtores e importadores estrangeiros dos bens objeto do dumping e quem tenha importado esses bens. O Governo do país em que estiverem localizados os produtores e exportadores dos bens será também considerado parte interessada e notificado da abertura das investigações. Ao ser aberto o processo, cópia da petição inicial será enviada a todos eles. A SECEX comunicará ainda à SRF - Secretaria da Receita Federal.
Ao longo da investigação, as partes interessadas disporão de ampla oportunidade de defesa de seus interesses. Cada parte poderá requerer a realização de audiência com acareação entre partes de interesses opostos. Terminada a fase instrutória, a SECEX elaborará seu parecer. A fase decisória pertencerá ao Ministro da Indústria, Comércio e Turismo e ao da Fazenda, que aplicarão, mediante atos conjuntos, os direitos antidumping, com base no parecer da SECEX. Consideram-se direitos antidumping, o montante em dinheiro igual ou inferior à margem de dumping apurada com o fim exclusivo de neutralizar os efeitos danosos das importações objeto do dumping.
É um tipo de reparação de danos às indústrias nacionais, prejudicadas pelo dumping. A devedora, vale dizer, a causadora do dumping, deverá ser a empresa importadora ou distribuidora, no mercado nacional, dos produtos objeto do dumping. Não há recurso a instância superior, mas o processo é passível de revisão, desde que haja decorrido no mínimo um ano da imposição de direitos antidumping definitivos e que sejam apresentados elementos de prova. As provas deverão demonstrar que a aplicação do direito deixou de ser requerida pela parte interessada ou por iniciativa de órgão ou entidade administrativa federal ou da própria SECEX. Para efeito de esclarecimento, a Lei antidumping chama de “direitos antidumping” um tipo de multa ou reparação de danos aplicados a uma empresa infratora dessa Lei.
Bacharel, mestre e doutor em direito pela Universidade de São Paulo - Advogado e professor de direito - Autor das obras de Direito Internacional: DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO e DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO, publicados pela EDITORA ÍCONE. E-mail: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROQUE, Sebastião José. O Dumping constitui agressiva forma de dominação Dos mercados nas guerras empresariais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 mar 2012, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/1164/o-dumping-constitui-agressiva-forma-de-dominacao-dos-mercados-nas-guerras-empresariais. Acesso em: 22 nov 2024.
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