“A violência, sob qualquer forma
que se manifeste, é um fracasso.”
(Jean-Paul Sartre)
Violento. Foi esta a palavra que mais encontrei para definir o polêmico filme A Paixão de Cristo, produzido e dirigido por Mel Gibson. Pude ouvi-la pessoalmente e por diversas vezes, proferida por pessoas de sexo e idade diferentes. Coloquei-me, então, a refletir sobre o porquê dessa percepção.
Chuck Norris, Van Damme e Jet Li golpeiam metade do elenco em seus filmes. Cenas formadas por lutas elaboradas, com emprego de técnicas refinadas de artes marciais. O protagonista mostra-se superior até a “batalha final” travada contra o malfeitor. Nessa disputa, enfrenta dificuldades para suplantar o adversário. Apanha, sofre, até que uma gota de seu sangue surge após um golpe certeiro desferido pelo oponente. Está aberta a porta para que o mocinho se supere, derrotando de forma exemplar as “forças do mal”.
Stallone, Schwarzenegger e Steven Seagal também são bons de briga. Usam desde tacos de beisebol até bolas de bilhar e garrafas de bebida para colocar os opositores fora de combate. Mas, como se não bastasse, também são bons atiradores, resolvendo a questão com metralhadoras, granadas, lança-chamas ou apenas uma arma de elevado calibre.
Vejo também filmes em que catástrofes naturais, extraterrestres, bombas atômicas e toda sorte de eventos destroem o planeta. Filmes de guerra e de combate ao narcotráfico em que pessoas são amputadas, fuziladas e perdem a vida com um disparo na têmpora.
Nada disso é violento para nós.
Trata-se de um jogo lúdico, uma catarse. Representa nossos estigmas, um desejo inconteste do subconsciente de fazer valer a justiça que não temos, não recebemos, não praticamos. E talvez a justiça que não desejamos, não merecemos, não engendramos.
O que torna A Paixão de Cristo violento é o fato de acompanharmos por 126 minutos o sofrimento e a dor de Jesus e sentir de forma muito presente que somos nós mesmos os protagonistas do filme. A cada tapa, a cada chibatada, a cada queda, sentimo-nos como se fôssemos nós mesmos a receber tais punições. É isso que incomoda a quem assiste a esta película – e onde reside seu maior mérito. Não é um personagem qualquer que está sendo castigado. Pouco importa a religião de cada um. O fato é que tomamos consciência de nossos pecados, pequenos ou obtusos, o que nos permite o reconhecimento como partícipes dessa violência recorrente.
Somos complacentes com a violência desferida a terceiros. Até nos mostramos apreensivos, um pouco incomodados, mas o fato é que apenas o constrangimento impingido a nós mesmos torna-se objeto de reação.
Sentimo-nos injustiçados quando preteridos em nossas atividades profissionais, mas não temos dificuldades em subjugar ou demitir quem não se alinha com nossos interesses. Condenamos práticas públicas espúrias, mas não hesitamos em buscar pequenos favorecimentos pessoais. Vestimo-nos de branco e rogamos pela paz, mas admitimos a guerra exercida em nome de Deus.
Cada um tem sua própria Paixão e sua própria cruz por carregar. Estou certo de que aquele que acompanhou o calvário de Cristo como retratado no filme jamais olhará incólume para um crucifixo a partir de agora, vendo-o como um mero ícone apenas.
Só não estou certo se cada um, dentro de sua crença e de sua fé, superada a angústia inicial, será capaz de encontrar o caminho, a verdade e a vida.
* Tom Coelho é educador, conferencista e escritor com artigos publicados em 17 países. É autor de “Somos Maus Amantes – Reflexões sobre carreira, liderança e comportamento” (Flor de Liz, 2011), “Sete Vidas – Lições para construir seu equilíbrio pessoal e profissional” (Saraiva, 2008) e coautor de outras cinco obras. Contatos através do e-mail [email protected]. Visite: www.tomcoelho.com.br e www.setevidas.com.br.
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