Sumário: 1 Introdução. 2 O exame do fato gerador do IPI. 3 Interpretação do fato gerador do IPI a partir da matriz constitucional do imposto.
1 Introdução
Grassa controvérsia doutrinária e jurisprudencial quanto à incidência ou não do IPI na importação de produto industrializado.
Se for fixada a tese de que o fato gerador do IPI é o ato de industrialização do produto não poderá haver incidência do imposto sobre produto industrializado procedente do estrangeiro, em razão do princípio da territorialidade das leis brasileira. Julgados que não permitem a cobrança do IPI no desembaraço aduaneiro, entretanto, não enfrentam essa questão da materialidade do fato gerador do IPI, fundando a negativa de incidência do imposto no princípio da bitributação, como adiante veremos.
2 O exame do fato gerador do IPI
Para a análise dessa questão mister se faz o prévio exame de seu fato gerador em seu aspecto nuclear ou material. Dispõe o art. 46 do CTN:
“Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador:
I - o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira;
II - a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51;
III - a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão.
Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo.”
O caput representa o aspecto temporal do fato gerador do IPI, ou seja, quando se considera ocorrido a hipótese abstratamente descrita na norma de imposição tributária.
O aspecto material do fato gerador do IPI está descrito no parágrafo único, do art. 46. A mesma definição está contida no art. 3° da Lei n° 4.502. de 30-4-1964, lei do extinto imposto sobre consumo, que continua vigorando para reger o IPI.
Verifica-se, pois que qualquer operação que modifique a natureza ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para o consumo considera-se produto industrializado. Nesse conceito amplo, até o sangue humano coletado é produto industrializado[1].
Por isso, sustenta Edvaldo Brito que tendo em vista o aspecto espacial do fato gerador, o IPI não pode alcançar aquele ato industrial praticado fora do território brasileiro.[2] Para esse renomado autor a Lei n° 4.502/64 tributava o consumo do produto industrializado, pelo que a industrialização em si não tinha a relevância jurídica que tem sob a ótica da Constituição Federal de 1988.
Entretanto, como assevera Hugo de Brito Machado a materialidade do IPI, quer em face da Constituição de 1946, quer antes, como depois da Emenda 18, repousava na existência do produto industrializado. Tanto assim é que “os momentos de exteriorização do fato gerador do imposto era definido pela mesma lei, a Lei n° 4.502/64, entre os quais o desembaraço aduaneiro de produtos de procedência estrangeira.” [3]
José Roberto Vieira, citado por Hugo de Brito Machado, sustenta a impossibilidade de tributar, por meio do IPI, o produto estrangeiro importado porque a União já o tributa pelo imposto de importação:
“Se o Código Magno atribui à União competência para instituir imposto sobre ‘importação de produtos estrangeiros’ (art. 153, I), claro está que as operações com produtos industrializados não poderão estender seu manto por sobre a importação de produtos industrializados estrangeiros, sob pena de invadirem a materialidade de hipótese de outro tributo.” [4]
Há, data vênia, um duplo equívoco nesse entendimento. Primeiro, porque a posição topográfica do imposto de importação (art. 153, I da CF) não confere primazia sobre o IPI (art. 153, IV da CF). Em segundo lugar, ambos os impostos são de competência impositiva da União, pelo que não há que se falar em bitributação jurídica.
Seja como for, o certo é que, apesar da vigência do IPI desde a Constituição Federal de 1946 (com o nome de imposto sobre consumo), até hoje não há julgado declarando a inconstitucionalidade da incidência do IPI no desembaraço aduaneiro em razão do ato da industrialização ter ocorrido no exterior, portanto, fora do alcance da nossa legislação por força do princípio da territorialidade das leis.
O que existem são acórdãos condenando a cobrança do IPI no desembaraço aduaneiro, porque nesse caso há incidência do imposto de importação, ferindo o princípio da bitributação. Vejamos as ementas abaixo:
“Ementa
Tributário. Empresa importadora. Fato gerador do IPI. Desembaraço aduaneiro. Comerciante de produtos importados.
1- O fato gerador do IPI, nos termos do artigo 46 do CTN, ocorre alternativamente na saída do produto do estabelecimento; no desembaraço aduaneiro ou na arrematação em leilão.
2 – Tratando-se de empresa importadora o fato gerador ocorre no desembaraço aduaneiro, não sendo viável nova cobrança do IPI na saída do produto quando de sua comercialização, ante a vedação ao fenômeno da bitributação.” (AC n° 5011683-79.2010.404.7200, TRF4, Rel. Juiz Federal Carlos Cevi, j. em 31-01-2012).
“Empresa importadora. Fato gerador do IPI. Desembaraço aduaneiro.
I – O fato gerador do IPI, nos termos do artigo 46 do CTN, ocorre alternativamente na saída do produto do estabelecimento; no embaraço aduaneiro ou na arrematação em leilão.
II – tratando-se de empresa importadora o fato gerador ocorre no desembaraço aduaneiro, não sendo viável nova cobrança do IPI na saída do produto quando de sua comercialização, ante a vedação ao fenômeno da bitributação.
III – Recurso especial provido.” (Resp nº 841.269/BA, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 28-11-2006, DJ 14-12-2006, p. 298)
“Tributário. Empresa importadora. Fato gerador do IPI. Desembaraço aduaneiro.
I – O fato gerador do IPI, nos termos do art. 46 do CTN, ocorre alternativamente na saída do produto do estabelecimento; no desembaraço aduaneiro ou na arrematação em leilão.
II – tratando-se de empresa importadora o fato gerador ocorre no desembaraço aduaneiro, não sendo viável nova cobrança do IPI na saída do produto quando de sua comercialização, ante a vedação ao fenômeno da bitributação.” (TRF4, AC 0010443-77.2009.404.7200, Segunda Turma, Rel. Juiz Federal Luciane Amaral Corrêa Munch, D.E. 15-7-2010).
Em todos esses casos houve, data vênia, confusão entre bitributação jurídica, que não existiu nas hipóteses versadas, e o non bis in idem.
O non bis in idem ou a bitributação econômica não é inconstitucional, do contrário o PIS e a COFINS não poderiam subsistir simultaneamente. Nada impede de o mesmo ente tributante tributar duas vezes o mesmo fato considerado. Só a bitributação jurídica que é inconstitucional por implicar violação do princípio constitucional da discriminação de rendas tributárias.
3. Interpretação do fato gerador do IPI a partir da matriz constitucional do imposto
Não é missão da Constituição definir o fato gerador do imposto, mesmo porque não é a Carta Magna que institui o imposto.
Contudo, o legislador ordinário não é livre para instituir o fato gerador de determinado imposto em dissonância com a conceituação constitucional do imposto. Daí a importância de examinar a norma constitucional que discrimina os impostos para as diferentes esferas políticas.
Nos termos do art. 153, IV da CF, o IPI incide sobre produtos industrializados e não sobre a industrialização. Vejamos:
“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
...
IV - produtos industrializados;”
O parágrafo único do art. 46 do CTN para efeito de tributação define o que seja produto industrializado, mas o que é tributado não é a industrialização que, às vezes, pode revestir execução de serviço sujeito ao ISS municipal. O fato gerador do IPI pressupõe a existência de um produto industrializado.
O momento de exteriorização do fato gerador do IPI está definido no caput do art. 46:
“Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador:
I - o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira;
II - a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51;
III - a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão.”
Nas três hipóteses pressupõe-se uma operação com o produto industrializado (compra e venda ou arrematação). Nem poderia ser de outra forma, pois a matriz constitucional do IPI não é a industrialização, mas a existência de produto industrializado. A exemplo do ICMS, o IPI incide sobre a circulação de produto industrializado. Por isso, o inciso II, do § 3º, do art. 153, da CF prescreve que o imposto “será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores”. No mesmo sentido, dispunha o parágrafo único, do art. 11 da Emenda Constitucional nº 18/65 que introduziu o IPI.
Em estudos anteriores consideramos como o fato gerador do IPI a descrição legislativa contida no parágrafo único do art. 46 do CTN, o que conduziria à inconstitucionalidade da cobrança do IPI em relação aos produtos estrangeiros importados, como assevera o jurista Edvaldo de Brito.
Contudo, reexaminando a matéria à luz do que dispõe o art. 153, IV da CF entendemos acertada a posição de Hugo de Brito Machado para quem o aspecto material ou nuclear do fato gerador do IPI pressupõe a existência de produto industrializado, cujo conceito está no parágrafo único do art. 46 do CTN e no art. 3º da Lei nº 4.502, de 30-4-64, antiga lei do imposto sobre consumo que continua regendo o atual IPI e que em nada mudou a não ser a sua denominação. E o fato gerador se concretiza nos momentos indicados nos incisos I a III, do art. 46 do CTN.
Nesse sentido é a jurisprudência do STJ, conforme ementa abaixo:
"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. IPI INCIDENTE SOBRE PRODUTO IMPORTADO. LEGITIMIDADE.
1. Cumpre esclarecer que eventual discussão acerca da incompatibilidade entre a legislação infraconstitucional reguladora do IPI (Lei 4.502/64, CTN e Regulamento do IPI) e a Constituição Federal não pode ser dirimida em sede de recurso especial, porquanto requer a apreciação acerca da existência ou não de contrariedade a dispositivo constitucional, o que constitui matéria afeta à competência do Supremo Tribunal Federal.
2. Por outro lado, nos termos do art. 46, I, do CTN, "o imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira." Conforme a clássica lição de Aliomar Baleeiro, o IPI "recai sobre o produto, sem atenção de seu destino provável ou ao processo econômico do qual proveio a mercadoria", sendo que o "CTN escolheu, para fato gerador, três hipóteses diversas, ou momentos característicos da entrada da coisa no circuito econômico de sua utilização" ("Direito Tributário Brasileiro", 9ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1977, pág. 184).
3. Ressalte-se que, não obstante a doutrina admita que na hipótese ocorra o bis in idem (que não se confunde com a bitributação em sentido estrito), a incidência tanto do imposto de importação quando do IPI, nas hipóteses de produtos importados, não viola a "discriminação constitucional de competências tributárias, pois tanto um como o outro imposto pertencem à competência de uma só pessoa política" (MACHADO, Hugo de Brito. "Comentários ao Código Tributário Nacional", Volume I, São Paulo: Atlas, 2003, pág. 475).
4. Precedentes citados: REsp 273.205/RS, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 5.3.2001; AgRg no REsp 216.265/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 29.3.2004; REsp 846.667/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJ de 7.3.2007.
5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido." (REsp nº 660192/SP, Rel. Min. Denise Arruda, DJ de 02-08-2007).
No mesmo sentido: AgRg no REsp nº 1240117/PR, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 20-10-2011; AgRg no REsp 1241806/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 30.5.2011; REsp 1078879/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 28.4.2011; AgRg no REsp 1141345/SC, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJe 25.3.2011; REsp 794.352/RJ, Rel. Min. Castro Meira, DJe 10.2.2010; REsp 1026265/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 29.6.2009.
[1] Entretanto, como veremos mais adiante, o elemento nuclear do fato gerador do IPI não é o ato de industrialização, mas a operação com o produto industrializado.
[2] Comentários ao código tributário nacional. Coord. Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Saraiva, 1998, VI. p. 379.
[3] Comentários ao código tributário nacional. São Paulo: Atlas, 2003, VI, p. 472.
[4] Apud Hugo de Brito Machado, ob. cit. P. 472.
SP, 21-2-12.
* Jurista, com 23 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
Site: www.haradaadvogados.com.br
E-mail: [email protected]
Advogado em São Paulo (SP). Mestrado em Teoria Geral do Processo pela Universidade Paulista(2000). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Membro do Conselho Superior de Estudos Jurídicos da Fiesp. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo. Site:www.haradaadvogados.com.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: HARADA, Kiyoshi. É devido o IPI na importação? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 maio 2012, 08:49. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/1205/e-devido-o-ipi-na-importacao. Acesso em: 28 nov 2024.
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