Sumário: 1. O escândalo no Brasil – 2. O que a Grécia tem com isso? – 3. A vez do Brasil – 4. A ditadura brasileira -5. Presságios preocupantes.
A imprensa brasileira ocupou largamente o noticiário dos meses de abril e maio de 2012 para realçar duas situações constrangedoras, uma do Brasil e outra do exterior. Esta última é a precária situação em que se viu lançada a Grécia, colocada na berlinda das discussões europeias, pedindo esmolas para sua sobrevivência e ameaçada de exclusão da UE-União Europeia. Todos os resultados de uma crise estão expostos: o imenso déficit público e privado, falta de crédito, pagamentos atrasados, carestia, passeatas públicas, queda de produção, corte de despesas e de investimentos púbicos.
A notícia no âmbito interno retrata o resultado de profundas e demoradas investigações da Polícia Federal referente à operação Monte Carlo, montada para desarticular o crime organizado no Estado de Goiás, que explorava o jogo ilegal, caça níqueis, contrabando, pirataria, e outras atividades ilícitas. A quadrilha era chefiada por um conhecido bicheiro conhecido como Carlinhos Cachoeira.
Ao se apoderar da documentação da quadrilha a Polícia foi surpreendida por ampla rede de corrupção e abertura do leque de atividades ilegais, saindo de Goiás e espalhando-se pelo Brasil, envolvendo Ministros de Estado, Governadores de Estado, Senadores, Deputados, Vereadores, funcionários públicos e até policiais. Apareceram no esquema delituoso várias empresas, uma delas merecendo realce especial, e apontada várias vezes na página inicial de jornais, denomina Construtora Delta. Os patamares financeiros são impressionantes, revelando desvio de dinheiro público, suborno, viagens suspeitas, almoços e jantares entre delinquentes, políticos e outras pessoas de variados matizes.
A Construtora Delta foi a principal beneficiária de enormes verbas, coordenadas por Carlinhos Cachoeira, e encarregada da construção de estádios de futebol, instalações esportivas e obras adjacentes, verbas essas diluídas inclusive no financiamento de campanhas eleitorais de políticos integrados no esquema ilícito, quase todos tendo seu nome revelado pela Polícia e largamente noticiados pela imprensa. Todavia, estamos citando esses fatos apenas para esclarecimento, mas vamos deixá-los de lado, uma vez que nosso interesse no momento é outro. O que desejamos realçar é a rede de lesões ao direito e à lei, começando com arranhões à Constituição, que já estão contaminando o Brasil. Nosso assunto é: desrespeito à lei.
2. O que a Grécia tem a com isso?
É o que vamos ver comparando os fatos acontecidos na Grécia e no mundo e o que está acontecendo atualmente no Brasil. As razões da atual crise grega estão acorrendo no Brasil e podem se revelar no futuro, e elas poderão transformar o Brasil do futuro na Grécia do presente. Para estruturar-se e adquirir condições para sediar as Olimpíadas de 2004, que a Grécia pleiteara, ela gastou o que tinha e o que não tinha. Desviou verbas já empenhadas em outros projetos de investimento público e todo o dinheiro de que podia dispor e levantou empréstimos internacionais, mormente dos países da UE-União Europeia para investir em instalações esportivas monumentais e luxuosas. Funcionários de todos os órgãos do Governo foram desviados para a organização das Olimpíadas, deixando acéfala a administração pública. Os salários dos funcionários destinados ao evento foram quase dobrados, estourando o orçamento público. Foram construídos numerosos e luxuosos hotéis para abrigar as delegações e os espectadores, restaurantes, boates, teatros, praça, vias de acesso às instalações esportivas, jardins e duplicado o número de veículos de transporte coletivo.
O evento foi um sucesso, com entusiasmo da população e os dirigentes do país transformados em santos e heróis que garantiram sua vitória nas eleições seguintes. Terminado o espetáculo, os gregos começaram a pagar por essa atrevida e leviana aventura financeira e política. As monumentais instalações esportivas ficaram às moscas e estão sendo ocupadas por sem-teto, e consumindo o orçamento para conservação e manutenção. Os luxuosos hotéis estão vazios e dispendiosos e estão sendo invadidos por desempregados. A produção industrial e agrícola, como a do azeite tinha sido abandonada e agora não encontram comprador, a menos que seja para pagar dívidas; as atividades produtivas não conseguem retromar seu ritmo.
Muitas outras consequências maléficas começaram a pesar no lombo grego. E hoje a situação se revela caótica. Um aspecto, porém, passou despercebido: a aventura se concretizou ao arrepio da lei e do direito; a constituição foi deixada de lado. As normas do Direito Administrativo e do Direito Econômico foram arredadas e todas as operações se processam à margem da Constituição, sob a justificativa de que se tratada de caso urgente e excepcional. Confirmou-se o que dissera o patrício deles Aristóteles: “A ilegalidade é a marca da tirania”.
O exemplo da Grécia não foi considerado. A África do Sul seguiu o mesmo caminho ao patrocinar a Copa Mundial de Futebol, incidindo na mesma orgia, na mesma lesão ao direito, numa sucessão preocupante. Está colhendo também a tempestade dos ventos que semeou, tendo os políticos colhido os benefícios do evento e as construtora recebido rios de dinheiro. Evidenciou-se o enriquecimento dos promotores da Copa e das construtoras e o empobrecimento da população, que agora se revolta, como fez a população grega.
3. A vez do Brasil
Vejamos o eu está ocorrendo no Brasil, com uma agravante: não haverá apenas a Copa Mundial de Futebol, mas, logo em seguida, as Olimpíadas, o que duplica os gastos, ou melhor, já duplicou. Quando se iniciou o festival de verbas públicas lançadas pela janela, houve escaramuças e pedido de liminares conta as concorrências, surgindo inúmeras confusões na disputas pelas licitações. O Governo Federal deu passo profundo e gigantesco para arredar os efeitos da lei e da justiça, conseguindo do Congresso Nacional duas leis liberatórias: a dispensa de licitações para obras referentes à Copa e às Olimpíadas, tanto para o Governo Federal, como para o Estadual e Municipal; a outra lei subtrai da apreciação do TCU-Tribunal de Contas da União o exame dos contratos oficiais e os orçamentos das obras, deixando de haver qualquer controle. Destarte, podem agora os Governos Federal, Estadual e Municipal celebrar contratos com quem quiser, à sua livre escolha, sem licitação e qualquer tipo de controle.
Dessas novas medidas surgiu a Construtora Delta, transformada do dia para noite na maior construtora do Brasil, acionada pelo contraventor Carlinhos Cachoeira. Entram também em ação algumas outras construtoras iguais ou em bases mais modestas, a maioria delas ligadas a políticos e autoridades públicas. As duas leis afrontam a Constituição e os princípios jurídicos e éticos, em como as normas do Direito Administrativo e do Direito Econômico. Sucedem-se outros despautérios, como a doação de bens públicos a particulares, a desapropriação de bens particulares sem qualquer indenização, obras sem tomada de preços e com pagamento no sistema “boca do cofre”. Facilmente essas leis poderiam ser declaradas inconstitucionais e as transações que essas transações provocaram ser apuradas pelo Judiciário ou pelas autoridades policiais, mas ninguém se atreve a arguir a inconstitucionalidade. Não para nisso a enxurrada de prevaricações amparadas pela “urgência”.
4. A ditadura brasileira
O Brasil convive há quase meio século com ditadura férrea e avassaladora, desdobrada em duas fases: a militar e a civil. A ditadura foi prevista e regulamentada na antiga Roma, em que os poderes eram concentrados nas mãos de uma só pessoa ou de pequeno grupo de pessoas, sem participação popular. Era aplicada em situações excepcionais e de forma temporária, como em caso de guerra ou ameaça grave à soberania nacional. A ditadura romana era prevista na lei e sempre foi aplicada de acordo com a regulamentação legal.
Pelo menos no mundo moderno o sistema romano está abandonado. A ditadura moderna é ilegal e se impõe pela violência ou pela fraude. A ditadura brasileira atual foi instituída por um golpe de estado em 1964 e se impôs pela força e pela violência. O poder constituído queria algo e o punha em prática sem dar satisfações. Quem se opusesse às iniciativas oficiais e lhes fizesse alguma crítica era preso, torturado, banido do país e até morto. Não há atenção aos reclamos populares. Entretanto, foi, ao que parece, a ditadura austera, séria, e não se envolvia em iniciativas demagógicas e aventuras. Havia órgãos de planejamento e de controle, que reprimiam aventuras do próprio Governo.
Na segunda fase, vale dizer, na ditadura civil, a vontade do Governo, seja de uma só pessoa, seja de pequeno grupo de pessoas, o poder prevalece pela corrupção ou pela fraude. Quando eles querem algo, a vontade deles é lei e não pode ser contestada. Todavia, se alguma voz se levantar contra as arbitrariedades logo será silenciada, não pelo porrete, mas pelo dinheiro. É o que aconteceu com as duas leis supracitadas, que provocaram vivas reações. Logo em seguida parentes das vozes discordantes foram investidos em cargos públicos altamente remunerados sem concurso. Assim as vozes se calaram.
Há no Brasil 37 ministérios, a maioria deles criados artificialmente apenas para cabides de empregos. São usados para aliciar políticos da oposição e fazê-los mudar de posição, ou, como se afirma, evoluir de opinião. Desta forma o poder se impõe e consegue realizar seus desígnios, fazendo surgir Carlinhos Cachoeira e a Construtora Delta e garantir a realização da Copa Mundial de Futebol e as Olimpíadas. Desse esquema criminoso e ilegal surgem os inevitáveis choques: vários ministros de Estado foram trocados ou demitidos, ou escorraçados, como foi o caso do Ministro da Copa, como era chamado o Ministro dos Esportes, conhecido como crioulo doido. Aliás, um prestigioso jornal paulista afirma constantemente que no futebol o dinheiro rola mais do que a bola, e chama o Brasil de pátria das chuteiras.
5. Presságios preocupantes
Temos exemplos recentes e bases seguras para vaticinar consequências funestas para o Brasil em decorrência das arbitrariedades cometidas pelos poderes públicos ao seguir a megalomania da Copa Mundial de Futebol e das Olimpíadas, que trarão fartos dividendos aos políticos engajados no esquema e monumentais lucros às empreiteiras engajadas, mormente à já referida Construtora Delta. Some-se a elas e eles tantas eminências pardas que trançam os contratos e a destinação de verbas. O arbítrio estabelecido pelas duas leis liberatórias não se resume somente ao Governo Federal, mas se estende aos Governos Estaduais e Municipais.
Examinemos o que está ocorrendo no Estado e no Município de São Paulo. A Prefeitura Municipal desapropriou vasta área em bairro distante sem pagar aos donos do imóvel, ao arrepio do artigo 184 da Constituição. Em seguida, a Prefeitura faz doação desse imóvel a um clube de futebol, verdadeira aberração jurídica. Não param nisso as arbitrariedades do Senhor Prefeito: isenta de impostos esse imóvel e todas as operações referentes à preparação da Copa do Mundo de Futebol, afrontando os princípios do Direito Tributário. Sem tomada de preços e sem licitação, a Prefeitura contrata várias empreiteiras para a realização de obras destinadas aos espetáculos esportivos privilegiados com a isenção de impostos. Os serviços prestados por essas empreiteiras são sempre pagos no sistema boca do cofre. Em compensação as obras públicas do Estado de São Paulo e da Prefeitura Municipal de São Paulo estão paradas ou andado a passo de tartaruga.
O Estado de São Paulo cumpre também a sua parte: suspende o planejamento da extensão do Metrô e começa a construir fora do planejamento nova linha do Metrô direcionada ao estádio de futebol em que será realizada a Copa. Está assim integrado o Estado no esquema federal, que se estende pelo Brasil afora. As verbas federais foram suspensas e desviadas a um só ponto. O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, que por lei tinha um destino agora tem outro: o futebol e as olimpíadas. A Seguridade Social está reduzindo os aposentados à indigência graças às verbas desviadas ao esporte. O BNDES abre os cofres para as empreiteiras, por indicação de Carlinhos Cachoeira, para a construção de estádios, zerando o financiamento às atividades produtivas. A transposição das águas do Rio São Francisco, esperança na luta contra a seca, foi suspensa há três anos e a erosão está corroendo o pouco que foi feito.
Em 2014 será realizada Copa Mundial de Futebol e em 2016 as Olimpíadas. E depois disso o que será da pátria das chuteiras? Quem serão os responsáveis por essa monumental malversação de verbas e outras ilegalidades? Provavelmente responderão como Luiz XIV: Après moi le deluge, ou então: Esses atos já estão prescritos. Um dirigente do Banco Central já advertiu que as sequelas dessas orgias irão se fazer sentir por mais de vinte anos. Que resultado trará a CPI-Comissão Parlamentar de Inquérito que se encarregou de apurar essas falcatruas?E os numerosos Inquéritos Policiais? Estejamos certos, contudo, que no direito também se aplica o princípio das ciências naturais: nenhuma agressão à natureza fica sem resposta. E nenhuma agressão ao direito fica sem resposta. Devemos então nos preparar para as respostas que teremos de enfrentar.
Bacharel, mestre e doutor em direito pela Universidade de São Paulo - Advogado e professor de direito - Autor das obras de Direito Internacional: DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO e DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO, publicados pela EDITORA ÍCONE. E-mail: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROQUE, Sebastião José. Lesões à lei e o futebol podem fazer do Brasil de amanhã a Grécia de hoje Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 jun 2012, 07:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/1222/lesoes-a-lei-e-o-futebol-podem-fazer-do-brasil-de-amanha-a-grecia-de-hoje. Acesso em: 22 nov 2024.
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