Resumo: o objetivo deste trabalho é esclarecer a importância da súmula vinculante para justiça brasileira, seja no quesito de uma melhor prestação jurisdicional, e ainda, em relação a segurança jurídica e a manutenção do Estado Democrático de Direito. É natural, portanto, que o Supremo Tribunal Federal assuma a responsabilidade de ser o órgão que decide em última instância a quizila constitucional, bem como seja o órgão que oferece um desfecho a jurisdição constitucional brasileira, haja vista que a súmula vinculante impõe que o Poder Judiciário da República e também os órgãos da Administração Pública direta e indireta em todas as instâncias, desde a federal a municipal, acatem sua decisão. E se tal não ocorrer há o caminho da Reclamação Constitucional
Palavras – chave: Súmula Vinculante. - Jurisdição Constitucional. - Segurança Jurídica. - Estado Democrático de Direito.
Sumário: I - Introdução. II – Súmula Vinculante. III - Súmula Vinculante: contribuição ou retrocesso. IV – Conclusão.
I - Introdução
O conceito de jurisdição constitucional liga-se a instalação de uma instância responsável pelo controle de constitucionalidade, como bem coloca Paulo Bonavides.[1]:
O conceito de jurisdição constitucional, qual a entendemos em sua versão contemporânea, prende-se à necessidade do estabelecimento de uma instância neutra, mediadora e imparcial na solução dos conflitos constitucionais. E em se tratando, como só pode acontecer, de sociedades pluralistas e complexas, regidas por um princípio democrático e jurídico de limitações do poder, essa instância há de ser, sobretudo, moderadora de tais conflitos.
Em relação ao controle de constitucionalidade Gilmar Mendes[2] assevera:
Desenvolvido a partir de diferentes concepções filosóficas e de experiências históricas diversas, o controle judicial de constitucionalidade continua a ser dividido, para fins didáticos, em modelo difuso e modelo concentrado, ou, às vezes, entre sistema americano e sistema austríaco ou europeu de controle.
As combinações dos modelos acima, aparentemente excludentes, permitiram o surgimento de modelos mistos como o do Brasil.[3] “É certo, por outro lado, que o desenvolvimento desses dois modelos básicos aponta em direção a uma aproximação ou convergência a partir de referenciais procedimentais e pragmáticos”.[4]
E Gilmar Mendes[5] leciona que:
O modelo concentrado (austríaco ou europeu) adota as ações individuais para a defesa de posições subjetivas e cria mecanismos específicos para a defesa de posições, como a atribuição de eficácia ex tunc da decisão para o caso concreto que ensejou a declaração de inconstitucionalidade do sistema austríaco [...] Passou-se a admitir que o Supremo Tribunal de Justiça (Oberster Gerichtshof) e o Tribunal de Justiça Administrativa (Verwaltungsgerichtshof) elevem a controvérsia constitucional concreta perante a Corte Constitucional. Rompe-se com o monopólio de controle da Corte Constitucional, passando aqueles órgãos judiciais a ter um juízo provisório e negativo sobre a matéria [...] tal sistema tornou o juiz ou tribunal um ativo participante do controle de constitucionalidade, pelo menos na condição de órgão incumbido da provocação. Tal aspecto acaba por mitigar a separação entre os dois sistemas básicos de controle.
E sobre o sistema americano, Mendes[6] assevera:
O sistema americano, por seu turno, perde em parte a característica de um modelo voltado para a defesa de posições exclusivamente subjetivas e adota uma modelagem processual que valora o interesse público em sentido amplo. A abertura processual largamente adotada pela via do amicus curiae amplia e democratiza a discussão em torno da questão constitucional. A adoção de um procedimento especial para avaliar a relevância da questão, o writ of certiorari como mecanismo básico de acesso à Corte Suprema e o reconhecimento do efeito vinculante das decisões por força do stare decisis conferem ao processo natureza fortemente objetiva.
O sistema de controle de constitucionalidade adotado no Brasil é o jurisdicional, porque cabe ao Poder Judiciário a função precípua de exercer o controle de constitucionalidade dos atos e omissões do poder público. Tal função constitui uma das formas de expressão da jurisdição constitucional.[7]
E quanto a finalidade do controle de constitucionalidade o Brasil adota o modelo concreto e o abstrato, sendo que o primeiro refere-se a solução de um litígio que envolve direitos subjetivos. O controle abstrato é aquele exercido em tese, ou seja, não depende de um caso concreto. É, portanto, um processo objetivo, em que não há partes formais e por isto pode ser instaurado independente de um interesse jurídico especifico.[8]
Vê-se, portanto, que o sistema de controle de constitucionalidade brasileiro carrega características do modelo americano e também do modelo europeu.
Canotilho considera a Constituição moderna como uma norma jurídica fundamental e suprema e que acumula duas funções, quais sejam uma de garantia do sistema existente e a outra como sendo a linha de direção para o futuro.[9]
Assim, todas as normas do ordenamento jurídico do Estado devem estar de acordo material ou formalmente com o disposto na Constituição. Da mesma forma, o Poder Judiciário e toda Administração Pública direta ou indireta devem obedecer aquilo que a Constituição prescreve sob o risco de suas ações ou omissões serem tidas como inconstitucionais e com isso serem contestadas perante o Poder Judiciário.
No Brasil é possível o controle difuso, visto que não é só o Supremo Tribunal Federal que pode julgar a inconstitucionalidade de leis e atos normativos do poder público. É importante observar que o STF também atua como Corte revisora das instâncias inferiores e que também em outras situações age na defesa da Constituição em sua plenitude, podendo-se referir-se a ele como Tribunal Constitucional lato sensu. Destarte, a jurisdição constitucional brasileira não pressupõe a existência de uma Corte especializada na defesa exclusiva da Constituição.
Desse modo, jurisdição constitucional pode ser compreendida como todo o procedimento judicial que concretiza a Constituição, seja pelo modelo difuso ou concentrado; concreto ou abstrato; por via de ação ou por via de defesa etc.
Glauco Salomão[10] relaciona com lucidez e clareza a ligação entre a súmula vinculante e o tipo de jurisdição constitucional adotada no Brasil:
No contexto das súmulas vinculantes, tais observações assumem especial relevo. De fato, se é franqueado o exercício da jurisdição constitucional a vários órgãos distintos, é natural que surjam interpretações variadas não apenas sobre o sentido dos preceitos constitucionais, como também das leis e atos normativos perante a Constituição, ocasionalmente o surgimento de discrepâncias judiciais. Daí a importância de um entendimento uniformizante da Constituição, sedimentado pela jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal. É precisamente esse o caso das súmulas vinculantes, que exigem, como um dos requisitos para a sua criação, a existência de controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a Administração Pública que acarrete grave insegurança jurídica (art. 103-A, §1º, da CF). Assim, para se superar esse inevitável quadro de insegurança jurídica e de “duplicidade” de Constituições, sobressai o efeito vinculante atribuído às súmulas criadas pelo Supremo Tribunal Federal.
II – Súmula Vinculante.
As súmulas são verdadeiros enunciados acerca de determinado assunto que sintetiza as decisões proferidas em certo Tribunal em relação aquele tema específico. Impende notar que as súmulas servem de orientação para a comunidade jurídica.[11]
Evandro Lins e Silva leciona que o termo súmula foi utilizado preliminarmente por Victor Nunes Leal, nos anos sessenta, para definir, em pequenos enunciados aquilo que o Supremo vinha decidindo de forma reiterada. Deste modo, a súmula era uma medida regimental que possuía o escopo de tornar mais ágil o trabalho dos juízes do Supremo.[12] “Ao mesmo tempo, a Súmula servia de informação a todos os magistrados do País e aos advogados, dando a conhecer a orientação da Corte Suprema nas questões mais frequentes”.[13]
O ministro Victor Nunes Leal, nos idos de 1964, queixava-se do volume de processos a serem julgados pelo Supremo Tribunal Federal, que chegavam a mais ou menos sete mil ao ano.
E Sérvulo da Cunha acentua sobre a adoção do sistema de súmulas no Brasil:
A partir de 13 de dezembro de 1963 o STF seguiu a inteligente sugestão de Victor Nunes Leal, passando a elaborar súmulas de sua jurisprudência, simples enunciados sintetizando decisões em casos assemelhados, que representavam uma orientação para os litigantes e seus defensores. Entre essa data e outubro de 1984, quando sua edição foi inexplicavelmente suspensa, não obstante a determinação expressa constante do Regimento Interno do STF 22 – foram aprovadas 621 súmulas.
A edição da Emenda Constitucional n° 45, de 30 de dezembro de 2004, veio a corroborar para o sentido de súmula e precedente vinculante com a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal editar súmulas vinculantes. O teor do art. 103-A, da Constituição Federal[14] é o seguinte:
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Vide Lei nº 11.417, de 2006).
§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.
E em 19 de dezembro de 2006, publicou-se a Lei n° 11.417, que regulamentou a sistemática relativa à súmula vinculante. Eis, pois que o ordenamento jurídico estava pronto e equipado juridicamente para a edição de súmulas vinculantes pelo Supremo Tribunal Federal, fato que iria modificar a jurisdição constitucional vigente.
A súmula vinculante deve ser usada para superar controvérsia atual sobre a validade, a interpretação e a eficácia de certas normas que podem gerar insegurança jurídica, bem como uma multiplicação de processos. Assim, este conceito abrange as questões atuais sobre interpretação de normas constitucionais ou destas em face de normas infraconstitucionais.[15]
Dentre os requisitos formais da súmula vinculante é necessário ressaltar aquele em relação à preexistência de reiteradas decisões sobre matéria constitucional. Esta deve ter sido debatida e discutida pelo Supremo Tribunal Federal, em razão da busca do amadurecimento do assunto controvertido que desaguou em reiteradas decisões.[16] “Veda-se, desse modo, a possibilidade da edição de uma súmula vinculante com fundamento em decisão judicial isolada” [17]. Tal requisito é em virtude da necessidade de se demonstrar que há uma jurisprudência constante no Tribunal acerca do tema controvertido, ou seja, que há uma mesma interpretação sobre o fato.
Impende notar que a súmula vinculante liga-se ao modelo incidental de controle de constitucionalidade, porque seu conteúdo decorrerá, em princípio, de casos concretos do modelo difuso de controle de constitucionalidade, e também por que sua solução é um desejo geral da comunidade. Assim, a súmula vinculante “só pode ser editada depois de decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal ou de decisões repetidas das Turmas.[18]
E Gilmar Mendes[19] ressalta que:
Esses requisitos acabam por definir o próprio conteúdo das súmulas vinculantes. Em regra, elas serão formadas a partir das questões processuais de massa ou homogêneas, envolvendo matérias previdenciárias, administrativas, tributárias ou até mesmo processuais, suscetíveis de uniformização e padronização. Nos termos do §2º do art. 103-A da Constituição, a aprovação, bem como a revisão e o cancelamento de súmula, poderá ser provocada pelos legitimados para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade, sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei.
Importante observação faz o Min. Gilmar Mendes[20]:
Desde já, afigura-se inequívoco que a súmula vinculante conferirá eficácia geral e vinculante às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal sem afetar diretamente a vigência de leis porventura declaradas inconstitucionais no processo de controle incidental. É que não foi alterada a cláusula clássica, constante hoje do art. 52, X, da Constituição, que outorga ao Senado a atribuição para suspender a execução de lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
Tal obrigatoriedade e vinculação irá enfraquecer o art. 52, X, da Constituição Federal. Nota-se, portanto, que esse inciso já não é aplicável do modo como quis o constituinte originário e se a súmula vinculante trouxer um enunciado que envolve declaração de inconstitucionalidade de ato normativo ou lei, a razão daquele inciso restará comprometida.
Assim, é possível notar que o Supremo Tribunal Federal estará vinculado ao enunciado da súmula vinculante na medida em que considerá-lo como expressão adequada da Constituição Federal, bem como das leis interpretadas. Deste modo a desvinculação do Supremo em relação a súmula vinculante há de ser formal, explicitando as razões pelas quais o enunciado vinculante não deve mais subsistir. “Aqui, como em toda mudança de orientação, o órgão julgador ficará duplamente onerado pelo dever de argumentar”[21]. Cumpre ressaltar que há posição contrária no sentido de compreender que o Supremo Tribunal Federal não se vincula ao enunciado da súmula vinculante.
Ives Gandra e Gilmar Mendes[22] traçam algumas conseqüências de uma decisão de controle de constitucionalidade para os órgãos estatais que não foram partes no processo:
a) ainda que não tenha integrado o processo, os órgãos constitucionais estão obrigados, na medida de suas responsabilidades e atribuições, a tomar as necessárias providências para o desfazimento do estado de legitimidade; (b) assim, declarada a inconstitucionalidade de uma lei estadual, ficam os órgãos constitucionais de outros Estados, nos quais vigem leis de teor idêntico, obrigados a revogar ou modificar os referidos textos legislativos; (c) também os órgãos não partícipes do processo ficam obrigados a observar, nos limites de suas atribuições, a decisão proferida, sendo-lhes vedado adotar conduta ou praticar ato de teor semelhante àquele declarado inconstitucional.
De uma leitura do art. 103-A e também da Lei n°11.417/06 infere-se que o efeito vinculante acima relatado foi estendido à súmula vinculante. Observe-se que tal efeito não é geral, em tese, pois atinge o Poder Judiciário e os órgãos da Administração Pública direta e indireta federal, estadual e municipal.
A adoção de tal força vinculante tem clara inspiração na doutrina do stare decisis presente no direito da common Law. E o motivo maior, foi sem dúvida, o acúmulo de processos nos Tribunais. E tal posicionamento só veio a confirmar que não há mais razão para se fazer a divisão entre os sistemas da civil Law e common Law de forma rígida e estática. Michele Taruffo[23] acentua:
Verifica-se complexo intercâmbio de modelos, inclusive entre sistemas de common Law e sistemas de civil Law. São numerosíssimos os exemplos, sobretudo se se observa a influência do modelo norte-americano, mas bastará citar alguns para estabelecer o discurso: vários sistemas de civil Law extraíram daquele modelo o júri penal (como aconteceu na Espanha), a técnica do interrogatório cruzado, a idéia de pôr limites ao recurso às cortes supremas, a class action, o uso de depoimentos escritos.
III Súmula Vinculante : contribuição ou retrocesso.
O sistema de súmulas vinculantes veio contribuir a uma maior agilidade e presteza do Poder Judiciário, bem como proporcionar uma uniformidade de comportamento acerca de uma questão já há muito debatida pelo Judiciário. Os benefícios da súmula vinculante são inúmeros e serão sentidos ao longo do tempo, e não de imediato. Do modo como foi concebida e regulamentada não haverá espaço para eternização de conflitos já decididos de modo pacífico. É um grande avanço para o direito constitucional brasileiro.
Por seu turno, Lênio Streck posiciona-se de modo contrário ao instituto da súmula vinculante por entender que o poder dado ao Supremo Tribunal Federal ao editar a referida súmula ultrapassa aqueles que a própria Constituição lhe concedeu. Tal poder chega a ser maior que o poder do Legislativo, porque ao editar a súmula vinculante o Supremo age com poderes legiferantes[24] “agregando ao produto legislativo a prévia interpretação, o que, no mínimo, viola a cláusula de divisão de poderes”[25], abalando, portanto, a estrutura do Estado Democrático de Direito Brasileiro.[26]
Paloma Wolfenson[27] Jambo traz um sentimento comum aos estudiosos contrários à súmula vinculante:
Com o advento das súmulas vinculantes, o juiz, ao se deparar com causas referentes a matérias sumuladas, deixará a sua atividade solitária de decidir o direito concretamente, passando a ser um mero aplicador "automático" das súmulas, com risco de desdenhar o direito, isto porque não se pode determinar uma direção interpretativa da lei para que se aplique a todo o leque de possibilidades de casos concretos.[...} A inserção das súmulas vinculantes possui um preço muito elevado, não é coerente sacrificar o direito do indivíduo de alcançar concretamente o bem jurídico relacionado ao seu caso específico com o intuito de desafogar o Judiciário, pois não se resolve um problema criando outro de maior gravidade.
Cadore organiza os argumentos contrários à súmula vinculante: “(a) falta de legitimação do Poder Judiciário; (b) violação do princípio da tripartição dos poderes; (c) violação à independência do juiz; (d) obstacularização ao desenvolvimento do Direito”[28].
Passemos então a rebater tais argumentos, nos posicionando, portanto, a favor da súmula vinculante.
A concepção de Estado que o Brasil acolhe não permite a separação rígida dos Poderes, vez que não há um Estado mínimo. A visão desse Estado predominou no século XIX e a partir do século XX foi perdendo força. Portanto, hoje, vige a conceituação de Poderes independentes, mas harmônicos entre si. As palavras de Aragão são bem-vindas:
[...] o pluralismo e complexidade da sociedade, agregados ao número cada vez maior de atividades dotadas de grandes particularidades técnicas a serem se não prestadas diretamente pelo Estado, por ele reguladas, inviabiliza o ideal liberal oitocentista, racional e formalmente igualitário, de um ordenamento monocêntrico uniforme que, concebido de maneira inteiramente geral e abstrata abrangesse todas as atividades e atores sociais sem levar em conta as suas particularidades.
A prova maior de que nossa Constituição de 1988 não adotou a forma rígida de separação de poderes é a técnica de checks and balances utilizada por nosso constituinte. Nessa teoria cada Poder irá ser contrabalenceado pela atuação de outro, assim haverá um controle mútuo entre os poderes, e.g. art. 66, §1º, art. 84, V, arts. 52, 85 e 86 e art. 68. Verifica-se, portanto, a feição de separação e independência dos Poderes da República do Brasil não é absoluta e por isso pode-se afirmar que a adoção da súmula vinculante não descaracteriza os Poderes do Estado Brasileiro.
Cabe ainda observar que tanto o legislador, quanto o magistrado criam o direito, só que de modo diverso. E quanto a independência do magistrado para julgar, pode-se afirmar que não restará prejudicada pela imposição do efeito vinculante da súmula em comento.
A uniformização da jurisprudência por meio das súmulas vinculantes é um passo importante na direção de uma melhor prestação jurisdicional ao cidadão, tão afetado pela morosidade da justiça e também por inúmeras decisões conflitantes acerca de um mesmo assunto.
Impende notar que reconhecer na súmula vinculante uma fonte formal do direito não significa atribuir-lhe status de norma emitida pelo Poder Legislativo. Observe-se que “a lei e a jurisprudência são fontes do direito, mas fontes distintas, com metódica diversa para a solução das controvérsias jurídicas”[29]
Dessarte, a instituição da súmula vinculante só veio a acrescentar e também a organizar a jurisprudência nacional, como fonte do direito.
A súmula vinculante é um avanço na jurisprudência constitucional brasileira por diversas razões e diante das recentes edições de súmulas com efeito vinculante tem se notado uma boa repercussão no meio jurídico, bem como na sociedade. Um exemplo claro e recente de tal movimento é quanto a súmula vinculante que trata do nepotismo. Esta súmula de acordo com o Supremo deve valer para todos os Poderes, ou seja, proíbe-se a contratação de parentes, sem concurso público, o que inclui também, a troca de favores entre os integrantes dos Poderes, que sem poder empregar o seus parentes, empregam os de outros colegas de outros Poderes, que é o nepotismo cruzado. Já era tempo de existir uma norma que tratasse do assunto com a seriedade que a Constituição requer.
Por fim, é preciso ressaltar que a súmula vinculante não tratará de qualquer matéria, mas tão somente aquela afeta a Constituição e que tenha sido decidida de modo reiterado pelo Supremo Tribunal Federal, de modo que a criação de súmulas com efeitos vinculantes ficará adstrita à normas constitucionais, bem como à normas infraconstitucionais, quando constrastadas com a Constituição Federal. Vê-se, portanto, que a súmula vinculante não irá veicular qualquer decisão, mas apenas as mais importantes relativas ao teor constitucional e que foram decidas de modo reiterado pela Corte Suprema do Brasil.
IV – Conclusão.
Com a introdução da súmula na vida jurídica brasileira é possível perceber a força da jurisprudência e o quanto a sua existência ajuda na atividade laboral do operador e do aplicador do Direito. Os seus benefícios são grandes, entretanto não foram o bastante para frear a onda de processo iguais, mas com decisões conflitantes que chegam ao Supremo Tribunal Federal.
A consequência mais visível de tal volume de processos no Supremo é em relação ao tempo de andamento dos feitos no âmbito da Corte Suprema. Um processo demora anos para se desenrolar na primeira instância, outro tanto para conseguir uma decisão da segunda instância e mais outro tanto para ser julgado pelo Supremo. Não há agressão maior ao direito de acesso a justiça do cidadão.
Foi pensando nisto e também em outras questões de ordem prática, como a uniformização da jurisprudência, pautando-se no princípio da isonomia, que o constituinte acertadamente criou a súmula vinculante, com inspiração nos stares decisis do direito advindo da common Law.
Vê-se, portanto, que no Brasil a força da jurisprudência vem sendo reconhecida de forma paulatina, e disto resulta na confirmação de que a jurisprudência pode ser considerada como fonte formal do direito, e por conseguinte, a súmula vinculante também será fonte formal do direito, sem contudo se confundir com a lei.
Ante o exposto, é possível concluir que a súmula vinculante não traduz um rompimento com o sistema jurídico pátrio, mas ao contrário, se acomoda a ele com perfeição. Ela mescla elementos da jurisdição do controle de constitucionalidade difuso, bem como elementos do concentrado. Há portanto, uma conexão entre os modelos de controle de constitucionalidade aliado a força que a jurisdição constitucional adquiriu no Brasil. Como bem colocado pelo Ministro Gilmar Mendes, as súmulas vinculantes vieram para cobrir espaços deixados pelo Senado Federal, quanto ao efeito da declaração de inconstitucionalidade. Houve portanto, uma articulação entre os modelos existentes e a melhora do sistema jurisdicional do país, em prol da maior celeridade e de uma uniformização de jurisprudência.
[1] BONAVIDES, Paulo. Jurisdição constitucional e legitimidade (algumas observações sobre o Brasil). In site Scielo. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142004000200007&script=sci_arttext>. Acesso em: 22 ago. 2008.
[2]MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 1007.
[3] Ibidem.
[4] Ibidem.
[5] Ibidem, p. 1008.
[6] Ibidem.
[7] Cf. NOVELINO, Marcelo. Op. Cit., p. 98.
[8] Cf. ibidem.
[9] CANOTILHO. J. J. Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra: Coimbra Editora, 1994, p. 151.
[10] Ibidem, p. 68-69.
[11] Cf. SÉRVULO DA CUNHA, Sérgio. O efeito vinculante e os poderes do juiz. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 124.
[12] Cf. LINS E SILVA, Evandro. Crime de hermenêutica e súmula vinculante. In Revista Consulex nº 5 de 31/5/1997;
[13] Ibidem.
[14] BRASIL, Constituição da República Federativa do. In site Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acesso em: 20 ago. 2008.
[15] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. Cit.966.
[16] Cf. ibidem, p. 967.
[17] Ibidem.
[18] Cf. ibidem.
[19] Ibidem.
[20] Ibidem.
[21] Ibidem.
[22] Ibidem, p. 341-342.
[23] TARUFFO, Michele. Observações sobre os modelos processuais de civil Law e de common Law. In Revista de Processo, São Paulo, n. 110, a.2005, p. 153.
[24] Cf. ibidem.
[25] Ibidem.
[26] Cf. Ibidem.
[27] JAMBO, Paloma Wolfenson. O poder vinculante das súmulas e a impossibilidade da identificação estreita das causas submetidas à Justiça . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 730, 5 jul. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6961>. Acesso em: 25 ago. 2008 .
[28] CADORE, Márcia Regina Lusa. Op. Cit. p.97.
[29] ZANETI JÚNIOR, Hermes. A constitucionalização do processo: a virada do paradigma racional e político no processo civil brasileiro do estado democrático constitucional. 2005. Tese(Doutorado) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, p. 325 passim 358.
Procuradora Federal, lotada na Procuradoria Federal do Estado de Goiás, em exercício na Agência Nacional de Telecomunicações desde agosto de 2008 até a presente data. Atuou por 06 (seis) anos na Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JULIANA DE ASSIS AIRES GONçALVES, . A Jurisdição Constitucional Brasileira e a Súmula Vinculante Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 jun 2012, 07:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/1229/a-jurisdicao-constitucional-brasileira-e-a-sumula-vinculante. Acesso em: 28 nov 2024.
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