RESUMO: Em vista da comum demora na resolução de demandas judiciais, muito se têm discutido no Brasil sobre a atuação do Poder Judiciário. Esse cenário é decorrente de vários fatores, dentre os quais se destaca inicialmente a própria cultura jurídica trazida de Portugal a época do império e implantada aqui. De lá para cá as inadequações de tal sistema jurídico continuam latentes à espera de uma reformulação, fazendo-se necessário instituir meios práticos que viabilizem a verdadeira disponibilidade do Judiciário e a promoção efetiva da justiça. Através de procedimentos ajustados a realidade nacional poder-se-á proporcionar a estrutura devida para o acesso a tal Poder e a consequente solução de questões judiciais.
PALAVRAS-CHAVE: justiça; direito; Estado; sociedade.
1 INTRODUÇÃO
Mesmo com a reforma trazida pela Emenda Constitucional 45/2004, a qual proporcionou a reforma do Poder Judiciário, a discussão sobre os problemas que envolvem a justiça no Brasil está cada vez mais em pauta. Isso se deve as várias barreiras ainda latentes a nossa realidade, a começar pelo próprio acesso a justiça, que mesmo sendo considerado um direito fundamental e ponto central da moderna processualística tem sua efetivação cada vez mais burocrática.
Nas modernas sociedades, o acesso efetivo a justiça tem obtido crescentemente o status de direito social básico. Nesse contexto, torna-se necessário estabelecer alternativas práticas que possibilitem a real disponibilidade do Poder Judiciário e a promoção efetiva da justiça.
Esse processo de desburocratização deve ser encarado criticamente, de forma a se estabelecer reformas que proporcionem diferenciais em todo o cotidiano jurídico. Para tanto, é mister que a estrutura do Judiciário brasileiro seja reformulada, proporcionando mudanças que atinjam desde o seu acesso até o término das demandas processuais.
2 UM APANHADO HISTÓRICO CORRELACIONADO A REALIDADE
A estrutura jurídica implantada por Portugal aqui no Brasil no período colonial nos acarretou inúmeros problemas. Na verdade, não se tinham ao certo quais eram as reais dificuldades da colônia ou maldosamente as ignoravam.
Para se ter uma ideia, a própria magistratura da época não se mantinha distante do ambiente de relações pessoais da colônia, por sua vez, dotada de pessoas de elevado poder aquisitivo e influência, motivos pelos quais eram escolhidos para exercerem a atividade judiciária.
Já no período do Estado-liberal burguês dos séculos XVIII e XIX, as formas utilizadas para solucionar os litígios refletiam a filosofia essencialmente individualista dos direitos até então vigentes. O direito a promoção da proteção judicial significava basicamente o direito formal de o sujeito agravado propor ou contestar uma ação. Seguiam a teoria de que mesmo se tratando de um direito natural, ou seja, existente antes que o próprio Estado, o acesso à justiça não necessitava de uma ação deste para sua proteção. Nas palavras de Mauro Cappelletti:
Esses direitos eram considerados anteriores ao Estado; sua preservação exigia apenas que o Estado não permitisse que eles fossem infringidos por outros. O Estado, portanto, permanecia passivo, com relação a problemas tais como a aptidão de uma pessoa para reconhecer seus direitos e defendê-los adequadamente, na prática. (Acesso a justiça, p.9).
É possível assinalar uma cadeia de fatores que comprometia a efetividade da justiça em tal período. Problemas como a dificuldade de acesso à justiça e a excessiva demora nos julgamentos das cortes eram muito comuns na época, podendo ser notados até hoje. E mesmo que o grau de dificuldade no aspecto geográfico seja menor atualmente, e a dificuldade de acesso seja ligada mais a questão econômica, ficava difícil para as pessoas de povoados distantes das cidades e dos grandes centros recorrerem aos especialistas. Desde então, conflitos políticos e econômicos têm agravado a situação da administração da justiça. Questões não resolvidas no passado continuam latentes a nossa realidade.
Percebe-se que o tempo passou, mas os problemas continuam à expectativa de uma solução efetiva. Assim, torna-se necessário uma mudança imediata na forma como a promoção da justiça é feita. Mudanças essas capazes de alterar efetivamente a forma de se encarar os direitos e garantias previstos na Carta Magna, fazendo com que estes sejam vistos verdadeiramente como instrumentos exigíveis.
3 A DESBUROCRATIZAÇÃO DO ACESSO A JUSTIÇA
Muito tem se falado sobre a forma como a justiça é encarada no Brasil. Apesar da Constituição da República garantir em passagens do seu esboço o direito a uma justiça célere[1], a assistência jurídica gratuita aos que não podem arcar com os seus custos[2], além do próprio acesso a justiça[3], tais direitos não têm sido cumpridos da forma devida. O que torna imprescindível que o Estado brasileiro cumpra a observância de tais previsões.
O acesso á justiça deve ser efetivo e material. A resposta proferida pelo Estado deve dirimir o conflito existente ou legitimar a situação ofertada em prazo razoável. Não basta que o Poder Judiciário receba a demanda e garanta o direito de ação processual, deve também garantir uma decisão justa, sob pena de nada adiantar esta garantia constitucional. Nesse sentido corrobora Ada Pellegrini Grinover salientando que:
É necessário acentuar o conteúdo da ideia de acesso à Justiça que não há de significar simplesmente o acesso ao Poder Judiciário; não só porque também existe o direito à assistência pré-processual, mas também num sentido mais amplo: é que acesso à Justiça significa, e deve significar, não apenas o acesso aos tribunais, mas o acesso a um processo justo, o acesso ao devido processo legal, àquele conjunto de garantias tão importantes que fez com que Mauro Cappelletti dissesse constituir o mais importante dos direitos, na medida em que dele depende a viabilização dos demais direitos (Novas tendências do direito processual: de acordo com a Constituição de 1988, p. 244).
A promoção da justiça é possível quando é atrelada a um sistema processual ajustado à veiculação das demandas, com procedimentos compatíveis com a cultura nacional, de forma a proporcionar as partes à estrutura jurídica necessária para a solução dos seus litígios. Como bem alude Heliana Coutinho Hess: “São necessárias reformas judiciais que abranjam aspectos institucionais, estruturais e processuais para concretizar o acesso ao Judiciário”. [4]
Para tanto, faz-se imprescindível que toda a sociedade esteja engajada nesse processo, pois não basta cobrar do Estado às medidas necessárias, é indispensável que todos cumpram com o seu papel neste processo. O Estado brasileiro em impulsionar a atuação célere e efetiva por parte do Poder Judiciário e a população em acompanhar tal processo, cobrando quando necessário o seu efetivo cumprimento.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O panorama da desburocratização da justiça terá como conseqüência imediata a diminuição da demanda processual pendente de julgamento, ocasionando a oportunidade dos novos processos que venham a ingressar no Judiciário serem sentenciados de forma mais célere.
Nesse processo de reestruturação do Poder Judiciário brasileiro deve ser modificada também a forma de se encarar o trabalho por parte do funcionalismo público. Pois, a eficácia e a celeridade da justiça dependem dentre outros fatores, da prática de cidadania realizada por todos que formam a máquina do tal Poder.
Como se percebe, trata-se de um processo audacioso diante da realidade do cenário jurídico atual, mas que se iniciado o quanto antes poderá trazer inúmeros benefícios à sociedade com um todo, a começar pela própria efetivação do acesso à justiça.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Obra coletiva de autoria da Editora Rideel com a organização de Marcos Antônio Oliveira Fernandes. 12. ed. São Paulo: Rideel, 2011.
CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.
GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do direito processual: de acordo com a Constituição de 1988. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense,1990.
HESS, Heliana Coutinho. Acesso à justiça por reformas judiciais. 1ª ed. Campinas-SP: Millennium Editora, 2004.
[1]A Constituição Federal de 1988 em seu Art. 5º, inc. LXXVIII, diz que: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
[2] A Constituição Federal de 1988 traz em seu Art. 5º, inc. LXXIV, a seguinte redação: “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovem insuficiência de recursos”.
[3] A Constituição Federal de 1988 prevê em seu Art. 5º, inc. XXXV, que: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
[4] HESS, Heliana Coutinho. Acesso à justiça por reformas judiciais, p. 244.
Acadêmico da: Faculdade de Ciências Humanas e Sociais - AGES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CURVELO, Hercílio Denisson Alves. A desburocratização da justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 set 2012, 07:39. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/1305/a-desburocratizacao-da-justica. Acesso em: 28 nov 2024.
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