"São muitas as teorias construídas para definir o conteúdo material da culpabilidade: do poder agir de outro modo (Welzel); da atitude jurídica reprovada ou defeituosa (Wessels, Jescheck); da responsabilidade pela condução de vida (Mezger); responsabilidade pelo próprio caráter (Dohna); da atribulidade (Maurach); do dever de motivar-se pela norma (Mir Puig, Muñoz Conde); do defeito de motivação jurídica (Jakobs); da dirigibilidade normativa (Roxin).
De qualquer forma, a teoria dominante ainda é a do poder agir de outro modo de Welzel. Tal concepção leva em conta que o agente poderia escolher o respeito ao justo, mas não o fez.
A teoria da atitude jurídica reprovada (de Jescheck e Wessels) tem o mesmo significado da de Welzel, só mudando as palavras. A responsabilidade pelo próprio caráter (Dohna) e da responsabilidade pela condução de vida (Mezger) ligam o fato produzido como decorrente da personalidade do autor no que se denomina culpabilidade de autor .
A partir da década de 70, surge o funcionalismo, que pugna pela transição científico-dogmático para o político-criminal-empírico , orientação essa que se preocupa mais com o limite da pena do que com sua legitimação, já que essa vertente dogmática se apoia em medidas político-criminais prevencionistas. Os dois autores mais debatidos no Brasil são Jakobs e Roxin.
Jakobs, a bem dizer, substituiu o conceito de culpabilidade pelo de prevenção geral positiva. Para Jakobs, a concepção material de culpabilidade seria o defeito de motivação jurídica, a culpabilidade material seria a ausência de motivação jurídica do autor. A pena serviria, assim, como um mecanismo de prevenção eminentemente geral, pois visaria à estabilização da confiança no sistema jurídico tendo, a pena, a função de firmar a vigência da norma. Pune-se o sujeito para que haja um reforço à confiança no sistema, no ordenamento jurídico. A reprovabilidade da culpabilidade recai sobre a infidelidade do agente para com o ordenamento jurídico por não ter se motivado conforme a norma , conceito eminentemente normativo. Quer dizer: o sujeito é reduzido a um meio e não a um fim do sistema. Ele importa mais como um exemplo para os outros do que como uma pessoa dotada de direitos a ser reintegrada à sociedade. Por sua característica preventiva há um enfraquecimento da relevância da vontade individual. Leva-se em consideração a funcionalidade da culpabilidade segundo elementos sociais. Não por outro motivo Günther Jakobs afirma que "a culpabilidade e exigências de prevenção geral são idênticas”. Nominalmente, entretanto, Jakobs expressa que a utilidade prevencionista da pena jamais poderia se sobrepor à dignidade da pessoa humana, o que, desde logo, parece legítimo, mas totalmente inseguro, já que a culpabilidade é substituída pelo conceito de prevenção geral o que abriria caminho a um Direito penal prevencionista, de cunho eminentemente autoritário. Também possibilitaria a substituição de uma culpabilidade do fato pela culpabilidade de autor ao admitir a perseguição contra a população vulnerável por mecanismos prevencionistas já que se releva a utilidade da reprovabilidade social. É dizer, Jakobs pugna por uma culpabilidade mais social, menos individual, o que atinge de morte a culpabilidade.
Para Roxin, a dirigibilidade normativa é a capacidade de comportamento igual à norma, definição essa já defendida por Liszt. Roxin é crítico quanto a Jakobs no que tange ao abandono da função restritiva da culpabilidade. Em posição menos radical, defende que a necessidade preventiva da pena é subsidiária em relação ao princípio de culpabilidade . Esse princípio continua inabalável em seu caráter limitativo. Entretanto, assim posto, esvazia o referido princípio no que tange a fundamentação da pena . Roxin , na verdade, ataca a função retributiva da pena – para também ressaltar a função preventiva - ao pontuar que só se poderia encontrar uma compensação entre um ato criminoso e uma pena temporal através de um “ato de fé”. Para Roxin, assim, deve-se privilegiar a prevenção especial positiva. A única função do princípio seria, pois a de limitar essa prevenção.
O nosso sistema adota, entretanto, expressamente no art. 59, CP, além do prevencionista, também a teoria retribucionista (Die Theorie der Vergeltung). O limite defendido por Roxin é a garantia de que a culpabilidade daria aos indivíduos, impedindo que o Estado abusasse desse instrumento. O fundamento da pena, ao se apoiar exclusivamente na política criminal prevencionista, acaba por deslocar a responsabilização do sujeito para possuir unicamente critérios prevencionistas de política criminal.
A história da culpabilidade é a história de sua normatização porque a reprovação da culpabilidade não é empiricamente mensurável, a não ser pela quimérica figura do homem médio. O fato do sistema jurídico-penal pugnar por uma culpabilidade como reprovação acaba por dificultar seu conceito e encobertar fatores externos à consecução de um delito por uma pessoa o que nos leva de volta ao ponto de onde partimos: “a culpabilidade nada mais é do que a ausência de causas de exclusão da culpabilidade”."
(Trecho do livro: Belo, Warley. Tratado dos Princípios Penais, Volume II. Florianópolis: Bookess, 2012, p. 35 ut 39. Disponível em http://www.bookess.com/read/12584-tratado-dos-principios-penais-volume-ii/)
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