A Constituição Federal subordina a desapropriação motivada por interesse público ao prévio pagamento da justa indenização.
Contudo, o § 1°, do art. 15 do Decreto-lei n° 3.365/41, diploma legal básico da desapropriação, permite a imissão provisória na posse do imóvel objeto de desapropriação mediante depósito de seu valor cadastral.
O STF declarou a constitucionalidade desse preceito legal sob a égide da Constituição de 1988, porque somente após o pagamento do justo preço é que haverá a imissão definitiva, valendo a sentença judicial como título hábil para a transcrição imobiliária, como prescreve o art. 29 da lei de regência da matéria. Não se atentou para o fato de que a imissão provisória equivale à imissão definitiva dado ao caráter irreversível da desapropriação. Para o expropriado tanto faz perder a posse de forma provisória ou de forma definitiva.
Para conferir caráter anual ao IPTU as legislações municipais fixam o aspecto temporal do fato gerador desse imposto para o dia 1° de janeiro de cada exercício.
O aspecto nuclear ou material do fato gerador do IPTU é a propriedade, o domínio útil ou a posse a qualquer título do imóvel inserido na zona urbana do Município (art. 32, do CTN). O contribuinte é o proprietário, o titular do domínio útil ou o possuidor a qualquer título (art. 34, do CTN).
A interpretação sistemática da norma do art. 32 do CTN conduz ao entendimento de que o fato gerador do IPTU é a disponibilidade econômica da propriedade, do domínio útil ou da posse. Por isso, exclui-se a posse do mero locatário, que é desprovida de conteúdo econômico.
Por essa razão não se pode, também efetuar o lançamento do IPTU contra proprietário, titular do domínio útil ou o possuidor a critério da repartição fazendária, como sustentado por parcela da doutrina especializada. Tampouco se pode proceder ao lançamento tributário contra todos eles como se solidariedade houvesse entre eles. A solidariedade só pode existir nas duas hipóteses previstas no art. 124, do CTN. É o caso, por exemplo, de co-proprietários de um imóvel.
Se o proprietário perdeu a disponibilidade econômica do imóvel, porque transferiu precariamente a posse ao compromissário comprador, contra este deve ser lançado o IPTU, sob pena de afrontar o princípio da capacidade contributiva. No caso de imissão provisória, o poder público expropriante passa a deter a disponibilidade econômica do imóvel desapropriado. No caso incide, ou a imunidade recíproca se o expropriante for o Estado membro ou a União, ou a confusão se o expropriante for o Município. N’um e n’outro caso não haverá incidência do IPTU.
Logo, o imóvel urbano imitido na posse do ente político expropriante não deve sofrer lançamento do IPTU contra o proprietário que figura no pólo passivo da ação de desapropriação.
Imperativo que se atente ao princípio da capacidade contributiva que é corolário do princípio da isonomia. Este princípio não permite que se trate da mesma forma o proprietário que perdeu a disponibilidade econômica do imóvel e aquele proprietário que reúne todos os atributos da propriedade: o poder de usar, de gozar e de dispor.
Assim, incabível a cobrança do IPTU após a imissão provisória a pretexto de que o fato gerador ocorreu no dia 1° de janeiro, sendo a imissão um fato superveniente. Sobre a matéria assim nos manifestamos:
“Todavia, essa solução tecnicista, além de injusta, viola os princípios constitucionais da isonomia tributária, da capacidade tributária e da vedação de efeito confiscatório.
Se o expropriado perdeu a posse no dia 2 de janeiro, não há como pretender a tributação sob o fundamento de que o fato gerador ocorreu um dia antes. O fenômeno tributário não pode ser interpretado com total abstração do aspecto econômico que, em última análise, fundamenta a tributação. Já diziam os antigos: onde nada tem, até o Imperador perdeu o seu imposto.
Se não efetuado o lançamento ainda, ele deve ser sobrestado. Se já efetuado o lançamento, deve-se dispensar do pagamento das parcelas mensais vencidas após a imissão provisória.
Essas providências normalmente são tomadas pela Prefeitura, quando a desapropriação é proposta por ela ou seus delegados. Uma cópia do auto de imissão provisória é remetida para o órgão fiscal da Prefeitura.
O problema surge quando as desapropriações são feitas por outras esferas políticas que não comunicam o fato ao órgão municipal competente.
Cabe, nesses casos, ao expropriado fazer essa comunicação para evitar cobrança indevida do IPTU.”
Para clareza da tese aqui esposada é importante esclarecer que a natureza real do IPTU, proclamada pela doutrina e jurisprudência, não significa que o imposto grava a propriedade imobiliária. Do contrário, imóvel sem dono, também, deveria ser tributado.
A propriedade imobiliária é apenas o objeto do imposto que não se confunde com o seu fato gerador, que repita-se, é a disponibilidade econômica da propriedade, do domínio útil e da posse. O IPTU grava a disponibilidade econômica de uma dessas categorias jurídicas, fato que, por si só, impede o seu lançamento contra todos os contribuintes mencionados no art. 34, do CTN. O fisco há de eleger entre eles aquele que efetivamente detém a disponibilidade econômica do imóvel, desconsiderando a figura da gradação lembrada por alguns autores.
SP, 13-8-12.
Notas:
* Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
Site: www.haradaadvogados.com.br
E-mail: [email protected]
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