Seria possível reconhecer a inconstitucionalidade de leis aprovadas no período em que o STF reconheceu ter existido a compra de votos de parlamentares no mensalão?
A tese acaba de fundamentar uma provocante decisão da 1ª Vara da Fazenda de Belo Horizonte que considerou inconstitucional a Emenda Constitucional 41/2003. A tese já tinha sido ventilada pelo Ministro Celso de Mello.
Mencionada emenda introduziu a Reforma Previdenciária e foi responsável pela alteração dos artigos 37, 40, 42, 48, 96, 149 e 201 da Constituição Federal e revogação do inciso IX do § 3º do art. 142, também da Lei Maior.
O juiz mineiro concluiu que, diante do reconhecimento pelo STF da existência do mensalão (em julgamento na AP 470) e, por conseguinte, da constatação de que entre 2003 e 2004 houve compra de votos de parlamentares, as normas neste período editadas padecem do vício da inconstitucionalidade.
Dessa forma, concluiu o magistrado que a aprovação da EC 41/2003 resultou da compra de votos e não da aprovação democrática a que deveria ter sido submetida, de acordo com as normas constitucionais. Logo, a norma é “inválida ex tunc, ante o vício de decoro”.
Como sabemos, o controle de constitucionalidade das normas é feito de modo preventivo ou repressivo. Em ambas as hipóteses pode ser feito pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Exerce-se o controle preventivo pelo Legislativo quando a norma passa pela CCJ, pelo Executivo por meio do veto e, pelo Judiciário, na hipótese de impetração de mandado de segurança por parlamentar quando houver inobservância do devido processo legislativo constitucional.
O controle de constitucionalidade repressivo, por sua vez, também pode ser feito pelos três poderes: Legislativo (arts. 49, V e 62, da CF), Executivo (negando cumprimento a lei e fundamentando a inconstitucionalidade) e, por fim, o Judiciário que controla a constitucionalidade das normas de modo difuso ou concentrado.
O controle de constitucionalidade concentrado é o realizado nas ações diretas de constitucionalidade. Já o controle difuso é o típico controle que o magistrado mineiro realizou na decisão que comentamos. Em um caso concreto, ao fundamentar a decisão, entende que determinada norma é inconstitucional.
Tradicionalmente, apontam-se duas formas de vício: formal e material. No caso em espécie, não há vícios de forma nem de essência na aprovação da emenda constitucional. Constatou-se um vício de decoro parlamentar. Veja-se como expôs suas razões, o magistrado:
“No caso em espeque trata-se do chamado “vício de decoro parlamentar”, vedado expressamente no art. 55, §1º da CF, in verbis:
Art. 55.
§ 1º - É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas.”
A inconstitucionalidade advinda do vício de decoro resulta diretamente da mácula que teria envolvido o voto que constitui, em suma, o sagrado valor de representação popular conferida pelo povo que se faz assim representar pelo parlamentar corrompido, ferindo o que consta do artigo 1º, inciso I da Constituição Federal, que estabelece como pilar do Estado Democrático de Direito a soberania popular, neste caso, violada dramaticamente pela venda de votos no parlamento que a representaria”.
Em matéria divulgada pelo Última Instância, o magistrado reconhece que o seu posicionamento representa voz isolada: “Com uma ‘sentencinha’ simples dessa, quero jogar luz sobre certas discussões”.
De acordo com informações do Gazeta: dos 486 parlamentares que participaram da votação da EC 41/2003, 358 votaram a favor, enquanto 126 foram contrários. Houve 9 abstenções. Depois, o texto seguiu para apreciação do Senado, em dois turnos.
Não se sabe quantos parlamentares foram “comprados”. Esse dado é muito relevante. Note-se que a aprovação se deu por margem muito grande. Era preciso verificar quantos foram “comprados” e quantos foram “válidos” (indiscutivelmente). Não há notícia de que muitos tenham sido “comprados”. Logo, mesmo excluindo os parlamentares venais, ao que tudo indica, continua havendo quórum amplo suficiente para a aprovação. Nós não julgaríamos inconstitucional a EC 41 sem a comprovação numérica dos parlamentares que aprovaram a emenda ganhando dinheiro “por fora”.
LUIZ FLÁVIO GOMES, 55, doutor em direito penal, fundou a rede de ensino LFG. Foi promotor de justiça (de 1980 a 1983), juiz (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001). Siga-me: www.professorlfg.com.br.
Precisa estar logado para fazer comentários.