Depois de tanta guerra entre a polícia e o PCC, cabe agora perguntar que tipo de natal terão as prisões? A prisão não é uma instituição nova. Mesmo antes de sua judicialização (século XIX), ela já existia. Seu nascimento se deu fora do aparato judicial e desde o princípio com ela o que se pretende é a transformação do prisioneiro em um corpo dócil e útil (Foucault: 2010 [1975], p. 217). Dócil do ponto de vista disciplinar e útil do ponto de vista econômico.
O discurso justificador da prisão sempre recaiu sobre sua humanização e o respeito à igualdade (porque a liberdade é um bem igualitário para todos, dizia a doutrina burguesa liberal). Comparada às anteriores formas de punição (penas corporais, pena de morte etc.), ela realmente significou avanço humanitário. Na medida em que as prisões não foram conseguindo se distinguir das masmorras da Idade Média, foram se brutalizando, até chegar ao seu estágio atual (no Brasil, pelo menos) de total desumanização. O PCC nasceu dentro dos presídios, em 1993, para a defesa dos presos maltratados (e mortos) pelo Estado. Talvez seja o único produto bem sucedido fabricado pelas prisões paulistas, porque o PCC está muito rico e já presente em 21 estados brasileiros.
As prisões brasileiras são os mais expressivos termômetros de incivilidade da sociedade do século XXI. Prova exuberante de que o processo civilizatório (Norbert Elias) ainda não se concluiu. Quem conhecer as prisões brasileiras não só vai preferir morrer a cumprir pena nelas (Ministro da Justiça) como também vai constatar que o ser humano ainda não alcançou seu ápice civilizacional.
O primeiro horror é o gerado por alguns delinquentes perversos e sanguinários. O segundo, como diz Ferrajoli, é a constatação de que as prisões produzem mais horror e mais sangue que os crimes praticados. Inclusive e, sobretudo, contra quem jamais deveria estar dentro dela (criminosos não violentos).
A prisão constitui o eixo das punições estatais, mas ela está reservada, em regra, para as classes baixas (para os feios, para os marginalizados). O Poder Judiciário, logo que colonizado pelas classes dominantes (Foucault), é o encarregado de fazer a distribuição das suas vagas (ou das suas superlotações). A prisão faz parte do funcionamento desigual da sociedade. É a sociedade brasileira em miniatura (composta de miseráveis, desdentados, negros e pardos em sua maioria, e pouquíssimos abastados). Um retrato do Brasil injusto e desigual. De vez em quando há um movimento disruptivo, como o do mensalão. Mas isso é excepcional. Ela não feita para os colarinhos-brancos (classes dominantes). O que só comprova a regra, da desigualdade da lei penal que, tal como as serpentes, só pica os descalços (Jesus De La Torre).
As classes dominantes assim como a magistratura sabem que a prisão é destrutiva, arrasadora, incivilizada (e que produz crime organizado). Mas para seu lugar não aceitam nada alternativamente. Porque ela tem destinatário certo: os miseráveis, os vulneráveis ou os de cima, quando entregues (delatados) por alguém que ficou insatisfeito com o malfeito (Roberto Jefferson e o mensalão, por exemplo).
Temos vergonha das nossas prisões (Foucault), mas não a abandonamos. Para que não fiquem diante dos nossos olhos, mandamos as prisões para as periferias ou para o interior. Mas ninguém quer ficar perto delas, que se converteram em espécie de peste maligna. Para este final de ano, caso a guerra entre Polícia e PCC continue, cabe prever muitas tragédias. Quem manda nos presídios é o PCC. Se ele deliberar fazer rebeliões, muito sangue vai jorrar pelos esgotos da barbárie e da incivilidade.
*LFG – Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Estou no www.professorlfg.com.br.
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