De acordo com a cláusula de reserva de plenário, esculpida no art. 55, § 2º, da Carta Magna, o parlamentar só perderá o mandado após deliberação, votação e decisão da Câmara dos Deputados (ou Senado) por meio de voto secreto e maioria absoluta. Ou seja, sequer trata-se de mera “formalidade constitucional”, como afirmou hoje (06/02) o Ministro Gilmar Mendes em entrevista a jornalistas, eis que a própria Constituição exige, inclusive, circunstâncias especiais para a tal votação (repita-se: tem que ser secreta e ter maioria absoluta). Vale dizer: ainda que uma maioria (porém não absoluta) delibere pela perda do mandado, o parlamentar condenado pelo STF (que deu a “ultima palavra”, porém na parte que lhe compete) continuará a exercê-lo, gostem ou não.
Vale dizer que o quórum “maioria absoluta” é o mesmo exigido pelo art. 93, VIII e X, da Constituição, que tratam de sanções contra magistrados (aposentadoria compulsória, penas disciplinares). Para a aplicação dessas sanções aos magistrados, também é exigido maioria absoluta.Portanto, é inexplicável a suposta “estupefação” ou “indignação conveniente” demonstrada pelo Ministro Joaquim Barbosa, que afirma que a perda dos mandados é automática (Celso de Mello também afirma isso), em evidente violação à Carta Magna (art. 55, § 2º) e afronta à soberania do Poder Legislativo (esse absolutamente soberano para deliberar sobre a perda ou não dos mandados).
Dessa forma, se a defesa da Constituição não é mera retórica, essa defesa não poderá estar subordinada a supostos anseios populares, ao calor das emoções, às vontades e opiniões particulares, até mesmo dos ministros do próprio Supremo, por melhor que sejam suas intenções. E acredito que sejam.
Nos termos da Constituição, a perda do mandado depende não apenas de decisão do STF, mas também, e tão importante quanto, da vontade soberana de outro Poder, no caso o Congresso Nacional. Tudo em consonância com o princípio do art. 2º (harmonia e independência entre os Poderes). Esse caso envolve, por analogia, o 'ato complexo' ou 'ato composto' onde, em apertada síntese, uma decisão depende, obrigatoriamente, de dois ou mais órgãos. Portanto, não existe o menor conflito normativo no caso, eis que há expressa previsão na Constituição.
Portanto, não pode haver no caso a menor duvida.O STF de fato e de direito pode decidir pela cassação do mandado (que é o primeiro ato). Porém, num segundo ato, o Congresso Nacional delibera, vota e determina a perda (ou não) do mandado parlamentar, por meio devotação secreta. Ainda assim, reiteramos, o Congresso Nacional somente poderá decidir pela perda do mandado se obtiver maioria absoluta.
Naturalmente, se o Congresso não decretar a perda do mandado, seus membros poderão assumir ônus elevados de tal decisão, nas eleições de 2014. Mas isso quem tem que decidir é o povo, e não o Supremo Tribunal Federal.
A propósito, sempre tenho dito que o Legislativo (apesar da independência dos Poderes) encontra-se num plano superior em relação aos demais poderes, por força do disposto no art. 49, XI da Carta Magna, que prevê que “é da competência exclusiva do Congresso Nacional zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes”. O problema é que o Legislativo tem se apequenado, ao longo dos anos, permitindo, passivamente, a invasão dos outros Poderes em sua seara.
Essa passividade implica em que Judiciário e Executivo passem a pretender “dar ordens” ao Legislativo, quando justamente deve ser o contrário, eis que é a esse Poder que compete o poder de fazer as leis aos quais todos os Poderes (inclusive ele próprio) devem se submeter.
Nos últimos meses muito se tem dito que 'decisão judicial não se discute, cumpre-se'. Ledo engano. Caso a decisão judicial seja fragrantemente ilegal ou inconstitucional, não deverá ser cumprida. A respeito disso, confira-se monumental decisão do próprio Supremo, no HC 73.454 (Rel. Ministro Maurício Corrêa):
'Ninguém é obrigado a cumprir ordem ilegal, ou a ela se submeter, ainda que emanada de autoridade judicial. Mais: é dever de cidadania opor-se à ordem ilegal; caso contrário, nega-se o Estado de Direito'. (HC 73.454, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 22-4-1996, Segunda Turma, DJ de 7-6-1996)
O que está em jogo, em verdade, não é a perda (ou não perda) de mandados parlamentares por conta de condenação. Está em jogo algo maior: a defesa da Constituição, que não poderá ser violada, nunca, por melhores que sejam as intenções daqueles que, forçando e levando a interpretações exotéricas e descabidas, terminam por adulterar o texto constitucional.
Aqui, os fins não justificam os meios.
Aguardemos, pois, com serenidade, que a Câmara dos Deputados siga o rito, obrigatório, do art. 55, § 2º.
Milton Córdova Júnior
OAB/DF 22.899
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