A verdadeira “onda” de crime e violência no Brasil de 2012 vem sendo expressa de várias maneiras. Entre as expressões da atual crise da segurança pública brasileira estão (i) o ativismo delitivo de certa “organização criminosa de três letras”, (ii) o vigilantismo (fazer justiça com as próprias mãos), (iii) revanches (entre grupos rivais de criminosos), (iv) acertos de contas (envolvendo narcotraficantes, dependentes químicos e até a própria polícia), (v) deficiências crônicas do sistema penitenciário (descontrole, incluindo no tocante ao uso de telefonia móvel por detentos do sistema prisional), (vi) falta de integração policial (polícia civil versus polícia militar), (vii) “copycat” (cópia ou imitação de práticas delitivas, com a ocorrência aleatória de eventos criminosos apenas aparentemente correlacionados), etc.
Buscando paralelos dessa “crise brasileira” com situações similares já ocorridas pelo mundo afora, salta aos olhos uma correlação estabelecida nos EUA entre a prevalência da “cocaína crack” e incidência de criminalidade violenta, algo fartamente documentado pela literatura criminológica e mídia daquele país. Parece que um fenômeno semelhante está em curso no Brasil atual.
De fato, ocorreu uma grave crise similar na segurança pública dos EUA entre os anos 1980 e 1990, coincidentemente com uma verdadeira “explosão de cocaína crack”. Tal crise deu origem ao famoso programa “Tolerância Zero” da cidade de Nova Iorque nos anos 1990. No mesmo contexto, em 1994 foi produzida legislação específica contra o crime e a violência, com a chamada “Lei da Criminalidade Violenta” (Violent Crime Act) – incluindo mudanças na execução penal de criminosos violentos (“Three strikes and you are out” – frase de forte apelo político extremamente repetida na mídia, indicando que depois de “três ataques” o delinqüente violento passava a ficar fora do alcance de privilégios e concessões da execução penal).
Entre os autores mais citados sobre o tema, sobressaem os economistas Steven Levitt e Kevin Murphy da Universidade de Chicago. Levit e Murphy, sugerem que a “cocaína crack” tenha sido o fator desencadeador de sérios problemas criminais entre norte-americanos excluídos socioeconomicamente, caso de membros das comunidades de negros e latinos. Entre 1984 e 1994, os índices de homicídios para o grupo populacional de jovens negros -- 14 até 17 anos -- mais que dobrou. Os índices correspondentes para os homens jovens de 18 até 24 anos cresceram quase que igualmente. Cresceram também os números de prisões por porte ilegal de armas, bem como o número de crianças e adolescentes infratores sob a tutela do Estado. Em 1996, aproximadamente 60 de cada cem detentos no sistema prisional dos EUA estavam vinculados ao narcotráfico de alguma forma.
A razão dessa “explosão” de crime e violência nos EUA é creditada por muitos como resultado da pulverização do tráfico da “cocaína crack” entre membros de comunidades norte-americanas de baixa renda. Isso possibilitaria uma espécie de “ascensão socioeconômica pelo crime” nessas mesmas comunidades, face os baixos preços do “crack” no varejo, ocasionando, por outro lado, verdadeiras guerras de criminosos jovens entre si e com desdobramentos sobre a sociedade em geral. Tudo isso feito e havido em termos da defesa de interesses econômicos. O final da crise, supostamente, fica balizado nos EUA pelo “mau nome do crack” entre membros do grupo populacional da geração imediatamente seguinte ao da que esteve mais intensamente envolvida com a “explosão” dessa forma de cocaína.
Talvez já seja tempo desse “fenômeno transnacional” ser mais detidamente examinado pelas autoridades brasileiras da segurança pública. E tal fenômeno começa com a passagem de drogas ilegais dos países andinos para o Brasil, algo que envolve não apenas a segurança pública, mas também questões de ordem internacional e de defesa nacional entre o Brasil e os países produtores de cocaína, nomeadamente, Bolívia, Peru e Colômbia.
Precisa estar logado para fazer comentários.