A Lei 12.760, de 20 de dezembro de 2012, introduziu importantes modificações no Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9503/97). A “nova lei seca” vai funcionar ou é somente mais uma satisfação simbólica do Poder Legislativo?
Sem dúvida alguma, a nova lei penal é mais rigorosa do que a anterior. Porém, é só outro exemplo da perniciosa expansão do Direito Penal incapaz de reduzir os números de mortos nas estradas ou de motoristas embriagados.
Esta atual lei foi motivada em razão do que decidiu o STJ quando passou a exigir prova técnica (bafômetro ou exame de sangue) para se aferir a taxa de alcoolemia para o crime de condução de veículo sob efeito de álcool. É que a anterior Lei 11.705, de 19 de junho de 2008, inseriu no tipo do artigo 306, CTB o número cabalístico de 6 decigramas de álcool por litro de sangue. Essa crassa exigência não existe mais no atual tipo principal, nada obstante incapaz de retroagir para alcançar os fatos praticados antes do dia 20 de dezembro de 2012, que continuam a exigir o exame pericial, porquanto, à época, era imprescindível a referida prova técnica para se demonstrar a concentração de álcool por litro de sangue.
Não se pode confundir essa legislação penal com a legislação administrativa. O Conselho Nacional de Trânsito (Contran) regulamentou, através da Resolução 432, a tolerância zero, ou seja, qualquer quantidade de álcool no sangue do condutor já é capaz de produzir as punições administrativas. Isso significa que um bombom com licor ou um copo de cerveja ou um enxaguante bucal com álcool podem configurar a infração. Mas, nesses casos, o bafômetro não acusará nenhuma quantidade de álcool após 15 minutos do consumo. Tanto no caso da infração administrativa quanto do crime, pode-se fazer a prova da embriaguez pela opção técnica do bafômetro ou exame de sangue, mas, também, por outros meios de prova para a confirmação do estado alterado do condutor como a prova testemunhal, imagem, vídeo ou qualquer outro meio de prova em direito admitido.
Aqui surge uma questão porque o testemunho do agente de trânsito é válido como prova. Sua palavra pode condenar uma pessoa. Cabe ao condutor comprovar que o agente de trânsito está errado ou mentindo. Problemas de cunho emocional ou cansaço podem produzir um aspecto de “falsa embriaguez” como olhos vermelhos e voz embargada. Neste caso, apresenta-se como um cristalino direito do condutor fazer a sua contraprova com o teste do bafômetro, uma vez que contra ele pesa uma presunção de embriaguez. A não existência do aparelho poderá ser interpretada em favor do condutor, pois, em matéria punitiva, não se deve tolerar sistemas probatórios bipolares. Quer dizer, é possível comprovar a embriaguez através do bafômetro ou de outras provas, entretanto estas outras provas só podem ser utilizadas se não existir o bafômetro ou se o condutor não colaborar. Os outros meios de prova são mecanismos claramente subsidiários, quando pouco, corroborativos do teste pericial. Se o condutor quer realizar o teste do bafômetro, mas este não existe, não se pode – por comodismo arbitrário – lançar mão da ineficiência estatal para condená-lo com elementos probatórios secundários. Isso geraria uma instabilidade e uma insegurança jurídica.
Não se pode descurar igualmente que andou mal o Legislador ao insistir no crime como um perigo abstrato. A desnecessidade de se provar um perigo criado pelo condutor, bastando o descumprimento da norma para a caracterização do crime, não satisfaz a exigência de um Direito Penal fundado na teoria do bem jurídico, ponto elementar de um Direito Penal democrático. A antecipação da punição por um eventual ato perigoso desvirtua o Direito Penal e abre reais possibilidades de seu abuso porque expande os limites mínimos de um Direito Penal de garantias. Abandona-se a proteção ao bem jurídico em prol de normatizações de condutas. O crime do artigo 306 é, assim, uma ficção jurídica, um capricho do Legislador.
Melhor caminho para infrações de perigo abstrato seria tratá-las em instâncias extra-penais e não penais porque flagrantemente violadora do princípio da lesividade e da ideia liberal de ultima ratio.
Por fim, na prática do crime, que é afiançável, a pena é de detenção de seis meses a três anos e multa. A multa era de R$ 957,65, agora é de R$ 1.915,40. Ainda há o recolhimento da habilitação, a suspensão do direito de dirigir por 12 meses, além da retenção do veículo, salvo se apresentar outro condutor habilitado. A lei prevê, ainda, caso o motorista reincida num prazo de um ano, o valor da multa será duplicado chegando a R$ 3.830,60, além da suspensão do direito de dirigir por doze meses.
Muito mais eficaz do que o recrudescimento punitivo, seria a educação, a melhoria da engenharia viária, a eficiência dos transportes públicos e uma fiscalização efetiva. Mas essas atividades não são tão fáceis quanto a mudança de um artigo de lei e nem agrada tanto a sociedade brasileira que é, cada vez mais, autoritária em questões criminais.
Apesar do deslumbramento social, há mais simbolismo do que inteligência na “nova lei seca”.
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