RESUMO: analisa os efeitos da condenação criminal em face do mandato de parlamentar do Brasil. Procura responder se é possível a perda do mandato do parlamentar apenas decorrente da suspensão dos direitos políticos por força de condenação criminal transitada em julgado. Discorre sobre perda do mandato, por força de condenação criminal, nos termos do art. 92, I e II do CP, poder ser aplicada a um mandato futuro, que não aquele em que a conduta ocorreu. Tece comentários quanto aos efeitos da condenação na Ação Penal n. 565 e na Ação Penal n. 470, julgada pelo Supremo Tribunal Federal. Discorre sobre a inelegibilidade e a sua concomitância com a suspensão dos direitos políticos decorrente de condenação criminal (art. 15, III, da CF). Finaliza trazendo conclusões sobre os efeitos da condenação criminal, sobre a suspensão dos direitos políticos e a necessidade de atuação das Casas Legislativas, na decretação ou declaração da perda do mandado do parlamentar.
Palavras-chave: Condenação. Efeito. Cassação. Perda de mandato. Parlamentar.
1. INTRODUÇÃO
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) na quinta-feira (8/08/2013), concluiu o julgamento da Ação Penal (AP) 565, condenado o senador Ivo Cassol (PP-RO) a uma pena de 4 anos, 8 meses e 26 dias de detenção em regime semiaberto e ao pagamento de multa de R$ 201.817,05 pelo crime de fraude a licitações ocorridas quando foi prefeito da cidade de Rolim de Moura (RO), entre 1998 e 2002[1].
Foram condenados ainda os coréus Salomão da Silveira e Erodi Matt, respectivamente presidente e vice-presidente da comissão municipal de licitações, à época dos fatos com as penas de 4 anos, 8 meses e 26 dias de detenção em regime semiaberto, multa de R$ 134.544,70 e à perda do cargo ou emprego públicos que eventualmente exerçam.
Em relação ao mandato de senador da República, o Supremo, por maioria, decidiu-se pela aplicação do artigo 55, inciso VI e parágrafo 2º, da Constituição Federal, segundo o qual a deliberação compete à Casa Legislativa. Nesse ponto ficaram vencidos os ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Joaquim Barbosa, que votavam pela perda imediata do mandato com o trânsito em julgado da condenação.
A luz da legislação brasileira no trato com os efeitos da condenação criminal estaria esta decisão da Suprema Corte correta? e se o Senado não cassar o mandato do senador Ivo Cassol? teríamos um parlamentar condenado e exercendo mandato? Poderia a decisão criminal de crime ocorrido antes de 2002 cassar o mandado parlamentar a posteriori?
Neste sentido, o presente artigo visa responder estas indagações utilizando-se das regras constitucionais, do Código Penal, da Lei Complementar n. 64/90, que foi alterada recentemente pela LC n. 135/2010 intitulada "Lei da ficha limpa", fazendo ainda uso da jurisprudência sobre o tema.
2. SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS COMO EFEITO DA CONDENAÇÃO CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO
A Constituição Federal, em regra, garante o exercício dos direitos políticos, sendo poucas as hipóteses de cassação, perda ou suspensão, interessando para este trabalho a suspensão decorrente de condenação criminal, senão vejamos:
Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;
Esta regra geral do art. 15, inc. III da CF, implica em dizer que enquanto não houver a extinção da pena, o condenado ficará privado de seus direitos políticos, não podendo sequer exercer o direito de voto, qualquer que seja a pena (reclusão, detenção, prisão simples, multa), inclusive o sursis e livramento condicional (havendo divergência doutrinária e jurisprudencial).
E o preso provisório (aquele que está preso, mas ainda não tem condenação definitiva, transitada em julgado) como fica? A Resolução do TSE n.º 20.471, de 14.9.99 – determina a instalação de seções eleitorais especiais em estabelecimentos penitenciários a fim de que os presos que aguardam julgamento ou o trânsito em julgado tenham assegurado o seu direito de voto.
O STF, já decidiu que a condenação, uma vez concedido o sursis, não implica a suspensão dos direitos políticos (RTJ 82/647), no entanto, tal decisão, além de isolada, nos parece equivocada, uma vez que a Constituição Federal não limita a suspensão dos direitos políticos à condenação a pena privativa de liberdade, basta "condenação criminal com trânsito em julgado". Neste sentido, o STF melhor se posicionou em outra ocasião, quando tratou do tema envolvendo pena restritiva de direitos, senão vejamos:
A substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos não impede a suspensão dos direitos políticos. No julgamento do RE 179.502/SP, Rel. Min. Moreira Alves, firmou-se o entendimento no sentido de que não é o recolhimento do condenado à prisão que justifica a suspensão de seus direitos políticos, mas o juízo de reprovabilidade expresso na condenação.” (RE 577.012-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 9-11-2010, Primeira Turma, DJE de 25-3-2011.)[2] Vide: RMS 22.470-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 11-6-1996, Primeira Turma, DJ de 27-9-1996.
A suspensão dos direitos políticos decorrente de condenação criminal[3]. com trânsito em julgado (art. 15, III, da CF) será declarada pela justiça eleitoral, fazendo-se necessário que o juiz criminal, após prolatar a decisão penal condenatória, comunique a justiça eleitoral, para aplicação do art. 15, III da CF:
A norma inscrita no art. 15, III, da Constituição reveste-se de autoaplicabilidade, independendo, para efeito de sua imediata incidência, de qualquer ato de intermediação legislativa. Essa circunstância legitima as decisões da Justiça Eleitoral que declaram aplicável, nos casos de condenação penal irrecorrível, e enquanto durarem os seus efeitos, como ocorre na vigência do período de prova do sursis, a sanção constitucional concernente à privação de direitos políticos do sentenciado. Precedente: RE 179.502-SP (Pleno)[4].” (RMS 22.470-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 11-6-1996, Primeira Turma, DJ de 27-9-1996.) Vide: RE 577.012-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 9-11-2010, Primeira Turma, DJE de 25-3-2011.
E nos casos de Mandato de Parlamentares, como fica em caso de condenação transitada em julgado? a suspensão dos direitos políticos prevista no art. 15, III da CF implicará em perda automática da condenação? É possível alguém exercer um mandato parlamentar estando com os direitos políticos suspensos decorrentes de condenação criminal?
3. SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS DO PARLAMENTAR E PERDA DO MANDADO POR CONDENAÇÃO CRIMINAL
O legislador constituinte deu tratamento diferenciado aos parlamentares quando dispôs sobre a condenação criminal e a suspensão dos direitos políticos, conforme se vê no seu art. 55:
Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;
II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;
III - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;
IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;
V - quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição;
VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.
No entanto para que essa perda dos mandados, ocorra, será necessário observar os parágrafos 2º e 3º do art. 55, visto que a Constituição deu tratamento distinto, senão vejamos:
§ 2º - Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
§ 3º - Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa (negritamos).
Observamos que no §2º, do art. 55, o legislador constituinte informa que nos casos de condenação criminal com trânsito em julgado (VI, art. 55) dos deputados federais e senadores, a perda do mandato depende de decisão da Câmara ou do Senado, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
Assim, respondemos as perguntas acima da seguinte forma:
a) Como fica em caso de condenação transitada em julgado? Resposta: havendo condenação criminal do parlamentar, haverá a suspensão dos direitos políticos, nos termos do art. 15, III da CF, no entanto a perda, se não decretada pelo juízo criminal, somente poderá ocorrer se a Câmara ou o Senado assim o decidir, nos termos do art. 55, §2º da CF.
b) a suspensão dos direitos políticos prevista no art. 15, III da CF implicará em perda automática do mandato? Resposta: não, pois exige que a Câmara ou o Senado decida, nos termos do art. 55, §2º da CF.
c) É possível alguém exercer um mandato parlamentar estando com os direitos políticos suspensos decorrentes de condenação criminal? Resposta: entendemos que não, pois a atividade parlamentar é eminentemente política, ou seja, se houver condenação criminal, estes direitos ficam suspensos ex legi, devendo a respectiva Casa Legislativa declarar a perda do cargo, para dar cumprimento à decisão judicial e evitar que, em tese, ocorra um ato de improbidade administrativa (Lei n. 8.429/92), pois estaria o parlamentar recebendo sem trabalhar, uma vez que o mandato implica no exercício de voto, que estaria suspenso nos termos do art. 15, III da CF.
O Capitulo V, do Título I, do Código Penal, trata dos efeitos da condenação dividindo-os em efeitos genéricos (art. 91) e específicos (art. 92), nos interessando, neste momento, os efeitos específicos da condenação, senão vejamos:
Art. 92 - São também efeitos da condenação:
I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;
b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.
[...]
Parágrafo único - Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.
Pela simples leitura do art. 92 do CP, podemos observar que os efeitos específicos da condenação decorrem da prática criminal de determinados crimes e em hipóteses específicas, devendo ser motivadamente declarados na sentença condenatória. Aqui, diferentemente do art. 15, inc. III da Constituição Federal, que trata da suspensão dos direitos políticos, o legislador ordinário está a tratar da "perda" do cargo, função pública ou mandato eletivo, que não é automática e nem ocorre em qualquer hipótese.
Significa dizer que se um parlamentar ou qualquer político (prefeito, vereador, governador) praticar crime no exercício do mandato, com abuso de poder ou violação do dever com a Administração Pública, o juiz ou o Tribunal (nos casos de foro por prerrogativa de função) ao condená-lo a uma pena por tempo igual ou superior a 1 ano, poderá, fundamentadamente decretar a perda do mandato, em que ocorreu a conduta. Mas, também, se a condenação for por pena superior a 4 anos, independentemente do crime praticado, haverá a perda do mandato parlamentar.
Neste sentido, em um olhar desatento ao caso do Senador Ivo Cassol, que foi condenado a uma pena de 4 anos e 8 meses, poder-se-ia dizer que o Supremo Tribunal Federal deveria ter decretada a perda do mandato do referido parlamentar, pois além do crime ter ocorrido no exercício do mandato, a pena foi superior a 4 anos, alcançando os requisitos objetivos exigidos pelo Código Penal.
Mas e se a conduta foi praticada em um mandato anterior ao da condenação poderia a decisão do Supremo alcançar o novo mandato, por uma conduta ocorrida antes de 2002? O STJ em recente julgado teve a oportunidade de decidir sobre o tema, entendendo que a condenação criminal não pode alcançar o novo mandato, uma vez que a infração penal ocorreu no exercício de uma mandato anterior que não existe mais, senão vejamos:
STJ - Efeitos extrapenais. Perda do cargo público. Novo mandato: Os efeitos extrapenais de decisum condenatório de agente político (prefeito) não podem alcançar novo mandato de modo a afastá-lo do cargo atual. Na hipótese, a interpretação extensiva do art. 83 da Lei de Licitações e Contratos não pode ser admitida porque o mandato do recorrido (2001-2004) expirou antes de ele ser julgado pelo crime cometido, não podendo perder o cargo atual para o qual foi reeleito em 2009. É que a perda do cargo público (sanção administrativa) é um efeito da condenação pelos crimes definidos na lei supradita, logo o afastamento deve ser daquele cargo que permitiu o cometimento do crime, e não de outro que, no futuro, venha a ser ocupado pelo condenado, como ocorreu na espécie. Ademais, ressaltou-se que, em observância ao princípio da legalidade, caso o legislador objetivasse proibir novas investiduras em cargos públicos de agente político criminalmente condenado, deveria, como efeito da sanção penal – nos termos do dispositivo mencionado –, afirmar literalmente tal impedimento legal (como ocorre, por exemplo, na denominada Lei da Ficha Limpa, em relação à inelegibilidade para cargo público), entretanto, in casu, essa determinação não ocorreu. (REsp 1.244.666-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 16/8/2012). [5]
Pelos fundamentos expostos na ementa acima, bem como pela exigência do §2º do art. 55, da Constituição Federal, antes mencionado, podemos afirmar que o Supremo Tribunal Federal agiu acertadamente, uma vez que a condenação criminal do Senador Ivo Cassol (PP-RO) decorreu de ato praticado no exercício de mandato de prefeito da cidade de Rolim de Moura (RO) no período de 1998 a 2002. Assim, a perda do Cargo, somente poderá ocorrer por deliberação do Senado, uma vez transitada em julgado a sentença penal condenatória, aplicando-se a regra do § 2º do art. 55, da CF.
Neste sentido, caso não haja a cassação do mandato por parte do Senado, teremos um Senador com os seus direitos políticos suspensos exercendo mandato parlamentar? Entendemos que não, pois se a condenação criminal implica em suspensão dos efeitos políticos, como o parlamentar vai exercer a sua função que é tipicamente política? Assim, se não houver a perda do mandato parlamentar pelo Poder Judiciário, como efeito de condenação criminal, deverá a respectiva casa decidir ou declarar a perda do cargo, em homenagem ao art. 15, III da CF que é autoaplicável, evitando-se ainda, que um parlamentar receba subsídios sem prestar a atividade parlamentar que tem como fundo o exercício do voto (suspenso por força do art. 15, III da CF). Vejamos o seguinte julgado do STF:
A norma inscrita no art. 15, III, da Constituição reveste-se de autoaplicabilidade, independendo, para efeito de sua imediata incidência, de qualquer ato de intermediação legislativa. Essa circunstância legitima as decisões da Justiça Eleitoral que declaram aplicável, nos casos de condenação penal irrecorrível, e enquanto durarem os seus efeitos, como ocorre na vigência do período de prova do sursis, a sanção constitucional concernente à privação de direitos políticos do sentenciado. Precedente: RE 179.502-SP (Pleno). (RMS 22.470-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 11-6-1996, Primeira Turma, DJ de 27-9-1996.) Vide: RE 577.012-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 9-11-2010, Primeira Turma, DJE de 25-3-2011.
Importa lembrar que a Constituição Federal, no seu art. 14, parágrafo único, dispõe que a lei complementar irá regular as hipóteses de inelegibilidade, o que foi feito através da Lei Complementar n. 64/90, sendo que como dito, a condenação criminal faz suspender os direitos políticos (art. 15, III, CF), até a extinção da pena, ocasião em que o condenado terá os seus direitos políticos restaurados, exceto se o crime não estiver relacionado na Lei Complementar n. 64/90, pois ela prevê a inelegibilidade no prazo ocorrido desde a condenação, até 08 anos após o cumprimento da pena, conforme art. 1º, in. I, alínea “e”, com redação data pela LC. n. 135/2010, senão vejamos:
Art. 1º São inelegíveis: I - para qualquer cargo:
[...]
e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes([6]):
1) contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público;
2) contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência;
3) contra o meio ambiente e a saúde pública;
4) eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade;
5) de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública;
6) de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores;
7) de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos;
8) de redução à condição análoga à de escravo;
9) contra a vida e a dignidade sexual; e
10) praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando;
Observe que a Lei Complementar n. 64/90 trata da inelegibilidade, sendo possível a coexistência da inelegibilidade e a suspensão dos direitos políticos, ou seja, no caso do Senador Ivo Cassol, se o Senado não decretar a perda do seu mandato, teremos um Senador com os direitos políticos suspensos, até a extinção da pena, e inelegível até oito anos após o cumprimento da pena que foi de 4 anos, 8 meses e 26 dias, uma vez os crimes licitatórios, tem como tutela jurídica a administração pública.
Veja que a aplicação da inelegibilidade cumulada com a suspensão dos direitos políticos já foi alvo de contestação no Supremo Tribunal Federal, quando decidiu da seguinte forma:
A inelegibilidade tem as suas causas previstas nos §§ 4º a 9º do art. 14 da Carta Magna de 1988, que se traduzem em condições objetivas cuja verificação impede o indivíduo de concorrer a cargos eletivos ou, acaso eleito, de os exercer, e não se confunde com a suspensão ou perda dos direitos políticos, cujas hipóteses são previstas no art. 15 da Constituição da República, e que importa restrição não apenas ao direito de concorrer a cargos eletivos (ius honorum), mas também ao direito de voto (ius sufragii). Por essa razão, não há inconstitucionalidade na cumulação entre a inelegibilidade e a suspensão de direitos políticos. (ADC 29; ADC 30 e ADI 4.578, Rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 16-2-2012, Plenário, DJE de 29-6-2012.)[7]
Vale mencionar que a "suspensão dos direitos políticos" decorrente de condenação criminal (art. 15, III da CF), tem prazo certo, ou seja, até a extinção da punibilidade, ocasião em que os direitos políticos são restaurados (pode votar e ser votado). Por outro lado, se a condenação ocorreu por um dos crimes previstos na Lei Complementar n. 64/90 a inelegibilidade vai desde a condenação criminal com trânsito em julgado até oito anos após a extinção da punibilidade (não pode ser votado e nem eleito), ou seja, após a extinção de punibilidade, teremos uma pessoa inelegível, mas com os seus direitos políticos restaurados (uma vez que a suspensão do art. 15, III da CF, deixou de existir), implicando dizer que tal pessoa não poderá ser eleito (ius honorum), mas poderá votar (ius sufragii).
Quando o legislador constituinte fez constar a perda do mandado parlamentar por condenação criminal em sentença transitada em julgado ( art. 55) e no seu §2º exigiu que "a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa", não pretendeu impedir que o Poder Judiciário aplicasse a perda do mandato como efeito de condenação, previsto no art. 92, I, alínea "a" e "b" do Código Penal. A regra deste dispositivo é válida para todo cidadão brasileiro.
Veja que na Ação Penal 470, conhecida como "o Mensalão", o Supremo decretou a perda dos mandatos, utilizando a regra do Código Penal, senão vejamos:
O STF recebeu do Poder Constituinte originário a competência para processar e julgar os parlamentares federais acusados da prática de infrações penais comuns. Como consequência, é ao STF que compete a aplicação das penas cominadas em lei, em caso de condenação. A perda do mandato eletivo é uma pena acessória da pena principal (privativa de liberdade ou restritiva de direitos), e deve ser decretada pelo órgão que exerce a função jurisdicional, como um dos efeitos da condenação, quando presentes os requisitos legais para tanto. Diferentemente da Carta outorgada de 1969, nos termos da qual as hipóteses de perda ou suspensão de direitos políticos deveriam ser disciplinadas por lei complementar (art. 149, § 3º), o que atribuía eficácia contida ao mencionado dispositivo constitucional, a atual Constituição estabeleceu os casos de perda ou suspensão dos direitos políticos em norma de eficácia plena (art. 15, III). Em consequência, o condenado criminalmente, por decisão transitada em julgado, tem seus direitos políticos suspensos pelo tempo que durarem os efeitos da condenação. A previsão contida no art. 92, I e II, do CP, é reflexo direto do disposto no art. 15, III, da CF. Assim, uma vez condenado criminalmente um réu detentor de mandato eletivo, caberá ao Poder Judiciário decidir, em definitivo, sobre a perda do mandato. Não cabe ao Poder Legislativo deliberar sobre aspectos de decisão condenatória criminal, emanada do Poder Judiciário, proferida em detrimento de membro do Congresso Nacional. A Constituição não submete a decisão do Poder Judiciário à complementação por ato de qualquer outro órgão ou Poder da República[8]. Não há sentença jurisdicional cuja legitimidade ou eficácia esteja condicionada à aprovação pelos órgãos do Poder Político. A sentença condenatória não é a revelação do parecer de umas das projeções do poder estatal, mas a manifestação integral e completa da instância constitucionalmente competente para sancionar, em caráter definitivo, as ações típicas, antijurídicas e culpáveis. Entendimento que se extrai do art. 15, III, c/c o art. 55, IV, § 3º, ambos da CR. Afastada a incidência do § 2º do art. 55 da Lei Maior, quando a perda do mandato parlamentar for decretada pelo Poder Judiciário, como um dos efeitos da condenação criminal transitada em julgado. Ao Poder Legislativo cabe, apenas, dar fiel execução à decisão da Justiça e declarar a perda do mandato, na forma preconizada na decisão jurisdicional. Repugna à nossa Constituição o exercício do mandato parlamentar quando recaia, sobre o seu titular, a reprovação penal definitiva do Estado, suspendendo-lhe o exercício de direitos políticos e decretando-lhe a perda do mandato eletivo. A perda dos direitos políticos é ‘consequência da existência da coisa julgada’. Consequentemente, não cabe ao Poder Legislativo ‘outra conduta senão a declaração da extinção do mandato’ (RE 225.019, rel. min. Nelson Jobim). Conclusão de ordem ética consolidada a partir de precedentes do STF e extraída da CF e das leis que regem o exercício do poder político-representativo, a conferir encadeamento lógico e substância material à decisão no sentido da decretação da perda do mandato eletivo. Conclusão que também se constrói a partir da lógica sistemática da Constituição, que enuncia a cidadania, a capacidade para o exercício de direitos políticos e o preenchimento pleno das condições de elegibilidade como pressupostos sucessivos para a participação completa na formação da vontade e na condução da vida política do Estado. No caso, os réus parlamentares foram condenados pela prática, entre outros, de crimes contra a administração Pública. Conduta juridicamente incompatível com os deveres inerentes ao cargo. Circunstâncias que impõem a perda do mandato como medida adequada, necessária e proporcional. Decretada a suspensão dos direitos políticos de todos os réus, nos termos do art. 15, III, da CF. (AP 470, rel. min. Joaquim Barbosa, julgamento em 17-12-2012, Plenário, DJE de 22-4-2013.)[9]
Nesta hipótese, havendo a perda do mandato na esfera judicial, cabe ao julgador comunicar o parlamento, que deverá aplicar a regra do §3º do art. 55 da CF, ou seja, declarar a perda do mandato: "a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa". Ora, parece ilógico que o Superior Tribunal Eleitoral possa decretar a perda do mandato do parlamentar e o Supremo Tribunal não. Observe que o Supremo já enfrentou esta problemática em outra ocasião:
Perda dos direitos políticos: consequência da existência da coisa julgada. A Câmara de Vereadores não tem competência para iniciar e decidir sobre a perda de mandato de prefeito eleito. Basta uma comunicação à Câmara de Vereadores, extraída nos autos do processo criminal. Recebida a comunicação, o presidente da Câmara de Vereadores, de imediato, declarará a extinção do mandato do prefeito, assumindo o cargo o vice-prefeito, salvo se, por outro motivo, não possa exercer a função. Não cabe ao presidente da Câmara de Vereadores outra conduta senão a declaração da extinção do mandato. (RE 225.019, Rel. Min. Nelson Jobim, julgamento em 8-9-1999, Plenário, DJ de 26-11-1999.)
Ressalte-se que é condição sine qua non que haja a sentença penal condenatória com transito em julgado, pois enquanto não houver esgotados todos os recursos admitidos em direito, não haverá sentença definitiva e consequentemente a perda do mandato ou a suspensão dos direitos políticos, tem que aguardar o trânsito em julgado, senão vejamos:
A exigência de coisa julgada – que representa, na constelação axiológica que se encerra em nosso sistema constitucional, valor de essencial importância na preservação da segurança jurídica – não colide, por isso mesmo, com a cláusula de probidade administrativa nem com a que se refere à moralidade para o exercício do mandato eletivo, pois a determinação de que se aguarde a definitiva formação da autoridade da res judicata, além de refletir um claro juízo de prudência do legislador, quer o constituinte (CF, art. 15, III), quer o comum (LC 64/1990, art. 1º, I, d, g e h), encontra plena justificação na relevantíssima circunstância de que a imposição, ao cidadão, de gravíssimas restrições à sua capacidade eleitoral, deve condicionar-se ao trânsito em julgado da sentença, seja a que julga procedente a ação penal, seja aquela que julga procedente a ação civil por improbidade administrativa (Lei 8.429/1992, art. 20, caput). Mostra-se relevante acentuar o alto significado que assume, em nosso sistema normativo, a coisa julgada, pois, ao propiciar a estabilidade das relações sociais e, ao dissipar as dúvidas motivadas pela existência de controvérsia jurídica (res judicata pro veritate habetur) e, ao viabilizar a superação dos conflitos, culmina por consagrar a segurança jurídica, que traduz, na concreção de seu alcance, valor de transcendente importância política, jurídica e social, a representar um dos fundamentos estruturantes do próprio Estado Democrático de Direito. (AC 2.763-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 16-12-2010, DJE de 1º-2-2011.).
Por fim, quando foi divulgada a condenação do Senador Ivo Cassol pelos meios midiáticos, as notícias davam conta que o Supremo Tribunal Federal havia mudado o seu posicionamento quanto a decretação da perda do mandato parlamentar como efeito da condenação, uma vez que no caso "Mensalão" decretou a perda do cargo e no caso Senador Ivo Cassol deixou para o Senado fazê-lo. Na verdade, não houve mudança de posicionamento, apenas a aplicação correta da Lei, visto que no caso Mensalão, como o próprio nome diz, as condutas se renovavam no tempo, ultrapassando mandatos eletivos, persistindo as condutas criminosas, o que em tese, estaria abarcado pela súmula 711 do STF, que trata da continuidade delitiva ou crime permanente: "A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência". Já no Senador Ivo Cassol, não exercia mais o cargo de prefeito, onde praticou a conduta que se deu antes de 2002, motivo pelo qual não havia cargo a ser perdido, porque não estava mais no exercício do mandato de prefeito.
4 CONCLUSÃO
Ante o exposto, uma vez analisada a perda do mandato parlamentar, decorrente de condenação criminal, bem como por decisão da Casa Legislativa, além de discorrer sobre o a suspensão dos direitos políticos, previsto na Constituição Federal, podemos chegar às seguintes conclusões:
a) Toda condenação criminal transitada em julgado ensejará a suspensão dos direitos políticos, independentemente da pena aplicada, conforme se depreende do art. 15, inc. III da CF, sendo que essa regra é aplicada para qualquer cidadão brasileiro.
b) Havendo condenação criminal transitada em julgado de um parlamentar ou qualquer pessoa que exerça mandato político, deverá a Casa Política declarar a perda do mandato, uma vez que é o exercício da função política é incompatível com a suspensão de direitos políticos, devendo ser aplicado o art. 55, inc. IV e §3º da CF.
c) Nem toda condenação criminal ocorrerá a perda do mandato parlamentar, uma vez que, o art. 92, I do CP, exige alguns requisitos legais, mas todas elas ensejarão a suspensão dos direitos políticos e, consequentemente, a obrigação da Casa Legislativa a declarar a perda do cargo parlamentar.
d) Nas hipóteses em que o Poder Judiciário decretar a perda do mandato parlamentar, quando da condenação criminal, aplicando-se as regras do art. 92, I do CP, transitando em julgado, basta a comunicação à Casa Legislativa, para que esta providencie a "declaração" da perda do cargo, ou seja, deverá cumprir a decisão judicial.
e) É possível que uma pessoa esteja inelegível e com os direitos políticos suspensos, uma vez que a suspensão dos direitos políticos decorrente de condenação criminal, tem seus efeitos até a extinção de punibilidade, no entanto, a inelegibilidade por força do comando inserto na Lei Complementar n. 64/90, tem seu efeito até oito anos após a extinção de punibilidade, desde que a condenação se dê em um crime relacionado na referida Lei Complementar.
f) Havendo condenação criminal, sem perda do mandato, o que gerará a suspensão dos direitos políticos, apesar da Constituição Federal deixar a entender que a Casa Legislativa tem a opção de "decidir" pela perda do mandato, entendemos que no caso dela decidir pela não cassação, teríamos um parlamentar com os direitos políticos suspensos, dependendo do crime, inelegível e exercendo mandato, o que em tese, seria um ato de improbidade administrativa (Lei n. 8.429/92), pois estaria recebendo sem trabalhar, uma vez que o mandato implica no exercício de voto, que estaria suspenso nos termos do art. 15, III da CF.
[1] Ver notícia no STF disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=245227 >. Acesso em 12 agos. 2013.
[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000171864&base=baseAcordaos>. Acesso em: 18 agos. 2013.
[3] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000117333&base=baseAcordaos>. Acesso em: 18 agos. 2013.
[4] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000099555&base=baseAcordaos >. Acesso em: 18 agos. 2013.
[5] Decisão publicada no Informativo n. 502 do STJ. Disponível em:< http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=25890.38543 >. Acesso em: 18 agos. 2013.
[6] Todos os 10 itens incluídos pela Lei Complementar nº 135, de 2010.
[7] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000189709&base=baseAcordaos >. Acesso em: 18 agos. 2013.
[8] Se fosse exigida a complementação de outro órgão do poder, não haveria indepência dos poderes constituídos.
[9] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: . Acesso em: 12 agos. 2013.
Mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada - Espanha. Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo UNICEUB. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo ICAT/UDF. Pós-graduado em Gestão Policial Judiciária pela ACP/PCDF-FORTIUM. Professor Universitário de Direito Penal e Orientação de Monografia. Advogado. Delegado de Polícia da PCDF (aposentado). Já exerceu os cargos de Coordenador da Polícia Legislativa da Câmara Legislativa do Distrito Federal (COPOL/CLDF), Advogado exercendo o cargo de Assessor de Procurador-Geral da CLDF. Chefe de Gabinete da Administração do Varjão-DF. Chefe da Assessoria para Assuntos Especiais da PCDF. Chefe da Assessoria Técnica da Cidade do Varjão - DF; Presidente da CPD/CGP/PCDF. Assessor Institucional da PCDF. Secretário Executivo da PCDF. Diretor da DRCCP/CGP/PCDF. Diretor-adjunto da Divisão de Sequestros. Chefe-adjunto da 1ª Delegacia de Polícia. Assessor do Departamento de Polícia Especializada - DPE/PCDF. Chefe-adjunto da DRR/PCDF. Analista Judiciário do TJDF. Agente de Polícia Civil do DF. Agente Penitenciário do DF. Policial Militar do DF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COIMBRA, Valdinei Cordeiro. As hipóteses de perda de mandato parlamentar no Brasil decorrente dos efeitos da condenação criminal e a suspensão dos direitos políticos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 ago 2013, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/1588/as-hipoteses-de-perda-de-mandato-parlamentar-no-brasil-decorrente-dos-efeitos-da-condenacao-criminal-e-a-suspensao-dos-direitos-politicos. Acesso em: 29 nov 2024.
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