O homem é resultado do seu próprio desenvolvimento, do meio em que vive, de sua própria evolução. O mesmo pode-se observar no reflexo das leis emanadas dos eméritos legisladores, representantes diretos dos anseios do homem/sociedade(?!). É o que demonstra um projeto de lei apresentado no Congresso Nacional, o qual pretende instituir a profissão de “trabalhadores da sexualidade” na seara trabalhista pátria. Dentre algumas vertentes, a proposta legislativa pretende regulamentar a profissão de prostituta no Brasil.
Surge então a primeira discussão diante dessa proposta: as nomenclaturas prostituta e puta se confundiriam? A prostituta de hoje seria a puta de ontem? Ou puta que se preze, jamais prostituta será?
O nobre leitor pode estar a se perguntar qual o propósito dessa discussão, aparentemente, “prima facie”, desarrazoado. Eis que explico.
A puta, ela também se perfaz em cultura, é história e tem história (e como tem).
Várias são as versões históricas para explicar o aparecimento das putas. Da mitologia romana, depreende-se que puta era uma deusa. Dentre tantas outras deusas, a puta era uma deusa da agricultura, a qual presidia, fiscalizava e autorizava a poda das árvores. Em honra à deusa puta eram dedicados festivais, quando celebravam a poda das árvores. Esses festivais duravam sete dias, quando sacerdotisas incorporadas manifestavam-se oferecendo um bacanal sagrado em honra à deusa puta.
Diz-se que etimologicamente o termo puta tenha origem no latim, ocupando significado de poda – ato de podar (árvores). Sugere-se, também, que a puta derive do latim “putta”, que se refere à menina, criança.
Com o advento da possível lei, as prostitutas passarão à condição de Trabalhadoras Sexuais. Terão, então, direito à carteira de trabalho assinada, décimo terceiro salário, férias, abono salarial, um terço de férias, aviso prévio, licença gestacional, auxílio doença... Caso trabalhem como prestadoras de serviço, aí incidirá o ISS - imposto sobre serviço.
Imagine-se a prostituta, ao findar a prestação do serviço sexual, voltar ao seu contratante e indagar: “senhor, estamos cobrando 5% de ISS”. Ou, quem sabe, durante a execução do serviço sexual, voltar-se ao cliente, fechar as torneadas pernas e dizer: “senhor, desculpe, mas já estamos encerrando o atendimento por hoje” (pois terá que “bater o ponto”).
Em contrassenso, de acordo a atual legislação que vigora no Brasil, quem mantém casas de prostituição incide em crime, sujeitando-se à pena de reclusão de dois a cinco anos, mais multa. Numa comparação esdrúxula, é como se fosse proibido manter aberta uma sorveteria: vender o sorvete pode, só não pode vender em sorveteria! Vender pão pode, só não pode vender em padaria!
Com a devida venia (retornando às putas), esse contexto comportamental não se amolda à secular classe das putas. Pois, puta é tradição cultural, se não patrimônio da humanidade. O festejado Jorge amado que o diga, pois não deixava de fora de seus romances uma puta sequer. Note que nesse caso, as putas não eram deusas, como na Roma antiga, mas “imortais”, mundialmente conhecidas, como Tereza Batista e Tieta.
Imagine o saudoso escritor tratando da “Tereza Batista Cansada de Guerra” após a entrada em vigor da lei em comento. Crê-se que não seria possível, pois, Tereza, antes de seu suplício, certamente se afastaria do seu labor beneficiada pelo auxílio doença - síndrome do pânico, talvez. E Tieta? Imagine a puta Tieta acionando na justiça do trabalho a Igreja Católica em razão de trabalho sexual de desvirginamento prestado em favor do seminarista Ricardo, seu sobrinho.
O velho jargão popular “puta de carteirinha” foi levado a sério demais. “Puta de carteirinha” em nada se assemelha à prostituta com carteira de trabalho assinada, burocratizada. Querem prostituir o sentido popular cultural das putas.
Logo cairá no esquecimento cultural a famosa mulher de vida licenciosa, mulher da vida, rameira, a cortesã. Da mesma forma desaparecerá a bagaxa, biraia, bisca, biscaia, biscate, cadela, canguicha, cantoneira, carapanã, carcaia, chobrega, côngria, cotruvia, cróia, frega, fuampa, fubana, gabirua, galdéria, galinha, galiquenta, galvinhão, ganapa, gira-bolsinha, hetaira, jereba, juruveva, lafranha, léia, leona, madama, marafaia, marafona, maria-do-cais, messalina, michê, minólia, morubixaba.
Quem mais lembrará da mulher à-toa, mulher da rua, mulher da zona, mulher de vida fácil, mulher perdida, piranha, pirara, piroqueira, pistoleira, piturisca, prejereba, puara, puriba, putana, puteira, quenga, querrenca, rabaceira, rampeira, rampideira, rascoa, ratuína, rongó, surrubango, sutanha, taioba, tamanqueira, vagaba, ou simplesmente e carinhosamente da inesquecível Tia.
José Ricardo Chagas
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